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A prática de contenção dos recursos especiais baseada em uma interpretação restritiva e formalista dos seus requisitos de admissibilidade

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23/01/2012 às 07:58
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4 O JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL NA PRÁTICA

Conforme já foi explicitado, o juízo de admissibilidade deve funcionar como uma espécie de “triagem”, para que só se submetam a julgamento os recursos que atendam aos requisitos necessários à análise do conteúdo da impugnação.

Ocorre que, na prática, o juízo de admissibilidade do recurso especial tem se tornado um obstáculo quase intransponível para os recorrentes. Isso porque os requisitos de admissibilidade, denominados “filtros” recursais, tem tido uma interpretação cada vez mais restritiva, prestigiando-se o rigorismo formal em detrimento da efetividade da prestação jurisdicional. 

Como vimos no segundo capítulo deste trabalho, o principal objetivo da criação do Superior Tribunal de Justiça foi a liberação do Supremo Tribunal Federal, que se encontrava em crise em face do soberbo volume de processos recebidos, para que este pudesse atuar exclusivamente como guardião da Constituição Federal, ficando a matéria infraconstitucional absorvida pelo novo órgão.

Ocorre que, como é de conhecimento de todos, o Superior Tribunal de Justiça inevitavelmente foi assolado por semelhante problema. O grande volume de processos protocolados levou o Superior Tribunal de Justiça a adotar uma postura repulsiva em relação a eles. Optou-se pela eliminação dos processos em detrimento da solução dos litígios e da viabilização dos princípios da inafastabilidade do Poder Judiciário e do acesso à ordem jurídica justa.

A “corrida” pela eliminação de processos inicia-se já no plano dos tribunais locais, que, extrapolando os limites de sua competência, realizam mais do que um mero juízo de admissibilidade, chegando a proferir uma espécie de prévio julgamento da demanda; e tem continuidade no Superior Tribunal de Justiça, que apresenta uma postura repulsiva e excessivamente formalista.

Conforme foi abordado no capítulo anterior, o recurso especial, por sua qualidade de recurso excepcional, de estrito direito e fundamentação vinculada, bem como em face da função atribuída constitucionalmente ao tribunal competente para o seu julgamento, deve atender a regras de admissibilidade diferenciadas em relação aos recursos comuns.

Essa necessidade advém, como já foi afirmado anteriormente, da finalidade do próprio recurso prevista na Carta Magna, qual seja a de “restabelecer a inteireza positiva do direito federal, fixar-lhes a interpretação e preservar-lhes a autoridade”. (MANCUSO, 2010, p. 145). Apenas por via reflexa é restaurado o direito subjetivo suscitado pelo recorrente.

A existência propriamente dita dos “filtros” recursais, portanto, é totalmente legítima, pois assegura o alcance da finalidade precípua para qual o recurso foi criado. O problema consiste na maneira, muitas vezes exagerada, com que estes filtros têm sido interpretados e aplicados nos casos concretos.

4.1 A interpretação restritiva dos pressupostos de admissibilidade e o excesso de formalismo

As decisões de inadmissão e não conhecimento do recurso especial, tanto no âmbito dos tribunais locais como do próprio Superior Tribunal de Justiça têm se mostrado excessivamente rigorosas quando à interpretação dos pressupostos de admissibilidade, impondo aos recorrentes restrições ilegítimas com sacrifício à própria legislação processual e aos princípios constitucionais.

Nos tópicos, seguintes serão abordadas algumas das situações mais frequentes em que os tribunais, quando do juízo de admissibilidade do recurso especial, interpretam de forma distorcida e excessivamente restritiva os pressupostos de admissibilidade do recurso e utilizam-nos para atender aos seus interesses de contenção dos recursos e controle de demanda, violando o direito de acesso à justiça e deixando em segundo plano a efetiva prestação jurisdicional.

4.1.1 A exigência de demonstração da efetiva violação à lei

Sabe-se que uma das hipóteses de cabimento do recurso especial é a alegação pelo recorrente de que o acórdão violou um dispositivo de lei federal ou tratado, conforme estabelece o art. 105, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal (Brasil, 1988).

Ocorre que, quando da realização do juízo de admissibilidade, os tribunais locais, muitas vezes, negam seguimento ao recurso sob o fundamento de que não haveria ocorrido a mencionada violação.

Não obstante o que já foi dito nas linhas anteriores deste estudo, nas quais se destacou a distinção entre juízo de mérito e de admissibilidade, tantos os tribunais locais como o próprio Tribunal Superior, quando do juízo de admissibilidade, ao invés de realizarem o simples exame dos pressupostos de admissibilidade do recurso, têm tangenciado e até mesmo invadido o mérito da causa, realizando uma espécie de julgamento precário do processo.

A problemática é ainda maior no caso dos tribunais locais, tendo em vista que o poder de apreciar o mérito da causa foi conferido exclusivamente à instância especial pelo próprio texto constitucional.

Tratando do assunto, Mansur (2001, p. 62) menciona que a corte local “confundindo os pressupostos de admissibilidade do recurso com o próprio mérito, exige, para a sua admissão, que este seja procedente em seu mérito, matéria cuja apreciação constitucionalmente está afeta às Cortes Superiores”.

Embora a efetiva violação à lei federal ou tratado seja claramente o objeto do juízo de mérito, a admissão do recurso especial tem sido condicionada à demonstração dessa violação, o que, na verdade, deveria ser apreciado somente no Superior Tribunal de Justiça, como pressuposto para a decisão de provimento ou desprovimento do recurso.

Consiste essa situação em uma atecnia processual, haja vista que, conforme observa Françolin (2006, p. 654) “a lei não deixa dúvida alguma de que o tribunal local exerce uma atividade absolutamente vinculada ao exame dos requisitos de admissibilidade do recurso especial”

Ocorre que a referida prática é autorizada pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, que, incorporando a “corrida” pela eliminação dos processos, permite aos tribunais locais o exercício de atividade de sua própria competência.

A posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme aduz Mancuso (2010, p. 160), é que “o juízo de admissibilidade do recurso especial realizado nos tribunais de origem deve ser amplo, em ordem a ser examinado tudo o que esteja contido na rubrica do cabimento desses recursos, o que, por vezes, acaba por resvalar nas questões de fundo”.

Pode-se extrair essa linha entendimento a partir da leitura do seguinte trecho retirado do voto do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira quando do julgamento de um Agravo Regimental:

Em primeiro lugar, é pacífica a orientação desta Corte no sentido da possibilidade de o juízo de admissibilidade adentrar o mérito recursal, conforme se colhe dos AgRg/Ags 35.315-PE (DJ 8/11/93) e 173.195-SP (DJ 21/9/98), relatados, respectivamente pelo Ministro Cesar Rocha, quando ainda integrava a Primeira Turma, e por mim, assim ementados, no ponto:

(...)

I - É possível o juízo de admissibilidade adentrar o mérito do recurso, na medida em que o exame da sua admissibilidade, pela alínea a, em face dos pressupostos constitucionais, envolve o próprio mérito da controvérsia. (STJ, AgRg 22000)

Contudo, tendo como base a brilhante doutrina de Moreira (2009, p. 116), o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que autoriza o tribunal recorrido a exercer verdadeiro juízo de provimento do recurso excepcional “contraria o aspecto de que o juízo de admissibilidade há de ser preliminar ao juízo de mérito”.

Conforme aduz Pinto (2002, p.194), as hipóteses de cabimento desses recursos correspondem ao tipo de vício que pode ser apontado na decisão e a sua admissibilidade é condicionada não à demonstração, que corresponde ao próprio mérito do recurso, mas à alegação e apontamento do vício.

Nota-se que a apreciação do mérito na fase em que deveriam ser examinados simplesmente requisitos de aspecto processual-formal é evidentemente incompatível com a legislação processual.

   “Decisões como esta vão de encontro com diversos princípios, mas salta aos olhos a usurpação de competência dos tribunais locais, já que somente aos tribunais superiores está reservada a tarefa de apreciar o mérito dos recursos”. (FRANÇOLIN, 2006, p. 656)

Cavalcante (2003, p. 123), entende ser correta a amplitude dada ao juízo de admissibilidade no tribunal recorrido, já que “prestigia as instâncias ordinárias, pois o juízo negativo de admissibilidade, se não sofrer ataque mediante o agravo de instrumento específico, será a decisão definitiva da causa, emanada da própria instância ordinária.”

Ocorre que, como é sabido, é raríssima, nos dias de hoje, a situação em que o recorrente, diante do não conhecimento do recurso especial, não interponha o recurso de agravo contra esse juízo negativo.

Conforme o último Relatório Estatístico do Superior Tribunal de Justiça (STJ, 2010), em 2010 foram julgados 330.283 processos. Desse total, 69.797 referem-se a Recurso Especial e 131.379 correspondem a Agravo (a 14,77% foi dado provimento, a 57,65% negado, 25,18% não foram conhecidos e 2,40% incluem-se na categoria “outros”).

Por outro lado, essa prática causa sério prejuízo à parte, já que, apesar de esta poder se valer do agravo de despacho denegatório que, necessariamente, será dirigido diretamente à instância superior, terá de se valer de um novo recurso e aguardar um tempo muito maior para ver sua pretensão apreciada.

Não se pode exigir que o recurso seja procedente para que seja admissível, como observa Moreira (2009, p. 592), in verbis:

Se o texto constitucional, querendo indicar hipótese de cabimento, usou, por impropriedade técnica, expressão que já desenha hipótese de procedência, isso não é razão para que se deixe de atender à distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito. Por outro lado, já que a ocorrência efetiva do esquema consagrado no texto constitucional constitui requisito de procedência, seria absurdo exigi-la para declarar admissível o recurso: não se pode condicionar a admissibilidade à procedência, pois esta pressupõe aquela, e para chegar-se à conclusão de que um recurso merece provimento é logicamente necessário que, antes, se haja transposto a preliminar. Requisito de admissibilidade será, então, a mera ocorrência hipotética (isto é, alegada) do esquema constitucional [...]

Pinto (1996, 119-120), com a coerência que lhe é peculiar, explicita que a demonstração do cabimento do Recurso Especial com base na alínea “a”, do art. 105, inciso III, deve consistir em uma alegação razoável de que a decisão recorrida teria contrariado dispositivo de lei federal ou tratado, ficando o exame da efetiva contrariedade ou negativa de vigência reservado ao Superior Tribunal de Justiça, para análise quando do posterior exame de mérito do recurso, o qual resultará no provimento ou não do mesmo, e não no seu conhecimento ou inadmissão.

Para o autor, a alegação razoável significa a probabilidade de ter havido a alegada contrariedade ou negativa de vigência ao dispositivo legal invocado. Como exemplo, afirma ser razoável a alegação caso o tribunal a quo, ao julgar a apelação do recorrente, tenha enfrentado a questão para cuja solução demandaria efetivamente a interpretação e a aplicação do dispositivo legal invocado.

O exame da plausibilidade da alegação poderia ser comparado, dessa forma, ao exame do fumus boni iuris no processo cautelar, no qual o julgador não pode ingressar propriamente no mérito do recurso.

Ocorre que, na prática, assim não é feito. O próprio Superior Tribunal de Justiça, não raras vezes, deixa de observar a distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito, somente admitindo o recurso pela alínea “a” do art. 105, III da CF/88 quando entende ser este procedente em seu mérito.

Sobre essa situação, Pinto (2002, p. 199) aduz:

Com efeito, procedendo da forma como vem fazendo, está o STJ dando péssimo exemplo aos presidentes e vice-presidentes dos tribunais estaduais, encarregados de exercer o primeiro juízo de admissibilidade do recurso especial. Se esse procedimento ainda se justifica no próprio STJ, que tem também competência para o exame do mérito do recurso especial, o mesmo não ocorre e não se justifica, em hipótese alguma, sendo até mesmo inconstitucional, se adotado nos tribunais a quo, a quem a lei confere competência exclusivamente para o juízo de admissibilidade do recurso.

A exigência da efetiva violação à lei federal para o conhecimento do recurso especial, apesar de comumente constante dos julgamentos proferidos pelos tribunais em sede de juízo de admissibilidade, consiste em verdadeira afronta à lei processual e constitucional, principalmente em relação às regras de competência fixadas.

4.1.2 A vedação ao reexame de matéria fático-probatória na instância especial

Um dos argumentos mais utilizados para a inadmissão de recursos especiais é a existência da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece que “a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. Veja-se um exemplo de sua aplicação:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (STJ, AgRg 1.413.315/RN, 2011)

Como já foi dito anteriormente neste estudo, o recurso excepcional, por ser de estrito direito, não se destina à correção da injustiça do julgado recorrido, mas sim à verificação da correta aplicação do direito federal ao caso concreto. Ademais, quando da sua interposição, há a presunção de que os fatos tenham sido exaustivamente analisados nas instâncias ordinárias.

A proibição de reexame de matéria fático-probatória em sede de recurso especial, portanto, advém exatamente das peculiaridades desta espécie recursal, que se destina à verificação de questões exclusivamente de direito.

  Ocorre que a súmula nº 7 vem sendo utilizada de forma inadequada, resultando na indevida inadmissão dos recursos sob a justificativa da necessidade de consideração de questões fáticas para a aplicação do direito federal.

 Na verdade, a impossibilidade do reexame de matéria fático-probatória em sede de recursos excepcionais não implica que devam ser ignorados os fatos, visto que sua apreciação é indispensável à aplicação do direito e à justa prestação jurisdicional.

Sobre o assunto, elucidativa é a lição Fontoura (1993, p. 75):

Não é exato afirmar que a questão federal é só uma questão de direito. Será de direito sempre, sem dúvida, porque deverá estar em jogo, em forma direta, alguma cláusula de direito federal; ainda assim poderá ser de fato, enquanto seja necessário avaliar fatos para satisfazer os fins próprios do instituto em estudo. Esta última alternativa tem deixado de ser uma exceção para converter-se numa gestão obrigatória sempre que resulte útil cumpri-la, com o objetivo de afiançar, numa situação determinada, a supremacia e a unidade do direito federal.

Wambier (1997, p. 448-449), ressalta a dificuldade existente na distinção entre questões de fato e questões de direito, já que “o fenômeno do direito ocorre, de fato, no momento da incidência da norma no mundo real, no universo empírico”.

É que, segundo observa a autora, as decisões judiciais somente podem ser proferidas mediante a prévia análise e qualificação dos fatos e posterior subsunção à norma.

Tem-se, assim, que o que se veda em sede de recurso especial é a análise de questões predominantemente fáticas e a formação de uma nova convicção acerca destas, sendo proibido, portanto, que seja alterada a versão dos fatos dada pelo acórdão recorrido.

Relevante é o entendimento de Oliveira (2007, p. 302):

 O mundo jurídico lida com valores, e o efeito (jurídico) da norma não é nem o simples valor nem o simples fato, mas o valor atribuído ao fato, conforme o enquadramento realizado pela norma. Nisso reside o specificum do fenômeno jurídico, constituído sempre de fato valorado pela regra jurídica.

As decisões que se utilizam da Súmula nº 7 do STJ com fundamento em que não seria permitida a apreciação dos fatos na instância especial, mostram-se, desta feita, excessivamente restritivas e contrariam a própria natureza do recurso especial, haja vista que, sendo este destinado à preservação da inteireza e uniformidade do direito federal, não se pode deixar de considerar os fatos quando da verificação da correta interpretação e aplicação da lei ao caso concreto.

4.1.3 A necessidade de a questão federal haver sido prequestionada

Não obstante a inexistência de previsão legal ou constitucional a respeito da exigência do requisito do prequestionamento, a jurisprudência é uníssona e a doutrina é majoritária no sentido de que a sua necessidade advém da exigência constitucional de que os recursos excepcionais deverão ser interpostos em face de causas decididas em única ou última instância.

Apesar da certeza dessa exigência, existe uma série de entendimentos em relação ao seu conceito, ao momento em que deve surgir, o modo como se dá sua exteriorização e quando ele efetivamente se caracteriza como pressuposto específico de admissibilidade dos recursos excepcionais.

Sobre o conceito de prequestionamento nos recursos excepcionais, Medina (2005, p. 217-218) cita três definições existentes:

a)      Prequestionamento como manifestação expressa do Tribunal recorrido acerca de determinado tema;

b)      Prequestionamento como debate anterior à decisão recorrida, acerca do tema, hipótese em que o mesmo é muitas vezes considerado como ônus atribuído à parte;

c)      A soma das duas tendências citadas, ou seja, prequestionamento como prévio debate acerca do tema de direito federal ou constitucional, seguido de manifestação expressa do Tribunal a respeito.

Expondo a sua opinião sobre o tema, a qual possui relevante importância, afirma o supracitado autor ser o prequestionamento apenas um meio através do qual se leva a conhecimento do órgão a quo a questão federal ou constitucional. Esta última, sim, há que estar presente na decisão recorrida, mas poderá surgir mesmo que ausente a provocação das partes. Sob esse prisma, o verdadeiro requisito de admissibilidade dos recursos excepcionais seria o fato de a matéria federal ou constitucional ter sido efetivamente decidida pelas instâncias ordinárias, seja por ter sido prequestionada, seja por ter surgido espontaneamente na decisão recorrida.

A posição hoje adotada pela doutrina majoritária, contudo, é a de que o prequestionamento seria a própria circunstância de a matéria de direito federal ou constitucional haver sido debatida pelo tribunal, independentemente de ter sido ventilada pela parte recorrente. Atribui-se, tomando como base a doutrina de Medina, a denominação “prequestionamento” ao que corresponde, na verdade, ao requisito do cabimento.

Destacam-se as considerações tecidas por Cavalcante (2003, p. 108) sobre o tema:

Assim a matéria constitucional e/ou federal há de ter sido examinada e julgada pelas instâncias ordinárias, de modo exaustivo, ou seja, depois de esgotados todos os recursos e meios de impugnação, para que se possa almejar o ingresso na instância especial, sendo que para viabilizar mencionada transição de instâncias é preciso ficar evidente que não se cuida de matéria nova, não questionada e nem apreciada pelas instâncias ordinárias, pois do contrário a instância especial acabaria funcionando como instância ordinária, ou seja, o Supremo tribunal federal e o Superior Tribunal de Justiça se tornariam os juízes primeiros a examinar a matéria, quando a Constituição Federal lhes reservou a função de intérpretes finais do Direito quando provocados mediante recursos excepcionais.

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Os Tribunais Superiores, através das seguintes súmulas, fixaram o mesmo entendimento:

Enunciado da súmula 282 do STF: É inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.

Enunciado da súmula 211 do STJ: Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo.

Cite-se, ainda, voto do Ministro Ari Pargendler em sede de Agravo Regimental, o qual demonstra essa linha de entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

O prequestionamento, no recurso especial, é aferido a partir do acórdão recorrido; nada importa que o tema tenha sido suscitado desde a petição inicial, pois é imprescindível que o tema tenha sido decidido a respeito dos artigos de lei federal alegadamente violados, ainda que implicitamente (STJ, AgRGMC n° 3345/ SP, 2001)

Apesar da certa uniformidade quanto ao conceito do prequestionamento no âmbito jurisprudencial, não há um consenso definitivo, entretanto, se o dispositivo constitucional ou lei federal que se tem por violado deve ser expressamente mencionado na decisão recorrida, ou se basta, para a configuração da questão decidida, que a matéria tenha sido apenas levantada e discutida, mesmo que não se mencione determinação constante em lei.

A corrente defensora do prequestionamento explícito, afirma ser imprescindível a menção expressa ao artigo de lei porventura contrariado, ou seja, deve haver a referência ao número e à letra da normal legal tida por violada quando de sua análise por parte do tribunal de origem. A outra sustenta ser suficiente que o tema a respeito do qual versa o dispositivo tenha sido analisado pela corte a quo, mesmo que o dispositivo supostamente violado não tenha sido explicitado no corpo do acórdão.

O Superior Tribunal de Justiça há algum tempo consolidou o entendimento de que não se faz necessário que seja mencionado no acórdão recorrido o dispositivo legal que se alega ter sido violado, bastando que a questão federal tenha sido enfrentada e decidida nas instâncias inferiores. Veja-se:

TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA DE PESSOA JURÍDICA – DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS – IPC – ÍNDICES DE JANEIRO E FEVEREIRO DE 1989 – REFLEXO LÓGICO - PREQUESTIONAMENTO NUMÉRICO - NÃO EXIGÊNCIA. 1. O STJ não exige o chamado prequestionamento numérico para o conhecimento da questão federal, ou seja, aquele em que necessariamente o acórdão recorrido deve registrar o artigo de lei federal que a parte quer debater. Basta que o Tribunal de origem julgue a matéria federal, explicitamente, ainda que não indique o artigo de lei, que é facilmente identificável. 2. O entendimento da Primeira Seção desta Corte é no sentido de que aplica-se o IPC, no percentual de 42,72%, relativo à correção monetária no mês de janeiro/89, que produz efeitos reflexos relativamente ao mês de fevereiro/89. Agravo regimental improvido. (STJ, EDcl nº 416.406/MA, 2008)

O Supremo Tribunal Federal, apesar de haver mitigado a exigência do prequestionamento explícito, ainda exara decisões em que o exige. Vejam-se exemplos das duas posições:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSO CIVIL. PREQUESTIONAMENTO. MENÇÃO EXPRESSA AO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL NA DECISÃO RECORRIDA. DESNECESSIDADE. TRIBUTÁRIO. ICMS EM OPERAÇÃO DE IMPORTAÇÃO DE MERCADORIA. COBRANÇA DO TRIBUTO POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. LEGITIMIDADE. SÚMULA 661 DO STF. AGRAVO IMPROVIDO. I – A exigência do prequestionamento não impõe que a decisão recorrida mencione expressamente o dispositivo constitucional indicado como violado no recurso extraordinário. Basta, para a configuração do requisito, o enfrentamento da questão pelo juízo de origem. II – Nos termos da Súmula 661 do STF, na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro. III - Agravo regimental improvido. (STF, 2011)

DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE, NA HIPÓTESE, DE PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SÚMULA STF 735. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º, LIV, LV, LXIX E 93, IX, DA CF/88. OFENSA REFLEXA. 1. O Supremo Tribunal Federal exige o prequestionamento explícito da matéria impugnada no recurso extraordinário, não admitindo, em princípio, o chamado prequestionamento implícito. 2. Não cabe o apelo extremo contra decisão que concede ou indefere provimentos liminares. Incidência da Súmula STF 735. 3. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que, em regra, as alegações de ofensa a incisos do artigo 5º da Constituição Federal podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição. 4. O fato de a decisão ter sido contrária aos interesses da parte não configura ofensa ao art. 93, IX, da Constituição Federal 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF,  AgRg nº 765.066/RJ, 2011)

Haja vista ser o Supremo Tribunal Federal o guardião da Constituição e, portanto, do alcance dos arts. 102, III e 105, III da Constituição Federal, esta imprecisão causa grande dúvida quanto à exigência do prequestionamento e sua forma de cumprimento, impedindo que os que anseiam a prestação jurisdicional tanto do Superior Tribunal de Justiça como do Supremo Tribunal Federal interponham de forma segura os seus apelos, que fica condicionada a uma questão puramente formal.

Ressalva Costa (1991), em obra a respeito do juízo de admissibilidade do recurso especial, que a exigência do prequestionamento decorre da própria natureza extraordinária do recurso, pouco importando o silêncio da constituição, mas que essa exigência deve ser escoimada dos exageros do formalismo.

Esclarecedora é a lição do Ministro Costa (1991, p. 193):

 Importa é que a questão federal emerja da decisão recorrida, ainda que implicitamente. Exageros seriam a indicação expressa do artigo de lei, para aperfeiçoar-se o prequestionamento, e a necessidade de oposição de embargos declaratórios, para tornar explícito o que, de modo implícito, está contido no acórdão recorrido.

Deve-se considerar que, apesar da facilidade de constatação do prequestionamento quando a contrariedade à lei federal é inequivocamente evidenciada na decisão local através da expressa menção ao dispositivo tido como violado, em alguns casos, não obstante a ausência de identificação dos dispositivos violados, uma leitura mais atenta do acórdão e das manifestações da parte recorrente torna possível a identificação de que o tribunal tratou da tese levantada pela parte. Nestas condições, não há porque não se considerar a causa decidida e, portanto, prequestionada, para fins de recurso especial.

Ocorre que nem sempre assim é entendido, o que contribui para que, cada vez mais, sejam opostos embargos de declaração pelos recorrentes, mesmo inexistindo omissão, obscuridade ou contradição, com o fito de evitar que o especial não seja conhecido por ausência de prequestionamento da matéria.

Este, entretanto, não é o único ponto controvertido acerca do requisito do prequestionamento. É oportuno ressaltar, ainda, que os Tribunais Superiores sedimentaram o entendimento de que a questão recorrida deve ter sido ventilada no voto vencedor e não apenas no voto vencido, o que se extrai dos seguintes julgados:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. VIOLAÇÃO DO ART. 7, II, DA LEI N. 1.533/51. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 282 DO STF. QUESTÃO FEDERAL VENTILADA APENAS NO VOTO VENCIDO DO ACÓRDÃO GUERREADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 320 DESTA CORTE. 1. O voto vencedor do acórdão recorrido não proferiu juízo de valor a respeito do art. 7º, II, da Lei n. 1.533/51, inviabilizando, assim, sua análise em sede de recurso especial por ausência de prequestionamento. Incide, in casu, o Enunciado Sumular n. 282 do Supremo Tribunal Federal. 2. A afirmação constante do voto vencido reconhecendo a inexistência de fumus boni iuris na hipótese não é capaz de suprir o requisito do prequestionamento conforme orientação consagrada na Súmula n. 320 desta Corte. 3. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg nº 1034667, 2009)

Medina (2005, p. 295), criticando o referido posicionamento, aponta para o fato de que o recurso se dirige “contra o acórdão, do qual o voto vencido faz parte, e não unicamente contra o voto vencedor”.

Na mesma linha de entendimento, Souza (2006, p.319) afirma que “mesmo que a questão tenha sido tratada apenas no voto vencido, resta evidenciada a discussão da quaestio iuris no julgado recorrido estando, assim, atendido o requisito do prequestionamento”.

Acertados são os referidos entendimentos, haja vista que o voto não se trata de peça distinta e independente, mas sim um elemento integrante do acórdão. A partir do momento em que a fundamentação do voto vencido integrou o acórdão, é coerente que se tenha por prequestionada a matéria nele abordada.

Se a questão foi registrada no voto minoritário, houve não só discussão, mas também solução da questão na corte de origem. O voto divergente revela-se tão-somente um posicionamento não prestigiado pela maioria.

Trata-se de mais uma demonstração do excesso de formalismo enraizado pelos Tribunais Superiores e da utilização dos pressupostos recursais como simples forma de controlar o número de processos que lhes são dirigidos.

Outra questão bastante discutida é se a interposição de embargos de declaração é suficiente para que seja considerada prequestionada a matéria antes omitida pelo tribunal recorrido, que consiste no chamado prequestionamento ficto.

O Superior Tribunal de Justiça entende ser inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo, conforme a Súmula 211/STJ. Nesse sentido, o seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. INDICAÇÃO DE PRECATÓRIO À PENHORA. 1. A matéria suscitada nas razões de recurso especial e não abordada no acórdão recorrido, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não merece ser conhecida por esta Corte, ante a ausência do indispensável prequestionamento (Súmula 211/STJ). 2. Esta Corte não admite o prequestionamento ficto, por meio da simples oposição dos embargos declaratórios, tanto que foi editada a Súmula 211/STJ, que preconiza a impossibilidade de conhecimento do recurso especial quando a questão, mesmo que tenha sido levantada em embargos de declaração, não tenha sido efetivamente debatida. 3. "É inadmissível o recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário" (Súmula 126/STJ). 4.Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no REsp 1079931/SP, 2008)

O Supremo Tribunal Federal, diferentemente, considera suficiente a interposição de Embargos Declaratórios para fins de prequestionamento:

PROCESSUAL CIVIL. PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. 1. O que, a teor da Súm. 356, se reputa carente de prequestionamento é o ponto que indevidamente omitido pelo acórdão, não foi objeto de embargos de declaração; mas, opostos esses, se, não obstante, se recusa o Tribunal a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte, permitindo-se-lhe, de logo, interpor recurso extraordinário sobre a matéria dos embargos de declaração e não sobre a recusa, no julgamento deles, de manifestação sobre ela (RE 210.638/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 19/6/1998). 2. Agravo regimental improvido (STF, AI-AgR nº 648760/SP, 2007)

Segundo o STJ, nos casos de reiterada omissão, deve ser interposto recurso especial por ofensa aos artigos 535, II, 458, II, e 165 do Código de Processo Civil, por negativa de prestação jurisdicional, para que só então seja determinada à corte de origem a manifestação sobre a questão legal suscitada. Somente após a referida manifestação poderá ser admitido o recurso especial, com fundamento em uma das hipóteses previstas no art. 105, III, da CF.

Observa-se que um problema que poderia ser resolvido com um único recurso e uma única decisão somente é solucionado através de dois recursos e três decisões.

Esse tortuoso caminho proposto pelo STJ como solução para a citada questão não encontra guarida nos princípios que regem a Teoria Geral do Processo. Isso porque é cediço o entendimento de que o processo, sendo instrumental, não pode ser visto como um fim em si mesmo, devendo constituir-se em um meio pelo qual se aplica o direito material ao caso concreto.

Sobre o tema, observa Didier Jr. (2006, p.54):

O processo não é um fim em si mesmo, mas uma técnica desenvolvida para a tutela do direito material. O processo é realidade formal - conjunto de formas preestabelecidas. Sucede que a forma só deve prevalecer se o fim para o qual ela foi desenvolvida não lograr ter sido atingido. A separação entre direito e processo – desejo dos autonomistas – não pode implicar um processo neutro em relação ao direito material que está sob tutela. A visão instrumentalista do processo estabelece a ponte entre o direito processual e o direito material.

Há que se frisar ainda que, com a mencionada solução, se atribui ao recorrente um ônus pela irregularidade cometida pelo próprio tribunal a quo, qual seja a de não haver se manifestado quando deveria fazê-lo. O recorrente tem o seu recurso especial inadmitido em virtude da omissão do órgão julgador.

Por fim, apesar de não restar dúvida quanto à necessidade de que a matéria tenha sido ventilada no processo para que se considere preenchido o requisito do pequestionamento, o art. 267, § 3º do Código de Processo Civil (Brasil, 1973), segundo o qual as matérias de ordem pública devem ser conhecidas a qualquer tempo e grau de jurisdição, até mesmo de ofício, se contrapõe a esse entendimento.

Dessa forma, surge então mais uma dúvida no que concerne ao instituto do prequestionamento: se é possível a apreciação de matéria de ordem pública pelos tribunais superiores, independentemente de prequestionamento, tendo em vista que o dispositivo processual estabelece que são suscitáveis em qualquer tempo e grau de jurisdição e até de ofício tais matérias.

Haja vista que o requisito do prequestionamento tem origem constitucional, como inicialmente abordado, há neste caso, portanto, um conflito hierárquico de normas.

Sendo assim, tendo em conta a prevalência da norma constitucional, tal requisito se afiguraria intransponível, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO: DESCABIMENTO: FALTA DE PREQUESTIONAMENTO, EXIGÍVEL, SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE, AINDA QUE A MATÉRIA SEJA DE ORDEM PÚBLICA, CUJA DECLARAÇÃO DEVA SE DAR DE OFÍCIO: INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282 E 356: PRECEDENTES. (STF, EDcl nº 254.921-5, 2004)

O Superior Tribunal de Justiça vem, entretanto, admitindo a apreciação das matérias de ordem pública, desde que o recurso tenha sido admitido por outro fundamento, devidamente prequestionado:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. MENOR CARENTE. MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. EXAME DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO POR OUTRO FUNDAMENTO. SÚMULA 456/STF. ECA. PROTEÇÃO JUDICIAL DOS INTERESSES INDIVIDUAIS, DIFUSOS E COLETIVOS. APELAÇÃO. PRAZO. 15 DIAS. ART. 212, § 1º, DA LEI N.º 8.069/90. 1. É possível analisar de ofício matéria de ordem pública se, após ser o recurso especial conhecido por outro fundamento, defrontar-se o julgador com nulidade absoluta ou matéria de ordem pública que possa implicar anular ou tornar rescindível o julgamento. Súmula 456/STF. Precedentes. (STJ, REsp 610.438/SP, 2005)

Pinto (1996) sustenta que relativamente às questões de ordem pública, que, por disposição legal, devem ser conhecidas e decretadas até mesmo ex officio em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 267, § 3º), deve ser dispensado o requisito do prequestionamento, devendo o Superior Tribunal de Justiça conhecer dessas questões, evitando-se, assim, o trânsito em julgado da decisão viciada.

Acertada é a lição do autor, haja vista não ser razoável que, mesmo enxergando vício fundamental no acórdão recorrido, o STJ permita a perpetuação da nulidade. Desde que a matéria de ordem pública impeça o julgamento do mérito do recurso e, sendo esta evidente, passível de ser reconhecida sem necessidade de reexame de fatos ou de provas, a mesma deverá ser reconhecida em sede de recurso especial.

Após toda essa abordagem acerca do requisito do prequestionamento e suas diferentes concepções, verifica-se a existência de precedentes em todos os sentidos, o que causa enorme insegurança jurídica entre os jurisdicionados, que até hoje não sabem ao certo qual o entendimento prevalecente acerca do tema. Na dúvida, interpõem-se sempre embargos de declaração, o que acumula ainda mais o trabalho nos tribunais.

Por outro lado, a referida imprecisão facilita a utilização do instituto como mero elemento de contenção dos recursos, muitas vezes de forma ilegítima e desarrazoada.

Para concluir o presente tópico não se poderia deixar de citar a brilhante lição de Bueno (2002, p. 31-32)

O que é de ser destacado aqui e agora é que, enquanto não houver um consenso a respeito do que é prequestionamento, como ele se manifesta perante os jurisdicionados e qual o papel dos embargos de declaração para a fase recursal extraordinária e especial, o acesso ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça resta seriamente comprometido. Enquanto for difícil responder à questão "o que é e como se dá o prequestionamento?", enquanto não houver uma segura uniformidade de entendimentos acerca deste tema, o acesso àqueles dois Tribunais é mais ilusório do que real. É mais declaração de direito do que uma efetiva garantia de direitos constitucionalmente prevista. Trata-se, inegavelmente, de um caso em que a forma parece estar suplantando — e em muito — o conteúdo.

Impõe-se, assim, mais do que nunca, que o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição e, pois, do alcance dos arts. 102, III e 105, III, da Constituição Federal diga o que é ou o que deve ser entendido por prequestionamento: se a iniciativa das partes; se o conteúdo da decisão recorrida ou se uma junção destas duas vertentes. Se é pertinente para sua identificação o número do dispositivo constitucional ou legal que se pretende impugnar, em que condições que a decisão deve dizer que está rejeitando as argüições das partes e, enfim, definir quais os parâmetros que devem ser empregados para a verificação de sua ocorrência, aí incluída a necessidade, ou não, e o papel dos embargos declaratórios. Tudo para que os jurisdicionados possam saber, de antemão, se e como podem pretender alcançar as Cortes Superiores para uniformização do direito federal, constitucional e infraconstitucional, nos precisos termos do art. 102, III e 105, III, da Constituição Federal. Em suma: para que se possa saber qual o caminho a ser seguido por quem anseia pela prestação jurisdicional daqueles Tribunais.

Enquanto estas questões não forem decididas com ânimo de definitividade parece curial, com o devido respeito dos que pensam diferentemente, que não só o alcance dos referidos arts. 102, III e 105, III, estará em cheque mas, também — senão principalmente —, o art. 5º, XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal. O acesso à Justiça e o devido processo legal estão comprometidos por uma questão que, em última análise, é formal: se, é verdade, há, hoje, consenso doutrinário e jurisprudencial acerca da indispensabilidade do prequestionamento — até porque sua previsão constitucional parece irretorquível —, ainda se debate acerca da sua forma ou do seu modo de surgimento. Omissão quanto a este ponto é insustentável em um Estado Democrático de Direito, em que nem a lei pode excluir lesão ou ameaça a direito do Poder Judiciário.

4.1.4 A deserção em questões referentes ao preparo

Merecem destaque, ainda, os casos de juízo de admissibilidade negativo em virtude de questões referentes ao preparo.

Primeiramente, têm-se os casos de deserção do recurso especial em razão do não recolhimento do preparo (no caso do recurso especial, porte de remessa e de retorno) devido pela interposição do recurso, entendimento este fixado por meio de súmula no âmbito do Superior Tribunal de Justiça:

Súmula 187/STJ: É deserto o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça, quando o recorrente não recolhe, na origem, a importância das despesas de remessa e retorno dos autos. (Brasil, 2009)

Como se sabe, diante da redação do caput do art. 511, do Código de Processo Civil (Brasil, 1973), o preparo deve ser comprovado no ato de interposição do recurso, sob pena de se ter configurada a deserção.[15]

Contudo, houve a flexibilização da referida norma, haja vista que o próprio Código de Processo Civil (BRASIL, 1973), em seu §2º do art. 511, passou a prever que o preparo pode ser complementado na hipótese de ter sido realizado de forma insuficiente, nos seguintes termos:

Art. 511. [...]

§ 2º A insuficiência no valor do preparo implicará deserção, se o recorrente, intimado, não vier a supri-lo no prazo de cinco dias

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREPARO RECOLHIMENTO INSUFICIENTE. DESERÇÃO. INOCORRÊNCIA. INTIMAÇÃO PRÉVIA. NECESSIDADE. PRECEDENTES. NÃO PROVIMENTO. 1. O recolhimento insuficiente do preparo do recurso não enseja a deserção, senão posteriormente à intimação da parte para que o complemente, quando não atendida. Inteligência do artigo 511, § 2º, do CPC. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgRg nº 1.270.327/SP, 2011)

Ocorre que existem reiteradas decisões que consideram que o preparo feito após a interposição do recurso, ainda que dentro do prazo recursal, não impede a ocorrência da deserção. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CUSTAS JUDICIAIS. RECOLHIMENTO POSTERIOR À INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. DESERÇÃO. PRECEDENTES. 1. Caso em que o agravante insurge-se contra a decisão a quo que julgou deserto o recurso especial. 2. A jurisprudência desta Corte entende que de acordo com a dicção do art. 511 do CPC, o recorrente deve comprovar a realização do preparo no ato de interposição do recurso, tendo-o como deserto se ocorrido em momento posterior, ainda que dentro do prazo recursal. Precedentes: AgRg no Ag n. 596.598/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 17/12/2004; EDcl nos EREsp 1.068.830/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe 4/5/2009; AgRg no AREsp 9.786/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 9/8/2011. 3. O preparo insuficiente enseja a intimação, com a abertura de prazo para a sua complementação, o que não ocorre na falta da comprovação do preparo no ato da interposição do recurso, consoante o disposto no § 2º do art. 511 do CPC. Precedentes: AgRg no Ag 940.069/RS, Quarta Turma, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ 10/12/2007; AgRg no Ag 1.377.859/AM, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 15/9/2011. 4. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg nº 22942/PR, 2011)

Com efeito, nota-se que não é razoável que haja a possibilidade da complementação do preparo nos casos de insuficiência e não seja permitida a hipótese em que o comprovante do preparo é apresentado após a interposição do recurso, ainda que dentro do prazo recursal.

A restrição não se justifica nem mesmo em termos de celeridade processual. A juntada do comprovante do preparo feita somente após a interposição do recurso, desde que dentro do prazo recursal, não causa qualquer retardamento no andamento do processo, já que o prazo que a parte teria para recorrer teria apenas decorrido em sua integralidade. O mesmo não se pode afirmar da permitida intimação do recorrente para promover o complemento do preparo.

Não há justificativa, portanto, para a preclusão automática do recurso por falta de preparo quando a omissão pode ser sanada e ainda quando o prazo do recurso ainda não se exauriu.

Por outro lado, existem decisões que consideram deserto o recurso especial em face de meras irregularidades na comprovação do referido pagamento, mesmo quando realizado concomitantemente à interposição do recurso. Senão vejam-se:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL.  PREPARO. GUIA DE RECOLHIMENTO. ANOTAÇÕES FEITAS À MÃO. NECESSIDADE DE  CONSTAR O NÚMERO DO PROCESSO NA ORIGEM. JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL. 1.  A eg. Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de  que, “a partir da edição da Resolução n. 20/2004, além do  recolhimento dos valores relativos ao porte de remessa e retorno em rede  bancária, mediante preenchimento da Guia de Recolhimento da União (GRU) ou  de Documento de Arrecadação de Receitas Federais (DARF), com a anotação do  respectivo código de receita e a juntada do comprovante nos autos, passou a  ser necessária a indicação do número do processo respectivo” (AgRg no  REsp 924.942/SP, de relatoria do e. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, julgado  na sessão de 3/2/2010 e publicado no DJe de 18/3/2010). 2. Com isto, ficou  consolidado, no âmbito deste STJ, o entendimento de que, em qualquer  hipótese, a ausência do preenchimento do número do processo na guia de  recolhimento macula a regularidade do preparo recursal, inexistindo em tal  orientação jurisprudencial qualquer violação a princípios constitucionais  relacionados à legalidade (CF, art. 5º, II), ao devido processo legal e seus  consectários (CF, arts. 5º, incs. XXXV e LIV, e 93, IX) e à  proporcionalidade (CF, art. 5º, § 2º). Ressalva do entendimento pessoal  deste Relator, conforme voto vencido proferido no julgamento do AgRg no REsp  853.487/RJ. 3. Na hipótese em exame, a guia de recolhimento do preparo do  recurso especial não foi devidamente preenchida com a correta indicação do  número do processo junto ao Tribunal de origem. Portanto, é forçoso  reconhecer a inviabilidade de conhecimento do apelo especial. 4. As  anotações feitas à mão na respectiva guia de recolhimento não podem ser  consideradas, não sendo aptas a demonstrar a regularidade do preparo.  Precedentes. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, AgRg nº 1.105.229/MG, 2011)

Agravo Regimental. DECISÃO QUE NÃO CONHECEU DO RECURSO ESPECIAL POR IRREGULARIDADE NA COMPROVAÇÃO DO PREPARO. GRU. NÚMERO DE REFERÊNCIA NÃO COINCIDENTE COM O NÚMERO DO PROCESSO. 1. No caso dos autos, o código indicado no campo "número de referência" da Guia de Recolhimento da União não confere com o número do processo na origem. Ali consta o número "01" e não o número do processo de referência. 2. Está consolidado o entendimento, neste Superior Tribunal, no sentido de que, não havendo a indicação na Guia de Recolhimento da União do número de referência do processo, bem como do código de receita definido na Resolução vigente, fica impossibilitada a identificação da veracidade do recolhimento, o que implica, consequentemente, a deserção do recurso. 3. Agravo Regimental improvido. (STJ, AgRg nº 38.121/SP, 2011)

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PORTE DE REMESSA E RETORNO DOS AUTOS. EXIGÊNCIAS CONTIDAS NAS RESOLUÇÕES DO STJ APLICÁVEIS À ESPÉCIE. DESERÇÃO VERIFICADA. AUSENTE O NÚMERO DO PROCESSO A QUE SE REFERE O RECOLHIMENTO. PREPARO EFETIVADO EM 20.6.2005. INDICAÇÃO ERRÔNEA DO CÓDIGO DA RECEITA. INCIDÊNCIA DA RESOLUÇÃO N. 12/2005. 1. A partir da edição da Resolução n. 20/2004, além do recolhimento dos valores relativos ao porte de remessa e retorno em rede bancária, mediante preenchimento da Guia de Recolhimento da União (GRU) ou de Documento de Arrecadação de Receitas Federais (DARF), com a anotação do respectivo código de receita e a juntada do comprovante nos autos, passou a ser necessária a indicação do número do processo respectivo. 2. Constata-se que, in casu, não foi anotado o número do processo a que se refere o documento de arrecadação de receitas federais, juntado à fl. 227 dos autos, bem como houve anotação errônea do código de receita. 3. Tendo sido efetuado o preparo em 20.6.2005, incide o disposto na Resolução n. 12/2005, não merecendo reparo a decisão agravada. 4. Agravo regimental na provido. (STJ, AgRg nº 924.942/SP, 2010)

Nota-se que nos casos acima expostos tem-se a deserção dos recursos com base em critérios puramente formais, interpretados com excesso de rigor. Trata-se de questões que apesar de requerem meramente a regularização, são utilizadas como forma de impedimento à análise do recurso, causando a sua preclusão consumativa.

Na lição de Lacerda (1996, p. 187) “não existe, nem pode existir, essa integração de essência entre o recurso, como ato processual impugnativo de uma decisão judicial, e o preparo, como ato administrativo de pagamento de custas”.

Segundo o Ministro Waldemar Zveiter, em voto proferido em julgamento de recurso especial, “não se pode admitir que o ato administrativo de que se reveste o preparo se sobreponha ao direito ao recurso.” (STJ, 1997)

Os requisitos formais devem ser aplicados tendo-se sempre presente o fim pretendido pela norma que os estabeleceu, evitando qualquer excesso formalista que os converta em meros obstáculos processuais e em fonte de incerteza.

4.2 Crítica à política judiciária de contenção dos recursos especiais

Não há duvidas de que o volume de trabalho tem aumentado em todas as esferas do Poder Judiciário, principalmente no que se refere aos Tribunais Superiores, que apesar das especificidades, transformaram-se indevidamente em uma terceira instância. No entanto, tal volume exagerado de processos não pode servir de justificativa para que os tribunais passem a se utilizar de um formalismo exagerado em detrimento da garantia do acesso à justiça.

Esse estudo não busca deslegitimar os requisitos de admissibilidade do recurso especial, uma vez que estes evitam que o recurso manifestamente inadmissível prossiga em seu trâmite normal, movimentando injustificadamente a máquina judiciária. É indiscutível que estando os tribunais diante de casos em que efetivamente não foram preenchidos os requisitos de admissibilidade, devem negar conhecimento ao recurso.

O juízo negativo de admissibilidade deve, sem dúvidas, ser utilizado como forma de impedir o quanto antes o dispêndio de energias, tempo e custos pelo Poder Judiciário. Entretanto, válida é a observação de Moreira (2007, p. 270):

Os tribunais não devem exagerar na dose: por exemplo, arvorando em motivos de não conhecimento circunstâncias de que o texto legal não cogita, nem mesmo implicitamente, agravando sem razão consistente exigências por ele feitas, ou apressando-se a interpretar em desfavor do recorrente dúvidas suscetíveis de suprimento.

Na realização deste juízo, não se pode utilizar de um formalismo excessivo, em que a forma do ato é posta acima de tudo, com o simples propósito de encerrar o processo judicial a qualquer custo.

A criação de requisitos de admissibilidade ao arrepio da lei e a interpretação excessivamente formalista dos requisitos existentes com vistas a obstar a maior quantidade possível de recursos não pode ser considerado o caminho certo a ser seguido. A identificação do problema está correta, ao contrário da solução.

Os referidos requisitos devem ser interpretados com razoabilidade e coerência, com o fim de aferir realmente a capacidade de um recurso em ter seguimento e ter o seu conteúdo apreciado. A previsão legal dos requisitos de admissibilidade dos recursos especiais não pode se tornar uma forma de legitimação da criação de empecilhos motivados por aspectos políticos e alheios à prestação jurisdicional.

Segundo Carneiro (2008, p. 230) “essa política judiciária acaba gerando situações de injustiça, pois os requisitos de admissibilidade não são examinados por eles mesmos, mas sim de acordo com a vontade que aquele órgão tem de julgar ou não o recurso”.

O autor explica a situação da seguinte forma:

[...] quando interessa julgar o mérito, os Tribunais Superiores interpretam de maneira branda os requisitos de admissibilidade dos recursos especiais e extraordinários. Por outro lado, quando não desejam examinar o mérito do recurso, utilizam verdadeiro pente fino para achar, custe o que custar, algum requisito de admissibilidade que não tenha sido satisfeito.

Não se está defendendo a inobservância das regras processuais, mas apenas chamando atenção para o fato de que se tem dado exacerbado valor ao processo e à determinadas regras, como forma impedir ao máximo o seguimentos dos recursos.

É preciso, desse modo, seja o formalismo processual considerado como um instrumento viabilizador da segurança jurídica, que propicia às partes a ciência de como o processo será desenvolvido.

Passos (2002, p. 132) enfatiza:

As formas processuais tutelam as partes, ora assegurando-as contra o arbítrio judicial, ora contra os abusos do adversário, bem como tutelam o exercício do poder-dever jurisdicional do Estado. Mesmo as primeiras, indiretamente, estão a serviço deste último. Norma processual, disse-o Satta, é a que regula o exercício da jurisdição civil. E disse-o bem. Os fins da justiça (legalidade) perseguidos pelo Estado são, inclusive, o interesse das partes, que outra coisa não podem validamente pleitear além da aplicação da lei ao caso concreto, com a cessação do conflito entre elas estabelecido. Toda atipicidade acarreta um prejuízo, um dano, desde que os fins do processo ou os fins particulares dos atos não sejam atingidos.

 A visão de formalismo acima exposta não pode ser confundida com a supervalorização da forma em detrimento do objetivo central do processo, qual seja, proporcionar às partes o alcance do justo resultado do litígio.

Bedaque (2006) ensina que a efetividade da tutela jurisdicional consiste na maior identidade possível entre o resultado do processo e o cumprimento espontâneo das regras do direito material.

As exigências formais devem ser sempre apreciadas conforme sua finalidade e sentido razoável, sem que estas sejam colocadas acima do conteúdo.

A maneira como os Tribunais vêm interpretando e aplicando os requisitos de admissibilidade do recurso excepcional consiste em uma ofensa aos direitos fundamentais dos recorrentes, principalmente ao direito de acesso à justiça, haja vista que, além de acesso ao Poder Judiciário, esse direito deve proporcionar às partes a justa composição da lide.

Watanabe (1988, 128-135) estabelece os meios para possibilitar o acesso à justiça, sendo eles: o direito à informação; direito à adequação entre a ordem jurídica e a realidade socioeconômica; direito ao acesso a uma justiça adequadamente organizada e formada, inserida na realidade social e comprometida com seus objetivos, o direito à pré-ordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a objetiva tutela dos direitos e o direito à retirada dos obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo à justiça.

 Alvim (2003, p. 1), expondo o seu conceito acerca de acesso à justiça, enuncia:

Para mim, o acesso à Justiça compreende o acesso aos órgãos encarregados de ministrá-la, instrumentalizados de acordo com a nossa geografia social, e também um sistema processual adequado à veiculação das demandas, com procedimentos compatíveis com a cultura nacional, bem assim com a representação (em juízo) a cargo das próprias partes, nas ações individuais, e de entes exponenciais, nas ações coletivas, com assistência judiciária aos necessitados, e um sistema recursal que não transforme o processo numa busca interminável de justiça, tornando o direito da parte mais um fato virtual do que uma realidade social. Além disso, o acesso só é possível com juízes vocacionados (ou predestinados) a fazer justiça em todas as instâncias, com sensibilidade e consciência de que o processo possui também um lado perverso que precisa ser dominado, para que não faça, além do necessário, mal à alma do jurisdicionado.

 Impor aos recorrentes tantas exigências e minúcias impede que o recurso especial alcance a sua ifnalidade. A solução para o enxugamento dos processos no Superior Tribunal de Justiça não está nessa postura repulsiva de intentar a qualquer custo obstar o seguimento dos recursos mediante excesso de formalismo, que se mostra de todo egoística, pois parece objetivar sobrepor o problema do próprio Tribunal ao atendimento dos preceitos constitucionais e à prestação jurisdicional efetiva, mediante a solução dos litígios.

Marinoni (2004, p. 2) faz uma reflexão sobre o papel do juiz frente ao direito fundamental à tutela jurisdicional:

[...] o juiz tem o dever de interpretar a legislação à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional, estando obrigado a extrair da regra processual, sempre com a finalidade de efetivamente tutelar os direitos, a sua máxima potencialidade, desde – e isso nem precisaria ser dito – que não seja violado o direito de defesa.

A resolução dos conflitos e a efetivação dos direitos devem, portanto, ser priorizadas em relação às formas procedimentais, e “todos os obstáculos à efetiva realização do direito [acesso à justiça] devem ser corretamente enfrentados” (WATANABE, 1988, p. 135).

Por outro lado merece ser questionada a efetividade da prática encampada pelos tribunais para o “desafogamento” do STJ, haja vista a grande quantidade de agravos interpostos contra as decisões denegatórias dos recursos especiais.

Conforme já foi citado neste trabalho, o Relatório Estatístico de 2010 do Superior Tribunal de Justiça demonstra que o Agravo é um dos maiores responsáveis pelo grande acúmulo de trabalho no Superior Tribunal de Justiça, já que dos 330.283 processos julgados em todo o ano de 2010, 69.797 referem-se a Recurso Especial e 131.379 correspondem a Agravo. (STJ, 2010)

Tal fato leva a crer que o rigor do juízo de admissibilidade realizado pelos tribunais, o qual muitas vezes demonstra um verdadeiro sacrifício da Lei Processual Civil e dos princípios constitucionais em nome do descongestionamento do STJ não tem alcançado necessariamente a sua finalidade, mas, em contrário, tem prolongado o litígio.

Importante frisar, também, que a contenção dos recursos com base em filigranas processuais, ofende o princípio da isonomia, já que pode ocorrer de litigantes que estejam em situações semelhantes não tenham o mesmo resultado na solução de seu litígio em face da restrição ao direito de recorrer a um deles com base em formalismos ilegítimos.

Tal formalismo, na medida em que pode ensejar o trânsito em julgado de decisões contrárias à pacífica jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça, quanto ao direito material, é flagrantemente contrário ao princípio da isonomia.

O referido princípio, constante do caput do art. 5º da Constituição Federal (BRASIL, 1988), propõe que os iguais deverão ser tratados igualmente e os desiguais, desigualmente, na medida de sua desigualdade, e, segundo aponta Luis Roberto Barroso (2009, p. 18) veda “as desequiparações que não tenham um fundamento racional e razoável e que não se destinem a promover um fim constitucionalmente legítimo. Veda-se o arbítrio, o capricho, o aleatório, o desvio”

O autor chama atenção ainda para o fato de que o princípio da isonomia tem íntima relação com o princípio da razoabilidade, que é o parâmetro pelo qual se vai aferir se o fundamento da diferenciação utilizada é aceitável e se o fim por ela visado é legítimo.

A questão, portanto, consiste em verificar se formalismos insignificantes, como, por exemplo, no caso citado em que um recurso especial foi inadmitido em face do erro no preenchimento da guia de recolhimento que comprova o pagamento do preparo, que poderia ser simplesmente regularizado, podem ser considerados relevantes para o fim de justificar o não conhecimento do recurso e a não solução do litígio, até mesmo em casos de entendimento pacífico quanto à procedência de seu direito material. Tal situação consiste em clarividente contradição, haja vista a função precípua do STJ de ser o intérprete final da lei federal e responsável pela sua correta aplicação ao caso concreto.

Assim, conclui-se que outras maneiras devem ser pensadas para a resolução do problema que é explícito não só nos tribunais superiores, mas em todo o Poder Judiciário brasileiro. Como simples exemplos podem ser citados: a coibição da procrastinação do processo, a concessão de efetividade nas sentenças, a estruturação do Poder Judiciário mediante a contratação e capacitação de pessoal e o investimento na informatização, a realização de campanhas conciliatórias e preventivas, e o aumento da efetividade das tutelas coletivas, haja vista que se mostram instrumentos legítimos na tentativa de diminuição da carga de trabalho no Superior Tribunal de Justiça e todo o Poder Judiciário.

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Sobre a autora
Larissa Lucena de Aguiar

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, Larissa Lucena. A prática de contenção dos recursos especiais baseada em uma interpretação restritiva e formalista dos seus requisitos de admissibilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3127, 23 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20903. Acesso em: 18 dez. 2024.

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