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Medidas provisórias: limites materiais à edição

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25/01/2012 às 09:03
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3. Limites materiais à edição de medidas provisórias.

O antigo decreto-lei era restrito a determinadas matérias, quais sejam: segurança nacional; finanças públicas, incluindo normas tributárias por expressa remissão constitucional e criação de cargos públicos e fixação de vencimentos.

Já as atuais medidas provisórias podem ser editadas sobre quaisquer matérias, desde que não vedadas.

O artigo 62 da Constituição Federal não previa, em sua redação original, vedação material à edição de medidas provisórias.

Primeiramente, com a Emenda Constitucional nº 5/1995, a regulamentação de determinadas matérias passou a ser vedada por meio da medida provisória. Deste modo, o tema refere-se à exploração direta ou mediante concessão dos serviços locais de gás canalizado.

Com a elaboração das Emendas Constitucionais nº 6 e 7, ambas promulgadas em 1995, foi criado o artigo 246 da Constituição Federal,que vedou a edição de medidas provisórias para regulamentação de artigo da Constituição Federal, cuja redação tivesse sido modificada por emenda promulgada posteriormente à promulgação das Emendas Constitucionais nº 6 e 7. Trata-se de uma limitação temporal-material.

Posteriormente, com a Emenda Constitucional nº 32/2001, a redação do art. 246 da Constituição Federal foi modificada, estabelecendo prazo final desse limite material de edição de medidas provisórias, ou seja, o termo final seria o da promulgação da Emenda Constitucional nº 32/2001. A partir dessa data, o Presidente da República pode utilizar novamente medidas provisórias nos casos de relevância e urgência, para regulamentar artigo da Constituição Federal, mesmo que este tenha sido alterado por Emenda Constitucional, desde que a alteração fosse por meio de Emenda Constitucional promulgada posteriormente à denº 32/2001.

O artigo 62 da Constituição Federal estabelece os principais limites à edição de medidas provisórias, havendo, ainda, limitações expressas em outros artigos constitucionais e limitações implícitas no texto constitucional.

3.1. Análise específica das limitações.

Medida provisória que tratar de qualquer matéria vedada simplesmente deve ser arquivada, da mesma forma como se concluir que falta um dos pressupostos formais de relevância ou urgência.

3.1.1. Limitações explícitas do § 1º do artigo 62 da Constituição Federal.

"§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

I - relativa a:

a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;

b) direito penal, processual penal e processual civil;

c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;

d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;

II - que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;

III - reservada a lei complementar;

IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República."

I. Matéria relativa a nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral (artigo 62, I, "a"): seguindo a linha lógica e coerente do artigo 68 da Constituição Federal, são as mesmas limitações materiais aplicadas às leis delegadas, assim, como não são objetos de delegação, obviamente também não seriam de ato autônomo, sem autorização do Congresso Nacional.

Antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 32/2001 que criou o § 1º do art. 62, era entendimento doutrinário da extensão dos limites materiais elencados no § 1º do art. 68 da Constituição Federal para a medida provisória.

Salienta-se que entre as matérias em comento há um elo, ou seja, qualquer mudança traria implicação direta no processo eleitoral. Procura-se evitar a intervenção direta e unipessoal do Chefe do Poder Executivo no processo eleitoral.

II. Matéria relativa a direito penal e processual penal: em um Estado democrático de direito, jamais haveria a possibilidade de conciliação da segurança jurídica com a criação de crimes e sanções penais discricionariamente por uma única pessoa, o Presidente da República, por meio de uma espécie normativa efêmera até que passe pelo crivo do Congresso Nacional.

Ainda, de acordo com o inc. XXXIX do art. 5º da Constituição Federal, "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". A referida lei em sentido estrito e não qualquer ato normativo, é uma garantia individual de liberdade.

Além disso, caso fosse admitido, um crime nasceria com a medida provisória e correria o risco de, ante uma rejeição da medida pelo Congresso Nacional, que, ao regular os efeitos jurídicos dela decorrentes, toma as condutas previstas e praticadas como não delituosas, desaparecer como se nunca tivesse existido.

Em relação à edição de medidas provisórias sobre matéria penal benéfica, o tema é controvertido, tendo entendimentos diferentes no próprio pretório excelso, porém com predominância de entendimento de possibilidade [17].

Ainda a respeitodeste tema há o tormentoso questionamento, ainda não enfrentado pelo Pretório Excelso, de como é possível considerar a edição de medida provisória em matéria penal benéfica, acerca dos limites materiais do decreto legislativo se a referida medida provisória for rejeitada, uma vez que a prática de atividade lícita acobertada por referida medida provisória não poderia ser, posteriormente, considerada crime, o que traria uma enorme incerteza e insegurança jurídica.

III. Matéria relativa a direito processual civil: antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 32/2001, era amplamente aceito, havendo proibição explícita com esta emenda.

Esta limitação visa evitar abusos do Poder Executivo, já que este é parte interessada em grande parte das demandas levadas a juízo, não se lhe devendo atribuir o poder de imiscuir-se em tal matéria [18].

IV. Matéria relativa à organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros: são as mesmas limitações materiais referentes às leis delegadas, assim, como não são objetos de delegação, logicamente também não seriam de ato autônomo, sem autorização do Congresso Nacional. Objetiva a separação dos poderes, não permitindo que um ato unilateral de exceção de função atípica adentre no Poder Judiciário e no Ministério Público.

A organização do Ministério Público da União e da magistratura, ademais, é assunto a ser tratado através de lei complementar, conforme, respectivamente, art. 128, § 5º, e art. 93 da Constituição da República, o que já implica também na vedação também da edição em matéria reservada à lei complementar. Fica expressa, de toda sorte, a importância acordada ao tema, que diz com as condições para a atuação independente do Parquet e da judicatura.

V. Matéria relativa a planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares: são as mesmas limitações materiais referentes às leis delegadas, assim, como não são objeto de delegação, obviamente também não seriam de ato autônomo, sem autorização do Congresso Nacional.

A exceção quanto a créditos suplementares é a ressalva do art. 167, § 3º, que enfatiza a abertura de crédito extraordinário para atender despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública. Ora, pela urgência e imprevisibilidade da medida, é razoável a utilização de medida provisória para obtenção de tal fim, devido à sua imediatividade do provimento esperado na edição da mesma [19].

VI. Matéria que vise à detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro: a vedação se dá em respeito ao princípio da segurança jurídica e receando repetição de absurdos planos econômicos.

A história brasileira torna clara a preocupação do constituinte reformador, visando a assegurar o cidadão contra a insegurança jurídica em torno de seu patrimônio [20].

VII. Matéria reservada à lei complementar: a vedação se dá uma vez que o legislador constituinte originário expressamente estabelece uma reserva de competência à edição de lei complementar, a ser deliberada por maioria absoluta dos membros das Casas Legislativas, incompatível, pois, com a unipessoalidade na edição das medidas provisórias.

É importante salientar que este também já era o entendimento do Supremo Tribunal Federal, mesmo antes da publicação da Emenda Constitucional nº 32/2001 [21].

VIII. Quanto à matéria já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República, a vedação é uma questão de "bom senso", uma vez que não há razão de editar uma medida provisória sobre determinado assunto, sendo que o mesmo não necessita de referida medida provisória, problema legislativo resolvido somente por meio da sanção presidencial ou do veto presidencial.

3.1.2. Limitações explícitas do § 2º do artigo 62 da Constituição Federal.

"§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada."

No que se refere à edição de medidas provisórias em direito tributário, a doutrina majoritária e o Supremo Tribunal Federal já tendiam para não haver restrição, devendo respeitar o inc. III do art. 150 da Constituição Federal, com as mesmas ressalvas do § 1º do referido artigo.

A promulgação da Emenda Constitucional nº 32/2001, sob orientação do Supremo Tribunal Federal, priorizou especificamente a matéria tributária ao incluir o § 2º no art. 62 da Carta Magna, pacificando o entendimento que é possível se tratar de matéria tributária em sede de medida provisória.

Salienta-se, ainda, que, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, referindo-se à anterioridade tributária "nonagesimal",

"uma vez convertida a medida provisória em lei, no prazo previsto no parágrafo único do art. 62 da Carta Política da República, conta-se a partir da veiculação da primeira o período de noventa dias de que cogita o § 6º do art. 195, também da Constituição Federal. A circunstância de a lei de conversão haver sido publicada após os trinta dias não prejudica a contagem, considerado como termo inicial a data em que foi divulgada a medida provisória" [22].

Já no que diz respeito à anterioridade tributária anual, de acordo com o já citado § 2º do art. 62 na Carta Magna, incluído pela Emenda Constitucional nº 32/2001, "medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada".

3.1.3. Limitações explícitas fora do artigo 62 da Constituição Federal.

I. O art. 246 da Constituição Federal, comentado anteriormente neste trabalho, foi alterado pela Emenda Constitucional nº 32/2001 e vedou a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição Federal, cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 (Emenda Constitucional nº 6/1995) e a promulgação da própria Emenda Constitucional nº 32/2001, que ocorreu em 11 de setembro de 2001.

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II. § 2º do art. 25 da Constituição Federal: "Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação".

III. Art. 73 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: "Na regulação do Fundo Social de Emergência não poderá ser utilizado o instrumento previsto no inciso V do art. 59 da Constituição."

O artigo foi acrescentado pela Emenda Constitucional de Revisão nº 1/94 e já teve a sua eficácia exaurida.

IV. Art. 2º da Emenda Constitucional nº 8/95: veda a adoção de medida provisória para regulamentar o disposto no inc. XI do art. 21 da Constituição Federal.

Inciso XI do art. 21 da Constituição Federal: "explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais".

V. Art. 3º da Emenda Constitucional nº 9/95: veda a adoção de medida provisória na regulamentação da matéria prevista nos inc. I a IV e nos §§ 1º e 2º o art. 177 da Constituição Federal.

"Art.177. Constituem monopólio da União:

I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;

II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;

IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;

V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal.

§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei.

§ 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre:

I - a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional;

II - as condições de contratação;

III - a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União".

3.1.4. Limitações implícitas na Constituição Federal.

Tratam-se das interpretações sistemáticas previstas pela Constituição Federal. São elas:

I. Matéria relativa a direitos individuais: ponto importante a se destacar no art. 68 da Constituição Federal é sua imposição como limite material à delegação do Congresso Nacional, matéria relativa a direitos individuais. Já o art. 62 não contém tal restrição. Conforme já dito, uma consequência lógica caso o ato não possa ser objeto de delegação, não poderia também ser objeto de ato autônomo, sem autorização do Congresso Nacional.

A extinção, supressão, restrição, alteração dos direitos individuais, via medida provisória, é incompatível, haja vista a perda da eficácia, desde edição da mesma, caso não seja convertida em lei no prazo previsto constitucionalmente.

Não há entendimento prevalente no Supremo Tribunal Federal acerca do assunto. Porém, é importante destacar que durante julgamento da ADI-MC 162, ocorridoantes da promulgação da Emenda Constitucional nº 32/2001, o Ministro Sepúlveda Pertence afirmou:

"Não me parece, na verdade, que se deva estabelecer como limites da medida provisória aquelas mesmas restrições relativas às leis delegadas, porque estas últimas são adotadas em caráter definitivo, enquanto as medidas provisórias, como o próprio nome indica, têm um período muito limitado no tempo, até a sua manutenção ou não pelo Congresso, no prazo de 30 dias" [23].

II. Matérias reservadas à resolução e decreto legislativo, também não poderão ser matérias objeto de medidas provisórias, uma vez que aquelas espécies normativas tratam de matérias de competência das Casas ou do próprio Congresso Nacional.

III. Matérias relativas a direito previdenciário: são as mesmas disposições aplicadas à matéria tributária relacionada à anterioridade nonagesimal, ou seja,

"uma vez convertida a medida provisória em lei, no prazo previsto no parágrafo único do art. 62 da Carta Política da República, conta-se a partir da veiculação da primeira o período de noventa dias de que cogita o § 6º do artigo 195, também da Constituição Federal. A circunstância de a lei de conversão haver sido publicada após os trinta dias não prejudica a contagem, considerado como termo inicial a data em que foi divulgada a medida provisória" [24].

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Sobre o autor
Lincoln Nolasco

Procurador Federal na Procuradoria Secional Federal em Uberlândia (MG). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia/MG. Pós graduando em Direito Previdenciário pelo Instituto Renato Saraiva e em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia/MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOLASCO, Lincoln. Medidas provisórias: limites materiais à edição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3129, 25 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20916. Acesso em: 2 nov. 2024.

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