CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acerca da supracitada observação de Alcântara Machado, que reduziu a um mero preconceito a questão salarial dos profissionais liberais, o jurista continua de forma pungente:
O único vestígio que sobrevive da antiga discriminação é pura e simplesmente verbal. Por outro lado, o locatário dos serviços recebe o nome de cliente. Por outro lado, o salário das profissões liberais conserva a denominação honorários, ou de honorária, como dizem outros. À diferença de palavras não corresponde diferença de substância. Os honorários representam o salário que vencem os locadores de serviços imateriais, a contraprestação devida pelo trabalho em cuja realização tem parte primacial a inteligência. Um eufemismo e nada mais[26].
Portanto, não há por que separar os honorários recebidos pelos profissionais liberais, em especial os recebidos pelos advogados, de qualquer remuneração ou salário ganho por qualquer outra classe profissional no quesito finalidade. Afinal, ambos, embora constituídos por termos e concepções diferentes, servem para dar sustento ao profissional, tanto em sua vida laborativa como pessoal. Contudo, a profissão do advogado merece destaque exclusivo, pois sua função é um múnus público e sua existência é essencial para a vida democrática. Em entrevista ao site da OAB Jovem, Cezar Britto, ex-presidente nacional da OAB refere que
A grande diferença da advocacia, daí a própria definição do honorários como "honor", "com honra", como contraprestação por um serviço honroso, mas não como salário, o aviltamento ataca diretamente esse conceito, que é básico para a advocacia. É preciso que a Ordem faça uma intervenção mais direta na fixação de tabelas que garantam a honorabilidade da profissão, fazendo gestões cada vez mais fortes, junto à sociedade de advogados e às empresas que contratam advogados, para que não usem do aviltamento como forma de lucro. É fundamental, para a sobrevivência da advocacia, que os advogados se organizem, mas é incompatível com o conceito de sobrevivência o de ser explorado. Talvez seja esse o maior problema a enfrentar o advogado que inicia sua carreira: ser vítima do aviltamento dos honorários advocatícios[27].
Os motivos que levam ao aviltamento dos honorários são complexos e passam, inclusive, pela redução de custos que a globalização impinge às grandes empresas – gerando, como grave consequência, a baixa remuneração do profissional do direito. Em decorrência dessa mentalidade, bancas de advocacia buscam reduzir seus custos e acabam por afetar os honorários dos advogados que nelas trabalham. Muitas vezes, esses honorários apresentam-se abaixo do mínimo estabelecido pelas tabelas da OAB.
Assim, conforme o ensinamento de Ferraz, “ética é a prática da moral. No que nos interessa de perto (i.e., a ética profissional), ela se revela como o conjunto dos preceitos morais, que regram a conduta do advogado”[28]. Assim, como verdadeiros códigos deontológicos, portanto teoria moral aplicada, o advogado deve seguir os preceitos estabelecidos no Estatuto e no Código de Ética e Disciplina. Com isso, faz valer os seus direitos, enaltece sua nobre profissão e evita os desnecessários e desgastantes procedimentos disciplinares. Tratando do tema, Andrade registra:
Aviltamento e moderação são as palavras-chave do advogado na contratação e estabelecimento de remuneração de seu serviço. Estas balizas representam muito no procedimento ético-profissional e, observadas como regra, evitam a grande incidência de procedimentos disciplinares presentemente em tramitação nos Tribunais de Ética e Disciplina, nos Conselhos Seccionais, em grau de recurso voluntário, e no Conselho Federal, em nível de recursos ordinários e especiais.
Por parte dos magistrados, pede-se reflexão para que os honorários sejam fixados em percentuais que respeitem a natureza alimentar e a dignidade do profissional da advocacia, considerando, sempre, o seu importante papel na promoção da justiça. Como muito bem pontuou Lamachia, “os honorários, assim como os proventos de um juiz, têm caráter alimentar, não compensáveis, e são fundamentais para a vida do profissional”[29], afinal, é com eles que o profissional supre suas necessidades e de sua família, bem como mantém o seu escritório.
Ademais, a responsabilidade pelos honorários de advogado no processo é de suma importância e o provimento a seu respeito, conforme aduz Cahali, “não representa decisão de valor inferior àquele que aprecia a pretensão principal deduzida; reclama-se, no apreciá-lo, pelo menos semelhante rigor ao da indagação para um juízo de mérito”[30] – inclusive em considerando-se o fundamento publicístico do processo. Contudo, continua o mestre,
Quaisquer que sejam os princípios a prevalecerem, cumpre aos tribunais preservar-lhes a observância, para que a provisão judicial a respeito da responsabilidade pelos honorários de advogado não se degenere em mero julgamento de fato, com desmesurada carga do arbitrium incertae[31].
Quanto à OAB, cabe a ela importante papel na busca pela conscientização dos magistrados para a importância da fixação digna dos honorários de sucumbência, enaltecendo o papel desempenhado pelo advogado na defesa dos direitos do cidadão e o árduo trabalho realizado para o tramite processual. Afinal, conforme irrepreensível alusão de Ruy de Azevedo Sodré,
A profissão do advogado é uma árdua fadiga posta ao serviço da Justiça. A missão do advogado não consiste na venda dos seus conhecimentos, por um preço chamado honorários, senão na luta diária pela atuação da justiça nas relações humanas! Esta missão não tem equivalente pecuniário e, por ela, a remuneração que se paga não é o preço da paz que se procura, senão o das necessidades de quem se consagra a esta nobre forma de vida[32].
Desse modo, a luta contra o aviltamento dos honorários deve tomar a real dimensão da importância que, de fato, tem: para o advogado, para a justiça e para a democracia.
REFERÊNCIAS
AMBROSIO, Janaína Ferraz. Ética. São Paulo: Rideel, 2009.
ANDRADE, Eloi Pinto de. Honorários Advocatícios. In: FERRAZ, Sergio; MACHADO, Alberto de Paula (Orgs.). Ética na Advocacia. 2° v. Brasília: OAB Editora, 2004.
BRITTO, Cezar. Entrevista concedida pelo Dr. Cezar Britto à OAB Jovem. Disponível em: <http://www.oab.org.br/comissoes/cnaai/conteudos/?cod=120673720318227>. Acesso em: 14 de julho. 2011.
CAHALI, Yussef Said. Honorários Advocatícios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.
FERRAZ, Sergio. Ética na Advocacia. In: FERRAZ, Sergio; MACHADO, Alberto de Paula (Orgs.). Ética na Advocacia. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
FONSECA, Ricardo Calil. Honorários Advocatícios: causas de fixação irrisória em juízo. BDJur, Brasília, DF. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8686>. Acesso em: 13 de julho. 2011.
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
LAMACHIA, Claudio. Na luta contra o aviltamento de honorários advocatícios. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/276517/na-luta-contra-o-aviltamento-de-honorarios-advocaticios-oab-rs-oficia-ajufergs>. Acesso em: 13 de julho. 2011.
LÔBO, Paulo Luiz Neto. Comentários ao novo Estatuto da Advocacia e da OAB. Brasília: Brasília Jurídica, 1994.
LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História: licões introdutórias. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
MACHADO, Alberto de Paula. Ética na Advocacia. In: FERRAZ, Sergio; MACHADO, Alberto de Paula (Orgs.). Ética na Advocacia. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
SODRÉ, Ruy de Azevedo. O Advogado, seu Estatuto e a Ética Profissional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967.
Notas
[1]JAEGER apud CAHALI, 1990, p. 23.
[2]CAHALI, 1990, p. 23
[3]LOPES, 2008, p. 41
[4]CAHALI, 1990, p. 24
[5]Idem, 1990, p. 26
[6]CAHALI, 1990, p. 27
[7]Idem, 1990, p. 43
[8]ANDRADE, 2006, p. 361
[9]LÔBO, 1994, p. 93
[10]Idem, 1994, p. 93
[11]ANDRADE, 2006, p.
[12]AMBROSIO, 2009, p. 50
[13]Idem, 2009, p. 50
[14]LÔBO, 1994, p. 94
[15]MACHADO, 2000, p. 121
[16]AMBROSIO, 2009, p. 49
[17]ANDRADE, 2006, p. 364-365
[18]NALINI, 2006, p. 217
[19]Idem, 2006, p. 229
[20]FONSECA, 2007, Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8686>.
[21]NERY JUNIOR; ANDRADE NERY, 2010, p. 237
[22]JÚNIOR, 1996, p. 95
[23]FONSECA, 2007, Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8686>.
[24]LAMACHIA, 2011, Disponível em> <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2765107/na-luta-contra-o-aviltamento-de-honorarios-advocaticios-oab-rs-oficia-ajufergs>
[25]ALCÂNTARA MACHADO apud SODRÉ, 1967, p. 410
[26]ALCÂNTARA MACHADO apud SODRÉ, 1967, p. 410-412
[27]BRITTO, 2009, disponível em: <http://www.oab.org.br/comissoes/cnaai/conteudos/?cod=120673720318227>
[28]FERRAZ, 2006, p. 7
[29]LAMACHIA, 2011, Disponível em> <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2765107/na-luta-contra-o-aviltamento-de-honorarios-advocaticios-oab-rs-oficia-ajufergs>
[30]CAHALI, 1990, p. 21
[31]Idem, 1990, p. 22
[32]SODRÉ, 1967, p. 409