Resumo
O presente trabalho busca compreender o aviltamento dos honorários advocatícios sob o enfoque histórico, ético e regulamentar, sem, no entanto, ter a pretensão de esgotar o assunto. Através de uma aproximação contextual, busca-se conceber os honorários no Direito clássico romano, bem como suas raízes etimológicas, para traçar o panorama atual de tão importante questão. Ademais, ao trazer o debate para o presente, o artigo aborda, dentre outros, os critérios de fixação, sua natureza alimentar e alguns motivadores do aviltamento dos honorários.
Palavras-chave: Honorários. Ética. Aviltamento.
INTRODUÇÃO
A questão dos honorários advocatícios, e seu infame aviltamento, é temática que necessita de novas abordagens e luzes. Trata-se, pois, de uma das mais importantes e graves discussões da advocacia. Entretanto, antes de se enfrentar tal convulsão, faz-se importante uma aproximação contextual. Assim, quando analisada sob o ponto de vista histórico, concebe-se que tal questão não encontra consenso entre os doutrinadores. O assunto, de acordo com Jaeger, foi “variamente risolto nella storia”[1], o que torna a pesquisa nesse campo mais complicada, exigindo minúcia pelos estudiosos que nele desejarem se aventurar.
Todavia, em linhas gerais, entende-se que os honorários, no período romano que abarca o Direito clássico, não existiam conforme a concepção moderna do termo, pois os advogados (defensores), não recebiam qualquer remuneração pelos serviços prestados aos seus clientes. Tais defensores, conforme a doutrina de Cahali, “chamados a prestar assistência nos processos, faziam-no gratuitamente, ou em troca de favores políticos”[2]. Eram, em sua grande maioria, notáveis, fidalgos que prestavam um relevante serviço à cidade, dando conselhos aos pretores, aos seus clientes, dependentes e a todos os que os procurassem. Para eles, tratava-se de uma grande honra poder servir a Roma. Contudo, de acordo com Lopes, “sua remuneração, como disse Weber, não era dinheiro, mas uma influência poderosa, prestígio, popularidade”[3].
Nota-se, no entanto, que, embora a remuneração paga pelos serviços prestados não tivesse caráter patrimonial, haviam interesses políticos envolvidos no desempenho da atividade. Certo é, também, que a própria profissão de advogado ainda não existia nos três primeiros séculos, e que a responsabilidade pela defesa das pessoas nos processos era dada a certa classe de cidadãos. Como refere Cahali,
O processo representava um risco para os litigantes, no que teriam que suportar as respectivas despesas, sem qualquer consideração ao êxito da demanda, à sucumbência, à correção ou ao erro em que tivesse incorrido a outra parte; e despesas irrepetíveis não integravam a condenação[4].
Com o tempo, algumas mudanças foram introduzidas no Direito romano, como a inclusão da condenação do vencido ao pagamento de certa quantia apenas pelo fato da sucumbência. Assim, na marcha da evolução,
A limitação da responsabilidade pelas despesas apenas se temerário o sucumbente terá sido abandonada de vez com a Constituição de Zenão, em 487; na sentença, o juiz imporá ao sucumbente a obrigação de pagar todas as despensas do processo, concedida ao mesmo juiz a faculdade de acrescentar até o décimo das despesas realmente ocorridas, se convencido da temeridade. Este acréscimo será devolvido ao fisco, desde que o juiz não decida atribuir uma parte ao vencedor, para reparação do dano[5].
Conclui-se, portanto, que a condenação do sucumbente nas despesas do juízo é criação romana, embora existam autores que ainda encontrem argumentos contrários a essa ideia. Modernamente, atribui-se a Weber o “princípio segundo o qual esta condenação, ao contrário, não é senão o ressarcimento do prejuízo do vencedor”[6], repelindo a opinião que compreendia na condenação uma pena imposta ao litigante temerário. Tal teoria sobreviveu ao tempo e encontrou afirmação na teoria da sucumbência, segundo a qual a parte vencida será condenada nas despesas do processo.
No Brasil, a evolução também mostrou-se lenta, e a jurisprudência dos Tribunais demorou a achar uniformidade de critérios no tocante à condenação do vencido em honorários de advogado do vencedor. Tal dificuldade deve-se, principalmente, porque cada unidade federativa disciplinava a matéria conforme seus próprios entendimentos, tendo construído um campo fértil para discordâncias e desvios.
Contudo, o Código de Processo Civil de 1939 foi capaz de trazer uniformidade, embora não tenha adotado a teoria da sucumbência, impondo ao vencido, como pena disciplinar e desde que litigante de má-fé, a condenação da parte no pagamento de honorários de advogado e as custas do processo. Segundo Cahali, após 25 anos de vigência desse Código, “tivemos a Lei 4.632/65, alterando a redação do art. 64 do Código, para determinar que a sentença condenaria o vencido ao pagamento do honorário advocatício do vencedor”[7]. Assim, o dolo ou a culpa foram suprimidos como pressupostos dessa condenação, concretizando os entendimentos nessa seara e abrindo caminho para o Código de Processo Civil atual.
Etimologicamente, o termo honorário tem sua origem no latim honorarius, significando honraria, recompensa. Entretanto, “esse conceito de honraria há muito ficou superado no tempo”[8], e adquiriu novas e diversas acepções, agora significando retribuição pelo serviço prestado por um profissional liberal. Especificamente quanto ao advogado, honorário é a remuneração por ele percebida pela prestação de serviços jurídicos ao cliente – seja pela consulta, pelo parecer, ou pela composição ou transação judicial ou extrajudicial entre as partes.
Destarte, cabe, de forma precípua, ao profissional da advocacia fixar o valor de seus serviços, não podendo o Poder Judiciário promover a sua revisão, salvo se ultrapassar os limites fixados na tabela de honorários. Contudo, não há como efetuar essa fixação de uma maneira padronizada, visto que não existem critérios definitivos para tanto, o que faz com que os valores flutuem
Em função de vários fatores, alguns de forte densidade subjetiva, tais como o prestígio profissional, a qualificação, a reputação na comunidade, tempo de experiência, titulação acadêmica, dificuldade da matéria, recursos do cliente, valor da demanda etc[9].
No entanto, como bem pontua Lôbo, “impõe-se sempre a moderação, porque o advogado é advocatus, non latro, como se dizia em um antigo hino a Santo Ivo, ou seja: sem honorários abusivos nem vis”[10].
Outro ponto que merece destaque inicial é a limitação ao direito aos honorários. Tais limites são criados de acordo com a ética e a razoabilidade, e não devem ser transpostos. Contudo, vivencia-se uma aproximação da lógica mercadológica empresarial com a advocatícia, que leva a uma distorção ética e valorativa cujos reflexos podem ser percebidos quando do aviltamento dos honorários devidos a esses importantes profissionais. A competitividade estabelecida, dentre outros, pelo grande número de profissionais que entram no mercado a cada ano, tende a mercantilizar a profissão, transformando-a em um comércio. Assim, além de ser óbvia questão econômica e mercadológica, há, também, uma forte questão ética sendo transpassada por esse aviltamento. Afinal, a profissão do advogado é das mais importantes para a sustentação de uma democracia de bases amplas e justas, onde o acesso à justiça seja efetivo e disponibilizado com qualidade.
Como fonte de renda e de sustento do advogado e de sua família, os honorários não podem sofrer rebaixamentos injustificados que afrontam a dignidade, honra e capacidade laborativa do profissional. Entretanto, é exatamente esse o cenário encontrado no Brasil.
1 A REGÊNCIA LEGAL DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu art. 133 que “o advogado é indispensável à administração da justiça”. Desse modo, pode-se concluir que a profissão advocatícia está inserida, quanto à sua indispensabilidade para a justiça, no mesmo grupo em que se encontram magistrados, membros do Ministério Público e defensores públicos. Entretanto, estes são funcionários públicos de carreira e, portanto, remunerados pelo Estado, ao passo que o advogado, apesar de exercer verdadeiro múnus público, não recebe qualquer remuneração dos cofres públicos. Assim, no lugar de uma remuneração paga pelo Estado, encontram-se os honorários como recompensa aos serviços prestados por este profissional.
Destarte, a base legal do honorários é encontrada no capítulo VI, arts. 22 a 26 da Lei Federal n.° 8.906/94, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (EAOAB), no capítulo V, arts. 35 a 43 do Código de Ética e Disciplina, além do art. 20, seus parágrafos 3°, 4° e 5°, e arts. 21, 22, 23, 26 e 28 do Código de Processo Civil.
Conforme a regra estabelecida no art. 22 do EAOAB, “a prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência”. Ademais, o advogado detém a possibilidade de opor ao cliente que descumprir com sua contraprestação, a cobrança dos honorários.
Ainda de acordo com o supramencionado art. 22, pode-se conceber três tipos de honorários: os convencionados, aqueles acertados previamente com o cliente; os arbitrados judicialmente; e os honorários de sucumbência, fixados na sentença e devidos pela parte vencida.
Os honorários convencionais, ajustados entre o profissional e seu cliente, observam os valores mínimos estabelecidos em tabelas preparadas pelos Conselhos Seccionais. Conforme Andrade,
Quanto aos valores máximos, inobstante a inexistência de tabela para tal, a ética recomenda que esses valores sejam estabelecidos com moderação, levando em conta a relevância e complexidade da causa, o trabalho e o tempo necessários, a possibilidade de ficar o advogado impedido de intervir em outros casos, ou de desavir com outros clientes ou terceiros, o valor da causa, a condição econômica do cliente e o proveito para ele resultante do serviço profissional, o caráter da intervenção, o lugar da prestação dos serviços, a competência e o renome do profissional, a praxe do foro sobre trabalhos análogos, tudo de acordo com a previsão contida nos incisos I a VIII, do art. 36, do Código de Ética e Disciplina[11].
Os honorários arbitrados judicialmente, previstos no § 2.° do art. 22, do EAOAB, são estipulados pelo juiz, baseando-se, para isso, na Tabela de Honorários da OAB, quando: “a) ocorrer prestação de assistência judiciária, pagável, desta forma, pela Fazenda Pública; e b) falta de estipulação ou acordo entre profissional e cliente”[12], devendo, neste caso, serem fixados em valor compatível com o trabalho, nunca inferior à tabela de honorários.
Por sua vez, os honorários de sucumbência advém do processo judicial e o seu regramento está disciplinado no Código de Processo Civil, arts. 21, 22, 23, 26 e 28. Convém ressaltar que, conforme o art. 23 do Estatuto da Advocacia e da OAB explicita, os honorários de sucumbência pertencem ao advogado.
Quanto aos honorários fixados pela cláusula de quota litis (cláusulas de risco), onde a remuneração do advogado está vinculada ao efetivo êxito da causa, o Estatuto da Advocacia e da OAB não apresenta oposição,
Mas tão-somente uma única ressalva no Código de Ética e Disciplina, em seu art. 38, preceituando que a quota litis será apenas estipulada se for em pecúnia e que proveito financeiro do advogado nesta causa, não poderá ser superior ao do seu cliente[13].
Esse tipo de pacto, “que o direito romano e as Ordenações Filipinas condenavam”[14], deve se ater dentro de padrões ético-profissionais adequados, guardando relação com o serviço realizado e não importar vantagem excessiva. A respeito disso, Alberto de Paula Machado refere que,
ao contrário do que se imaginou ao longo dos tempos, essa modalidade de contratação, desde que praticada com moderação e transparência é benéfica ao cliente, especialmente aos menos providos financeiramente, posto que impossibilitados de realizar qualquer pagamento ao advogado para a propositura ou defesa de uma ação judicial, contratam com estes a realização do serviço mediante um percentual sobre o resultado da demanda[15].
Quanto à confecção de um contrato entre advogado e cliente, o art. 35 do Código de Ética e Disciplina traz que os honorários, sua eventual correção e majoração “devem ser previstos em contrato escrito, qualquer que seja o objeto e o meio da prestação do serviço profissional, contendo todas as especificações e forma de pagamento, inclusive no caso de acordo”. A confecção de um contrato se faz ainda mais importante no tocante aos honorários por arbitramento judicial, pois, não raramente, o advogado pode vir a enfrentar uma longa batalha judicial para vê-los finalmente arbitrados. Nesse sentido, Ambrosio refere ser
Salutar a realização de um contrato por escrito, estipulando e fixando valores, especificações e formas de pagamento, segundo nos ensina as normas ético-profissionais, inclusive previsão para os casos em que o advogado logra a realização de acordos[16].
O tema, ora discutido neste trabalho, é de extrema relevância, e gerador de intermináveis discussões entre advogados e clientes, além de discordâncias éticas no âmbito administrativo dos tribunais competentes. No contexto brasileiro, os honorários vem sofrendo constantes aviltamentos que apenas fazem desmerecer a nobre profissão do advogado, comprometendo, assim, a própria qualidade da justiça no país.
2 AFRONTAS AO DIREITO AOS HONORÁRIOS
O instituto dos honorários vem sofrendo, conforme explicita Andrade, “retaliações e agressões, ora pelos poderes constituídos, ora por legislação conflitante com as normas legais de regência, ora pelo próprio Poder Judiciário, em casos de honorários de sucumbência”[17]. As agressões assumem, também, um outro plano ao distorcer a lógica advocatícia para aproximar-se da mercantil. Para Nalini, deve-se procurar “distinguir de maneira muito nítida a prestação de serviços de advogado e a mercantilização da profissão, vedando-se ao advogado a captação de clientela”[18].
Conforme já explicitado anteriormente, o Código de Ética e Disciplina traz, em seu art. 36, que a fixação dos honorários deve ser feita de forma moderada e em conformidade com os diversos elementos estabelecidos em seus incisos. Contudo, apesar de tão clara exposição, a fixação dos honorários nem sempre é feita consoante o Código. Para facilitar essa questão, a OAB fornece tabelas com os valores mínimos a serem cobrados por espécie de atuação, com vistas a preservar a dignidade da profissão e combater a tendência mercantilista. De acordo com Nalini,
Esses valores mínimos não podem ser ainda mais reduzidos pelo advogado. Isso significaria captação de clientela e os casos peculiares que importem nessa diminuição, quase sempre celebrados mediante convênios, precisam ser previamente autorizados pelo Tribunal de Ética e Disciplina, pois é dever ético do advogado não aviltar os valores de seus préstimos[19].
Portanto, ao cobrar um valor muito baixo, o advogado está praticando o aviltamento dos honorários e concordando com a mercantilização da profissão, ou seja, com a transformação da advocacia em mero comércio. Agindo desse modo, haverá afronta ao Código de Ética e Disciplina e, em havendo provas da concorrência desleal, pode-se iniciar um processo disciplinar contra o profissional. Havendo reincidência, a pena pelo aviltamento é de suspensão – lembrando-se que três suspensões iniciam o processo para exclusão do advogado.
Ademais, tratando-se de honorários de sucumbência, estes tem sido fixados em valores irrisórios em não poucos casos. Este desequilíbrio pode ter origem na interpretação equivocada do § 4.° do art. 20 do CPC, que preceitua os casos em que os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz - “quando esta, conduza à estipulação meramente perfunctória de seu valor, aquém do razoável, prescindindo do balizamento do § 3º deste artigo”[20]. Tratando do assunto, Fonseca refere que
Da leitura deste dispositivo, se depreende que, a flexibilidade conferida pela “apreciação eqüitativa”, não é fundamento para fixação simbólica dos honorários, porque sua parte final, não dispensa a consideração do grau de zelo profissional, do lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o serviço. Como esclarece Sérgio Bermudes, em todas as hipóteses contempladas no § 4º, os honorários são fixados na conformidade dos critérios das alíneas a, b e c do § 3º.
Ademais, “fixar honorários por equidade não significa, necessariamente, modicidade”[21]. Conforme recentes posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça,
Nas causas de pequeno valor, os honorários podem ser fixados acima do valor atribuído a elas (STJ Pet. 604-1-GO, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 15.8..94, v.u., DJU 12.9.94 p 23.720; JTJ 260/241), especialmente quando este não corresponder à realidade (RJTJESP 48/147).
Acerca dessa interpretação errônea, Humberto Theodoro Júnior é claro ao defender a predominância de um critério de equidade, pelo qual o juiz deverá agir com “prudente arbítrio, fora dos limites do § 3º do art. 20, para evitar aviltamento da verba, nas pequenas causas, e adotar mais moderação nas sucumbências da Fazenda Pública”[22]. Nesse sentido é a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul:
PROCESSO CIVIL. VERBA HONORÁRIA. AVILTAMENTO. ART. 20, §4º DO CPC. O ART. 20, §4º do CPC, remete-nos ao conceito de apreciação eqüitativa, o que, a toda evidência não quer dizer que os honorários sejam fixados em valores a menor, desprezando o zelo, a dedicação e a complexidade da causa. Compete ao juiz fixá-los em montante razoável a fim de remunerar, condignamente, o profissional do direito, sem aviltá-lo. (APC 20010110753245, 3ª Turma Cível, Relator Des. VASQUEZ CRUXEN, DJU: 25/09/2002).
Por outro lado, o § 4º do art. 20 do CPC, tem sido alvo de duras críticas por parte da doutrina, pois tal parágrafo inclui, em seu texto, ressalva em favor da Fazenda Pública. Assim, novamente segundo Fonseca,
O § 4º do art. 20 do CPC, tem recebido críticas contundentes da doutrina, por incluir ressalva em favor de uma parte em especial, a Fazenda Pública; pois quando é esta a parte sucumbente, possui o privilégio de não se submeter aos critérios do § 3º deste artigo, podendo assim, merecer condenação em percentual inferior a 10% da condenação: Por que poderia haver condenação em percentual inferior ao legal, se vencida na mesma causa, a Fazenda Pública? Estão sendo tratados desigualmente litigantes que se encontram em pé de igualdade relativamente ao pagamento dos honorários de seus advogados. (...)” Em acórdão do 1º TACivSP decidiu-se que fixação de honorários eqüitativamente não significa modicamente, de modo que se julgou correto o percentual de 20% sobre a condenação, como sendo de responsabilidade da Fazenda Pública relativamente aos honorários de advogado[23].
Defendendo a dignidade profissional do advogado, o Superior Tribunal de Justiça, de acordo com jurisprudência, considerou ínfima a verba honorária que não corresponde sequer a 1% do valor da disputa (Resp 660.071/SC, 4a Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 13.06.2005; Resp 651.226/PR, 3a Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 21.02.2005).
Recentemente, o presidente da OAB/RS, Claudio Lamachia, oficiou o presidente da Associação de Juízes Federais do Rio Grande do Sul (Ajufergs), José Francisco Spizzirri, acerca de alguns casos de aviltamento de honorários no Estado. Nas palavras de Lamachia, deve haver uma maior reflexão por parte dos magistrados,
Para que possamos contar com seu reconhecimento pelo que nós, advogados, representamos, efetivamente, para a concretização do ideal de justiça. Se não defendemos que os juízes tenham seus vencimentos reduzidos por terem proferido sentenças padronizadas ao longo do mês, também não podemos aceitar tal postura em relação ao trabalho desenvolvido pelos advogados. Sendo assim, é necessário que haja ponderação e equilíbrio no arbitramento da verba advocatícia[24].
Os honorários, meio de subsistência do profissional e de pagamento de suas demais responsabilidades e necessidades, há muito perderam o caráter romântico que antigamente também era atribuído à profissão. Afinal, o advogado vive dessa remuneração, sendo, muitos outros, em verdade assalariados e empregados em grandes escritórios. Alcântara Machado observou que a equiparação dos operae liberales aos serviços manuais repugna a algumas pessoas mas, lembrando de célebre frase de Ihering, estabelece que o salário é o nível determinante de todo o comércio jurídico e, que a partir disso, “aluídos os velhos preconceitos, ninguém se julga diminuído em sua própria estima ou na estima alheia pela circunstância de exercer uma profissão assalariada”[25].
Tal citação abre caminho para a discussão em torno da natureza alimentícia dos honorários advocatícios, muito debatida por juristas de toda monta. Conforme se denota da leitura do art. 649, inciso IV, do Código de Processo Civil, o salário é absolutamente impenhorável, não havendo, contudo, menção explícita ao termo honorários. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário de n.° 470407, concluiu que, conforme o disposto nos artigos 22 e 23 da Lei nº 8.906/94, os honorários advocatícios incluídos na condenação pertencem ao advogado, consubstanciando prestação alimentícia cuja satisfação pela Fazenda ocorre via precatório, observada ordem especial restrita aos créditos de natureza alimentícia. Assim, tem-se, portanto, que a definição contida no art. 100, § 1.°, da CF não é exaustiva.
De forma semelhante, o Superior Tribunal de Justiça, ao prover recurso interposto por um advogado, firmou entendimento no primeiro semestre de 2011 no sentido de que os honorários advocatícios possuem caráter alimentar e, sendo assim, devem desfrutar de posição privilegiada quando do concurso de credores em processos de falência. Conforme o julgado, “assim como o salário está para o empregado e os honorários estão para os advogados, o art. 24 do Estatuto da OAB deve ser interpretado de acordo com o princípio da igualdade”. Conforme o relator do Resp 1225506/RS, Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), “os honorários advocatícios constituem crédito privilegiado, que deve ser interpretado em harmonia com a sua natureza trabalhista-alimentar – e sendo alimentar a natureza dos honorários, estes devem ser equiparados aos créditos trabalhistas, para fins de habilitação em concurso de credores".
Deve-se frisar, também, que os honorários de advogado, fixados em razão de sucumbência, pertencem ao profissional, com base no art. 23 da EAOAB, e não à parte. Portanto, uma vez fixados ou arbitrados, não podem ser objeto de transação entre as partes. Destarte, o fenômeno da compensação – tendo os honorários natureza alimentícia –, segundo a previsão do art. 22 do CPC, resta afastado pela exceção prevista no art. 373, II e III, do Código Civil, c/c o disposto no art. 649 do CPC. Afinal, a finalidade dessa verba é ressarcir o trabalho do advogado, mesmo estando o entendimento em contraposição à Súmula 306 do STJ – considerada, pelos doutrinadores, ultrapassada.
Por certo tem-se que a fixação em valores ínfimos dos honorários sucumbenciais ou por arbitramento constituem violação, mesmo que de forma indireta, por afronta aos valores depositados de forma anímica pelo legislador, ao art. 133 da Constituição Federal, que declara que o advogado é indispensável à administração da justiça. E, para ser, de fato, efetivo em sua contribuição à justiça, o advogado deve e faz jus ao recebimento dos honorários.