3. REGIME JURÍDICO: DIREITO ADQUIRIDO?
Os servidores públicos têm direito adquirido a permanecerem com o atual regime jurídico?
José dos Santos Carvalho Filho[5], cujo entendimento é pacífico, assinala que a resposta reclama a análise de dois vetores.
O primeiro diz respeito ao estatuto funcional. O servidor, quando ingressa no serviço público sob o regime estatutário, recebe o influxo das normas que compõem o respectivo estatuto. Essas normas, logicamente, não são imutáveis; o Poder Público pode introduzir alterações com vistas à melhoria dos serviços, à concessão ou extinção de vantagens, à melhor organização dos quadros funcionais etc. Como as normas estatutárias são contempladas em lei, segue-se que têm caráter genérico e abstrato, podendo sofrer alterações como ocorre, normalmente, em relação aos demais atos legislativos. O servidor, desse modo, não tem direito adquirido à imutabilidade do estatuto, até porque, se o tivesse, seria ele um obstáculo à própria mutação legislativa.
E segue o autor, afirmando que as leis que traduzem normas gerais e abstratas, como é o caso dos estatutos, são normalmente alteráveis.
José dos Santos Carvalho Filho define como o segundo vetor, o fato de a lei estatutária contemplar vários direitos individuais para o servidor. A aquisição desses direitos, porém, depende sempre de um fato gerador que a lei expressamente estabelece. Se se consuma o suporte fático previsto na lei e se são preenchidos os requisitos para o seu exercício, o servidor passa a ter direito adquirido ao benefício ou vantagem que o favorece. Aqui, portanto, não se trata do problema da mutabilidade das leis, como antes, mas sim, da imutabilidade do direito em virtude da ocorrência do fato que o gerou. Cuida-se nesse caso de direito adquirido do servidor, o qual se configura como intangível mesmo se a norma legal vier a ser alterada.
José Maria Pinheiro Madeira[6] ensina que ‘na doutrina brasileira a posição sufragada é que a extinção de cargo do Poder Executivo efetivamente é de iniciativa do Chefe do Executivo, que tem discricionariedade para propor ou não a referida extinção, de acordo com os estudos que realizar e conclusões a que chegar, de acordo com o juízo de conveniência e oportunidade. Por não possuir caráter punitivo, não há falar na aplicação da Teoria dos Motivos Determinantes.
Percebe-se, portanto, que os atuais servidores da Polícia Civil e da COGERP NÃO têm direito adquirido à manutenção do atual regime jurídico.
O que deve restar garantido para os servidores é a IRREDUTIBILIDADE DOS VENCIMENTOS.
4. POLÍCIA CIVIL: Órgão Público Autônomo (Hely Lopes Meirelles).
Como todo ÓRGÃO, parafraseando Hely Lopes Meirelles[7], a Polícia Civil é um centro de competência instituído para o desempenho de funções estatais (investigação criminal estadual comum), através de seus agentes (agentes, agentes auxiliares, delegados e escrivães), cuja atuação é imputada à pessoa jurídica a que pertencem. A Polícia Civil é, portanto, uma unidade de ação com funções específicas (investigação criminal estadual comum) na organização estatal.
A Polícia Civil, como centro de competência (órgão)[8], tem necessariamente funções, cargos e agentes, mas se distingui desses elementos, os quais podem se modificados, substituídos ou retirados sem supressão da unidade orgânica.
A Polícia Civil é seu mero instrumento de ação, preordenada ao desempenho das funções (investigação criminal estadual comum) que lhes forem atribuídas pelas normas de sua constituição e funcionamento (lei orgânica). Para a eficiente realização de suas funções a Polícia Civil é investida de determinada competência (investigação criminal estadual comum), redistribuída entre seus cargos (agentes, agentes auxiliares, delegados e escrivães), com a correspondente parcela de poder necessária ao exercício funcional de seus agentes (servidores policiais civis).
Os órgãos do Estado, e a Polícia Civil é um deles, são o próprio Estado compartimentado em centros de competência, destinados ao melhor desempenho das funções estatais[9].
A POLÍCIA CIVIL, segundo a atual Constituição Federal, é um dos órgãos públicos estaduais responsáveis pelo exercício do serviço público de segurança pública[10]. É, portanto, um ÓRGÃO da Administração Pública direta dos Estados-membros. Por ser, segundo a Constituição Federal[11], diretamente subordinado ao chefe do poder executivo estadual, pode ser classificado, segundo Hely Lopes Meirelles, como sendo um órgão autônomo[12].
A Polícia Civil, por disposição constitucional[13], deve estar localizada na cúpula da Administração, imediatamente abaixo do órgão independente (Governadoria) e diretamente subordinada a seu chefe (governador). Por essa razão, deveria ter ampla autonomia administrativa, financeira e técnica, o que lhe caracterizaria como órgão diretivo, com funções precípuas de planejamento, supervisão, coordenação e controle das atividades que constituem sua área de competência (investigação criminal). Deveriam participar das decisões governamentais e executar com autonomia as suas funções específicas (investigação criminal), mas segundo diretrizes do órgão independente (Governadoria), que expressa as opções políticas do Governo.
Hely Lopes Meirelles[14] exemplifica os órgãos autônomos, citando “os Ministérios, as Secretarias de Estado e de Município, a Advocacia-Geral da União”. E finaliza a explicação atribuindo a condição de órgãos autônomos a “todos os demais órgãos subordinados diretamente aos Chefes de Poderes, aos quais prestam assistência e auxílio imediatos”. Ensina o doutrinador que, os dirigentes dos órgãos autônomos, em regra, não são servidores comuns, mas sim agentes políticos nomeados em comissão. Dessa forma, percebe-se que, sendo a Polícia Civil um órgão autônomo, seu dirigente, no caso de Sergipe, o ocupante do cargo de Superintendente, é sim um agente político, tem status de secretário de Estado, devendo inclusive ser formalmente tratado pelo pronome Vossa Excelência.
5. CARGO, CLASSE e CARREIRA.
Ver-se-á que não há propriamente cargos de carreiras na Polícia Civil ou no COGERP sergipanos. O que há é uma sucessão de cargos isolados.
Segundo Dirley da Cunha Jr.[15], CARGOS e empregos públicos são unidades específicas de atribuições, localizadas no interior dos órgãos, (...). São unidades de atribuições e responsabilidades funcionais instituídas e situadas na estrutura administrativa das entidades estatais (...). É um conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.
Os cargos podem ser classificados quanto à organização e quanto ao provimento.
Quanto à organização, os cargos distinguem-se entre cargos de carreira e cargos isolados. Os cargos de carreira são aqueles que estão distribuídos e escalonados em classes. CLASSE é o conjunto ou agrupamento de cargos da mesma natureza de trabalho, com idênticas atribuições, responsabilidades e vencimentos. As classes constituem os degraus da carreira. Já a CARREIRA é o agrupamento de classes escalonadas em função do grau de responsabilidade e nível de complexidade das atribuições. Já os cargos isolados são todos aqueles que não estão escalonados em classes, por serem os únicos na sua categoria. Quadro é o conjunto de cargos em carreira e cargos isolados.
Os cargos isolados constituem exceção no funcionalismo, porque a hierarquia administrativa exige escalonamento das funções para o aprimoramento do serviço e estímulo aos servidores, através da promoção vertical.[16] Têm natureza estanque e inviabilizam a progressão.[17]
Para haver uma carreira, diz a boa doutrina que o cargo (ou cargos) esteja(m) escalonado(s) em classes, para acesso privativo de seus titulares, até o da mais alta hierarquia profissional.[18] CARGOS DE CARREIRA permitem a progressão funcional dos servidores através de diversas classes até chegar à classe mais elevada.[19]
Carreira é o conjunto de classes funcionais em que seus integrantes vão percorrendo os diversos patamares de que se constitui a progressão funcional.[20] É o agrupamento de classes da mesma profissão ou atividade, escalonadas segundo a hierarquia do serviço, para acesso privativo dos titulares dos cargos que a integram, mediante provimento originário.[21] É o conjunto de classes funcionais em que seus integrantes vão percorrendo os diversos patamares de que se constitui a progressão funcional.[22] A carreira, portanto, permite o desenvolvimento do servidor mediante promoção, por meio de classes evolutivas. [23]
Os cargos das carreiras policiais civis e das carreiras da atividade pericial sergipanos, embora dispostos em classes, não possibilitam, com a promoção, a evolução funcional do servidor, fazendo-o adquirir mais atribuições e responsabilidades e a consequente maior remuneração. As tais classes, das tais carreiras policiais civis e da atividade pericial tão somente repercutem na remuneração do servidor. Assim, não há hierarquia de serviço entre os agentes auxiliares de 1ª e 2ª classes, entre os agentes de 1ª, 2ª e 3ª classes, entre os escrivães de 1ª, 2ª e 3ª classes, entre os delegados de 1ª, 2ª e 3ª classes, entre os peritos de 1ª, 2ª e 3ª classes, ou entre os agentes técnicos e papiloscopistas de 1ª, 2ª e 3ª classes. Estar na 1ª classe apenas possibilita que os servidores estejam aptos a ocuparem funções de confiança ou cargos em comissão.
As classes, na organização dos cargos das carreiras policiais civis e das carreiras da atividade pericial sergipanos, não ensejam degraus de acesso nas carreiras, mediante promoção, por não promoverem aumento de atribuições e responsabilidades. Dessa forma, esses cargos são aparentemente CARGO DE CARREIRA, mas com uma configuração próxima a dos CARGOS ISOLADOS. Em realidade, são uma sucessão ascendente de cargos isolados.
6. CRIAÇÃO, EXTINÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DE CARGOS.
A transformação de um cargo significa a extinção do antigo cargo e a criação de um cargo novo, com o aproveitamento dos servidores ocupantes do antigo cargo no novo cargo ‘de atribuições e vencimentos compatíveis com o anteriormente ocupado’[24].
‘A transformação de cargos, funções ou empregos do Executivo é admissível desde que realizada por LEI de sua iniciativa. Pela transformação extinguem-se os cargos anteriores e se criam os novos, que serão providos por concurso ou por simples enquadramento dos servidores já integrantes da Administração, mediante apostila de seus títulos de nomeação. Assim, a investidura nos novos cargos poderá ser originária (para estranhos ao serviço público) ou derivada (para os servidores que forem enquadrados), desde que preencham os requisitos da lei’.[25]
Transformados os cargos através de um novo regime estatutário, a movimentação dos servidores dar-se-á através do provimento derivado vertical na modalidade de PROMOÇÃO.
Assim, a pretensa progressão funcional do servidor policial civil, através da promoção, somente ocorrerá no novo regime jurídico estatutário.
A progressão funcional pretendida não fará com que o servidor migre de um regime jurídico estatutário para outro, permanecendo ambos incólumes. Um regime jurídico estatutário será extinto, com a revogação total da legislação que o estabelece, havendo, então, uma nova lei, amparando assim um novo regime jurídico estatutário.
Não haverá burla ao princípio constitucional do concurso público[26].
Segundo julgado recorrente do STF[27]:
O critério do mérito aferível por concurso público de provas ou de provas e títulos é, no atual sistema constitucional, ressalvados os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, indispensável para cargo ou emprego público isolado ou em carreira. Para o isolado, em qualquer hipótese; para o em carreira, para o ingresso nela, que só se fará na classe inicial e pelo concurso público de provas ou de provas e títulos, não o sendo, porém, para os cargos subseqüentes que nela se escalonam até o final dela, pois, para estes, a investidura se fará pela forma de provimento que é a ‘promoção’.
Estão, pois, banidas das formas de investidura admitidas pela Constituição a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso público, e que são, por isso mesmo, ínsitas ao sistema de provimento em carreira, ao contrário do que sucede com a promoção, sem a qual obviamente não haverá carreira, mas, sim, uma sucessão ascendente de cargos isolados.
Assevere-se que a proposta sindical que será detalhada adiante NÃO se configura em hipótese de ASCENÇÃO (TRANSPOSIÇÃO) de cargos públicos, espécies de provimento derivado banidos do ordenamento jurídico pela nova ordem constitucional. Pelo simples fato de propor a extinção dos cargos atuais, com a revogação total da atual lei orgânica, com o consequente aproveitamento dos servidores, que ficariam em disponibilidade, nos novos cargos. Ver-se-á, mais a frente, que ASCENÇÃO (ou TRANSPOSIÇÃO) somente se verifica quando não se extingue a relação jurídica anterior.
No dizer de Dirley da Cunha Jr.[28], ASCENÇÃO ou TRANSPOSIÇÃO ‘consistia na passagem do agente público de um cargo de uma carreira para outro cargo de carreira diversa sem concurso público ou, quando muito, mediante concurso interno (ex.: de agente de polícia de último nível ou classe de sua carreira para o primeiro nível ou classe de delegado de polícia, de carreira diversa). Quando se chegava à última classe de uma carreira, passava-se para a classe inicial de outra carreira, sem necessitar de concurso público’.
A hipótese inserta na proposta sindical é de EXTINÇÃO DE CARGOS, com a revogação total dos dispositivos legais que os fundamenta, com a posterior CRIAÇÃO DE NOVOS CARGOS e o consequente ADEQUADO APROVEITAMENTO[29] dos servidores dos cargos extintos, colocados em disponibilidade, nos novos cargos. O aproveitamento, segundo Dirley da Cunha Jr.[30], é o reingresso do servidor estável, que se encontrava em disponibilidade, em cargo de atribuições e vencimentos compatíveis com o anteriormente ocupado.
Os problemas nas recentes legislações sergipanas é que se quer “enquadrar” servidores, mantendo, ao menos parcialmente, os estatutos anteriores. A Polícia Civil sergipana é regida atualmente pelas Leis nº 4.122/1999, 4.133/1999, 4.364/2001, LC nº 10/1992, Lei nº 2.068/76, além da Lei nº 2.248/77. Daí recaírem sempre nas hipóteses de ascensão e transferência, conforme visto, abolidas pela Constituição Federal, segundo o STF.
José dos Santos Carvalho Filho[31] diz que ‘a regra geral para a criação, transformação e extinção dos cargos públicos é contemplada no art. 48, X, da CF.
E segue mais adiante: ‘na criação, formam-se novos cargos na estrutura funcional; na extinção, eliminam-se os cargos; e a transformação nada mais é que a extinção e a criação simultânea de cargos: um cargo desaparece para dar lugar a outro. A norma constitucional significa que, como regra, todos esses fatos relativos aos cargos pressupõem a existência de lei.
No caso de cargos do Executivo, a iniciativa é privativa do Chefe desse poder (art. 61, §1º, II, ‘a’, CF).
É importante destacar que o poder de iniciativa para a criação ou reestruturação funcional de cargos e carreiras se aloja no âmbito de discricionariedade de cada titular, cabendo-lhe o exame da conveniência e oportunidade para tomar aquela providência.