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IPVA: do domicílio tributário do sujeito passivo

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05/03/2012 às 15:02
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9.    Do domicílio tributário da pessoa natural

O art. 71 do CC considera domicilio da pessoa natural qualquer das residências onde ela, alternadamente, viva. O inc. I do art. 127 do CTN, porém, fixa critério para escolha ao dispor que, sendo incerta a residência habitual da pessoa natural, considera-se domicílio tributário desta o centro habitual de sua atividade. A Lei 13.296/2008 considera domicílio do proprietário pessoa natural: o centro habitual de sua atividade onde o veículo esteja sendo utilizado[20], se a residência habitual do proprietário for incerta ou desconhecida (alínea “b” do item 1 do § 1º do art. 4º); o local onde, cumulativamente, este possua residência e exerça profissão (item 1 do § 2º do art. 4º); ou o endereço constante da Declaração do Imposto de Renda, se o proprietário possuir residência e exercer profissão em mais de um local (item 2 do § 2º do art. 4º). Se as regras anteriores não forem suficientes para precisar o domicílio tributário da pessoa natural, a autoridade administrativa poderá fixá-lo tomando por base o endereço que vier a ser apurado em órgãos públicos, nos cadastros de domicílio eleitoral e nos cadastros de empresa seguradora e concessionária de serviço público (§ 3º do art. 4º).

Ao fixar critérios para escolha de apenas 1 (um) domicílio tributário do sujeito passivo do IPVA, regra alguma do art. 4º da Lei 13.296/2008 alterou a definição, o conteúdo e o alcance do conceito domicílio, no direito privado. Domicílio tributário do proprietário do veículo é local onde o IPVA será devido. Identifica o Estado-credor. Domicílio, no direito privado, determina o lugar onde a obrigação deve ser paga a credor já identificado em contrato celebrado entre as partes. Além disso, conforme já enfatizamos, os institutos cuidam de obrigações de naturezas diversas: não regulada pelo princípio da autonomia da vontade, na obrigação tributária; regulada por esse princípio, na obrigação entre particulares.

Na apelação 0132496-53.2008.8.26.0053, a 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), por votação unânime, entendeu não ser domicílio do Autor (de ação declaratória de inexistência de relação jurídica) o imóvel que este tomou em locação em município do Estado do Paraná, para servir de residência da filha que lá foi estudar. Na apelação 0029868-23.2009.8.26.0482 (em mandado de segurança contra ato de autoridade administrativa), a 13ª Câmara de Direito Público do TJSP, por votação unânime, reconheceu ter a Autora comprovado: possuir residência, exercer atividade de produtor rural e utilizar habitualmente o veículo em município do Estado de Mato Grosso do Sul, a quem competia, portanto, o recolhimento do IPVA, embora a Autora tivesse declarado à Secretaria da Receita Federal o endereço de sua residência em São Paulo. (decisões disponíveis em:

<https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do> Acesso em: 31/01/2012).


10.     Conclusões

Ao tratar de domicílio tributário, o CTN não contemplou o do sujeito passivo do IPVA. Enquanto a matéria não for tratada de modo uniforme por lei complementar federal, poderão Estados e o Distrito Federal editar regras sobre domicílio tributário, desde que não alterem a definição, o conteúdo e o alcance que o conceito domicílio tem no direito privado. Se legislarem sobre a matéria, porém, as regras postas poderão acarretar conflito de competência entre eles. Seja por alteração da definição, do conteúdo ou do alcance do conceito, seja por conflito de competência, o STF poderá ser provocado diretamente: por entidade sindical representativa de pessoas jurídicas de direito privado sujeitas à exação, no primeiro caso; por Governador de Estado ou do Distrito Federal que for prejudicado, no segundo. Contribui para aumentar a complexidade do tema o caráter operacional do conceito “direito subjetivo de propriedade”, instrumento teórico que permite apresentar situações reguladas por conjunto de normas que varia conforme a propriedade do bem seja plena ou limitada. Em cada caso, é preciso analisar por que direitos elementares constitutivos a relação de propriedade do veículo se manifesta no mundo real durante o exercício, sem descurar do exame de regras postas pela legislação de trânsito, aplicáveis ao caso. Entendemos improcedentes os questionamentos jurídicos que levariam à inconstitucionalidade das regras apontadas na ADI, mas identificamos situações em que a regra-matriz de incidência do IPVA somente pode ser aplicada a partir do exercício subsequente ao em que ocorrer o fato descrito no antecedente da regra sobre domicílio tributário da Lei paulista 13.296/2008, sob pena de ferir princípios constitucionais. Aguardemos então a decisão do STF, a fim de verificar se ela simplesmente vai se ater ao conceito operacional e abstrato do direito subjetivo de propriedade, ou se, para o fato típico descrito no antecedente de cada regra, ela vai examinar por que direitos elementares o direito de propriedade do veículo estará se manifestando durante o exercício.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008.

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito – técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 1990.

LEITE, Gisele. Um passeio entre as inúmeras definições de posse. Recanto das Letras, 4 de setembro de 2009. Disponível em:

<http://www.recantodasletras.com.br/textosjuridicos/1792898>

Acesso em: 31/01/2012.

___________. Domicílio: um complexo conceito do Direito Civil. Revista Jus Vigilantibus, 10 de outubro de 2006. Disponível em:

<http://jusvi.com/artigos/22701> Acesso em: 31/01/2012.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009.

MAMEDE, Gladston. IPVA – Imposto sobre a propriedade de veículos automotores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de direito civil – direito das coisas, 3º Vol. São Paulo: Saraiva, 1993.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Taxas de polícia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, Vols. II e IV. Rio de Janeiro: Forense, 1973.


NOTAS

[1] Disponível em: <http://www.pfe.fazenda.sp.gov.br/> / Legislação / Tributária / Atos anteriores a 2002 / Ato: “Leis”, Ano: “1989” / 6.606, de 20-12 Acesso em 31/01/2012.

[2] Disponível em: <http://www.pfe.fazenda.sp.gov.br/> / Legislação / Tributária / Atalhos IPVA / Lei 13.296/08 Acesso em 31/01/2012.

[3] Na vigência da Lei 6.606/1989, as alíquotas eram de 3% (três por cento), para automóveis de passeio movidos a álcool (inc. III do art. 7º), e de 4% (quatro por cento), para automóveis de passeio (inc. II do art. 7º). Como apenas a primeira regra especificava o combustível, ela era especial. Porque era geral, a segunda regra aplicava-se a automóveis de passeio flex e movidos à gasolina.

[4] Cf. o inc. V do art. 9º da Lei Estadual 8.115, de 30/12/1985.

[5] Cf. o inc. IV do art. 5º da Lei Estadual 7.543, de 30/12/1988.

[6] Cf. a alínea “b” do inc. I do art. 4º da Lei Estadual 14.260, de 22/12/2003.

[7] Cf. o inc. III do art. 10 da Lei Estadual 14.937, de 23/12/2003.

[8] Cf. a alínea “d” do inc. I do art. 78 da Lei 1.287, de 28/12/2001 (Código Tributário do Estado do Tocantins). No entanto, o Estado isenta do IPVA o veículo novo no exercício em que é adquirido. De fato, a alínea “b” do inc. XV do art. 71 da Lei isenta do IPVA o veículo novo, desde que adquirido por empresa cuja atividade principal seja a locação de veículo sem condutor. Dispõe o § 7º do art. 71 que a empresa perde o benefício da isenção do IPVA na transferência da propriedade do veículo no mesmo exercício de sua aquisição.

[9] Cf. o inc. VIII do art. 10 da Lei Estadual 2.877, de 22/12/1997.

[10] Como é a propriedade do credor fiduciário, durante a vigência de contrato de alienação fiduciária em garantia.

[11] Como é a propriedade daquele que dá coisa sua a outrem, em usufruto. Aquele é o nu-proprietário, que faz jus à substância da coisa; este, o usufrutuário, que, durante certo tempo, está autorizado a retirar da coisa alheia os frutos e utilidades que ela produz. O usufrutuário tem o jus utendi e o jus fruendi; o nu-proprietário faz jus apenas à substância da coisa (MONTEIRO, 1993, p. 302-303).

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[12] A Constituição de 1988 atribuiu as seguintes competências para instituir imposto sobre transmissão:

a) inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis: aos Municípios (art. 156, II);

b) causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos: aos Estados e ao Distrito Federal (art. 155, I).

[13] O critério espacial da hipótese de incidência do ITBI não seria o local do imóvel se a mutação patrimonial decorresse de sucessão aberta em Estado diverso do de situação do imóvel ou no exterior. Ainda assim, o imposto competiria ao Estado de situação do imóvel transmitido (art. 41 do CTN). Nesse caso, o critério espacial da hipótese de incidência não estaria no campo espacial de validade da lei aplicável.

[14] “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias” (grifamos).

[15] “Art. 3º - Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto:

( . . . )

X - relativamente a veículo de propriedade de empresa locadora:

a) no dia 1º de janeiro de cada ano, em se tratando de veículo usado já inscrito no Cadastro de Contribuintes do IPVA deste Estado;

b) na data em que vier a ser locado ou colocado à disposição para locação no território deste Estado, em se tratando de veículo usado registrado anteriormente em outro Estado;

c) na data de sua aquisição para integrar a frota destinada à locação neste Estado, em se tratando de veículo novo.

Parágrafo único - O disposto no inciso X deste artigo aplica-se às empresas locadoras de veículos qualquer que seja o seu domicílio, sem prejuízo da aplicação das disposições dos incisos II a IX, no que couber”.

[16] “Art. 6º - São responsáveis pelo pagamento do imposto e acréscimos legais:

( . . . )

VIII - a pessoa jurídica de direito privado, bem como o sócio, diretor, gerente ou administrador, que tomar em locação veículo para uso neste Estado, em relação aos fatos geradores ocorridos nos exercícios em que o veículo estiver sob locação;

IX - o agente público responsável pela contratação de locação de veículo, para uso neste Estado por pessoa jurídica de direito público, em relação aos fatos geradores ocorridos nos exercícios em que o veículo estiver sob locação;

X - o sócio, diretor, gerente, administrador ou responsável pela empresa locadora, em relação aos veículos locados ou colocados à disposição para locação neste Estado;

( . . . )

§ 2º - A responsabilidade prevista nos incisos I, II, III, VII, VIII, IX, X, XI e XII deste artigo é solidária e não comporta benefício de ordem.

 . . . ”.

[17] Se locadora adquirir veículo novo de concessionária com o fim de colocá-lo à disposição para locação em estabelecimento seu situado no Estado de São Paulo mas registrá-lo em órgão de trânsito de outro Estado, em favor deste será indevidamente pago o ICMS relativo às operações subsequentes, retido antecipadamente pelo fabricante.

[18] Exigência, por dois sujeitos ativos, de tributo relativo ao mesmo fato jurídico tributário.

[19] A Resolução CONTRAN 664/1986 dispõe sobre os modelos dos documentos de Registro e Licenciamento de Veículos e dá outras providências. Apesar da edição do Código de Trânsito Brasileiro em 23/09/1997, a Resolução ainda está vigente, já que alterada pelas resoluções 721/1988, 729/1989, 766/1993, 779/1994, 802/1995 e 16/1998. A Resolução 16/1998 foi alterada pela 187/2006, ainda em vigor.

[20] Embora o critério material da hipótese de incidência do IPVA seja a relação de propriedade do veículo automotor e não a utilização deste, o direito de uso é um dos direitos constitutivos da propriedade, de modo que o efetivo exercício daquele direito é o modo pelo qual esta se manifesta no mundo real.

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Sobre o autor
Wagner Pechi

Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo aposentado. Ex-Delegado Tributário de Julgamento de São Paulo. Ex-integrante do Tribunal de Impostos e Taxas. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PECHI, Wagner. IPVA: do domicílio tributário do sujeito passivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3169, 5 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21219. Acesso em: 19 abr. 2024.

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