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Da possibilidade da tentativa nos crimes conforme a conduta

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VI. Da possibilidade da tentativa nos crimes conforme a conduta

Tecidas as devidas considerações a respeito da tentativa e da conduta delitiva, resta, enfim, constatar ou não se citada causa de diminuição de pena tem lugar nos crimes omissivos – próprios ou impróprios – e comissivos.

VI.1 Da tentativa nos crimes comissivos

Remansoso o entendimento de que, em crimes cometidos mediante ação positiva do agente, é possível a tentativa. Inobstante, nem sempre tal se verifica, dado ser classificação insuficiente a determinar, com a certeza que a questão demanda, a admissibilidade do conatus.

Para melhor compreensão da matéria, convém tomar de empréstimo outra classificação delitiva: crimes unissubsistentes e plurissubsistentes.

Damásio(58) define tal classificação da seguinte forma:

"Esta distinção se assenta na circunstância de que o crime, podendo, às vezes, realizar-se com um só ato, em geral exige uma série de atos.

Crime unissubsistente é o que se realiza com um só ato. Ex.: injúria verbal (art. 140).

Crime plurissubsistente é o que se perfaz com vários atos. Ex.: estelionato (art. 171), que não se consuma com o simples emprego de fraude, exigindo que o agente obtenha vantagem ilícita em prejuízo alheio.

Essa noção deve ser completada com uma observação. A distinção não se faz tendo em vista o crime abstrato, mas sim em face do caso concreto. Assim, enquanto a injúria verbal é crime unissubsistente, a injúria por escrito é plurissubsistente, uma vez que a atividade pode ser cindida em fazes." (grifos do autor)

Primeiramente, cumpre destacar que tantos os crimes unissubsistentes, quanto os plurissubsistentes, admitem a modalidade comissiva, haja visto que, se o crime se perfaz mediante ação única, entra na primeira hipótese, já se este demanda mais de uma ação para se consumar, cuidar-se-á da segunda possibilidade.

Ante a brilhante explanação retro, de se concluir que crimes unissubsistentes possuem um iter criminis indivisível, impassível de fragmentação; ao passo que os plurissubsistentes, por demandarem dois ou mais atos para sua consumação, são dotados de um iter fracionado, segmentado, divisível.

Neste particular, imperiosa a conclusão de que, crimes que se perfazem mediante ato único – os chamados unissubsistentes – nunca conceberão a modalidade tentada, vez que, ou o agente perpetra a ação típica, e o delito se consuma, ou ele não a empreende, podendo seus atos, no máximo, serem tidos como de mera preparação ou cogitação.

Já os plurissubsistentes, como é cediço, sempre admitirão a tentativa. Tal se verifica em vista da pluralidade de atos contidos no iter, assim, se o agente empreende apenas parte dos previstos no tipo, não logrará consumar seu intento criminoso, tampouco se livrará da imputação correspondente, com a obrigatória incidência da causa de diminuição de pena descrita no dispositivo nº 14, inciso II, do diploma repressivo.

Tal conclusão é abonada por Damásio(59), confira-se:

"O crime unissubsistente não admite tentativa, ao contrário do que acontece com o plurissubsistente".

De conseguinte, para verificar-se se determinado crime comissivo admite a modalidade tentada, mister constatar se seu iter compõe-se de uma ou mais fases, ou seja, se é pluri ou unissubsistente.

VI.2 Da tentativa nos crimes omissivos próprios

Os crimes omissivos próprios consumam-se com a mera abstenção, por parte do agente, do ato que lhe era exigível nas circunstâncias pelo tipo apontadas.

Com efeito, o tipo penal exige apenas uma conduta para sua plena subsunção, tal seja, a omissão.

Não é, de conseguinte, divisível o iter criminis dos delitos omissivos puros, já que uma só conduta basta para que toda a hipótese incriminadora seja satisfeita.

Ao contrário, pois, dos crimes comissivos – que podem ser tanto unissubsistentes quanto plurissubsistentes – os delitos omissivos próprios só admitem a figura unissubsistente, satisfazendo-se com a mera omissão.

À luz de tais premissas, forçosa é a conclusão de que os delitos omissivos puros nunca admitirão a forma tentada, conforme atesta Euclides(60):

"Tratando-se de crime omissivo próprio ou puro, é incompossível a figura da tentativa, conforme a opinião dominante".

Noronha(61), a seu turno, compartilha do entendimento:

"Consuma-se portanto no momento e no lugar em que o sujeito ativo não cumpre o ato devido. Trata-se de crime instantâneo e não permanente, pois ainda que a omissão se prolongue por certo tempo, se o agente puder interrompê-la com eficácia, haverá apenas demora ou atraso irrelevante. Sendo um delito omissivo próprio, não comporta a tentativa: ou o agente não socorre e dá-se a consumação, ou pode ainda socorrer e não se caracteriza a execução parcial do tipo"

A tentativa, segundo Delmanto(62), "a maioria dos autores não admite", até porque, no falar de Damásio(63), "tratando-se de delito omissivo próprio, é inadmissível. Ou o sujeito não presta a assistência, e o delito está consumado, ou presta socorro à vítima, hipótese em que não existe delito. A simples tentativa de deixar de prestar assistência já configura o crime".

Dessarte, devido a sua natureza instantânea e omissiva, queda impossível imaginar uma conduta subsumível à norma punitiva que possua um iter criminis fracionado, passível de gerar um ilícito tentado. A Jurisprudência corrobora o entendimento:

"O crime de omissão de socorro constitui infração instantânea, que não admite tentativa, consumando-se no instante em que a sujeito omite a prestação de socorro"(64). Ou ainda: "O crime de omissão de socorro é de natureza instantânea e se consuma no momento e no lugar em que se verifica o inadimplemento do dever de auxílio imposto pela lei. A atitude omissiva somente se justifica quando houver risco à incolumidade física do agente"(65).

Não havendo maiores divergências a respeito da hipótese, de se notar a impossibilidade da causa de diminuição de pena em crimes deste jaez.

VI.3 Da tentativa nos crimes omissivos impróprios

A exemplo dos omissivos próprios, os crimes omissivos impróprios também não admitem a tentativa.

Tal assertiva pode vir a causar estranheza, já que, no crime omissivo impróprio, é possível detectar um iter criminis estratificado, passível de divisão.

Conforme o já explanado, tal espécie de delito possui dois momentos: a omissão e o resultado.

Do comportamento omissivo, gera-se uma lesão a um bem penalmente protegido, tipificando-se o delito.

Conseguintemente, opera-se a consumação delitiva com o resultado. Sem embargo, não havendo a lesão ao bem jurídico, inexiste o crime.

Isso porque, essa primeira fase do iter (omissão), é um indiferente penal quando, por si só, não constitui o próprio tipo, como nos casos dos crimes omissivos puros.

Tal se explica na medida em que o crime omissivo impróprio encontra sua razão de ser numa recomendação, direcionada ao sujeito ativo, para que tome as cautelas necessárias capazes de evitar o resultado lesivo.

A mera omissão não externa o desdém penalmente reprovável, haja visto que a conduta só demonstrar-se-á criminosa no momento que enseja o dano, caso contrário, não irá além da reprovação moral.

Assim, a omissão, para que seja punida, sempre estará condicionada ao resultado, constituindo, antes dele, um indiferente penal. Este é o entendimento de Damásio(66):

"Crimes omissivos impróprios (ou comissivos por omissão) são aqueles em que o sujeito, mediante uma omissão, permite a produção de um resultado posterior, que os condiciona. Nesses crimes, em regra, a simples omissão não constitui crime. É o exemplo da mãe que deixa de alimentar o filho, causando-lhe a morte".

Tal regra é estranha, mas pacífica. Dessarte, a omissão que poderá gerar um resultado posterior, não constitui delito penal. Há que se ressaltar que o crime tentado é delito, sendo a tentativa uma mera causa de diminuição de pena, e não uma descriminante.

O mesmo tratadista, em nota de rodapé(67), coloca uma pá de cal no assunto, in verbis:

"Da omissão nada surge. Na verdade, no crime omissivo o resultado é imputado ao sujeito normativa e não fisicamente. Ocorrido o resultado, a pena é imposta ao sujeito porque a lei assim o determina"

À luz das assertivas expostas, forçoso reconhecer a inexistência de crimes omissivos impróprios tentados.


VI. Conclusão

Ex positis, cabe aqui elaborar, em síntese, as conclusões inerentes ao objeto do trabalho.

Viu-se que a tentativa só é possível nos crimes comissivos plurissubsistentes, dada a segmentação de seu iter criminis.

Nos crimes comissivos unissubsistentes, não se vislumbra a modalidade tentada, tendo em vista que se perfazem em ato único. De conseguinte, ou o agente atua, e consuma o crime, ou ele deixa de agir, sem adentrar na conduta típica, não passando, nesse particular, dos atos de cogitação ou preparação, os quais constituem indiferentes penais.

De outra banda, nos crimes omissivos próprios, consuma-se o delito com a omissão do agente, não exigindo qualquer outro ato ou resultado para a plena satisfação do tipo. Dessarte, são ilícitos unissubsistentes, instantâneos e de mera conduta, impassíveis de tentativa.

Por derradeiro, de se anotar que, nos crimes omissivos impróprios, exige-se o resultado para a consumação delitiva, não constituindo delito, ainda que tentado, a omissão geradora do resultado. Portanto, à eles não se aplica a tentativa.


NOTAS

1. Damásio Evangelista de Jesus, Direito Penal, 1.998, v.1 – Parte Geral, p. 334.

2. Damásio Evangelista de Jesus, op. cit, p.323.

3. Damásio Evangelista de Jesus, op. cit, pp.323/324.

4. Edgard Magalhães Noronha, Direito Penal, 1.998, v.1 – Introdução e Parte Geral, pp. 124/125.

5. Edgard Magalhães Noronha, op. cit., p. 125.

6. Damásio Evangelista de Jesus, op. cit, p. 324

7. JUTACRIM 92/117, 29/392; BMJ 86/11; RT 575/402, 464/325, 669/356; etc.

8. TJSP - AC - Rel. Marino Falcão - RT 605/287 e RJTJSP 98/426

9. TACRIM-SP - AC - Rel. Souza Rego - JUTACRIM 89/420

10. TACRIM-SP - AC - Rel. Walter Tintori – RJD 7/102.

11. Edgard Magalhães Noronha, op. cit., p. 125

12. Damásio Evangelista de Jesus, op. cit, p. 324

13. Reinhart Maurach, Tratado de Derecho Penal, 2.º vol., Ariel, Barcelona, p. 168.

14. Hans-Heinrich.Jescheck, Tratado de Derecho Penal – Parte General, 2.º vol, Barcelona, Bosch, 1.981, p. 712.

15. Edgard Magalhães Noronha, op. cit., p. 125

16. Damásio Evangelista de Jesus, op. cit, p. 324

17. Edgard Magalhães Noronha, op. cit., pp. 125/127

18. "Em tema de delitos contra a fé pública os atos preparatórios, erigindo-se em delito autônomo, são puníveis" (TJSP - AC – Rel. Jarbas Mazzoni - RT 606/303).

19. TACRIM-SP - HC - Rel. Almeida Braga - JUTACRIM 99/326

20. TJMG - AC - Rel. Lima Torres - RT 510/435

21. TACRIM-SP - AC - Rel. Canguçu de Almeida - JUTACRIM 83/403

22. TACRIM-SP - HC - Rel. Marrey Neto - JUTACRIM 91/158

23. TACRIM-SP - Rec. - Rel. Rubens Gonçalves - RJD 6/228

24. TACRIM-SP - AC - Rel. Alexandre Lourenço - RT 515/392

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25. TACRIM-SP - AC - Rel. Edmeu Carmesini - JUTACRIM 73/373

26. TJSP - HC - Rel. Gonçalves Nogueira - RT 703/279 e RTJE 125/245

27. Johannes Wessels, Direito Penal – Parte Geral, Fabris, Porto Alegre, 1975, p. 133

28. Damásio Evangelista de Jesus, op. cit, p. 325/326

29. Eugenio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangelli, Da Tentativa,Ed. RT, São Paulo, 1995 p. 59.

30. Jescheck, op. cit, 703.

31. José Frederico Marques, Tratado de Direito Penal, vol. II, Saraiva, São Paulo, p.283, 1965.

32. Rodríguez Mourullo, Comentários al Código Penal, vol. I., Ariel, Barcelona, 1972, p. 113, 1972.

33. Heleno Cláudio Fragoso, Lições de Direito Penal - Parte Geral, José Bushatsky, Rio de Janeiro, 1976, p. 261.

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36. JUTACRIM 69/479; 93/132; 91/158; 83/371; 75/94; 54/324; 29/392; etc. RT 601/351; 605/287; 519/410; 514/432; etc. BMJ 86/11; 25/15; etc. RTJE 119/141; 114/265; etc. RJD 4/102; etc. TAMG AC nº 8.526; TJSP AC n° 87.322-3; etc.

37. TACRIM-SP - AC n° 254.521

38. TACRIM-SP - EI - Voto vencido: Fernandes Rama - JUTACRIM 71/67

39. Damásio Evangelista de Jesus, op. cit, p. 321

40. Edgard Magalhães Noronha, op. cit., p. 127

41. Edgard Magalhães Noronha, op. cit., p. 127

42. Heleno Cláudio Fragoso, Lições de Direito Penal, A Nova Parte Geral, Forense, Rio de Janeiro, 1987, p. 238

43. Muñoz Conde, Teoria General del Delito, 1984, p. 32

44. Jescheck, op. cit. p. 828

45. H.H. Jescheck, op. cit., p. 835.

46. Enrique Cury, Orientación para el Estudio de la Teoria Del Delito, Nueva Universidad, Santiago, 1973, pp. 297/298

47. Muñoz Conde, op. cit., p. 34

48. Welzel, Derecho Penal Aleman, 1970, p. 289

49. José Manuel Gómez Benitez, Teoria Jurídica del Delito, 1.984, p. 593

50. Heleno Cláudio Fragoso, op. cit., pp. 243/244, 1.987

51. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal,Aequitas/Editorial Notícias, Lisboa, 1975, p. 166

52. Aníbal Bruno, Direito Penal – Parte Geral, 4.ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1984, p. 315

53. Günter Stratenwerth, Derecho Penal – Parte General, vol. 1, Edersa, Madrid, 1982, p. 302

54. Alberto Silva Franco, Temas de Direito Penal, RT, São Paulo, 1986, pp. 37/38

55. Heleno Cláudio Fragoso, op. cit., p. 243

56. Jorge de Figueiredo Dias, op. cit., pp. 165/l66

57. STF – RHC – Rel. Carlos Madeira – RJD 3/237 e RT 644/354.

58. Damásio Evangelista de Jesus, op. cit, p. 202

59. Damásio Evangelista de Jesus, op. cit, p. 202

60. Euclides Custódio da Silveira, Direito Penal – Crimes contra a Pessoa, S. Paulo, Ed. RT, 1973, p. 194

61. Edgard Magalhães Noronha, Direito Penal, vol. 2. p. 96, São Paulo, Saraiva, 1991

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63. Damásio Evangelista de Jesus, Direito Penal – Parte Especial, vol. 2, p. 180, 21ª edição, São Paulo, Saraiva, 1999

64.TACRIM-SP - HC - Rel. Goulart Sobrinho - JUTACRIM 35/152

65. TACRIM-SP - AC - Rel. Gonzaga Franceschini - RJD 8/146

66. Damásio Evangelista de Jesus, op. cit, p. 191

67. Damásio Evangelista de Jesus, op. cit, p. 191 – nota de rodapé nº 5.


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Zapater, Enrique Bacigalupo; Manual de Derecho Penal, Akal, Madrid, 1984.

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Sobre o autor
Ney Wagner Gonçalves Ribeiro Filho

acadêmico de Direito na PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO FILHO, Ney Wagner Gonçalves. Da possibilidade da tentativa nos crimes conforme a conduta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2124. Acesso em: 19 nov. 2024.

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