Capa da publicação Dinheiro falso: só guardar não é crime
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A atipicidade da mera guarda de moeda falsa recebida de boa-fé, sem que haja dolo de recolocá-la em circulação

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Notas

[1] Registre-se, por ser de suma importância, que o artigo 3ª da mencionada Convenção não faz menção à modalidade de guarda das infrações envolvendo moeda falsa, o que nos faz concluir que esta somente poderia vir a ser punida se restar demonstrado o seu efetivo dano à fé-pública. Leia-se: “Artigo 3. Devem ser punidas como infrações de direito comum: 1º – Todos os atos fraudulentos de fabricação ou alteração de moeda, qualquer que seja o meio empregado para atingir o resultado; 2º – A introdução dolosa de moeda falsa na circulação; 3º – Os atos destinados a pôr em circulação, introduzir no país, receber ou obter moeda falsa, sabendo ser a mesma falsa; 4º – As tentativas dessas infrações e os atos de participação intencional; 5º – Os atos fraudulentos de fabricar, receber ou obter os instrumentos ou outros objetos destinados por sua natureza, a fabricação de moeda falsa ou a alteração das moedas.” (BRASIL. Decreto Lei n.º 3.074, de 14 de setembro de 1938. Promulga a Convenção Internacional para a repressão da moeda falsa, Protocolo e Protocolo Facultativo, firmados em Genebra a 20 de abril de 1929. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=100611>. Acessado em: 18/09/2011.)

[2] Acrescente-se ainda os ensinamentos do doutrinador Maglhães Noronha quanto ao interesse estatal em proteger a fé-pública. Leia-se: “a fé pública é um bem jurídico internacional. A cooperação entre as nações para a tutela desse interesse econômico universal firmou-se bem antes e bem mais amplamente no campo do direito penal, do que no chamado direito administrativo internacional (união mometária latina, escandinava etc). E isso se explica facilmente, refletindo-se que é muito mais fácil o acordo na reação contra a delinqüência do que na sujeição a um único regime monetário. Hoje, portanto, com a incriminação do falso numerário, não se limita a lei a proteger a soberania monetária do Estado, mas tutela a circulação monetária em geral, sem bem que, em relação aos delitos cometidos no estrangeiro, o Estado naturalmente se preocupa em assegurar de modo especial o que mais o interessa”. (NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. v. 4. 20ª ed. atual Adalberto José Q T de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 106)

[3] Alguns dos significados atribuídos a esta palavras: 1.Vigiar com o fim de defender, proteger ou preservar; 2.Pôr em lugar conveniente; acondicionar, arrecadar, conservar;  3.Tomar conta de; zelar por; conduzir, vigiando; 4.Ter cuidado em manter seguro ou preso; 5.Conservar em poder próprio; manter. (Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.0. Disponível em: http://www.aureliopositivo.com.br/.)

[4]  BRASIL. Decreto-Lei N.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acessado em: 18/09/2011.

[5] TRF 5ª R.; ACR 3026; Proc. 200282000008133; PB; Segunda Turma; Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima; Julg. 05/11/2002; DJU 06/06/2003

[6] No mesmo sentido, já decidiu o Egrégio Tribunal Federal da 4ª Região. Leia-se: PENAL. MOEDA FALSA. BOA-FÉ NO RECEBIMENTO. GUARDA APÓS CIÊNCIA DA CONTRAFAÇÃO. CONDUTA ATÍPICA. RECURSO IMPROVIDO. 1. O traço fundamental para distinguir as figuras do § 1º e § 2º do art. 289 do CP é o elemento subjetivo presente na conduta do indivíduo na ocasião em que recebe a moeda contrafeita. O § 1º está reservado àquelas situações em que o agente possui plena ciência da falsidade, desde o instante em que adquire a posse da cédula. Já no § 2º, cuida-se do caso em que a pessoa recebe o dinheiro de boa-fé, e num segundo momento, descobre a inautenticidade, quando, desejando não arcar com o prejuízo, resolve introduzi-la em circulação. 2. A forma privilegiada do § 2º prevê apenas a conduta de restituir em circulação, sendo atípica a modalidade de guardar, quando o conhecimento do falsum ocorre após a obtenção do numerário. 3. Demonstrado nos autos a ausência de dolo na percepção da nota, correta a absolvição. (TRF 4ª R.; ACr 2006.70.02.003750-1; PR; Oitava Turma; Rel. Des. Fed. Élcio Pinheiro de Castro; Julg. 21/02/2007; DEJF 28/02/2007; Pág. 1133).

[7] NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 9ª. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tibunais, 2008. p. 1003.

[8] Nesse sentido, foi o julgado proferido pelo Egrégio Tribunal Federal da 3ª Região: PENAL. MOEDA FALSA. GUARDA DE CÉDULAS DE DÓLARES FALSAS: POTENCIALIDADE LESIVA ATESTADA: CIÊNCIA DA FALSIDADE NO MOMENTO DA AQUISIÇÃO NÃO DEMONSTRADA. DOLO NÃO CONFIGURADO: INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA CONDENAÇÃO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA RECURSO MINISTERIAL IMPROVIDO. 1 - O apelante foi denunciado pelo crime tipificado no art. 289, § 1º do C.P, por portar cédulas de dólares norte-americanos falsas. 2 - Potencialidade lesiva das cédulas atestada pela boa qualidade da falsificação, sendo idôneas a induzir a erro pessoas não afetas ao trato diário com moeda estrangeira. 3 - O crime de moeda falsa, em suas várias modalidades, exige o dolo genérico para sua configuração, inexistindo a figura culposa. A modalidade de guarda de moeda falsa exige análise criteriosa acerca do dolo do agente, sua consciência da contrafação no ato da aquisição, e seu objetivo de introduzi-la em circulação. 4 - Não comprovado, pelas circunstâncias dos autos, que o réu tivesse ciência da falsidade da moeda norte-americana, mostrando-se as provas dos autos insuficientes para a condenação. 5 - Manutenção da decisão absolutória. 6 - Apelação ministerial improvida." (TRF/3, 2ª Turma, ACR 98030186140, rel. Des. Fed. Marisa Santos, unânime, DJU 26/3/2003, p. 499)

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[9] JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal: parte especial. v. 4. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 3.

[10] RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE MOEDA FALSA. ART. 289, § 1º, DO CP. APREENSÃO DE UMA CÉDULA DE CEM REAIS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRETENDIDA APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INTANGIBILIDADE DO BEM JURÍDICO PROTEGIDO. AUSÊNCIA DE MÍNIMA OFENSIVIDADE DA CONDUTA. INTERESSE ESTATAL NA REPRESSÃO E PREVENÇÃO DA AÇÃO CRIMINOSA. COAÇÃO ILEGAL NÃO DEMONSTRADA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. Hipótese do delito do art. 289, § 1º, do Código Penal, em que o bem jurídico protegido é a fé pública, em particular a segurança na circulação monetária e a confiança que a população tem em sua moeda, mostrando-se irrelevante o valor da cédula apreendida ou mesmo a quantidade de notas encontradas em poder do agente - no caso uma única cédula de R$ 100,00 (cem reais) - que não se pode dizer representa valor ínfimo e que, segundo a denúncia, conforme laudo pericial, tem potencial lesivo do falsum, em virtude da capacidade de a cédula ser confundida no meio circulante. 3. Recurso não provido. (STJ; RHC 26.874; Proc. 2009/0187600-1; AM; Quinta Turma; Rel. Min. Jorge Mussi; Julg. 16/06/2011; DJE 29/06/2011)

[11] Habeas Corpus. MOEDA FALSA. (4 NOTAS DE R$ 50,00). PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME CONTRA A FÉ PÚBLICA. PRECEDENTES DO STJ. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DA PENA-BASE ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. INTELIGÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 231 DA SÚMULA DESTE STJ. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA. 1. A ofensividade mínima no caso do crime de falsificação de moeda, que leva à aplicação da medida descrimininalizadora, não está diretamente ligada ao montante total contrafeito, mas sim à baixa qualidade do produto do crime, de sorte que seja incapaz de iludir o homem médio. Por sua vez, a idoneidade dos meios no crime de moeda falsa é relativa, razão pela qual não é necessário que a falsificação seja perfeita, bastando que apresente possibilidade de ser aceita como verdadeira. 2. Sedimentado o entendimento de que a contrafação era hábil a enganar terceiros, tanto no laudo pericial, quanto na sentença e no acórdão hostilizado, resta caracterizado o crime de moeda falsa, não incidindo o princípio da bagatela no caso, por trata-se de delito contra a fé pública. 3. É entendimento pacífico nesta Corte, tanto que consolidado no Enunciado nº 231 de sua Súmula, que a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena-base abaixo do mínimo legal. 4. Habeas Corpus denegado, em conformidade com o parecer ministerial. (STJ; HC 173.317; Proc. 2010/0091196-7; SP; Quinta Turma; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; Julg. 21/10/2010; DJE 13/12/2010)


ABSTRACT

Robbery is not the only crime that worries the merchants. The circulation of false money brings major damage to the public trust, decreasing the reliability of the commercial acts, whose importance in a capitalist state is immeasurable. Nevertheless, the companies with a huge cash flow are eventually being victims of their own State when It tries to impute then, by means of an extremely literal and unfair interpretation, crimes not provided by the penal law. The simple act of keeping the false money is not enough to damage the public trust, the good will receiving of it and the lack of intention in putting it back into circulation are aspects that must be taken into consideration in order to demonstrate the law’s lack of provision of the conduct. The false money crime in this classification requires a teleological and systematic interpretation of the law, in order to avoid the punishment of who is supposed to be protected.

Key-word: false money; good will; bad intention.

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Sobre os autores
Daniel Maia

Advogado. Professor de Direito Penal da Universidade Federal do Ceará – UFC. Mestre em Ordem Jurídica Constitucional pela Universidade Federal do Ceará - UFC.

Fernanda Sousa Vasconcelos

Acadêmica de Direito pela Universidade Federal do Ceará. Acadêmica de Ciências Contábeis pela Universidade Estadual do Ceará. Estagiária do escritório Cândido Albuquerque Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA, Daniel ; VASCONCELOS, Fernanda Sousa. A atipicidade da mera guarda de moeda falsa recebida de boa-fé, sem que haja dolo de recolocá-la em circulação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3177, 13 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21267. Acesso em: 23 abr. 2024.

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