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Sustentação oral nos tribunais: algumas reflexões e dicas de A a Z

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28/03/2012 às 09:15
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CONCLUSÃO

Não tive a pretensão de escrever um artigo científico. Sei que muito do que disse aqui será objeto de vigorosa contestação por advogados experientes ou mesmo por magistrados ou professores; dirão que não é ciência jurídica e sim senso comum o que busquei repassar e que, na prática, as coisas ocorrem de maneira oposta e talvez estejam certos.

Entretanto, peço aos advogados, principalmente aos jovens,  que tentem aplicar algumas das técnicas que indiquei acima e que não são criação minha[30] e que, se possível, me dêem um “feedback” dos resultados, ou seja, se passaram a ter maior ou pior sucesso em suas sustentações orais.

Não olvidem contudo que, o agir ético é que garante o sucesso das sustentações por longo prazo. Preocupar-se em convencer por convencer ou tratar o processo judicial como um jogo, pode trazer resultados favoráveis a curto prazo, mas implica no descrédito, mais cedo, ou mais tarde.


Notas

[1] - As súmulas nem sempre são bem construídas. Os tribunais querem que elas sejam suficiente abstratas para terem aplicação mais ampla, mas na redação respectiva, por vezes o ponto central que levou à edição, acaba ficando de fora. O exame de todos os acórdãos que levaram à edição da súmula, indicará quais os casos concretos cogitados nas decisões, o que, não raro, apresentam peculiaridades completamente diversas daquele em que o juízo recorrido aplicou a súmula. Com a dissociação, a possibilidade de inaplicação da súmula desfavorável ao seu caso, será bastante grande.

[2] Acreditem, já vi advogado que gastou todo tempo da sustentação, até ter a palavra cassada, sem uma única palavra para o caso concreto, apenas para atacar o tribunal e os concursos para juiz substituto, até ter a palavra cassada e retirar-se da sala de sessões chispando faíscas; perdeu a viagem, atraiu a antipatia para seu cliente e também para si mesmo (não o vi mais sustentando, mas, dificilmente a antipatia que ele gerou seria esquecida pelos mesmos juízes, só com alteração da composição).

[3] O  advogado da parte adversa é seu colega; você poderia estar exatamente na posição dele, caso o cliente dele o tivesse procurado, pense nisso. Se você desconfiar que alguma coisa de pessoal ficou após uma sustentação, não deixe que ela crie vulto, convide o colega adversário para um cafézinho e mostre que não há nada de pessoal (aliás, nem sempre isso fica claro, o que leva a uma antipatia crescente). Aliás, não perdoe nada da parte adversa, mas tudo de seu advogado, inclusive um pequeno atraso..., um pedido de adiamento de audiência etc., amanhã, pode ser você. O mesmo se diga com relação ao juiz, se desconfiar que algo de pessoal pode ter ficado do processo, tente conversar com o juiz, mostrar a sua admiração (verdadeira ou não por ele) e acabar com qualquer mal entendido; não é uma questão de subserviência, mas de inteligência, na medida que a antipatia do juiz pelo advogado, pode prejudicar o cliente, mesmo que inconscientemente.

[4] - afirmar que a sentença é injusta, que a empresa quebrará, que o autor está em estado de miséria ou que o Estado não garante a dignidade etc. são argumentos imprestáveis em uma sustentação oral (e olha que já tive advogado que disse que não sustentaria, que só leria a carta do cliente, chorou na leitura e teve julgamento desfavorável).

[5] - Exemplo: fico aliviado em verificar que o Exmo. Desembargador Fulano compõe o colegiado, seja por sua competência, seja porque nos julgamentos dos processos “x”, “y” e “z” ele decidiu assim: peça vênia e leia  trecho decisivamente favorável à sua tese, na decisão anterior. Se mais de um juiz tiver participado do julgamento anterior, é importante referir quem participou e que também votou no mesmo sentido. Se algum juiz votou contra a sua tese, ele deve ser respeitosamente esquecido, para exercer o direito de mudar de idéia.

[6] - Há advogados que dão a impressão que querem ensinar os juízes a julgar. Acham que estão usando frases de efeito quando dizem, com destaque, “ASSIM, VOSSAS EXCELÊNCIAS DEVERÃO DAR PROVIMENTO AO RECURSO ou então, DEVERÃO DESATENDER O PLEITO DA PARTE ADVERSA...” O melhor é afirmar que, “DIANTE DO QUADRO, parece-me que a solução mais adequada ao caso concreto, seja dar provimento ao recurso...” .

[7]  - quando eu era pequeno, fui ver a apresentação do palhaço Arrelia. Ele fazia várias perguntas que a resposta era SIM (quem é criança, quem é bonito, quem é inteligente, quem ama mamãe etc. etc.), quando perguntava, quem faz xixi na cama, eram muitos os que respondiam sim também. O exemplo é tosco, mas serve para mostrar que existe uma técnica chamada erística do convencimento e que ela não pode ser desprezada pelos operadores jurídicos.

[8] - o uso das variações no tom de voz é uma arma pouco utilizada. Se a sua tese é radical, fale pausadamente e em voz baixa, para não reforçar essa radicalidade. Se a sua tese é fraca, a elevação discreta da voz nos pontos relevantes pode fortalecê-la. Se os juízes tiverem a atenção dispersa, uma elevação súbita da voz (sem exageros) ou o silêncio, pode recuperar a atenção perdida, assim como uma pergunta retórica. Uma pausa inicial, até que os juízes dirijam o olhar é interessante, o mesmo se dizendo de uma pausa ao final, antes do arremate, o resumo da fala.

[9]  - uma piada mal colocada pode ser interpretada como sinal de desrespeito pelo juiz, parte contrária, advogado, ministério público ou servidores. O humor só deve ser admitido com inteligência, para aliviar um ambiente tenso, mas é difícil conhecer a medida da leveza. O melhor é falar, por exemplo, como gosta de sustentar naquele tribunal, alguma coisa que ocorreu durante a viagem etc., apenas se isso for indispensável para quebrar um ambiente tenso ou atrair a atenção... não se esqueça que isso conta no tempo da sustentação. Anedotas somente se justificam se servirem para ilustrar um argumento, é preciso muito cuidado para elas não fulminarem a qualidade da sustentação.

[10] - um scanner barato faria isso com extrema facilidade. O mesmo se pode utilizar para, ao invés de citar a sentença, a inicial ou a defesa, colocar a imagem da frase crucial, que terá muito mais eficácia que a mera referência...

[11] - o art. 476 do Regimento Interno do TJSP proíbe, expressamente, a leitura do memorial como sucedâneo de sustentação oral.

[12] A repetição de algum tema, principalmente como fecho, pode ser uma técnica de argumentação: “Para terminar, gostaria de lembrar, desculpem a insistência,  que o recibo encontra-se à fl. 37 e não foi impugnado pela parte adversa...”

[13] Mudanças rápidas de postura, indicam nervosismo, assim como a postura de estátua. Segurar o púlpito fortemente dá impressão de insegurança. É importante ainda, acertar a posição do microfone, para que ele não distorça a voz (esse gesto simples, costuma demonstrar segurança, estar o advogado em um terreno conhecido).

[14] - o discurso não é uma via de mão única, mas de mão dupla. O nervosismo e a falta de preparo fazem com que o advogado se concentre apenas em ler ou em tentar lembrar o que deve dizer, sem se preocupar com a forma como as suas palavras estão sendo absorvidas pelo auditório (os juízes). Quando o advogado consegue intepretar os sinais não verbais manifestados pelos juízes, na maioria das vezes de forma inconsciente e, a partir deles, vai customizando (fazer com que algo seja adequado àquele juiz, em específico) o seu discurso, o monólogo passa a ser um diálogo, ainda que apenas um dos lados use a linguagem verbal, com vantagens evidentes.

[15] - Espere que os juízes olhem para você; faça uma saudação aos magistrados e aos colegas (se houver acadêmicos ou público, inclua-os na saudação, para não parecer antipático), faça um resumo rápido e genérico dos pontos que vai tratar e coloque os juízes em posição de escutá-lo. Faça uma nova pausa...

[16] - a ação foi julgada procedente em parte, tratarei aqui apenas dos temas “x”, “y” e “z”, por merecerem destaque (nos temas em que a sustentação for inócua, por não haver chance de obter julgamento favorável, é melhor aproveitar o tempo para tratar daquilo em que pode haver sucesso). Um erro comum é perder tempo com o que não há a menor chance de mudar a opinião dos julgadores.

[17]  - O que pretendo aqui, é demonstrar que a r. sentença não considerou o depoimento das testemunhas fulano ou sicrano e que seriam, por si só, suficientes para afetar o resultado do julgamento.

[18]  - já vi advogado fazer referência a documento inexistente e, requisitando o Relator ao Secretário os autos do processo, desmascará-lo e ainda condenar o cliente como litigante de má-fé. Garanto que os prejuízos não se encerraram ali, cada vez que esse advogado sustentou, foi visto com desconfiança e os juízes lembravam do episódio.

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[19] - Já vi advogados morrerem na praia, chegarem ao ponto culminante do discurso, no momento em que o Presidente da Turma comunicava que o tempo estava esgotado. É preciso privilegiar o importante e cortar o supérfluo. Se você perceber que o número de sustentações é muito grande, pode, no EXÓRDIO, dizer que teria muito mais a dizer, mas que, por respeito aos demais colegas e também aos juízes, dada a quantidade de sustentações, destacará os pontos mais importantes. Faça a seguir, uma sustentação rápida, mesmo ciente que, se for até o final do tempo regimental, será compreendido. O QUE NÃO SE PODE É prejudicar o interesse do cliente, apenas para que a sessão termine mais cedo ou para agradar os juízes. O abreviar deve ser utilizado quando ele favorecer o seu cliente, por criar maior receptividade nos juízes e não o contrário. Faça um relação contendo os argumentos em ordem decrescente, assim, se não tiver tempo para sustentar todos os relacionados, os principais terão sido postos.

[20] - é possível utilizar, por exemplo, uma animosidade evidente entre dois juízes, a seu favor embora, como regra geral, isso não influencia de forma alguma nos julgamentos, pode haver casos em que essa influência ocorrerá, mesmo de forma inconsciente.  Nesse caso, se o Relator é contrário à minha tese, concentrar-se no juiz que mostrou-se pouco amigo dele, pode levar à obtenção de um voto favorável. É possível ainda explorar essa animosidade em sentido contrário, afirmando que, mesmo os juristas que geralmente comungam teses divergentes, diante da clareza do direito do cliente, verão que... (e aí exponha, solte o verbo)... É LÓGICO QUE ISSO É A EXCEÇÃO DA EXCEÇÃO, SENDO QUE, OS SENTIMENTOS PESSOAIS, COMO REGRA, NÃO CONTAMINAM JULGAMENTOS.

[21] - por exemplo para que uma prova que iria prejudicá-lo seja deconsiderada ou considerada inferior a outra que o beneficia.

[22]  - a beleza do direito é que toda questão possui mais de um foco, daí porque, não sendo uma ciência exata, admite mais de uma resposta “correta” (com perdão a Hart), o que leva às divergências jurisprudenciais e doutrinárias. Sempre será possível encontrar uma jurisprudência que favoreça a sua tese; se você não encontrou, é porque não pesquisou bastante.

[23] - Há advogados que, com sua ousadia, com seu estudo, com seu discurso, com sua autoridade derivada do análise aprofundada de todos os nuances do processo e das normas aplicáveis ao caso, do saciar-se na doutrina mais atualizada, conseguem fazer a jurisprudência mudar, o direito avançar. Há advogados contudo, que diante de uma jurisprudência desfavorável, sequer fazem o pedido, para não correr o risco do indeferimento. O advogado tem que arriscar, já que ao juiz, não é dado fazê-lo.

[24] - O advogado não precisa ter uma bola de cristal para isso... se analisar as peças que a parte contrária aportou ao processo em cotejo com a decisão recorrida, será mais do que fácil concluir sobre o tema da sustentação, já que, em sede recursal, NÃO SE PODE INOVAR.

[25] - se a sustentação do advogado da parte contrária centrou num ponto desfavorável para seu cliente e, realmente, o ponto é irrefutável, então relativize a razão do opoente, salientando vários pontos favoráveis ao seu cliente, mesmo que, na realidade, eles sejam de muito menor importância. Se o seu opoente for falar depois, vacine o auditório contra a sua fala (eu sei que ele falará isso e isso, o que realmente é razoável, importante etc., mas, seguramente, ele não gostaria que vocês se lembrassem de a, b, c, d, e... etc.

[26] - já vi um advogado que, não apenas inventou uma palavra inexistente, como a utiliza em todas as suas sustentações. Os juízes, mal ele começa a falar, começam a trocar mensagens no comunicador, com a dita palavra.

[27]  - a preparação começa bem antes, na análise do regimento interno e do processo, da estimativa das despesas necessárias ao deslocamento (ou à contratação de um escritório especializado), na elaboração de um roteiro

[28] - em verdade é uma burrice; quando nos esmeramos em argumentar para convencer alguém, a primeira pessoa que convencemos é a nós mesmos.

[29] - argumentos como “ad pietatem” por exemplo, em que se busca convencer não pelo direito, mas por dó, argumentos de terrorismo (se for deferida a pretensão, a empresa ré irá quebrar) são exemplos de argumentação que é utilizada indevidamente no direito e que, por vezes, por falta de conhecimento do opositor, podem acabar colando... Argumentos de autoridade por exemplo, podem ser facilmente afastados, seja pela ausência de conhecimento específico, seja pela ausência de isenção (e aqui entram os longos pareceres de grandes e respeitados juristas que, quando estão a soldo, entendem o que o cliente quer que entendam, com todo o respeito). Quem sabe argumentar bem, consegue não apenas que alguém concorde consigo, mas que pense como ele; a diferença é que passará a advogar a mesma tese (imagine se for o relator do processo do seu cliente ?).

[30] - na Europa esses temas são muito tratados, no Brasil qualquer análise interdisciplinar é vista ainda como esquisitice.

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Sobre o autor
José Ernesto Manzi

Desembargador do TRT-SC. Juiz do Trabalho desde 1990, especialista em Direito Administrativo (La Sapienza – Roma), Processos Constitucionais (UCLM – Toledo – España), Processo Civil (Unoesc – Chapecó – SC – Brasil). Mestre em Ciência Jurídica (UNIVALI – Itajaí – SC – Brasil). Doutorando em Direitos Sociais (UCLM – Ciudad Real – España). Bacharel em Filosofia (UFSC – Florianópolis – SC – Brasil), tendo recebido o prêmio Mérito Estudantil (Primeiro da Turma)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MANZI, José Ernesto. Sustentação oral nos tribunais: algumas reflexões e dicas de A a Z. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3192, 28 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21381. Acesso em: 29 mar. 2024.

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