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O contrato de Hedge-Hedging

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8. PARTICULARIDADES

8.1- Singularidades do Hedge

A idéia principal do hedging – proteção – está profundamente vinculada à questão do risco, conforme já foi mencionado. O hedge nasceu do risco e sua única razão de existência reside nas perigosas oscilações do mercado de derivativos, de futuros, bem como a variação cambial. Desde o ano passado, o governo deixou de intervir nas variações cambiais como vinha fazendo. Embora as razões que levaram o governo brasileiro a tomar essa decisão não sejam de interesse específico para essa matéria, fato é que expôs empresários "descasados" a uma variação cambial alarmante, até os dias de hoje. Fato é, também, que aumentou a procura pelo hedge, mas tal número já se estabilizou, embora não se possa dizer o mesmo da política cambial.

Se a assustadora desvalorização do Real aumentou a procura pelo hedge nos poucos bancos que realizam esse tipo de contrato, pode parecer um mistério porque o hedge é ainda um ilustre desconhecido: é um contrato muito pouco divulgado, apenas poucos bancos o celebram, e neles a procura não é muita. Isso se deve a determinadas peculiaridades que o hedge apresenta frente a outros contratos.

Em primeira instância, o hedge não é um contrato unicamente bancário, como já se pôde perceber em seu histórico. Além disso, os contratos têm função de oferecer uma segurança jurídica, na medida em que firmam-se entre as partes os termos de negociação, e a palavra é registrada e acordada entre os contratantes. O hedge vai além, pois oferece também uma segurança econômica para quem o procura e um caminho de capitalização do risco por parte de quem o oferece.

O que se pode observar no mercado é a extrema elitização a que se sujeita o hedge. O contratante de hedge se enquadra num perfil muito restrito; apenas um pequeno número de empresas necessita especificamente de um contrato como este. Geralmente os hedgers são grandes empresas, que trabalham com valores de importação muito altos, e que têm uma boa situação de crédito no banco em que se opera o contrato. Por ser um contrato tão específico é que o hedge está restrito a uma pequena parcela do empresariado.

Tal elitização decorre do fato que um banco, para oferecer essa segurança (que é a idéia-base do hedge), corre riscos muito grandes. O hedge envolve índices flutuantes que, hoje em dia e cada vez mais, estão sujeitos a mudanças repentinas, quase automáticas. O mercado de futuros é um oceano de riscos que se tornam cada vez mais violentos, a verdadeira concepção de um "darwinismo financeiro". O banco que oferece um serviço como o hedge está ciente de que, para que possa promover tal proteção, estará expondo-se a um risco muito maior. É claro que o know-how de um banco nessa área é muito maior que de seu contratante, mas o risco é proporcionalmente grande.

O banco que contrata o hedge investirá no mercado de capitais internacional, seja o Dow-Jones, seja Nasdaq, para poder capitalizar o risco, transformar seu passivo em ativo no mercado estrangeiro. Operará swaps, medirá os lucros e os virtuais prejuízos, como é de hábito fazer. Todavia, nem todo banco poderá navegar com tanta facilidade nesse mar revolto, e é também por isso que o hedge é tão raro.

Além disso, os bancos estrangeiros, por terem maior experiência em mercado internacional, têm maior possibilidade de estarem "casados", pelo menos em relação aos bancos de atuação estritamente nacional.

O hedge pode, ainda, ser um investimento especulativo relativamente seguro. Apesar dessa característica secundária do hedge ser pouco utilizada (e, ressalte-se, nem mesmo a principal é muito usual), há que se mencionar o mecanismo especulativo que se pode mover com esse contrato.

Como as oscilações cambiais ocorrem repentinamente, sem que se possa perceber, em tempo hábil, quando tal ou qual moeda sofrerá desvalorização, esse caráter especulativo do hedge é muito pouco explorado.

9.2- Diferenças entre o hedge e o contrato de seguro

O contrato de seguro pode ser classificado como bilateral (posto que ambas as partes do contrato têm obrigações umas com as outras), oneroso (na medida em que gera rendimentos para as partes contratantes), consensual (porque representa as vontades de ambas as partes), aleatório (já que está adstrito a sinistro imprevisível) e de adesão (visto que as cláusulas são rígidas). Além disso, como o próprio nome já diz, o contrato de seguro visa proteger os interesses daquele que o realiza frente a uma seguradora.

O contrato de hedge também visa assegurar que os efeitos dos acontecimentos do mercado de derivativos não exerçam impacto negativo sobre as finanças daquele que contrata. Seria aproximadamente um contrato de seguro, mas não há que se confundir.

Primeiro porque o contrato de seguro é aleatório (apesar de o hedge também o ser), mas as os fatos a que se refere o "sinistro" são imprevisíveis (álea absoluta). Não há como saber quando um raio cairá sobre uma casa, por exemplo; enquanto que no mercado de derivativos a previsibilidade de acontecimentos (uma alta na cotação de tal ou qual safra) é muito maior, e os analistas financeiros existem justamente para isso. Além disso, o prêmio recebido pelo segurado tem caráter indenizatório, ou seja, objetiva reparar o dano causado, enquanto que o lucro auferido pelo hedger é, na realidade, uma maneira de evitar que um dano seja causado.

Dessa maneira, observa-se que o contrato de seguro não elimina o risco – não evitará que um raio caia sobre uma casa ou que o segurado morra. Apenas proverá financeiramente aquele que foi lesado, na medida em que repare as perdas em que o sinistro envolver. Nesse sentido difere em muito o hedge, porque a instituição financeira não terá de reparar dano algum, porque o contrato serviu para preveni-lo, para transferir os riscos que correria o hedger para a instituição financeira.

9.3- Diferenças entre o hedge e o jogo e a aposta

Tampouco há que se confundir o caráter especulativo do hedge com o jogo, ou a aposta. O caráter especulativo do hedge, é bem verdade, expõe o hedger a ganhar ou perder, mas não há como confundi-los, pois existem, diferenças estruturais no que se refere à álea.

O jogo, conforme conceitua o eminente douto Caio Mário da Silva Pereira é "contrato em que duas ou mais pessoas prometem, entre si, pagar certa soma àquele que lograr resultado favorável em acontecimento incerto" (Pereira, 2000, p. 332). Já a aposta é "contrato entre duas ou mais pessoas prometem, entre si, pagar certa soma àquele cuja opinião prevalecer em razão de acontecimento incerto" (Clóvis Beviláqua apud. Pereira, 2000, p. 332).

Em outras palavras, o jogo envolve probabilidades adstritas à ação humana ("lograr resultado favorável"), enquanto que a aposta envolve áleas absolutas e independentes de fato humano ("cuja opinião prevalecer em razão de acontecimento incerto"). Assim, joga-se para se saber quem é o mais destro em tal ou qual atividade; aposta-se para saber se um fato acontecerá ou não.

O hedger que se utiliza do contrato para fins especulativos está revestido de uma previsibilidade muito maior na medida que não se envolverão riscos diretos ao operar, uma vez que, conforme já foi dito, as mudanças nos derivativos são previstas com muita facilidade; o hedge não é um contrato de álea absoluta.

Embora o Código Civil, em seu artigo 1.479, equipare os contratos de Bolsa ao jogo, é notoriamente claro que há um erro material, e tais contratos são de interesse do Direito Comercial, e não do Direito Civil. E a doutrina tem se mostrado muito severa quanto à adoção desse dispositivo, conforme J. X. Carvalho de Mendonça, que estabelece a diferença entre esses contratos e o jogo, visto que os contratos visam a oferecer uma segurança econômico-jurídica, enquanto que o jogo e a aposta operam direta e eminentemente com o risco. (Perin Junior, p. 5)

Além disso, muitos jogos são tidos como contravenção penal, uma vez que a ação humana a que se sujeita o jogo pode envolver astuto ardil contra "jogador de boa-fé". O hedge não dá margem a esse tipo de fraude, uma vez que está adstrito a variações dos derivativos, que somente são controladas visando interesse de cada um dos investidores; logo não há como alguém controlar o índice Dow-Jones para levar vantagem em um hedge.

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III. CONCLUSÃO

O mercado como um todo se rege pela interação interesse-necessidade; tem origem nessa interação, é movido por essa interação.

Dessa forma, não soaria absurdo para Adam Smith se lhe dissessem que o hedge exerce um papel quase que social para o desenvolvimento do mercado financeiro. Obviamente, não é pela benevolência de instituições financeiras que os investidores podem contar com contratos que oferecem maior segurança para seus investimentos e dessa maneira crescerem economicamente. Os bancos têm interesse e se beneficiam da necessidade dos investidores, mas não há como negar que o hedge, ainda que indiretamente, exerce uma função de rara importância para os grandes investimentos a futuro.

Certamente, o mercado internacional, hoje, não movimentaria as quantias que movimenta. E, mesmo para o mercado de derivativos, que envolve as maiores empresas, nacionais e transnacionais, informatizadas ou não, ao redor do mundo todo, os trinta trilhões de dólares anuais movimentados representam um número cuja expressividade não deve ser descartada, e se esses investimentos se vissem desprotegidos, com certeza a riqueza das nações ver-se-ia mergulhada no caos e na desordem: o darwinismo financeiro seria substituído pela total selvageria, e o mercado, já predatório, seria uma senda por demais impenetrável para aqueles que não estivessem preparados.


NOTAS

1. O Mercado de Derivativos é um conjunto de segmentos específicos de mercado, cada qual com sua lógica, regras, características conceituais e operacionais e critérios de formação de preço e apregoação.

2. Termo utilizado como jargão entre bancários. Refere-se à condição de ter-se ativo e passivo em mesma moeda, compensando-se em relação à variação de valores.

3. Cf apostila do Bank Boston

4 Ativo-objeto é todo ativo que serve de base para um derivativo, como, por exemplo, ações de uma companhia, taxas de juros, etc...

5 Esse mecanismo, aliado ao depósito de boa vontade diminui, mas não elimina por completo o risco de inadimplência, já que é possível, remotamente, que os preços de um ativo variem de tal forma em um só dia que produzam enormes prejuízos que não poderão ser pagos pelo investidor, nem cobertos pela margem inicial. É por essa razão que se criaram os mecanismos institucionais. Tais mecanismos, no entanto, não são imprescindíveis ao assunto ora em estudo, já que o hedging se utiliza mais do ajuste diário.

6 Operações de balcão é a denominação dada àquelas operações realizadas em bolsa que fogem de seus padrões e que, por isso mesmo, não têm regulamentação específica da Bolsa. Utilizando-se do mecanismo de swap.

7 As minúcias sobre o cálculo do valor do prêmio, com os modelos binomial e de Black & Scholles, por serem de cunho primordialmente econômico, interessando mais aos que lidam com ele diariamente, e pouco ou quase nada ao estudo ora realizado sobre o Hedge, não serão tratadas aqui.

8 Traduzido da tabela apresentada na página da internet : http://www.hedgemanager.com/stile_guide.html.


BIBLIOGRAFIA

BASTOS, Celso Ribeiro e KISS, Eduardo A. Gurgel. Contratos Internacionais.São Paulo: Editora Saraiva. 1990

BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantis. 12ª edição. São Paulo: Editora Atlas. 2000

GRUPO OPÇÕES DE TREINAMENTO. Introdução a Derivativos. Apostila de Ensino da Fundação BankBoston

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 10º edição. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2000

SPINOLA, Noenio. O futuro do futuro: pequeno relatório de viagem ao mercado brasileiro de capitais e de trabalho no século XXI. São Paulo: Editora Futura. 1998

http://www.hedgemanager.com/stile_guide.html

http://www.tj.rj.gov.br

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Sobre os autores
Ana Carolina Pereira Lenharo

acadêmica de Direito na Universidade Estadual de Londrina

Daniel Pedro Lourenço

acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Londrina

José Augusto Duarte

acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Londrina

Melissa Cachoni Rodrigues

acadêmica de Direito na Universidade Estadual de Londrina

Ulisses Tasqueti

acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Londrina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LENHARO, Ana Carolina Pereira ; LOURENÇO, Daniel Pedro et al. O contrato de Hedge-Hedging. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2143. Acesso em: 16 abr. 2024.

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