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Moral e Direito

21/04/2012 às 16:02
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Faz-se breve análise da diferença e relação entre Direito e Moral. A partir da afirmação do caráter laico do Estado, surgiu no cenário social a premissa de que Moral e Direito não se entrecruzam.

A partir da afirmação do caráter laico do Estado, no século XVIII, resultado da separação entre Estado e Igreja, surgiu no cenário social a premissa de que moral e direito não se entrecruzam, ou seja, são círculos concêntricos que não se misturam. O ápice desta idéia está bem representado na obra do maior jurista do século XX, Hans Kelsen.

Para este grandioso jurista de origem austríaca, autor do clássico, “Teoria Pura do Direito”, o direito pertence ao mundo do dever-ser, assim também como as normas morais pertencem ao mundo do dever-ser, todavia, o pensar jurídico não envolve necessariamente o ser do que acontece no mundo, pois o dever-ser jurídico não deriva necessariamente do ser.

O direito cria suas realidades. É lapidar esta passagem kelseniana: “A teoria pura do direito é uma teoria que ‘quer única e exclusivamente conhecer seu objeto. Procura responder a esta questão: O que é e como é o direito? Mas já não lhe importa a questão de saber como deve ser o direito, ou como deve ele ser feito? É ciência jurídica e não política do direito” (“O problema da justiça”, Hans Kelsen, Martins Fontes: São Paulo, 1996, p. XIII/XIV).

Noutro dizer, como deve ser o direito é uma questão de justiça, de moral, o que para Kelsen escapa ao âmbito de compreensão de sua ‘teoria pura do direito’. Vê-se aqui uma nítida separação entre o direito a moral. No entanto, é importante notar que já em 1930 havia autores que não aceitavam este postulado da separação entre moral e direito. Georges Ripert, professor da Faculdade de Direito e da Escola de Ciências Políticas de Paris, citado por Jessé Torres Pereira Júnior, assim assentava; “Não existe, na realidade, entre a regra moral e a regra jurídica, nenhuma diferença de domínio, de natureza e de fim; não pode mesmo haver, porque o direito deve realizar a justiça, e a idéia do justo é uma idéia moral. Mas há uma diferença de caráter. A regra moral torna-se regra jurídica graças a uma injunção mais enérgica e a uma sanção exterior necessária para o fim a atingir” (Apud, “A regra moral no controle judicial”, Revista Justiça & Cidadania, nº 138, fev/2012, p. 49/50).

Aristóteles, em sua “Retórica” sinaliza uma preeminência entre a lei comum (aquela conforme a natureza) e a lei particular (lei que cada povo dá a si mesmo), demonstrando que há uma moral interna que é superior a lei particular criada pelo homem. Já aqui podemos também entender que o justo deriva da lei moral e não do direito.

Celso Lafer faz citação de Aristóteles que merece reprodução: “Aristóteles, nesta passagem cita a Antígona da peça de Sófocles, quando esta afirma que é justo, ainda que seja proibido, enterrar seu irmão Polinices, por ser isto justo por natureza. De fato, em resposta à acusação de Creonte, de que estava ela descumprindo a lei particular, Antígona evoca as imutáveis e não escritas leis do Céu, que não nasceram hoje nem ontem, que não morrem e que ninguém sabe de onde provieram”. (“A reconstrução dos direitos humanos”, São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 35)

Novamente aqui, o justo deriva de uma lei imutável, de uma lei moral não escrita, ao contrário do direito (lei particular) em que se baseava Creonte para proibir o enterro de Polinices. É nesta mesma linha que se posiciona o Catecismo da Igreja Católica ao pontificar em seu parágrafo número, “1713 – O homem é obrigado a seguir a lei moral que o chama a “fazer o bem e evitar o mal” (GS 16). Esta lei ressoa em sua consciência”. (Prof. Felipe Aquino – org - “O Catecismo da Igreja responde de A a Z” 6ª ed. 2003. São Paulo: Cléofas, p. 209).

Nossa Constituição Federal em seu art. 37, caput, também prestigia expressamente a “moralidade administrativa” como um dos princípios jurídicos informadores do agir público através de seus servidores.

Enfim, como lembra o já citado Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Jessé Torres Pereira Júnior, “Diante das expectativas que as Constituições contemporâneas despertam nas sociedades e dos valores por estas reconhecidos, os juízes e tribunais devem estar qualificados para aplicar o direito segundo regras de moralidade, seja nas convenções entre particulares ou nas relações públicas” (op. cit. p. 50).

Resumindo, a idéia do justo é uma idéia moral (Georges Ripert) e “a Justiça é o Direito iluminado pela Moral” (Clóvis Bevilacqua).

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Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

Mestre em Direito Tributário, Advogado tributarista, Procurador do Município de Areal (RJ), Membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET). Autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; "Direito Financeiro e Direito Tributário", Multifoco: Rio de Janeiro, 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Moral e Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3216, 21 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21571. Acesso em: 5 dez. 2025.

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