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O dever do servidor público de restituir à administração valores indevidamente recebidos.

Análise legal e jurisprudencial

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5. CONCLUSÃO

Como visto, o recebimento de valores indevidos é bastante comum na prática administrativa. Não apenas os valores indevidos, mas também os anteriormente legítimos que, por algum motivo, passam a ter contornos de ilegalidade.

É natural que surja um conflito de interesses entre a Administração e seus servidores. A Administração pauta-se pelo interesse público e deve nortear sua atuação sob o pálio da intransigente proteção do patrimônio público.

Já o servidor, quando despido de seu múnus público, ou seja, na posição de mero trabalhador assalariado, defende seu interesse privado como qualquer outro. Não há nenhuma censura a este comportamento.

Em muitos casos, como no erro fortuito da Administração, a situação é rotineiramente resolvida no âmbito interno. Isso porque, em geral, o erro é sempre grosseiro e de fácil constatação.

Já nos casos de maior complexidade, a solução invariavelmente é ditada pelo poder judiciário. E, nesses casos, a decisão costuma ser tomada nos interesses do servidor.

O poder judiciário, como pode ser conferido nos diversos precedentes citados, invariavelmente analisa o critério da boa-fé. Na verdade, observa-se não exatamente uma atitude de boa-fé do servidor, mas sim uma conduta desprovida de qualquer má-fé.

Com isso, a interpretação dada pelo judiciário é a seguinte: O poder público foi o responsável pelo pagamento do numerário indevido. Não foi o servidor quem deu causa. Dessa forma, o ônus pelo erro é da Administração, não podendo ser repassado ao servidor. Como se encontra de boa-fé, não pode ser compelido a devolver os valores indevidos.

Há que se ressaltar que os valores considerados devidos pelo poder judiciário demandam uma solução mais simples, ou seja, são devidos não pela boa-fé, mas pelo fato de que, na ótica da justiça, é realmente direito do funcionário, ainda que não seja este o entendimento da Administração.

Outro argumento de peso, que embasa a dispensa na repetição dos montantes recebidos, é a natureza alimentar da verba salarial. Somado à boa-fé, esse critério legitima a posição da justiça pela impossibilidade de devolução.

Ora, se os valores ostentam natureza de garantir o sustento do servidor e de sua família, não há como exigir deste que corra o risco de passar alguma necessidade básica para corrigir um erro que não deu causa. É, sem dúvida, um raciocínio bastante razoável.

Portanto, se por um lado a Administração possui uma atuação mais pautada na legalidade estrita, ao Judiciário é constitucionalmente deferida a possibilidade de agir dentro de um campo mais amplo, em que a lei pode sofrer mitigações principiológicas e constitucionais.

Dessa forma, como dito em linhas anteriores, é importante ressaltar que tanto a Administração Pública como o Poder Judiciário desempenham suas missões constitucionais, ainda que conflitantes, dentro de suas liberdades e condicionantes, o que reafirma o constante amadurecimento e fortalecimento das instituições públicas nacionais.


 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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jurisprudencia/doc.jsp?livre=boa+e+f%E9+e+restitu%24+e+servidor&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=3#> Acesso em: 18 jan 2012

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Sobre o autor
Henrique Gouveia de Melo Goulart

Procurador Federal em Brasília (DF). Pós-Graduação em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOULART, Henrique Gouveia Melo. O dever do servidor público de restituir à administração valores indevidamente recebidos.: Análise legal e jurisprudencial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3219, 24 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21585. Acesso em: 2 mai. 2024.

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