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Abordagem sistêmica dos princípios de direito do trabalho e o mega-princípio da proteção

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4. Considerações Finais

Vimos que os princípios do Direito do Trabalho podem ser analisados em uma dupla perspectiva: interna e externa. Em uma perspectiva interna, os princípios revelam as verdades básicas do sistema, a partir do conteúdo valorativo presente nas inter-relações de suas normas. Em uma perspectiva externa, revelam alguns dos valores existentes no seio da sociedade emitidos ao subsistema Direito a fim de serem preservados. Assim ocorre com o mega-princípio da tutela: mais do que um valor básico do Direito do Trabalho, a proteção do trabalhador apresentou-se, ao menos à época da formação deste ramo jurídico, um valor social fundamental.

Atualmente, vivemos um período de reestruturação do sistema capitalista, e consequentemente, da sociedade capitalista. É o período da chamada acumulação flexível, em que os meios de produção se estruturam de modo a perquirir mobilidade na produção a partir das demandas do mercado. Nesse contexto, o trabalho humano dignamente prestado e a busca pela inserção máxima do trabalhador no processo de produção são vistos, a partir da lógica hipertrofiada do Capital, como valores secundários, entraves à própria acumulação capitalista. Esta lógica se consolida aos poucos no seio social, sedimentando a idéia hoje quase consensual de que a proteção jurídico-social do trabalhador nos moldes do Direito do Trabalho é inviável às economias capitalistas. Esta idéia forma a brecha para a propagação do discurso de flexibilização ou de desregulamentação de direitos trabalhistas historicamente consolidados.

Os direitos trabalhistas não representam entrave social. Embora não representem emancipação social, representam inegável evolução social. Enquanto não se pense para além de uma sociedade estruturada sob uma lógica perversa de acumulação por parte de poucos às custas da dignidade de muitos, os direitos trabalhistas representam, pelo menos, a esperança de um mundo onde a dignidade humana seja minimamente preservada. O único valor que tais direitos confrontam é o que diz respeito à acumulação capitalista em sua forma mais selvagem. Assim, se é imprescindível uma reformulação da regulação jurídica do mercado de trabalho – de forma a adaptá-la à nova realidade do sistema capitalista - não é menos imprescindível que dita reformulação tenha como norte a preservação da dignidade do trabalhador, uma vez que este ainda é hipossuficiente e ainda é o representante legítimo de um dos valores básicos e fundamentais da dinâmica social moderna: o trabalho.


Notas

1. In BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria Geral dos Sistemas. Petrópolis: Vozes, 1973, p. 56.

2. In NORONHA, Fernando. Direito e Sistemas Sociais: A Jurisprudência e a Criação de Direito para Além da Lei. Florianópolis: UFSC, 1988, p. 57.

3. Vide LUHMANN, Niklas. The Autopoiesis of Social Systems. In LUHMANN, Niklas. Essays on Self-Reference. New York: Columbia University, 1990.

4. Vide CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida. São Paulo: Cultrix, 2000, p.136.

5. Vide CAPRA, Fritjof. Op. cit., p. 89.

6. Vide CAPRA, Fritjof. Op. cit., p. 159-178.

7. Vide BERTALANFFY, Ludwig Von. Op. cit., p. 193; NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 58.

8. In BUCKLEY, Walter Frederick. A Sociologia e a Moderna Teoria dos Sistemas. São Paulo: Cutrix, 1971, p. 81.

9. Vide NORONHA, F.. Op. cit., p. 58.

10. BUKCLEY, Walter. Op. cit., p. 68.

11. In NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 58.

12. Talcott Parsons pode ser considerado um dos pais da teoria funcionalista sistêmica. Sua análise não parte de uma noção de complexidade e de dinamicidade do sistema daí a grande crítica à sua teoria, que parte do pressuposto de que toda a organização social tende para um cooperação harmoniosa, um equilíbrio natural, negando os conflitos internos que a compõem. Segundo esta concepção, quaisquer alterações nos elementos ou em suas inter-relações, afastando o ponto de equilíbrio natural do sistema social, tende a ser sanado por alterações inerentes ao sistema de modo a restaurar o próprio equilíbrio. Sua teoria de sistemas sociais, desta forma, é considerada como estática ou mecânica. Portanto, ressalte-se, o esquema parsoniano não significa uma adesão total a suas idéias, mas apenas o aproveitamento de sua concepção sobre os subsistemas que compõem o sistema social.

13. Isto não quer dizer que o contrário também não possa ocorrer. Se os valores e elementos sociais interferem no subsistema Direito através dos inputs, sendo a relação sociedade-Direito dinâmica e aberta, este também interfere naquela através de outputs.

14. A expressão é utilizada por FERNANDO NORONHA em sua obra já citada. Já BOBBIO, denomina-os de espírito do sistema. In BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 8. ed. Brasília: UnB, 1996, p. 159.

15. "(...) na realidade, as normas jurídicas nunca existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas com relações particulares entre sí... Esse contexto de normas costuma ser chamado de ‘ordenamento’." In BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 19.

16. Nesse sentido, SANTOS afirma que o Direito moderno atua como uma representação simbólica das relações sociais e, portanto, retrata seus elementos e suas distorções. In SANTOS, Boaventura de Souza. Uma Cartografia Simbólica das Representações Sociais: Prolegómenos a uma Concepção Pós-moderna do Direito. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n.º 24, mar. 1988, p. 141.

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17. Nesse sentido, NORONHA afirma que " ... princípios são valorações jurídicas de juízos pré-jurídicos de valor; são verdades básicas do direito construídas a partir de verdades básicas do sistema social, dos juízos éticos o políticos prevalecentes no seio da sociedade. In NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 127.

18. Neste sentido, ANTONIO-ENRIQUE PÉREZ LUÑO identifica no pensamento jurídico múltiplos sentidos referidos à categoria "princípios", dentre os quais destaco o de princípios enquanto postulados morais que inspiram a ordem jurídica (valores recolhidos da sociedade) e permitem expulsar de seu âmbito as normas incompatíveis com os mesmos. Vide PÉREZ LUÑO, Antônio-Enrique. Los Principios Generales del Derecho: ¿ Un mito jurídico? Revista de Estudios Políticos. Madrid:Centro de Estudios Politicos y Constitucionales, n. 98, p. 09-24, oct./dic. 1997.

19. "No que toca à relação entre o direito e os valores essenciais da sociedade, uma visão sistêmica enfatiza a importância dos princípios gerais do direito, ao mesmo tempo que os coloca no devido lugar – eles são traduções jurídicas de valorações éticas e político-sociais. E como estas valorações são as verdades básicas da sociedade, os princípios gerais do direito são também as verdades básicas do Direito. Por outro lado, como as valorações éticas e político-sociais pertencem a uma esfera sistêmica que socialmente, e ciberneticamente, está em nível superior ao do sistema jurídico, compreende-se a importância que os princípios gerais de Direito têm na interpretação, na integração de lacunas e até na criação do Direito, tanto a realizada pelo legislador, como a levada a cabo pela jurisprudência." In NORONHA, Fernando. Op. cit., p. 182.

20. In PLA RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1996, p. 30.

21. PLÁ RODRIGUEZ, A.. Op. cit., p. 28.

22. In PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Op. cit., p. 32.

23. In SÜSSEKIND, Arnaldo, MARANHÃO, Délio e VIANNA, Segadas. Instituições de Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: LTr, 1993. v. I, p. 128.

24. In LA CUEVA, Mario de. Derecho Mexicano del Trabajo.4. ed. México: Editorial Porrua, 1954. Tomo I, p. 263.

25. Todos os princípios citados pela grande maioria dos tratadistas de Direito do Trabalho revelam com maior ou menor clareza a lógica de dupla preservação consubstanciada no mega-princípio da proteção. Assim ocorre com os princípios da irrenunciabilidade dos Direitos Trabalhistas, da continuidade da relação de emprego, da primazia da realidade, os princípios da integrabilidade, da intangibilidade e da irredutibilidade salariais, da não discriminação, entre os mais referidos.

26. Vide DORNELES, Leandro do Amaral D. de. A Descaracterização da Tutela Jurídico-social do Trabalhador. Justiça do Trabalho. Revista de Jurisprudência Trabalhista. Porto Alegre, Ano XVI, n° 184, p. 91-102. abr. 1999.

27. No mesmo sentido ARAÚJO, Francisco Rossal de. A Boa-fé no Contrato de Emprego. São Paulo: LTr, 1996, p. 77-78.

28. No mesmo sentido, ARAÚJO, Francisco Rossal de. Op. cit., p. 78-79.


Bibliografia

ARAÚJO, Francisco Rossal de. A Boa-fé no Contrato de Emprego. São Paulo: LTr, 1996.

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SÜSSEKIND, Arnaldo, MARANHÃO, Délio e VIANNA, Segadas. Instituições de Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: LTr, 1993. v. I.

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Sobre o autor
Leandro do Amaral D. de Dorneles

professor de Direito na UNIVALI – São José, doutorando em direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DORNELES, Leandro Amaral D.. Abordagem sistêmica dos princípios de direito do trabalho e o mega-princípio da proteção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2162. Acesso em: 26 abr. 2024.

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