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A inadmissibilidade do recurso e sua repercussão no cômputo do prazo para a propositura de demanda rescisória

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04/05/2012 às 14:48
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3. A INADMISSIBILIDADE DO RECURSO E A FIXAÇÃO DO DIES A QUO DO PRAZO PARA PROPOSITURA DA DEMANDA RESCISÓRIA

3.1 NATUREZA JURÍDICA E EFEITOS DO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS.

O órgão julgador do recurso[20], ao examinar se estão presentes os seus requisitos de admissibilidade, pode proferir decisão em dois sentidos: um, julga-o admissível (juízo positivo de admissibilidade), passando de logo para o exame do mérito recursal; e dois, julga-o inadmissível (juízo negativo de admissibilidade), abstendo-se de analisar o mérito do recurso.

Esta subseção dedica-se a investigar a natureza jurídica da decisão por meio da qual o julgador realiza o juízo de admissibilidade, quer seja ele positivo, quer seja negativo. Avulta de importância a análise a seguir empreendida, pois é da natureza jurídica do juízo de admissibilidade que decorre o modo de produção dos efeitos da decisão prolatada em tal circunstância. A forma como os efeitos serão produzidos é determinante para a fixação do momento em que tal pronunciamento transitará em julgado e, por conseguinte, do termo inicial do prazo para a propositura da demanda rescisória.

Quando o recurso é conhecido (juízo positivo de admissibilidade) não há discussão quanto à natureza e ao modo de produção dos efeitos desta decisão. Todavia, no tocante à natureza jurídica e à forma como são produzidos os efeitos da decisão que inadmite o recurso, há grande polêmica na doutrina e jurisprudência.

Os itens seguintes deste trabalho destinam-se, principalmente, ao estudo desta problemática.

3.1.1. Natureza declaratória e efeitos ex tunc.

Corrente doutrinária capitaneada por Pontes de Miranda e José Carlos Barbosa Moreira defende que o juízo de admissibilidade do recurso tem natureza declaratória, quer seja positivo quer seja negativo. Assim, o órgão judicial, ao proferi-lo, somente reconhece ou não a existência dos requisitos indispensáveis a legítima apreciação do mérito do recurso. Nesse ponto, o julgador, ao declarar a admissibilidade ou inadmissibilidade de um recurso, reconhece situação anterior ao próprio pronunciamento judicial. Bem por isso, esta linha doutrinária entende que a decisão que admite ou inadmite o recurso produz efeitos retroativos (ex tunc), isto é, retroage à data em que foi interposto o recurso admitido ou à data em que escoou o prazo para interposição do recurso inadmitido.

Encontra-se o posicionamento de Pontes de Miranda, relativamente a este tema, numa passagem destinada ao exame do momento do trânsito em julgado de uma decisão. O mencionado jurista[21] sustentava que o trânsito em julgado de uma decisão dependia de ter havido, ou não, o conhecimento do recurso.

Se o recurso foi conhecido (juízo de admissibilidade positivo), a formação da coisa julgada foi obstada desde a interposição do recurso (efeitos ex tunc), sendo que o trânsito em julgado somente se opera da última decisão proferida na fase cognitiva do procedimento. Em contrapartida, se do recurso interposto não houve conhecimento (juízo de admissibilidade negativo), o provimento judicial já transitou em julgado quando do escoamento do prazo para interposição do recurso que não foi conhecido (efeitos ex tunc). Pontes de Miranda[22] resume o seu entendimento por meio das seguintes linhas:

[...] se da decisão que não tomou conhecimento do recurso cabia recurso e não foi interposto no prazo, houve trânsito em julgado. Se o foi, há outro julgamento: ou dele se conhece e a sentença não passou em julgado, ou dele se conhece, e a sentença rescindenda tem de ser a que foi dada em confirmação, ou a que consta do último julgamento.

Desse modo, segundo Pontes, a decisão que inadmite o recurso reveste-se de natureza declaratória porque o tribunal apenas proclama (declara) que a relação jurídica processual não se instaurou na fase recursal, como se o recurso não tivesse sido interposto ou como se a relação jurídica processual houvesse se exaurido no momento em que decorreu o prazo de interposição do recurso admissível contra a decisão recorrida. Nesse sentir, eis a conclusão a que chega Pontes de Miranda[23]: "não conhecer de recurso é desfazer a linha temporal que a interposição injuridicamente havia traçado".

Fortuito considerar que Pontes de Miranda não está distante da relevância prática da questão no que diz respeito à fixação do termo inicial do prazo para propositura da demanda rescisória. Afinal, considerando que a decisão que inadmite o recurso tem natureza declaratória e produz efeitos retroativos, importa em considerar também que a decisão recorrida transitou em julgado antes mesmo do próprio pronunciamento judicial que reconheceu a inexistência de um requisito de admissibilidade recursal. E, por conseguinte, implica dizer que o prazo decadencial para a propositura da demanda rescisória se iniciou quando do escoamento do prazo para interposição do recurso admissível contra a decisão recorrida.

Pontes de Miranda não afasta a possibilidade de, no momento em que a inadmissibilidade for declarada, já haver sido ultrapassado o prazo decadencial para o ajuizamento da demanda rescisória. Para que a parte interessada não fique impossibilitada de exercer o seu direito postestativo à rescisão, sugere o supracitado jurista que o interessado ajuíze demanda rescisória “condicional”[24] ou “preventiva”[25]. Esclarece Pontes[26] que é plenamente cabível a propositura de demanda rescisória enquanto pendente recurso – se o autor da rescisória alegar que este não possui um dos requisitos de admissibilidade[27]. Isso porque, se o recurso realmente não for conhecido, a decisão recorrida “transitou em julgado antes; razão pela qual pode ser proposta a ação rescisória, pendente o recurso, para que o prazo preclusivo não se esgote”[28].

A demanda rescisória proposta nestes termos somente poderia ser julgada após a apreciação do recuso pelo órgão ad quem. Qualifica-se de “condicional” este tipo de demanda, pois a sua apreciação está condicionada aos rumos que tomar o julgamento do recurso. Pontes de Miranda[29], ciente desta ligação de dependência, descreve três situações possíveis de acontecer nesses casos: i) se o recurso não é conhecido, a demanda rescisória é julgada; ii) se o recurso é conhecido e não se lhe dá provimento, a demanda proposta só é aproveitável por aplicação do princípio de economia processual (porque o mais acertado seria o ajuizamento de uma nova demanda, uma vez que, nesta hipótese, o prazo para a propositura da demanda rescisória só terá início com o trânsito em julgado da decisão que julgou o recurso); e iii) se o recurso foi conhecido e provido, está, em regra, sem objeto a demanda rescisória proposta.

À época em que Pontes de Miranda escreveu as primeiras edições da obra “Tratado da Ação Rescisória” (a primeira data de 1934), esta tese da demanda rescisória condicional ainda encontrava algum amparo na jurisprudência – o próprio jurista cita um julgado da 1ª Turma do STF publicado no DJ de 25 de fevereiro de 1949. Acontece que, atualmente, tanto o STF quanto o STJ não admitem mais a propositura de demanda rescisória enquanto pendente de julgamento o recurso[30].

José Carlos Barbosa Moreira[31] segue o entendimento acima delineado, defendendo, assim, que “positivo ou negativo, o juízo de admissibilidade é essencialmente declaratório”. O órgão judicial, ao proferi-lo, apenas verifica a existência ou inexistência dos requisitos necessários para o legítimo exame do mérito do recurso.

A propósito, sustenta o jurista que o juízo de inadmissibilidade não tem a virtude de “desconstituir a extensão da relação processual conseqüente à interposição do recurso”[32]. Isso porque o fato de não se poder julgar o mérito do recurso não “atinge o processo como tal”[33], a relação processual subsiste íntegra, apenas o recurso interposto revela-se como via inidônea de acesso ao novo julgamento pleiteado.

Nesse ponto, Barbosa Moreira[34] fixa as seguintes premissas: somente os recursos admissíveis produzem efeitos e, portanto, apenas o recurso que foi admitido pode impedir o trânsito em julgado.

Recurso inadmissível, consoante o pensar acima exposto, não tem o condão de obstar a formação da coisa julgada – esta exsurge a partir da configuração da inadmissibilidade. Em outras palavras, o juízo de admissibilidade negativo tem efeitos retroativos à data em que se verificar a causa da inadmissibilidade.

É pertinente apontar a distinção feita por Barbosa Moreira[35] no tocante ao momento em que se confere a causa da inadmissibilidade. Se o recurso era inadmissível ab initio, “isso significa que a sua interposição não teve o efeito de obstar o trânsito em julgado”. Como a causa de inadmissibilidade já ocorria ao tempo da interposição, a coisa julgada formou-se no momento em que a decisão recorrida foi publicada (caso incabível qualquer recurso para impugná-la); ou quando esgotou o prazo para interposição do recurso cabível (se interposto recurso intempestivo); ou mesmo num momento entre a publicação e a interposição, se o fator de inadmissibilidade exsurgir nesse ínterim.

Se, ao contrário, a causa da inadmissibilidade só depois surgiu, “a interposição do recurso impediu a passagem em julgado. Tal impedimento cessou, porém, no instante em que o recurso se tornou inadmissível”[36]. Nesta hipótese, segundo Barbosa Moreira, é possível verificar uma das três situações a seguir elencadas: i) ainda flui algum prazo para a interposição de outro recurso admissível e, só com o seu escoamento in albis, a coisa julgada será formada; ii) ou esse outro recurso já foi interposto, impedindo a formação da res iudicata; iii) ou não há qualquer outro recurso e, neste caso, a decisão recorrida transitou em julgado ao tempo em que se configurou o fato gerador da inadmissibilidade do recurso interposto.

Barbosa Moreira, assim como Pontes Miranda, não desconhece que, da aplicação das proposições acima assentadas, pode advir sério problema de ordem prática, relativo à propositura da demanda rescisória. As seguintes linhas sintetizam, a preocupação de Barbosa Moreira[37]:

[...] ora, se se retarda por muito tempo o pronunciamento sobre a admissibilidade, há risco de já estar precluso o prazo da rescisória [...], quando afinal vier a resolver aquela questão. Não se conhece o recurso, e o legitimado à propositura da rescisória vê-se diante da coisa julgada que data de mais de cinco anos. Seria um absurdo privá-lo, por demora que não lhe é imputável, do exercício da ação. Como resolver o problema?[38]

À semelhança do que sugere Pontes de Miranda, Barbosa Moreira[39] vê como única solução o ajuizamento de demanda rescisória na pendência do recurso, desde que as circunstâncias justifiquem o receio de ver-se esgotado, antes do julgamento, o prazo decadencial para a propositura da demanda. O processamento da ação rescisória, neste caso, ficará sobrestado até que advenha decisão sobre o recurso. Daí Barbosa Moreira[40] prevê duas possibilidades: i) se o recurso não for conhecido, como já transitou em julgado a decisão de inadmissibilidade, a demanda rescisória é julgada; ii) se o recurso for conhecido, encerra-se do processo relativo à rescisória, uma vez que a demanda perdeu objeto[41].

Pondera Barbosa Moreira[42] que “não haverá quebra do princípio, indiscutível, segundo o qual não se rescinde decisão que não tenha passado em julgado: haveria, se se julgasse a rescisória antes do pronunciamento sobre o recurso”.

Como já assinalado acima, esta tese encontra-se superada pela jurisprudência dominante do STF e do STJ[43].

Das proposições fixadas acima, percebe-se que a conclusão a que chegou a corrente doutrinária ora sob exame é bastante coerente com as premissas por ela assentadas[44]. No entanto, o problema prático, relativo à fixação do termo inicial do prazo para ajuizamento da demanda rescisória quando o recurso é inadmitido, ainda persiste, visto que a única solução sugerida por tal linha de entendimento – a ação rescisória “condicional” – não encontra guarida na jurisprudência[45].

Neste trabalho, diverge-se da posição acima exposta. A discordância atinge não só a conclusão por ela obtida, mas também, e principalmente, as premissas por ela fixadas. Em oportuno momento, será delineado o ponto de vista assumido neste ensaio.

3.1.2. Natureza declaratória e efeitos ex tunc (juízo de admissibilidade) ou ex nunc (juízo de inadmissibilidade).

Fortuito considerar que, no que diz respeito à natureza declaratória do juízo de admissibilidade (positivo ou negativo), a doutrina capitaneada por Barbosa Moreira é seguida pela maioria dos doutrinadores, como Nelson Nery Jr., Flávio Cheim Jorge, Teresa Arruda Alvim Wambier, Bernado Pimentel e Luiz Orione Neto[46]. Ocorre que, atualmente, a maioria dos juristas, inclusive todos os que foram acima citados, discordam do pensamento de Barbosa Moreira no que diz respeito aos efeitos retroativos do juízo de inadmissibilidade dos recursos.

Nelson Nery Jr.[47], nessa linha, considera que a decisão sobre a admissibilidade, seja positiva ou negativa, tem caráter declaratório, sob o argumento de que o juiz ou tribunal, quando profere este tipo de decisão, nada mais faz do que afirmar situação preexistente[48]. Aduz Nery que o fato de a decisão que versa sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso ter o viés declaratório não impede que sua eficácia seja ex nunc. Conseqüentemente, o momento em que a decisão judicial impugnada transita em julgado é determinado pelo trânsito em julgado da decisão que admite ou não o recurso. 

O mencionado jurista assevera que o efeito ex nunc do juízo de admissibilidade dos recursos fundamenta-se no instituto da litispendência. “Enquanto estiver pendente a lide, não podem decorrer efeitos danosos ao recorrente que ainda não tem, por exemplo, oportunidade de ajuizar a ação rescisória”[49]. A propósito, esclarece Nelson Nery[50]:

[a] litispendência faz com que seja irrelevante o tempo decorrido entre a interposição do recurso e o juízo de admissibilidade negativo para determinar-se o transito em julgado da sentença impugnada: embora o recorrente, quando da interposição do recurso, já não tivesse o direito de ver o recurso julgado pelo mérito, o que importa é que houve interposição do recurso e, portanto, perdura litispendência até seja julgado pelo tribunal.

Enfim, o retrocitado jurista, considerando a existência de litispendência e o efeito devolutivo do recurso[51], conclui que, admitido ou não o recurso, a decisão impugnada só passa em julgado a partir da apreciação definitiva do recurso pelo órgão julgador.

Luiz Orione Neto[52] perfilha, integralmente, o entendimento acima exposto e, por isso, sustenta que “o dies a quo para o ajuizamento da ação rescisória só começa a fluir a partir do dia imediatamente subseqüente ao trânsito em julgado da última decisão proferida na causa, seja ela meritória ou não [...]”.

Flávio Cheim Jorge[53], apesar de reconhecer a natureza declaratória do juízo de admissibilidade dos recursos, não concorda que o mesmo possui sempre efeitos ex tunc. Adverte Cheim que as conseqüências práticas que podem ser geradas pela adoção permanente dos efeitos retroativos do juízo de admissibilidade não permitem que se chegue a esta conclusão. “Uma decisão definitiva a respeito da admissibilidade dos recursos pode durar anos, e, nessa hipótese, caso o recurso não venha a ser admitido pelo Tribunal, a parte poderá ter perdido 2 anos para interposição da ação rescisória (art. 495 do CPC)”[54].

O mencionado jurista, assim, defende que, mesmo quando o recurso é inadmitido, o momento do trânsito em julgado da decisão recorrida deve coincidir com o momento em que transita em julgado a decisão que não admitiu o recurso. Flávio Cheim Jorge[55] alerta, todavia, que há casos em que o juízo de admissibilidade deve ter efeitos ex tunc. Nessa linha, adota o advogado capixaba posição intermediária construída pela própria jurisprudência diante situações como a acima narrada.

Segundo este entendimento, o juízo de admissibilidade tem efeito ex tunc quando o recurso não for admitido por que: i) flagrantemente intempestivo; ii) faltou o preparo; iii) houve desistência – a desistência produz efeitos desde o momento em que é exteriorizada, independmente de homologação[56]. Nas demais hipóteses de admissibilidade negativa, por via de conseqüência, o dies a quo do prazo para o ajuizamento da demanda rescisória coincidiria com o momento do trânsito em julgado da decisão que inadmitiu o recurso. Entende Jorge[57] que essa solução:

[...] é a mais plausível e condizente com o nosso sistema, na medida em que permite preservar a técnica processual sem punir a parte recorrente pela demora no julgamento do recurso. A intempestividade flagrante e ausência de preparo podem ser utilizadas nesses casos para aplicação do efeito ex tunc em razão de serem verificadas de forma absolutamente objetiva e sem qualquer dúvida.

Segue a posição intermediária também Bernardo Pimentel Souza[58]. Estatui o jurista, como regra, que o juízo de inadmissibilidade produz efeitos ex nunc. Elenca Pimentel[59] duas hipóteses em que tal regra é excepcionada pela doutrina e jurisprudência dominantes. Assim, tem efeitos retroativos a decisão quando: i) interposto recurso parcial (a parte da decisão não impugnada transita em julgado antes); ii) manifestamente inadmissível o recurso – p. ex. intempestividade flagrante e inadequação evidente[60].

Eduardo Talamini[61], por sua vez, assevera que “em regra o trânsito em julgado não retroagirá ao fim do prazo para interposição do recurso que não foi conhecido”. Prevê Talamini uma única exceção a este princípio: “quando o recurso não for conhecido por intempestividade ‘flagrante’, em caso que ‘beire a má-fé’”[62]. Alerta Talamini[63] que esta exceção só vale se não houver nenhuma discussão sobre o cômputo do prazo, nem prejuízo aos princípios da segurança jurídica e boa-fé.

“O juízo de admissibilidade, em qualquer caso, tem natureza declaratória, e, pois, de regra, efeitos ex tunc”[64]. Eis a posição de Teresa Arruda Alvim Wambier. Esta jurista defende que, por apuro técnico, como a natureza do juízo de admissibilidade é declaratória, os efeitos deveriam ser sempre retroativos. No entanto, entende que esta posição, se levada ao extremo, pode configurar injustiças inaceitáveis, além de afrontar o princípio da economia processual. Bem por isso sustenta que os efeitos do juízo de inadmissibilidade terão, em regra, efeitos ex nunc. O único caso, ao seu modo, em que a inadmissibilidade dos recursos teria efeitos retroativos diz respeito aos recursos evidentemente intempestivos, que beirem a má-fé[65].

Relevante anotar, a seguir, a conclusão alcançada por Wambier[66]:

Em que pese o apuro da técnica que transparece nessa minoritária posição doutrinária, que leva sempre às últimas conseqüências a afirmação de que o juízo de admissibilidade dos recursos é declaratório, tendo eficácia ex tunc, e a decisão que transitaria em julgado, portanto, seria a de que se recorreu, sabe-se que, de acordo com os valores de nossos dias, o que se quer é um processo de resultados e um processo de resultados justos, o que certamente não se obtém com a adoção de uma postura teórica rígida, inflexível e por demais formalista, que não se harmoniza com o conjunto de tendências que vem norteando os modernos pensadores do processo, muitas vezes inspiradas no expressivamente modernizante trabalho pretoriano.

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Leonardo José Carneiro Cunha[67] em obra anterior estabelecia que, em regra, “o prazo previsto no art. 495 do CPC tem início a partir do trânsito em julgado da última decisão, ainda que esta se cinja a não conhecer o recurso interposto pela parte”. Tal entendimento, àquela época, somente não prevalecia quando manejado recurso manifestamente intempestivo, a entremostrar a má-fé da parte no uso de um recurso evidentemente incabível. Acontece que, no ano de 2007, publicou, juntamente com Fredie Didier, obra denominada “Curso de Direito Processual Civil, v. 3”. Na ocasião, parece desfiliar-se em parte deste entendimento. Isso porque, em tal obra, defende-se que não se deve fixar previamente as hipóteses em que o juízo de inadmissibilidade terá eficácia ex tunc[68]-[69].

Importante pontuar que esta posição “intermediária” é a que acumula o maior número adeptos na doutrina e jurisprudência[70]. Neste ensaio, todavia, assume-se entendimento diverso pelos fundamentos a seguir demonstrados.

3.1.3. Natureza declaratória e efeitos ex tunc (juízo da admissibilidade) e natureza constitutiva negativa e efeitos ex nunc (juízo de inadmissibilidade).

Retoma-se, na oportunidade, todas as proposições assentados no primeiro capítulo de desenvolvimento deste ensaio, especialmente as conclusões alcançadas na subseção 2.2.

O recurso, por inaugurar um novo procedimento cognitivo, geralmente em instância diversa daquela em que foi proferida a decisão recorrida, qualifica-se como um ato postulatório. Como já anotado em diversas passagens, perante toda postulação (ato postulatório) o magistrado realiza um duplo exame: primeiro, averigua se será possível a análise do conteúdo da postulação; após, e em caso de juízo positivo no momento inicial, examina a procedência ou não daquilo que se postula. Com o recurso a situação não é diferente. Aqui também são realizados dois exames distintos: o juízo de admissibilidade (em geral duplo, realizado tanto pelo órgão a quo e quanto pelo órgão ad quem) e o juízo de mérito (de competência exclusiva do órgão julgador do recurso).

Ressalte-se, por oportuno, que o magistrado, ao exercer o juízo de admissibilidade de qualquer ato postulatório, investiga se o ato possui todos os pressupostos e requisitos indispensáveis para o prosseguimento da sua atividade cognitiva. Ao proferir o juízo de admissibilidade positivo ou negativo acerca do ato postulatório, o julgador, em verdade, faz um exame sobre a validade do próprio procedimento por aquele inaugurado. Nas palavras de Calmon de Passos[71], nesse momento, o órgão julgador examina a “aptidão do procedimento para alcançar seu resultado típico ou, em palavras mais específicas do processo jurisdicional, para legitimar o exame do mérito”. Daí se deflue que o juízo de admissibilidade positivo ou negativo opera sobre o plano de validade do ato-complexo procedimento, sendo, na verdade, juízo de validade.

A inadmissibilidade, portanto, segundo a doutrina de Fredie Didier[72], à qual ora se filia, é a decisão que obsta o prosseguimento da atuação do magistrado, impedindo-o de examinar o mérito do ato postulatório – é a invalidação do próprio procedimento a partir do reconhecimento de defeito que impede a apreciação daquilo que foi postulado.

Se o juízo de inadmissibilidade do ato postulatório – como é o caso do recurso – insere-se no plano da validade, a ele se devem aplicar todas as regras relativas ao sistema de invalidades da legislação processual civil. Não há motivos para tratamento distinto.

Destarte, são aplicáveis ao juízo de inadmissibilidade dos recursos os postulados do sistema de invalidade da legislação processual civil expostos na subseção 2.2. Por conseguinte, o posicionamento do professor Fredie Didier Jr.[73] sobre a natureza jurídica do juízo de admissibilidade do ato postulatório é plenamente cabível e pertinente ao exame do juízo de admissibilidade do recurso, como se demonstrará a seguir.

Por meio do juízo de admissibilidade positivo do recurso, reconhece-se a presença de todos os requisitos indispensáveis à análise do mérito recursal. O recurso, ao ingressar no mundo jurídico e antes de ser submetido ao crivo inicial do órgão julgador, já produzia os seus efeitos típicos. Após o juízo de validade positivo, reconhece-se apenas uma situação jurídica já existente (a tipicidade e eficácia). É, portanto, pronunciamento declaratório. Declarar é apenas reconhecer o já existente, proclamá-lo, esclarecê-lo[74].

De outro lado, se o órgão julgador, debruçando-se sobre o recurso, constata a existência de defeito processual, decidindo, à luz dos preceitos regentes do sistema de invalidades processuais já examinados, pela inadmissibilidade do procedimento recursal, profere decisão constitutiva negativa. Aplica-se, assim, sanção de invalidade, constituindo negativamente nova situação jurídica.

Importante destacar que o fato de o magistrado, ao julgar inadmissível um recurso, reconhecer uma situação preexistente (o defeito em um dos requisitos de admissibilidade recursal), antes de aplicar a sanção de invalidade do recurso (e, por consectário, do procedimento recursal), não faz deste juízo um pronunciamento declaratório[75]. Afinal, não é característica exclusiva dos juízos declaratórios o reconhecimento de fatos anteriores à decisão. Em todo juízo constitutivo negativo há o reconhecimento de situação de fato anterior, tomada como premissa fática da decisão que autoriza a criação de uma nova situação jurídica: sanção de ineficácia do ato defeituoso[76].

Estabelecida a natureza jurídica dos juízos de admissibilidade e inadmissibilidade, fica mais fácil deduzir os efeitos de cada um desses pronunciamentos judiciais.

Ao julgar admissível o recurso, o magistrado reconhece a sua validade por meio de uma decisão declaratória. Declarando-se a eficácia do ato postulatório, reconhece-se uma situação jurídica existente desde a sua propositura, possuindo, assim, efeitos ex tunc, retroagindo a data do ingresso do recurso no mundo jurídico.

Noutra perspectiva, em caso de juízo de inadmissibilidade, o magistrado, ao se pronunciar, decreta a invalidade do recurso, constituindo nova situação jurídica a partir de um suporte fático já existente (o defeito processual). Retomando-se a premissa fixada supra segundo a qual os atos defeituosos produzem efeitos até a sua invalidação, é de concluir-se que o juízo de inadmissibilidade tem eficácia ex nunc. Devem, portanto, ser preservados os efeitos jurídicos produzidos pelo ato defeituoso antes da decretação de sua invalidade.

Convém anotar que Fredie Didier[77] não descarta a possibilidade de que sejam previstas hipóteses em que haja retroatividade dos efeitos do juízo de admissibilidade, destruindo-se os efeitos já operados. Adverte o jurista, contudo, que tal previsão deve ser definida expressamente em lei para evitar surpresa aos litigantes. “Nem por isso deixará de ser constitutiva a decisão: não se desconhecem decisões constitutivas-negativas com eficácia retroativa, como é o caso da que anula negócio jurídico (art. 182 do CC-02)” (2005, p. 42)[78].

Neste estudo, antes mesmo de realizar qualquer questionamento acerca das conseqüências práticas advindas da adoção do entendimento majoritário, liderado por Barbosa Moreira, diverge-se das premissas por ele estabelecidas.

Barbosa Moreira[79] considera que somente os recursos admissíveis produzem efeitos. Esta posição equivocada advém da própria concepção que o jurista tem do sistema de invalidades processual-civil. Afinal, para ele, os atos nulos não produzem efeitos desde o momento do seu nascimento[80].

Conforme já se assentou neste trabalho, ao juízo de admissibilidade do recurso, por se tratar de juízo de validade, aplicam-se todas as disposições relativas ao sistema de invalidades da legislação processual civil. Daí se conclui que a inadmissibilidade do recurso é decretada e não declarada[81]. Destarte, somente produz efeitos depois de pronunciada. Antes disso, conservam-se os efeitos produzidos pelo recurso.

Observe, assim, que as premissas levantadas pela concepção majoritária acerca da natureza jurídica (e também dos efeitos) da decisão que admite ou não o recurso, notadamente as argüidas por Barbosa Moreira, embora coerentes com a conclusão alcançada, destoam do sistema de invalidades da legislação processual-civil como um todo. Esta circunstância, razoavelmente, não se justifica, uma vez que tal sistema abrange, indubitavelmente, o exame sobre a admissibilidade do procedimento recursal.

Não é demais considerar que a concepção majoritária, além de não estar condizente com o sistema das invalidades processual civil, gera situações insustentáveis e inaceitáveis quando aplicada na prática[82]. Por exemplo, se o tribunal, após três anos da interposição da apelação, “declarar” a sua inadmissibilidade, adotada a posição majoritária, o recurso não terá produzido efeito nenhum, a sentença já estaria imune pela coisa julgada e o prazo da demanda rescisória, que é de dois anos, já terá escoado. Oportuna a reflexão realizada por Fredie Didier[83] abaixo expendida.

Perder-se-ia, pela decadência (não exercício em certo prazo), o direito de rescindir a sentença, sem que houvesse possibilidade do exercício deste mesmo direito: não se exercitou o direito porque não era possível, mas, a despeito disso, o direito deixou de existir por conta do não exercício. O raciocínio é, no mínimo, esquisito.

Este raciocínio, aplicado aos embargos de declaração, produz resultados igualmente insustentáveis. Isso porque os embargos reputados inadmissíveis não teriam o condão de interromper o prazo para a interposição do outro recurso; assim, se entre a data de interposição dos embargos e a decisão que não os admitiu, houver transcorrido o prazo para o recurso “principal”, a decisão terá transitado em julgado desde a data da interposição, a despeito da penderem os embargos contra ela interpostos[84].

Não se olvida que a insegurança jurídica que este posicionamento proporciona é manifesta.

Como se viu muitos doutrinadores, diante de situações peculiares como as expostas acima, embora adeptos da concepção majoritária, formularam, juntamente com a jurisprudência dominante, nova regra: o trânsito em julgado da decisão impugnada não pode ocorrer enquanto pendente julgamento do recurso, mesmo que, futuramente, venha a ser inadmitido[85]. Ressalva-se, no entanto, a hipótese do recurso manifestamente intempestivo ou incabível, quando o futuro juízo de inadmissibilidade teria, de fato, efeitos retroativos, reconhecendo-se o órgão judicial o trânsito em julgado desde a data seguinte ao dies ad quem do prazo para a interposição do recurso.

Há sérias críticas a este posicionamento.

Inicialmente, podem ser transportadas as mesmas críticas formuladas contra a concepção de Barbosa Moreira. Afinal, em ambos os casos concebe-se que o juízo de admissibilidade negativo tem natureza declaratória. Circunstância que não condiz, repita-se, com o sistema de invalidades da legislação processual civil.

Demais disso, o posicionamento acima aduzido revela-se incoerente e sem respaldo dogmático, pois admite os efeitos ex nunc do juízo de inadmissibilidade em uns casos e repele em outros, sem que, em nenhum dos dois momentos, neguem-se as suas premissas.

Importante anotar que, dentre os juristas adeptos da corrente “intermediária”, Nelson Nery Jr. é quem desenvolve raciocínio mais interessante. Nery[86],assevera que o efeito ex nunc do juízo de admissibilidade dos recursos fundamenta-se no instituto da litispendência. Nesse ponto, Nelson Nery reconhece que o ato postulatório denominado recurso produz, ao menos, um efeito (induz a litispendência), ainda que venha a ser inadmitido. Segundo o seu entendimento, somente após o pronunciamento do órgão julgador é que a litispendência pode deixar de perdurar – se inadmitido o recurso, não for cabível ou não interposto outro recurso.

A partir do momento em que for “decretado o não conhecimento do recurso”[87], nova situação jurídica é constituída negativamente, pautada num suporte fático já existente (a ausência ou defeito de um dos requisitos de admissibilidade do recurso). Note que o citado advogado paulista traz os postulados de um pronunciamento tipicamente desconstitutivo, embora assim não o classifique.

Em síntese, Nelson Nery Jr., ao considerar que os efeitos jurídicos produzidos pelo recurso antes da decretação de sua inadmissibilidade devem ser preservados, chega a conclusão condizente com a idéias defendida por este trabalho[88]. No entanto, em termos globais, sua inclinação doutrinária está desalinhada com o sistema de invalidades da legislação processual civil.

A principal crítica que se faz ao posicionamento ora sob análise diz respeito ao tratamento diferenciado que é dado a algumas hipóteses de inadmissibilidade do recurso. “Esse posicionamento, embora razoável, também gera insegurança, pois feito sem nenhum respaldo legal: retroage-se a eficácia do juízo de admissibilidade em uma hipótese e não nas demais”[89].

Eduardo Talamini[90] e Teresa Arruda Wambier[91] (2006, p. 150), por exemplo, como já visto, admitem a retroatividade dos efeitos apenas quando o recurso for manifestamente intempestivo, em caso que beire a má-fé. Bernardo Pimentel Souza, por sua vez, menciona apenas recurso manifestamente inadmissível[92] – exemplificando por meio da intempestividade flagrante e inadequação evidente. Ao seu turno, Flávio Cheim Jorge[93] sustenta que o juízo de admissibilidade tem efeito ex tunc, não só nos casos de flagrante intempestividade, mas também quando falta o preparo e quando há desistência.

Em que pese não existir unanimidade na doutrina acerca das hipóteses em que são admitidos os efeitos retroativos do juízo de inadmissibilidade, uma situação é incontroversa, a do recurso manifestamente intempestivo. “O que justifica este tratamento diferente?”[94].

Flávio Cheim Jorge[95], responde afirmando que “a intempestividade flagrante e ausência de preparo podem ser utilizadas nesses casos para aplicação do efeito ex tunc em razão de serem verificadas de forma absolutamente objetiva e sem qualquer dúvida”.

De fato, em geral, a doutrina e jurisprudência encontram na circunstância de a intempestividade ser constatável objetivamente a fundamentação para o tratamento diferenciado que é dado aos recursos manifestamente intempestivos. Entretanto, esta justificativa não convence: seja porque há discussões sérias quanto à tempestividade[96]; seja porque outros requisitos de admissibilidade também podem ser examinados mais objetivamente, como é o caso da regularidade formal e do preparo[97].

A adoção dos efeitos retroativos para a decisão que inadmite um recurso manifestamente intempestivo é justificada também pela necessidade de coibir-se a má-fé dos litigantes. Esta postura, todavia, revela-se, em geral, inadequada diante das regras contidas na legislação processual civil vigente.

O CPC, em seu art. 17, define as condutas consideradas como litigância de má-fé, dentre elas está a interposição de “recurso com intuito manifestamente protelatório” (art. 17, VII, do CPC). A pena a ser aplicável ao litigante de má-fé, em quaisquer hipóteses, é sempre de natureza pecuniária (multa e indenização), nos moldes do art. 18 do CPC, não sendo previsto, em nenhuma situação, a suspensão de um benefício processual, como a interrupção do prazo recursal própria da interposição dos embargos declaratórios (art. 538 do CPC)[98].

Porque, em relação à flagrante intempestividade do recurso, que beire a má-fé, as conseqüências aplicadas serão de imediato outras? Indaga-se, mais uma vez: o que justifica o tratamento diferenciado?

Novamente, o posicionamento ora combatido encontra-se sem respaldo legal e dogmático.

Nessa linha, é preciso manter coerência com as premissas aqui levantadas.

Se o juízo de admissibilidade é um juízo de validade; se a invalidação é uma decisão constitutiva; se os atos processuais defeituosos produzem efeitos, não se pode chegar a outra conclusão senão a de que o juízo de inadmissibilidade dos recursos (como de todo ato postulatório) tem natureza constitutiva negativa e eficácia ex nunc. Basta que se examine o juízo de admissibilidade como um juízo de validade do procedimento, à luz do sistema de invalidades da legislação processual civil, para que o enquadramento jurídico dos fatos processuais mencionados torne-se mais fácil[99].

Sem dúvidas, o tratamento que ora se outorga ao juízo de admissibilidade dos recursos, além de ser o que, tecnicamente, harmoniza-se com o sistema processual como um todo, resolve, sem maiores discussões, o problema prático relativo ao termo inicial do prazo para o ajuizamento da demanda rescisória.

Não é demais imaginar que remanesça a seguinte dúvida: o recurso interposto um ano após o término do prazo, impediria a formação da coisa julgada? Trata-se, aqui, de uma situação teratológica, absurda, de escancarada intempestividade que deve ser resolvida caso a caso, de acordo com a razoabilidade, sendo permitido atribuir-se efeitos retroativos ao juízo de inadmissibilidade. Não se está fazendo concessão à insegurança, nem sendo incoerente com o sistema de invalidades da legislação processual civil. Apenas está-se transferindo para o magistrado a tarefa de encontrar a norma concreta que regule a situação, ponderando-se os princípios e as regras aplicáveis ao caso, objetivando a decisão mais razoável e condizente com o sistema processual com um todo[100].

3.1.4. Posição jurisprudencial dominante.

Discussões acerca da fixação do termo inicial para o ajuizamento da demanda rescisória não são novas nos tribunais pátrios. Há muito são encontrados, num mesmo tribunal, posicionamentos divergentes no que diz respeito à definição do momento em que se reputa transitada em julgada a decisão quando o recurso contra ela interposto não é conhecido.

Embora seja uma discussão antiga, ainda não é possível dizer que a questão encontra-se pacificada na jurisprudência. Tanto no STF quanto no STJ – ao qual incumbe a uniformização da interpretação das leis federais – nota-se uma inclinação maior, nos últimos anos, para determinado entendimento sobre o tema em debate. Circunstância que, contudo, não abafa os posicionamentos divergentes.

Desse modo, nas linhas seguintes, propõe-se a traçar um painel geral sobre o posicionamento do STF e, principalmente, do STJ no tocante a fixação do dies a quo do prazo para propositura da demanda rescisória.

O Supremo, julgando o Recurso Extraordinário n. 87.420-PR, cuja relatoria foi exercida pelo Ministro Cordeiro Guerra, entendeu que “o prazo para propor ação rescisória conta-se da passagem em julgado do último recurso interposto contra o acórdão rescindendo”[101]. Na oportunidade, a Segunda Turma do STF não se pronunciou acerca da natureza do juízo de inadmissibilidade dos recursos. Restringiu-se a considerar que a interposição de recurso contra determinada decisão afasta o seu trânsito em julgado. Este entendimento já vinha sendo disseminado pelo Ministro Themistócles Cavalcanti, então integrante da Primeira Turma do Supremo[102].

Esta posição superou o entendimento dominante na década de 50, segundo o qual a interposição de recurso que não se conhece por ser intempestivo não tem o condão de impedir o curso do prazo decadencial para o ajuizamento da demanda rescisória[103].

No início da década de 80, ainda se observava a predominância do posicionamento acima esboçado. O Tribunal Pleno do Supremo, julgando a Ação Rescisória n. 988-DF[104], cuja relatoria foi atribuída ao Ministro Djaci Falcão, decidiu que a interposição de embargos infringentes, a princípio cabíveis e depois não conhecidos, impede o trânsito em julgado da decisão recorrida. Novamente, não se constata qualquer filiação direta assumida pelos ministros a um ou outro posicionamento doutrinário acerca da natureza jurídica do juízo de admissibilidade dos recursos.

Já em meados da década de 80, nota-se uma mudança na concepção antes dominante. Já começa a ganhar adeptos o entendimento segundo o qual, quando o recurso é inadmitido por intempestividade, a decisão recorrida transita em julgado após o dies ad quem do prazo para interposição do recurso adequado e não do trânsito em julgado da decisão que não conheceu o recurso[105]. Dentre os adeptos está o Ministro Djaci Falcão, o qual passa a entender que, quando o problema for a intempestividade, o recurso inadmitido não tem o condão de impedir o trânsito em julgado (assim defendeu no RE n. 101.311-MG).

Esta posição prepondera também na década 90. O Tribunal Pleno, julgando a Ação Rescisória n. 1.178-DF[106], valendo-se das palavras do Ministro Marco Aurélio, relator do processo, assevera que “a impertinência de recurso interposto, excepcionada a temporal, obstaculiza a preclusão maior”.

Conclui-se, à luz dos julgados acima relatados, que o entendimento dominante no STF até a década de 90 casava-se bem com a posição “intermediária” assumida por muitos doutrinadores, como Flávio Cheim Jorge e Nelson Nery Jr[107]. Todavia, já no século XXI, a posição que parecia vir se consolidando perde certo espaço na jurisprudência do Supremo.

Em julgado do ano de 2007, percebe-se do teor do acórdão escancarada filiação do Tribunal Pleno à concepção de Barbosa Moreira. Tratava-se da Ação Rescisória n. 1.472-DF (STF, 2007b, p. 18) que foi proposta em 15 de junho de 1999, sendo que o acórdão rescindendo foi publicado em 23 de agosto de 1996. Contra este fora interposto embargos de divergência, os quais foram inadmitidos. O Ministro Marco Aurélio, relator deste processo, entendeu que o recurso inadmissível não obstaculiza o trânsito em julgado da decisão recorrida. A data em que se esgotou o prazo para a interposição do recurso adequado contra tal decisium fixa o termo inicial para o ajuizamento da demanda rescisória.

A Ministra Ellen Gracie, revisora do processo, acompanhou o voto do relator. Por maioria dos votos, a supramencionada demanda rescisória não conhecida no mérito ante a decadência. Os Ministros Cezar Pelluso e Gilmar Mendes tiveram seus votos vencidos. Cabe, a propósito, transcrever as palavras deduzidas por Pelluso:

[...] só admito que retroaja a inadmissibilidade de algum recurso, para efeito da contagem do prazo da ação rescisória, se a causa for intempestividade, porque, neste caso, o réu não pode invocar nenhuma dúvida, já que ele deve ter certeza a respeito da tempestividade, ou não, do seu recurso.

Em que pese existir este recente pronunciamento do Tribunal Pleno do STF, não é possível, ainda, considerar que este seja o pensamento predominante no referido tribunal. Isso porque, quando do julgamento da citada demanda rescisória, além de ter ocorrido divergência, estavam ausentes os Ministros Eros Grau, Celso de Mello e Menezes Direito, circunstância que abre espaço para que haja mudança de entendimento.

De outro lado, o que facilmente se conclui é que há duas posições divergentes no Supremo. Uma sustenta que os recursos inadmitidos não têm o condão de impedir o trânsito em julgado da decisão recorrida. Outra aduz que o termo inicial para o ajuizamento da demanda rescisória conta sempre da última decisão proferida na fase cognitiva do processo, ainda que esta se limite a inadmitir o recurso. Segundo esta linha de entendimento, são ressalvados apenas os casos em que a inadmissibilidade tiver como causa a intempestividade.

Observa-se que os adeptos a primeira posição, embora timidamente, revelam estar afinados com a concepção desenvolvida por Barbosa Moreira e Pontes de Miranda[108]. Ao passo que os defensores do segundo entendimento não lançam premissas teóricas para sustentar tal linha de raciocínio. De toda maneira, é possível identificar esta posição jurisprudencial com a defendida pela corrente “intermediária”, à qual se filia grande parte dos doutrinadores atualmente. Contudo, o que não se vê nos precedentes do STF, como se detecta na mencionada linha doutrinária, é a inquirição ao elemento da boa-fé para saber se a decisão sobre a inadmissibilidade do recurso terá ou não efeitos retroativos.

Feito este panorama acerca da posição jurisprudencial dominante no STF, urge traçar também e, especialmente, o painel que envolve o STJ.

O STJ, até 1992, não admitia o recurso intempestivo como procrastinador do prazo decadencial. A regra geral era: ainda que não conhecido o recurso, salvo se por intempestividade, ou por absoluta falta de previsão legal, o prazo para a propositura da demanda rescisória se inicia a partir do trânsito em julgado da decisão que julgou o último recurso[109].

Ao final do ano de 1992, pelo único acórdão da Corte Especial (EREsp n. 2.447-RS[110]), passou-se a aceitar a dilação do prazo para propositura da demanda rescisória caso exista dúvida em torno da intempestividade. Em 1994, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, emitindo voto como relator do REsp n. 34.014-RJ[111], o qual, por unanimidade, foi provido, afirmou que o prazo decadencial para o ajuizamento da demanda rescisória começa a fluir apenas do trânsito em julgado da decisão que julgou o último recurso, ainda que este tenha sido rejeitado devido à intempestividade.

A posição de Ruy Rosado revela-se paradigmática, pois é o primeiro precedente no STJ em que, desprezando-se a questão da objetividade do recurso intempestivo, proclamava-se a inquirição do elemento boa-fé para identificar o termo inicial do prazo para a propositura da rescisória. No judicioso voto proferido, disse o relator:

[o] termo a quo do prazo decadencial para a interposição de ação rescisória está situado no dia seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que julga o recurso extraordinário ou especial, ainda que seja apenas para não conhecer por falta de um dos requisitos próprios ou por outra causa prevista na lei processual, como a intempestividade ou ilegitimidade do recorrente. Antes disso, não há o trânsito em julgado de decisão alguma, e incabível a rescisória. A meu juízo, a data inicial retroage excepcionalmente ao término do prazo de recurso da decisão proferida pelo Tribunal a quo quando o não-conhecimento por intempestividade ou ilegitimidade do recorrente evidência exercício malicioso ou absolutamente infundado do recurso.

À época, a posição acima retratada ficou isolada, sendo até qualificada como “extremada” pela Ministra Eliana Calmon (REsp. n. 245.175-RS). Esta Ministra ponderou que tal posição tende a levar o tribunal a um trabalho de investigação fática a cada situação em que houver o ajuizamento de uma demanda rescisória, o que se distancia da real atuação do STJ.

No início do século XXI, nota-se que o entendimento dominante no STJ era ainda aquele, segundo o qual só haverá retroatividade dos efeitos da decisão que inadmite o recurso quando a causa for a intempestividade ou a ausência de previsão legal[112]. Em 2003, com o julgamento do EResp n. 404.777-DF[113], a Corte Especial, desprezando a teoria dos capítulos da sentença, concluiu, por maioria dos votos, que “o direito de propor a ação rescisória se extingue após o decurso de dois anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida na causa”. É reafirmada, assim, a posição dominante.

Já em 2005, percebe-se que a posição do Ministro Ruy Rosado, antes isolada, ganhou adeptos[114], merecendo, efetivamente, um posicionamento seguro do STJ. A oportunidade veio com o julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 441.252-CE. Tais embargos de divergência foram interpostos em face de acórdão da Quarta Turma do STJ[115], sob a relatoria do Ministro Ruy Rosado. Na oportunidade, o referido ministro esposou o mesmo entendimento mencionado acima, sendo seguido por todos os integrantes da turma.

A Corte Especial do STJ, por sua vez, ao apreciar tal procedimento, por maioria dos votos, rejeitou os embargos, afirmando que o termo inicial do prazo decadencial do art. 495 do CPC coincide com o trânsito em julgado da decisão que julga o último recurso interposto, ainda que se discuta apenas a tempestividade de recurso. Eliana Calmon e Luiz Fux foram votos vencidos.

Ao que parece, no primeiro embate entre a “antiga” e “nova” posição jurisprudencial dominante, venceu a juventude.

Após este pronunciamento da Corte Especial, o entendimento jurisprudencial do STJ vem se consolidando no sentido de considerar que o dies a quo do prazo decadencial de dois anos para a propositura de demanda rescisória inicia no dia seguinte ao do trânsito em julgado da última decisão proferida nesta fase recursal, ressalvando-se, contudo, as hipóteses de evidente má-fé[116]. Obviamente, o fato de ser posição dominante não abafa as linhas divergentes. O Ministro Castro Filho, por exemplo, no julgamento do REsp n. 784.166-SP[117], recentemente, restaurou a seguinte idéia: a interposição de recurso intempestivo, em regra, não impede a fluência do biênio decadencial para o ajuizamento da demanda rescisória.

Diferentemente do que foi vislumbrado no STF, observa-se, no STJ, que tanto uma linha de pensamento quanto a outra buscam fundamentação nas correntes doutrinárias de forma mais explícita. É razoável que o STJ, e não o STF, debruce-se sobre esta discussão com mais afinco e dedicação, buscando subsídio no entendimento doutrinário, uma vez que a sua principal função é uniformizar a interpretação acerca de lei federal infraconstitucional.

Feito este embasamento jurisprudencial, necessário, por fim, traçar algumas considerações.

O posicionamento jurisprudencial majoritário acima delineado não se coaduna com o pensamento defendido neste trabalho, porque desafinado com a legislação processual civil vigente, sem respaldo dogmático e apuro técnico-teórico.

O juízo de admissibilidade dos recursos, como juízo de validade que é, deve ter o mesmo tratamento que se assegura aos demais pronunciamentos judiciais sobre a validade dos atos processuais. Desse modo, ao juízo de admissibilidade negativo devem ser aplicados todos os postulados do sistema de invalidades do sistema processual civil. Bem por isso, a decisão que inadmite um recurso tem natureza constitutiva negativa e efeitos ex nunc. Não há justificativas para tratamento diferenciado.

Refuta-se, previamente, qualquer argumento que venha a qualificar tal postura como “excessivamente formalista”. Afinal, aqui, só se pretende tratar o juízo de inadmissibilidade do recurso como ele é (juízo de invalidade), não se exalta a forma a ponto de “sacrificar a realização da justiça em favor de solenidades estéreis e sem nenhum sentido”[118].

Demais disso, o raciocínio que se expõe neste ensaio, além de estar coerente com o ordenamento, é o que mais se afina com o princípio da segurança jurídica. Isso porque, aqui, estatui-se uma regra que é aplicada da mesma forma em todas as situações normais[119]. Não se trata como regra aquilo que é exceção, que é absurdo.

Do exame de diversos julgados tanto da lavra do STF quanto do STJ, não se vê uniformidade nos parâmetros utilizados para eleger-se o que pode ou não ser tratado como exceção. Em geral, fala-se apenas da inadmissibilidade motivada pela intempestividade do recurso (por ser critério mais objetivo), mas não é difícil encontrar decisões que apontam também para o recurso sem previsão legal (REsp n. 5.722-MG). Ainda que haja certo consenso no tocante ao recurso intempestivo, identifica-se diversas discussões em torno desta questão: é possível utilizar-se ou não o elemento boa-fé para identificar o momento do trânsito em julgado da decisão rescindenda? A litigância de má-fé pode ser punida com a retroação do termo inicial do prazo para o ajuizamento da demanda rescisória? A diversidade de interrogações que giram em torno da situação intitulada de excepcional, mas tratada como regra (circunstância que decorre da carência de enunciados dogmáticos precisos e coerentes), resulta em soluções tomadas casuisticamente, o que não é aceitável, principalmente, quando se originam dos tribunais superiores.

A postura aqui defendida, ao seu turno, faz bem o papel da dogmática que, na lição de Tércio Sampaio Ferraz Jr.[120], é emprestar a previsibilidade às decisões e, portanto, segurança; “os enunciados da Ciência do Direito têm, por assim dizer, natureza criptonormativa, deles decorrendo conseqüências programáticas de decisões, pois devem prever, em todo caso, que, com sua ajuda, uma problemática social determinada seja solucionável sem exceções perturbadoras”. Como também sustenta Fredie Didier[121], cabe à dogmática a tarefa de criar critérios objetivos para resolver o problema da decidibilidade dos conflitos, de modo que é correto dizer-se que “não é qualquer interpretação que vale, mas apenas aquelas que resultam de uma argumentação conforme os padrões dogmáticos”[122].

Assim, sugere-se aos magistrados e a todos operadores do direito que examinem o juízo de admissibilidade do recurso como um juízo sobre a validade do procedimento para que o enquadramento dos fatos processuais que dele decorrem torne-se mais fácil, pois, dessa maneira, “a solução das intricadas questões que a eles se relacionam será dada com respaldo dogmático que propicie maior segurança”[123].

3.2. QUESTÕES ABSURDAS: SOLUÇÃO PELA RAZOABILIDADE.

A razoabilidade, na Ciência do Direito, é utilizada em muitos sentidos, em vários contextos e com diversas finalidades. Fala-se em razoabilidade de uma decisão judicial, razoabilidade de uma interpretação, razoabilidade de uma função legislativa, razoabilidade de um ato administrativo. Para uns trata-se de um princípio[124], para outros, um postulado.

Discussões teóricas a parte, adota-se, na oportunidade, a idéia segundo a qual a razoabilidade integra a categoria dos postulados normativos. Estes, segundo a definição de Humberto Ávila[125], são metanormas jurídicas que consistem em deveres estruturantes, isto é, deveres que estabelecem a vinculação entre elementos e impõem determinada relação entre eles. Tais elementos poderão ser outras normas, bens, interesses, valores, direitos, razões etc. Diferem dos princípios, porque “não impõem a promoção de um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação do dever de promover um fim; de outro, não prescrevem indiretamente comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos”[126]. Igualmente, não se confundem com as regras, pois não descrevem comportamentos, apenas estruturam a aplicação destas.

A razoabilidade, nesse ponto, estrutura a aplicação de outras normas, princípios e regras. Interessante é a tipologia empreendida por Ávila[127]. O professor gaúcho examina a “razoabilidade como equidade”, “razoabilidade como congruência” e “razoabilidade como equivalência”.

Para os fins almejados neste trabalho, é suficiente a análise da razoabilidade somente pela perspectiva da equidade.

Nessa linha, a razoabilidade é utilizada como diretriz que “exige harmonização da norma geral com o caso individual”[128], quer seja para mostrar sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer seja para indicar em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de enquadrar-se na norma geral.

De início, a razoabilidade, examinada sob este prisma, impõe, na aplicação das normas jurídicas, a consideração daquilo que normalmente acontece. Afinal, “na aplicação do Direito deve-se presumir o que normalmente acontece, e não o contrário”[129].

Não pode a norma, nem o seu intérprete presumir o extravagante, o extraordinário. É por isso que, assim como Didier[130], não se reputa conveniente que a lei ressalve expressamente as hipóteses em que a decisão que inadmite um recurso terá eficácia ex tunc. Isso porque a retroação dos efeitos, isto é, a não aplicação da regra – o juízo de inadmissibilidade produz efeitos ex nunc – só é permitida em situações absurdas, aberrantes, teratológicas. “A lei serve a situações gerais, normais; situações excepcionais e absurdas não merecem tratamento legislativo, devendo ser transferida ao magistrado a tarefa de encontrar a norma concreta que as regule”[131]. E continua o processualista baiano:

[a] partir do momento em que a lei regula expressamente uma situação, ela deixa de ser excepcional. Por isso não se reputa conveniente um dispositivo legal que estabeleça, em abstrato, que a decisão de inadmissibilidade por tal motivo será ex tunc e, por outro, ex nunc. É melhor que se firme a regra da irretroatividade do juízo de admissibilidade negativo; retroatividade [...] seria determinada, excepcionalmente, em situações aberrantes.

Assim como o legislador não pode normatizar o absurdo, o intérprete não pode trazer para a regra (a normalidade) as exceções. É por esta deficiência que se critica a corrente de pensamento que, previamente, estabelece as causas em que a inadmissibilidade terá efeitos retroativos. Além de tal postura não estar coerente com o ordenamento jurídico, não há uniformidade doutrinária e jurisprudencial relativamente aos casos em que se justificaria a retroação dos efeitos (basta a mera intempestividade ou seria apenas quando há manifesta má-fé?), circunstância que leva ao casuísmo, à insegurança jurídica.

Relevante consignar que o posicionamento aqui defendido não é rígido e extremado ao ponto de acolher situações absurdas e extraordinárias. Um recurso interposto, por exemplo, um ano após o término do prazo impediria a formação da coisa julgada?

Aproveitando-se, ainda, as lições de Humberto Ávila, é correto dizer-se que uma regra não é aplicável somente porque as condições previstas em sua hipótese são preenchidas. “Uma regra é aplicável a um caso se, e somente se, suas condições são satisfeitas e sua aplicação não é excluída pela razão motivadora da própria regra ou pela existência de um princípio que institua uma razão contrária”[132].

Nessa linha, a regra da irretroatividade dos efeitos do juízo de inadmissibilidade dos recursos só terá aplicabilidade quando o caso concreto adequar-se à generalização da norma geral. Em determinadas situações, em virtude das especificidades, a norma geral não pode ser aplicável, por se tratar de caso anormal. Desse modo, analisando a indagação acima posta, conclui-se: estão satisfeitas as condições previstas em sua hipótese (trata-se de uma decisão que inadmite um recurso), mas sua aplicação é excluída pela razão motivadora da sua própria existência (a segurança jurídica).

O sistema de invalidades da legislação processual civil, ao preservar, em regra, os efeitos produzidos pelos atos defeituosos, faz uma opção pela segurança jurídica. O legislador processual, por exemplo, ao prescrever no art. 219, caput, do CPC, que a citação, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição, concretiza este espírito do sistema de invalidades. Destarte, como o juízo de inadmissibilidade do ato postulatório (gênero do qual o recurso é uma espécie) é um juízo de invalidade, a regra da irretroatividade dos seus efeitos visa também assegurar a segurança jurídica. Enquanto pendente o recurso, as partes interessadas tem a segurança de que a coisa ainda está sob litígio, que há ainda há meios de reverter uma situação que lhe seja, porventura, desvantajosa. Têm as partes a segurança que nenhuma situação, seja ela justa ou não, ainda foi eternizada.

Só não é aplicável a regra da irretroatividade dos efeitos da inadmissibilidade quando o próprio princípio da segurança jurídica (a sua razão motivadora) resta ameaçado com a sua aplicação. Na situação hipotética e teratológica acima proposta, considerar que, por ser tratar de uma decisão de inadmissibilidade, a interposição do recurso inadmitido impediu o trânsito em julgado da decisão recorrida intempestivamente e, por conseguinte, a formação da coisa julgada, é ir na contra mão do princípio da segurança jurídica.

Como já afirmado nos capítulos precedentes, é fundamental para a pacificação social objetivada pelo Direito a estabilidade das decisões, sendo certo que a segurança jurídica seria gravemente comprometida se fosse admissível discutir-se indefinidamente uma questão já decidida em juízo, levando as partes a uma eterna sensação de incerteza e angústia. Nesse ponto, a coisa julgada vem concretizar o anseio de certeza do direito e pacificação presentes nas relações sociais. Dada a sua relevância, ganha, inclusive, status de direito fundamental no o ordenamento brasileiro (art. 5º, XXXVI, da CF), sendo erigida por ele a condição de sub-princípio que dá conformação ao princípio do Estado de Direito.

Assim, permitir que um recurso escancaradamente intempestivo impeça a estabilidade e a pacificação social garantidas pela formação da coisa julgada material, é admitir um absurdo, uma aberração. O que, definitivamente, é inaceitável. Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços[133]. O jurista, diante do caso concreto, como afirmou Noberto Bobbio[134], não deve interpretar uma norma isoladamente, mas sim a norma em um contexto de normas, isto é, no sistema normativo.

Nesse ponto, o operador do direito, ao analisar o caso concreto, deve caminhar pelo percurso que se projeta da norma geral até a Constituição. Ao chegar nesse ponto, o magistrado, valendo-se da razoabilidade, notadamente na perspectiva da eqüidade, deve encontrar a norma concreta que regule a situação, de modo que não sejam acolhidos absurdos e sejam preservados os mandamentos da norma maior, a Constituição.

Enfim, a razoabilidade, concebida como eqüidade[135], é o instrumento metodológico do qual deve valer-se o magistrado para que, diante de situações aberrantes e extraordinárias, seja possível encontrar a norma concreta mais coerente e harmônica com o sistema normativo como um todo.

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Sobre a autora
Jamille Morais Silva

Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia. Analista Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Jamille Morais. A inadmissibilidade do recurso e sua repercussão no cômputo do prazo para a propositura de demanda rescisória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3229, 4 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21686. Acesso em: 19 dez. 2024.

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