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Aspectos gerais da defesa do contribuinte: uma crítica ao comportamento fazendário atual

Uma crítica ao comportamento fazendário atual

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16/05/2012 às 18:50
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4. O ADVENTO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONTRIBUINTE

Os Estados de São Paulo, Minas Gerais, dentre outros promulgaram o Códigos de Defesa do Contribuinte em seus respectivos ordenamentos jurídicos. Destaca-se que a aplicação desses diplomas estaduais limita-se às relações com os respectivos fiscos estaduais e municipais desses Estados. Porém, aplicando o entendimento teleológico das normas de Direito Tributário, seria pertinente a aplicação subsidiária de tais diplomas estaduais a nível Federal e de outros Estados e municípios da Federação, nas disposições que couberem, a fim de suprir a lacuna da ausência de Lei Federal neste sentido? Entende-se que não, pois estes Códigos possuem caráter restrito às esferas de seus Estados, e podem dispor apenas sobre matérias relativas a procedimento administrativo fiscal e cobrança de tributos da esfera estadual. Ademais, se estas leis estaduais usurparem a competência da União serão consideradas inconstitucionais (SIQUEIRA, 2006).

A promulgação do Código de Nacional Defesa do Contribuinte unificaria as legislações estaduais no tocante ao tratamento dado ao contribuinte nas suas disposições gerais relativas à cobrança administrativa de tributos? Entende-se também que não. Por ser federal, o iminente Código Nacional de Defesa do Contribuinte seria aplicado na esfera de tributos federais.

Porém, havendo disposições no código para que caiba sua aplicação às esferas estaduais e municipais, tal aplicação seria feita subsidiariamente, como por exemplo, no que concerne aos direitos inerentes aos contribuintes, deixando as disposições específicas a procedimentos fiscais e cobrança de tributos à aplicação dos códigos estaduais já existentes.

Porém há a necessidade de federalizar a defesa do contribuinte haja vista a aplicação dos Códigos de Defesa do Contribuinte Estaduais restringirem-se apenas nas relações com o fisco local, sendo inócuo na esfera federal. Assim um Código que atenda aos direitos do contribuinte se faz por conveniente. O Código se revelará um instrumento contra as arbitrariedades perpetradas pelo Estado e pelo fisco federal, em matéria tributária. Facilitará o pagamento de tributos, beneficiará o contribuinte, e tornarão menos onerosa e burocrática as relações contribuinte-fisco.

Representantes da Fazenda Pública Federal, visando apenas o que lhe interessa, alegam que o Código Nacional de Defesa do Contribuinte irá incentivar a sonegação fiscal e favorecer o contribuinte de maneira ilícita. O objetivo é demonstrar o contrário desta afirmativa.

As previsões constitucionais não são suficientes à garantia dos direitos previstos ao contribuinte. Deste modo é necessária uma norma que venha instrumentalizar e tornar eficaz o dispositivo constitucional. O Código de Defesa do Contribuinte, sendo promulgado, juntar-se-á a dois diplomas da esfera tributária – a Constituição Federal, por meio do Estatuto do Contribuinte – arts. 145 a 162[5] – e o Código Tributário Nacional – que hoje são a base do sistema tributário nacional, formando uma tríade onde estariam contidos os direitos e garantias do contribuinte. O papel deste novo diploma do Contribuinte seria tornar eficazes as garantias constitucionais.

4.1. Dos Argumentos desfavoráveis para a instituição do Código de Defesa do Contribuinte Nacional e o interesse da Administração Tributária em lesar o Contribuinte.

4.1.1. Da opinião fazendária frente ao Código Nacional de Defesa do Contribuinte

A Fazenda Pública, por meio de seus representantes, se mostra desfavorável à implantação do Código Nacional de Defesa do Contribuinte. CUNHA (2003), auditor da receita federal, referindo-se ao Projeto de Lei Complementar nº 646/1999, oriundo do Senado Federal de autoria do Senado Bornhausen, o qual, conforme já exposto, possui o mesmo espírito do projeto em análise, tece as seguintes considerações, as quais denigrem o referido diploma:

Constata-se que, após 15 anos de sua promulgação, a efetividade da Constituição de 1988 é ainda bastante precária, especialmente naquilo que diz respeito ‘... a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna ....’, ‘... fundada na harmonia social ....’, previstos no seu Preâmbulo, assim como ‘à cidadania, à dignidade da pessoa humana’ (incisos I e II do art. 1o), ‘construir uma sociedade livre, justa e solidária’, ‘erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais’ (incisos I e III do art. 3o) e outros tantos princípios de solidariedade. Neste contexto, na modesta avaliação do autor, a iniciativa de criação de um Código de Defesa do Contribuinte, embora louvável, se mostra defasada das reais necessidades da sociedade, que certamente não é a aprovação de um CDC, quando faltam à ampla maioria da população condições mínimas de sobrevivência digna. Um CDC teria como destinatários uma parcela mínima da população, no caso, os mais bem aquinhoados, que por sinal suportam uma carga tributária baixa, se comparada àquela que lhes seria imputada na maioria dos países desenvolvidos. Tal código seria, assim, com o conteúdo proposto no PLC no 646/99, apenas um instrumento a mais de proteção das elites, inclusive daquelas que se negam a participar da construção de um País mais justo, através do pagamento de tributos. No Brasil, assim como ocorre em outros países de cultura latina, é extremamente elevado o nível de sonegação fiscal. Meios seguros para coibir a sonegação devem ser encontrados e implementados na legislação tributária e penal, dentre eles o fortalecimento das Administrações Tributárias. O presente projeto de lei complementar parece vir na contra-mão desta necessidade. Elevada parcela da arrecadação tributária no Brasil é constituída pelos tributos indiretos. As empresas os incorporam aos preços e repassam ao consumidor final. Tais tributos oneram sobremaneira as camadas mais pobres, que chegam a pagar, proporcionalmente, muito mais tributos que os mais ricos, como já demonstrado em inúmeros trabalhos. Para reverter tal quadro, há necessidade de se implementarem diferentes medidas, tais como: * Um ambicioso programa de educação fiscal. * Uma legislação penal tributária mais rigorosa e eficaz, capaz de tornar extremamente arriscada a prática da sonegação fiscal, de modo a não valer a pena correr o risco, pois só a certeza da punição inibe o crime. * Uma maior adequação da matriz tributária aos princípios da capacidade contributiva e da progressividade, diminuindo-se os tributos indiretos, que recaem mais pesadamente sobre os mais pobres, e aumentando-se os impostos diretos. * Uma diminuição progressiva da carga fiscal, à medida que se aumente a base de contribuintes. * Uma maior celeridade das Administrações Tributárias no contencioso administrativo fiscal, assim como do Poder Judiciário nas demandas que lhes são confiadas. A análise das tabelas em anexo permite concluir que: * O projeto de CDC do senador Bornhausen destoa flagrantemente de seus similares em outros países. * A aprovação do CDC inviabilizará o trabalho do fisco, criando ambiente propício ao aumento incontrolável da sonegação. Resumindo, se o sistema legal brasileiro fosse cumprido, talvez nem se precisasse de um CDC: bastava que os princípios constitucionais e as leis em vigor tivessem efetividade, que automaticamente os direitos dos contribuintes estariam garantidos. (Grifo nosso)

Demonstra-se que a Administração Tributária, bem como seus representantes não são a favor da promulgação do Código de Defesa do Contribuinte, haja vista, entende que o Código irá incentivar a sonegação fiscal por parte dos contribuintes.

Contudo, ocorrendo o abuso de poder por parte da Administração fiscal, nas questões concernentes à cobrança de crédito tributário, nas quais se narra como exemplo: uso intimidador de força policial nas diligências da fiscalização; engessamento do contribuinte a exercer sua defesa administrativa, cobrando depósito prévio da exação ou de parte dela; interdição de estabelecimentos; impedimentos do contribuinte de transacionar com repartições públicas caso esteja inadimplente; imposição de barreiras fiscais e outros meios coercitivos para a cobrança extrajudicial de tributos.

Como se pode ver, o Código de Nacional de Defesa do Contribuinte, sendo semelhante com os promulgados em outros países, já mencionados, não virá com o intuito de incentivar a sonegação fiscal por parte dos contribuintes, e sim dar cumprimento a direitos e garantias constitucionais aos contribuintes, violados pela Administração Fazendária. A alegação de que o projeto de lei propicia lacunas para a evasão do cumprimento das obrigações tributárias é vaga. Basta haver a discussão de alternativas de redação para que o texto legal pudesse ser mais bem interpretado, o que inclui os deveres do contribuinte. Ao lado da cautela dos direitos e garantias do contribuinte, deve estar a preocupação com a integridade do sistema tributário sim, uma vez que sua fragilização não implica aumento da liberdade individual, todavia, tende a acentuar a carga de impostos sobre todos.

Ademais, cumpre salientar que como requisito essencial para a implantação deste novo diploma, as estruturas administrativas devem ser corretamente adequadas à nova realidade. Se não o fazem, tornará um diploma legal ineficaz à existência de um código moderno, que impõe a celeridade de procedimentos e sistemas, se as administrações fazendárias mantêm os mesmos modelos não condizentes com a realidade proposta pelo Código de Defesa do Contribuinte, poderá está, continuar com seu comportamento arbitrário, e ainda violando este novo diploma.

Assim, o texto do projeto de lei complementar nº 194/2001 em trâmite na Câmara Federal pode adquirir melhores soluções para todos os interessados em sua discussão. Isso viabilizará os apoios necessários à aprovação deste novo diploma. O que se precisa é combater preconceitos disseminados nas discussões sobre esse projeto, os quais tentam esquivar-se às inovações propostas assim como os inquisidores o foram aos cientistas renascentistas e suas novas idéias.

4.1.2. Os Projetos de Lei da Nova Lei de Execuções Fiscais e a violação aos princípios constitucionais do Devido Processo Legal e da Tripartição de Poderes.

Encontram-se em tramitação na Câmara Federal, os Projetos de Lei, PL nº 2.412/2007, PL nº 5.080/2009 e PL nº 5.081/2009, que visam transferir o processamento de Execuções Fiscais para a esfera Administrativa. Os dois últimos visam camuflar esses procedimentos, colocando a fazenda pública integrada com o poder judiciário. Tais projetos facilitariam as execuções promovidas pela fazenda pública, a qual retira a competência judicial do processamento de execução fiscal[6] dando auto-executoriedade a créditos fazendários devidamente instituídos. GUIMARÃES (2009), procurador da fazenda nacional, referindo-se ao Projeto de Lei nº 5080/2009, oriundo do Poder Executivo, tece as seguintes considerações, as quais demonstram seu interesse na aprovação do referido diploma:

Os críticos da mudança desconsideram também que haverá enorme diminuição na quantidade de trabalho burocrático, ordinariamente de efeitos nulos, realizado segundo as regras atuais, tais como os ofícios à Agência Nacional de Aviação Civil e Capitania dos Portos anteriormente mencionados. Penso que a proposta é racionalizar o trabalho e permitir que o Procurador atue de forma mais efetiva e visando resultados. O efeito imediato da vigência da Lei (lembrando que o prazo de vacância será de 365 dias para a União) será a diminuição significativa do número de ações de execução em trâmite e a diminuição, na mesma proporção, do número de ações de execução a serem ajuizadas. A maior parte do tempo gasto por cada Procurador no seu dia-a-dia se dá com execuções fiscais estéreis, que não mais existirão, e todo esse tempo poderá ser utilizado (bem melhor utilizado) para dar efetividade às execuções úteis. O acréscimo de trabalho para as Unidades da PGFN será absorvido basicamente pelos novos Oficiais da Fazenda Pública, cargo criado pelo art. 6º, inciso I, do projeto. Para os servidores e Procuradores, se comparado com o momento atual, haverá considerável diminuição, basta ver quantos Procuradores e servidores se dedicam atualmente com o irracional, ineficaz, inútil e dispendioso "ping-pong" de execuções fiscais entre a Procuradoria e as Varas da Justiça. Por fim, conclamo aos colegas da Procuradoria da Fazenda Nacional que se mobilizem e atuem junto ao Congresso Nacional, mas não para dificultar a aprovação do projeto de Lei nº 5.080/2009 e sim pela sua aprovação no menor tempo possível, com o que estariam prestando enormes serviços à Procuradoria e principalmente ao Estado Brasileiro. (Grifo nosso)

Há que se salientar pela rápida análise às palavras do agente fazendário, que o interesse da Administração Tributária é poder agir como bem entender. Este projeto viola o princípio constitucional de defesa do Contribuinte do não confisco, pois em vez de se buscar o poder judiciário para promover a execução fiscal e consequente penhora de bens, a própria fazenda pública terá o poder de penhorar bens do contribuinte por si mesma. Ademais, a execução fiscal judicial, decorrendo desta garantia fundamental do contribuinte, garante que a administração pública não irá atuar no seu bel-prazer. Analisando a proposta, veremos que esta lei colocará os contribuintes na condição de reféns do Estado, embora a proposta tenha a previsão de garantia de acesso ao Poder Judiciário por parte dos contribuintes executados, camuflando o despotismo do poder público, caso esta Lei seja aprovada.

Assim, esta lei se aprovada transformará a fazenda pública em um tribunal administrativo para executar seus créditos, haja vista excluirá do poder judiciário, a competência para executar créditos fiscais, que hoje é exclusiva. Contudo, pelo fato do poder de execução de crédito ser ato privativo do poder judiciário, há violação ao princípio constitucional da separação de poderes, atribuindo assim ao poder executivo, funções exclusivas do poder judiciário. Portanto, a promulgação desta lei leonina fará com que a administração aja em seu próprio benefício e em detrimento dos direitos individuais e coletivos dos contribuintes.

Pode-se inferir que o real interesse da Administração Tributária não é, em nenhuma hipótese, beneficiar o contribuinte, porém explorá-lo e lesá-lo, defendendo idéias que, no nosso ordenamento jurídico, configuram como medidas inconstitucionais e promovem a atuação de um estado déspota e, não sejam implantadas normas de defesa ao Contribuinte. Ademais, o presente Projeto de Lei fere a tripartição de poderes, bem como o devido processo legal.

Tamanho é o interesse da Administração em possuir todo o poder sobre o contribuinte que a mesma, por meio da opinião de seus agentes, apóia a aprovação de Leis inconstitucionais e defendem a usurpação de competência do Poder Judiciário pelo poder Executivo.

Diante disso, pergunta-se: Terá o contribuinte defesa se a Administração Pública visa aprovar uma Lei que transfere o poder de execução do contribuinte da justiça para a Administração Fazendária, podendo esta exercê-lo como bem entender? Como pode defender o contribuinte se a Fazenda Pública pode executá-lo ao seu modo, ou terá paridade de força com o poder judiciário para interferir nos bens do particular, caso este seja devedor?

4.2. Os Direitos e Garantias Constitucionais do Contribuinte

Para que se entenda o espírito da defesa do contribuinte por um diploma específico, não se pode apenas elencar os direitos previstos na Lei Complementar, exemplificando-os, todavia, há que se demonstrar a origem de tais direitos. Há que se entenderem os direitos do contribuinte como sendo uma parcela integrante dos Direitos Humanos. Assim, analisando os direitos previstos no diploma de defesa do Contribuinte, mister se faz comparar os direitos fundamentais do contribuinte com os direitos da Administração Tributária de lançar e cobrar o crédito tributário e, posteriormente questionar qual deles prevalece, fundamentando assim a resposta favorável ao contribuinte.

Depois de feita a comparação, há que se demonstrarem os direitos fundamentais do contribuinte, demonstrando o porquê da implantação do Código Nacional de Defesa do Contribuinte e qual sua importância, haja vista existirem diversos diplomas que elencam os direitos do contribuinte e os deveres da Administração Tributária, bem como o Código Tributário Nacional, que em seu texto elenca diversos direitos fundamentais ao contribuinte. Qual será a importância do Código Nacional de Defesa do Contribuinte no ordenamento jurídico-tributário frente às atuais relações jurídicas existentes entre o contribuinte e a fazenda pública? O presente Diploma irá equilibrar as relações entre contribuinte e fisco?

4.2.1. Conflito de Direitos fundamentais do Contribuinte em face do Direito do fisco de tributar

O direito do fisco de tributar e os direitos fundamentais do contribuinte são diariamente confrontados nas relações tributárias. Qual deve prevalecer? Os direitos fundamentais do contribuinte podem ser limitados pela ação da Administração Tributária e pelo princípio da Supremacia do poder público frente ao particular? Os direitos fundamentais, qualquer que seja a hipótese, podem ser ilimitados? A restrição de alguns direitos, muitas vezes impostas pela vontade individual, ou de grupos econômicos ou políticos, restringem princípios constitucionalmente consagrados. Neste raciocínio BOBBIO (2000 p. 9-10) nos alerta:

Uma sociedade que se inspira no ideal de autoridade é necessariamente dividida em poderosos e não-poderosos. Uma sociedade inspirada no princípio da hierarquia é necessariamente dividida em superiores e inferiores. Numa situação originária em que todos ignorem qual será sua posição na sociedade futura – e, portanto, não saibam se estarão entre os que mandam ou entre os que são obrigados a obedecer, e se estarão no topo ou na base da escala social -, o único ideal que lhes pode atrair é o de desfrutarem da maior liberdade possível diante de quem exerce o poder e de terem a maior igualdade possível entre si. Podem desejar uma sociedade fundada na autoridade e na hierarquia somente na condição não previsível de que estejam entre os poderosos e não entre os impotentes, entre os superiores e não entre os inferiores.

Completando seu pensamento, inicia-se por analisar a possibilidade de imposição de limites aos direitos fundamentais. Neste sentido nos explica MORAIS (2000 p.58-59)

Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos, consagrados no art. 5º da CF, não podem ser utilizados como um ‘verdadeiro escudo protetivo’ da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito. Os direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Magna Carta.

Face à afirmação supramencionada impõe-se responder que os direitos fundamentais do contribuinte são limitados ao poderio do fisco, assim como este também o é, constitucionalmente aos direitos e garantias dos contribuintes. Isto porque sempre existirão direitos conflitantes entre si, de modo que a saída de quem interpreta será defrontá-los, analisando conforme os bens jurídicos tutelados pelos mesmos, encontrando o ponto de equilíbrio, renunciando assim algum deles na sua totalidade, ou, sacrificando parcialmente ambos os direitos (BOBBIO 1996 p. 81).

Partindo dessa premissa à situação tributária, conclui-se que a contraposição entre direitos opostos quais sejam, o direito do fisco de tributar e os direitos fundamentais do contribuinte, deverá ser realizada de modo harmônico, sem a preponderância ou supremacia de um sobre outro, mesmo porque são direitos que se encontram em mesmo grau constitucional.

Destarte a administração fiscal não pode violar impunemente os direitos fundamentais do contribuinte. CARRAZZA (1999 p. 206) defende que não se permite que, em nome da comodidade e do aumento da arrecadação da administração, se ignore ao clamor dos direitos subjetivos dos contribuintes.

Por outro lado, devem sim ser limitados os direitos fundamentais do contribuinte, de modo que ao fisco se torne possível o exercício de suas atividades. Convém que estes direitos opostos sejam equilibrados em cada caso, para que o operador do direito possa verificar qual prevalecerá através do sistema de pesos e contrapesos. Logo, infere-se que a Magna Carta não confere ao fisco, faculdades ilimitadas na sua atividade fiscalizadora e cobradora. Pelo contrário, os poderes do fisco são limitados segundo o critério de razoabilidade e finalidade das medidas adotadas. Assim, será admissível o ato praticado pela administração tributária que estiver dentro da lei, sendo essenciais à atividade fiscal, observados os critérios para utilização do poder discricionário conferido à Administração Pública.

Contudo, se o fisco, podendo realizar seu ato de forma menos lesiva ao contribuinte, adotar medida arbitrária ou modo mais lesivo, estará este infringindo a Constituição, sob pena de constrangimento ilegal. O projeto de Lei do Código Nacional de Defesa do Contribuinte assim deve propor que o procedimento tributário seja considerado de maneira a assegurar o direito do contribuinte para não facilitar a prática de atos lesivos da Administração Tributária (CARIBÉ, 2001 p.42).

Completando esta idéia, infere-se ainda que o caráter protetivo de equilíbrio da relação tributária virá com o fim amenizar os conflitos de direitos existentes entre a administração tributária e o contribuinte, fazendo com que haja harmonia em suas relações. O Código Nacional de Defesa do Contribuinte será um instrumento de solução de Conflitos inerentes aos direitos fundamentais do Contribuinte e direitos da Administração Fiscal de tributar.

4.2.2. Direitos Humanos do contribuinte e Direitos Fundamentais do Contribuinte

Antes de falar sobre os direitos fundamentais do contribuinte, mister se faz tratar dos direitos humanos. Estes, assim como os direitos fundamentais, existem independentemente de serem positivados, sendo, por conseguinte, a base dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição e em Leis de caráter protetivo. Por terem este caráter supraconstitucional são assim imprescritíveis, inalienáveis, absolutos, autoaplicáveis e sua eficácia produz efeitos gerais. Estes direitos são consagrados pelas Declarações de Direitos do Homem e pela “Bill of Rights”.

WAHLBERG (2006), presidente da Associação Mundial de Defesa dos Contribuintes, em discurso na Assembléia Legislativa de São Paulo, salienta a relação dos direitos humanos do contribuinte:

Os direitos dos contribuintes e os direitos humanos estão interligados. 1. Os direitos dos contribuintes são uma parte vital dos direitos humanos. 2. Melhores direitos dos contribuintes são uma necessidade fundamental. 3.Existe falta de direitos dos contribuintes em quase todos os países do mundo. Esta necessidade por mais direitos dos contribuintes é especialmente profunda nos países da antiga União Soviética pois os funcionários da receita destes países são muitas vezes corruptos.4. As únicas instituições que podem oferecer serviços aos contribuintes comuns são as associações de contribuintes.: (Grifo Nosso).

Para completar este raciocínio, MARTINS (2008) elenca os direitos humanos universais do contribuinte, ou seja, independem de lei para existirem, sendo instituídos no ordenamento jurídico do estado democrático de direito de maneira natural:

1) Todos os contribuintes têm o direito de pagar impostos na medida das possibilidades de seus ganhos sem que estes impostos lhe retirem a possibilidade de melhorar sua condição de vida. 2) Todos os contribuintes têm o direito de saber qual o valor total de impostos que lhe é retirado no momento em que é retirado. 3) Todos os contribuintes têm o direito de contestar a cobrança de impostos em tribunais isentos e independentes que façam parte do poder judiciário de seus países e que não estejam ligados aos órgãos arrecadadores. 4) Todos os contribuintes têm o direito a serem informados de maneira clara e objetiva sobre como o dinheiro arrecadado é gasto pelos seus governos através de publicações gratuitas ou programas de rádio e televisão.5) Nenhum contribuinte pode ser considerado sonegador antes que isto seja uma decisão de um tribunal independente, isento e que não faça parte dos órgãos arrecadadores. 6) O contribuinte não pode ser exposto ao ridículo público por suas dívidas com o fisco nem a cobrança de impostos pode fazer uso espalhafatoso da força policial na execução de penas de origem fiscal. 7) Aos contribuintes que devem impostos deve ser oferecida a possibilidade de parcelar estas dívidas de acordo com as práticas de parcelamento vigentes na sua região e a estas dívidas não podem ser acrescentadas multas ou juros de caráter confiscatório. 8) As alíquotas dos impostos devem ser referendadas pelos contribuintes em sufrágio universal. 9) Dívidas com o fisco não podem retroagir a fatos acontecidos há mais de cinco anos. 10) O contribuinte que deve impostos não pode ser execrado em listas de devedores e nem a ele podem ser aplicadas sanções, restrições ou impedimentos da prática de sua profissão ou da atividade que garante sua renda 11) O debate sobre o uso do dinheiro público deve ser aberto, registrado pelos veículos de comunicação públicos e privados, explicativo e os órgãos que auditam as contas públicas devem emitir pareceres compreensíveis sobre o destino dado ao dinheiro arrecadado dos contribuintes principalmente durante os períodos de debate que antecedem as eleições. 12) A imprensa, os veículos de comunicação e os jornalistas têm o dever ético de acompanhar as contas públicas e devem auxiliar no debate objetivo sobre o destino dado ao dinheiro arrecadado dos contribuintes. 13) Os direitos do contribuinte são inalienáveis e equiparados aos direitos humanos.

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Para fortalecer a idéia dos direitos humanos, há a necessidade de criação de organismos internacionais com o fim de defender os interesses do contribuinte, não apenas no aspecto nacional, mas na esfera internacional. Assim como Organização das Nações Unidas – ONU, se subdivide em diversos organismos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio – OMC, Organização Internacional do Trabalho – OIT, deveria instituir a Organização Internacional de Defesa do Contribuinte – OIDC, que instituísse regulamentações internacionais, recomende práticas e validem procedimentos fiscais. Tal procedimento não viola o princípio da soberania, haja vista, sua ação tenha que ser validada por órgão legislativo competente para assim, ser incluso nos ordenamentos jurídicos nacionais (MARTINS, 2008):

A prática de cobrança de impostos por Estados constituídos é tão antiga quanto à própria existência destes Estados. Não existe Estado que não cobre impostos, taxas ou contribuições para existir. É natural que o Estado cobre impostos. E desejável que a sociedade contribua com recursos em muitos contextos dos vários Estados no mundo. O que não poderia acontecer é perverter-se o sentido desta máquina que existe para servir ao contribuinte e não o contrário. A selvageria fiscal completa, atropelando garantias estabelecidas na Declaração Universal dos Direitos do Homem, tem que ser coibida e observada. Deveria haver órgãos de observância e regulamentação internacionais que recomendassem práticas e validassem procedimentos fiscais. A própria ONU tem entre suas divisões a Organização Mundial do Comércio (que trata de questões tarifárias internacionais), da Organização Mundial do Trabalho (que defende a busca de trabalho decente para todos e coíbe práticas de escravização truculenta), a Organização Mundial da Saúde (que coíbe práticas mercenárias da medicina bem como cria parâmetros de saúde pública e pessoal), mas não existe a ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DOS CONTRIBUINTES. Uma entidade reguladora poderia determinar em que casos está havendo abuso por parte dos Estados, promover o debate qualificado em âmbito mundial sobre as várias situações de invasão dos direitos do contribuinte ou de não cumprimento de garantias mínimas de bom uso do dinheiro dos contribuintes, que determinasse padrões e práticas de transparência na discussão doméstica do uso do dinheiro dos contribuintes, que garantisse e observasse que os estados tenham sistemas tributários compatíveis com a realidade de sua região, populações, PIB entre outras variáveis, que pudesse julgar em âmbito extra-nacional em tribunais internacionais os estadistas que tivessem desviado o dinheiro público ou utilizado este para o enriquecimento pessoal ou de grupos ligados a ele, que obrigasse aos Estados a garantir que o contribuinte fosse informado do que é retirado de sua renda e de seu patrimônio no momento em que isto acontece, que houvessem sistemas de prestação de contas dos governos de entendimento simples e que a observância destes sistemas fosse ensinada desde os primeiros anos de educação em todas as escolas. Uma entidade internacional com este caráter não iria invadir a soberania e autodeterminação dos povos, mas iria fomentar práticas de bom uso do dinheiro público e de fiscalização por parte dos contribuintes do uso deste dinheiro.

No ordenamento jurídico brasileiro, os direitos humanos estão elencados entre os princípios e garantias fundamentais aos indivíduos e aos contribuintes os quais estão consagrados na Constituição Federal de 1988. No artigo 5º são relacionados os direitos fundamentais de natureza geral. Os direitos e garantias fundamentais inerentes ao contribuinte encontram-se elencados no artigo 150 da Lei Maior, como limitação do poder de tributar, consagrando os princípios da legalidade, isonomia, irretroatividade da lei tributária, da anterioridade, da uniformidade em todo o território nacional, do não-confisco, da anterioridade mitigada. Assim, neste dispositivo constitucional encontra-se a base dos direitos do contribuinte que servirá de suporte a direitos estabelecidos em legislações infraconstitucionais.

4.2.3. Direitos Fundamentais infralegais do Contribuinte

O Código Tributário Nacional, recepcionado como Lei Complementar, também impõe limitações ao poder de tributar. Neste diploma anterior à Carta de 1988 estão delineados, direitos e garantias específicos à matéria fiscal dentre os quais se destacam:

·         previsão da extinção do crédito tributário e homologação automática do lançamento, decorridos cinco anos à constituição do crédito;[7]

·         prescrição de cinco anos do direito à cobrança. Se cobrado, de cinco anos para execução;[8]

·         direito à repetição do indébito tributário;[9]

·         irretroatividade da Lei tributária;[10]

·         direito de compensação do crédito tributário oriundo de sentença transitada em julgado;[11]

Assim, o Código Tributário Nacional também dispõe de normas de caráter protetivo ao contribuinte. Contudo, elas não se fazem suficientes quanto ao equilíbrio entre as relações do contribuinte para com o fisco, pois este, mesmo com todas as limitações ao poder de tributar, utiliza-se de sua faculdade administrativa para cometer abusos já mencionados. Para sanar esse problema o Código de Defesa do Contribuinte, vindo em cumprimento ao artigo 146, II e III, da Constituição Federal[12], necessariamente uma lei complementar, que terá por objeto regular com mais precisão a defesa e os direitos inerentes aos contribuintes, previstos como norma de eficácia limitada. Nesse sentido CARRAZA (1999 p.576) salienta com louvor esta idéia:

É evidente que a lei complementar veiculadora de normas gerais em matéria de legislação tributária não cria (e nem pode criar) limitações ao "poder de tributar". Disto se ocupou o próprio Texto Máximo. O que ela pode fazer é regular as limitações constitucionais ‘ao poder de tributar’, para a salvaguarda dos direitos subjetivos dos contribuintes (...) Deveras, normas constitucionais há que não abrigam todos os elementos indispensáveis à implementação da vontade nelas contida. Esta, por assim dizer, recai sobre uma área muito mais ampla do que lhes permitem alcançar os elementos técnicos contidos em suas estruturas normativas. Ora, é exatamente por isso que Celso Bastos proclama: ‘Este descompasso entre a vontade legal, que se vislumbra com uma determinada extensão, e os efeitos jurídicos produzidos, que lhe ficam aquém; este espaço carente de normatividade, é preenchível pela categoria denominada lei complementar.

Outras leis esparsas também conferem direitos ao contribuinte, como é o caso da Lei nº 11.941/2009, que confere ao Contribuinte o direito de parcelamento especial em até cento e oitenta meses dependendo do valor do montante da exação[13], a Lei nº 6.830/1980 que trata da execução fiscal, a Lei Complementar nº 123/2007 ou Lei do Super SIMPLES, que dá tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas – princípio constitucional da ordem econômica – em cumprimento ao art. 146, III “d”[14] e 170, IX[15] da Constituição Federal.

Entende-se que a Lei de Execuções Fiscais Judiciais seja o cumprimento ao direito fundamental do não confisco conferido ao contribuinte, o qual confere o direito de ser executado apenas judicialmente, fazendo com que a administração não aja como bem entender.

Portanto, o Diploma legal de Defesa do Contribuinte elencará os direitos, deveres e a defesa do contribuinte, inerentes às relações de direito tributário, prevendo como foco central, a defesa e os direitos básicos aos contribuintes, os quais não são previstos pelo Código Tributário Nacional e, por conseguinte, carece de normatização à previsão constitucional. A implantação desta Lei Complementar evitará aplicações absurdas de diplomas incompatíveis com relações tributárias, como foi o caso da aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações de direito tributária, conforme já exposto acima. Não se pode confundir a aplicação de normas de direito público, com normas de direito privado. O Código de Defesa do Consumidor é uma norma, apesar de ser considerada como de ordem pública, de direito privado, a qual disciplina relações jurídicas privadas. Assim sendo, é necessária uma norma de igual caráter protetivo do Código de Defesa do Consumidor, que, porém seja direcionada a disciplinar normas de direito público específica, o que é o caso do Código Nacional de Defesa do Contribuinte.

4.3. Da positivação do Código Nacional de Defesa do Contribuinte

4.3.1. Do Conceito de Contribuinte

Assim como faz o Código de Defesa do Consumidor, o projeto do Código Nacional de Defesa do Contribuinte, substitutivo ao PLP nº 194/2001, positiva o conceito de Contribuinte no §1º da Art. 1º, o qual define o contribuinte, para os efeitos da Lei Complementar a ser implementada e para a s demais leis federais, estaduais, distritais e municipais de caráter tributário:

as pessoas físicas ou jurídicas em qualquer situação de sujeição passiva tributária ou de participação em negócios jurídicos, ou relação jurídica, sujeita a incidência fiscal e ou previdenciária, mesmo quanto à hipótese de responsabilidade e sucessão tributária, além do referido no art. 121, parágrafo único, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 — Código Tributário Nacional”.

O art. 121, parágrafo único, I do Código Tributário Nacional[16] complementa a idéia ao classificar o contribuinte como sujeito passivo da obrigação tributária na incidência do fato gerador inerente à obrigação tributária ou ainda, quando sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

Portanto, sendo o contribuinte todo aquele que paga tributos à Administração Tributária, o entendimento consolidado nesta obra é o de que o Código de Defesa do Contribuinte estende-se a todo sujeito que tenha relação direta ou indireta com a Administração Fiscal, sendo portanto aplicável esta legislação às relações inerentes ao direito tributário.

4.3.2. Dos avanços previstos no Código Nacional de Defesa do Contribuinte nas relações jurídico-tributárias

O Código Nacional de Defesa do Contribuinte de modo algum visa promover a sonegação fiscal em massa, mas seu objetivo primordial é facilitar ao Contribuinte efetuar o pagamento de seus tributos de maneira não onerosa e burocrática, gerando assim maior arrecadação ao fisco, bem como, maior facilidade ao contribuinte. Assim como o Código de Defesa do Consumidor, vem com o intuito, de positivar os direitos[17] e garantias do contribuinte, previstos na constituição, sendo aplicado ao caráter prático das relações jurídico-tributárias.

Isto se justifica nos artigos 3º[18], 5º, inciso XIII[19] e art. 170 incisos VII[20] e VIII[21], princípios da ordem Econômica[22] consagrados na Lei Maior, nos quais o legislador constitucional aponta que todo o ordenamento jurídico nacional deve observar a garantia do desenvolvimento, o livre exercício de qualquer trabalho ou profissão, a valorização do trabalho humano como instrumento de redução das desigualdades, redução da pobreza, busca do pleno emprego e, acima de tudo, que se garanta, independentemente de autorização de órgãos públicos, o livre exercício de qualquer atividade[23] (SIQUEIRA 2006).

Completando esta idéia, a promulgação desta nova lei deverá ser promulgada conjuntamente com uma Emenda à Constituição Federal, a qual inclua o inciso X ao art. 170 da CF/88, consagrando também a defesa do contribuinte como um princípio constitucional da Ordem Econômica, assim como a defesa do consumidor o é. A defesa do contribuinte está pautada na capacidade de arrecadação do Estado. Arrecadar mais, não significa majorar as alíquotas de tributos. Porém incentivar o crescimento econômico por meio de alíquotas mais baixa que acarretem em maior faturamento às empresas cominam em maior arrecadação fiscal, haja vista ser produto de um maior faturamento associado a uma menor alíquota.

Outro fator de relevância é que com a promulgação desta Lei, o contribuinte não será impedido de afastar qualquer imposição de impedimento ao contribuinte quanto ao acesso a benefícios e incentivos fiscais e financeiros, linhas oficiais de crédito ou de participação de licitações, mesmo quando estiver pendente contra ele processo administrativo ou judicial, em matéria tributária[24] Todavia não há que se confundir com o devedor habitual do Fisco – aquele que não busca de nenhuma forma negociar seus débitos e dolosamente sonega informações em declarações de tributos, ou incide nas formas de crime contra a ordem tributária – Leis nos 8137/1991 – sendo que este não poderá possuir os mesmos privilégios.

Portanto, reunir numa só lei todos os direitos e garantias do contribuinte importa fazer cumprir os princípios e ditames constitucionais que hoje se encontram desordenados em diversas legislações esparsas. O Código também prevê dentre outras garantias:

·         acabar com a possibilidade do uso intimidador de força policial nas diligências da fiscalização, haja vista apenas será possível a abertura de ação penal após finalizado o procedimento administrativo, o que já existe no entendimento jurisprudencial, contudo será normatizado legalmente[25], assegurando assim os princípios relativos ao Estado Democrático de Direito[26]

·         proibir que a Administração Tributária interdite estabelecimentos ou impeça o contribuinte de transacionar com a Administração Fiscal, impondo barreiras fiscais ou outros meios de coação para a cobrança extrajudicial de tributos[27], o que facilitara o adimplemento das obrigações tributárias;

·         determinar ao fisco apenas cobrar dívidas oriundas de tributos exclusivamente via processo administrativo ou execução judicial[28], inibindo cobranças por outros meios, como por exemplo, não emitir certidão em caso de renegociação de dívida fiscal;

·         obrigar o Estado a informar ao consumidor, em todas as notas fiscais, os impostos que sua compra implica[29], o que fortalece a informação do contribuinte cidadão, bem como relaciona os direitos do contribuinte com os direitos do consumidor, que são muito semelhantes;

·         introduzir, normatizar e restringir instituto de desconsideração da personalidade jurídica[30] no direito tributário, sendo que esta apenas será feita por determinação judicial, mantendo a distinção da pessoa jurídica com a pessoa dos sócios, podendo ser utilizada apenas nos caracteres estabelecidos pelo art. 50 do Código Civil[31]. A Administração Tributária, independentemente de decisão judicial, desclassifica a personalidade jurídica da pessoa de seus sócios, responsabilizando-os indevidamente;

·         direito de indenização por ato ilícito ou excesso de poder da administração tributária no seu exercício[32], com o fim de conscientizar o funcionário público da dimensão de suas ações e conseqüências de seu abuso de poder. Esta finalidade só é alcançada através da sanção pecuniária, advertência e exoneração da função pública. Não há mudança de conduta sem penalidades (SIQUEIRA, 2002);

·         garantir que o contribuinte não tenha seu nome no Cadastro de Inadimplentes da Dívida Ativa – CADIN, se parcelado o débito tributário e cumprido o acordo[33], transformando o parcelamento em uma espécie de novação, o que faz com que o contribuinte seja reconhecido como adimplente da obrigação tributária, inclusive para a obter certidões negativas de débitos fiscais.

O CDCONT também garantirá o duplo grau de jurisdição Administrativa[34] ao contribuinte, independentemente de depósito prévio, caução, ou qualquer outra forma que iniba ao contribuinte buscar seu direito na esfera administrativa recursal – princípio este consagrado no art. 5º, XXXIV, “a” da CF/88[35]. A arbitrariedade da administração pública está também no processo administrativo fiscal, o qual exige o depósito prévio de 30% (trinta por cento) do valor da exação como requisito de admissibilidade do recurso. O Código Nacional de Defesa do Contribuinte assegurará explicitamente o direito de defesa e o duplo grau de jurisdição administrativa sem condicionamento a depósito, fiança, caução, aval ou qualquer outro ônus, como requisito de admissibilidade de recurso.

No tocante as ações de defesa do contribuinte assim como prevê o CDC na proteção ao Consumidor frente ao fornecedor de produtos e serviços, o Código de Defesa do Contribuinte será essencial na garantia dos direitos do contribuinte[36], frente à Administração Tributária. São criadas ações administrativas e judiciais, de iniciativa individual ou coletiva, no mesmo estilo do CDC, alargando a defesa do contribuinte, que terá na defesa de seus direitos a legitimação do Ministério Público e das associações civis para a ação coletiva na defesa dos direitos e garantias explicitados no projeto. Esse dispositivo incluído no PLP nº 194/2001, na forma do substitutivo apresentado, reforça processualmente as garantias dos contribuintes, e os assegura explicitamente enquanto direitos transindividuais.

Assim, entende-se que a instituição do Código Nacional de Defesa do Contribuinte será, antes de qualquer coisa, benéfico não só ao contribuinte, como também à Administração Pública, analisando tecnicamente o projeto de lei que visa sua criação. As garantias mencionadas acima virão com o fim de inibir a Administração Fiscal de agir com abuso de poder, assegurando ao contribuinte o Estado Democrático de Direito pelo cumprimento das determinações constitucionais que são interpretadas de maneira a favorecer o fisco. Para a Administração tributária as instruções normativas por esta editadas estão acima dos mandamentos constitucionais.

Se o Código de Defesa do Contribuinte fosse maléfico, não haveria sido instituído nos ordenamentos jurídicos de alguns Estados da Federação como Minas Gerais, São Paulo, dentre outros, um diploma que viesse na defesa do Contribuinte, assim como o Código de Defesa do Consumidor. Nesta redação, observado os interesses do contribuinte encontra-se sintonia com o equilíbrio visado às relações jurídico-tributárias, uma vez que há a tentativa normativa de se inibir o abuso de poder por parte da administração fazendária.

Todavia, falta ao projeto do diploma federal de defesa ao contribuinte a previsão e instituição de órgãos estatais que atuem na defesa do contribuinte, assim como faz o Código de Defesa do Consumidor na previsão do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor[37].

4.3.3 Da aplicação do Código de Defesa do Contribuinte à pessoa jurídica: hipossuficiência do Contribuinte perante o estado-fisco

Ao tratar da implantação do Código de Defesa do Contribuinte, indaga-se: pode ser reconhecida a proteção às pessoas jurídicas? No caso de resposta afirmativa o caráter protetivo do Diploma de defesa dos pequenos escritórios e consultórios de profissionais liberais, as pequenas firmas individuais, micro e pequenas empresas? Seria absurdo, reconhecer às pessoas jurídicas de médio e grande porte, empresas multinacionais e transnacionais, a proteção historicamente destinada a proteger a pessoa humana, e assim também a coletividade organizada para exercício das suas liberdades fundamentais? Neste contexto, entende-se que não. Para entender a proteção estendida às empresas de médio e grande porte, devemos fazer uma analogia com os tipos de hipossuficiência previstos nos diplomas protetivos anteriores ao Código de Defesa do Contribuinte, qual seja o Código de Defesa do Consumidor, já mencionado nesta obra.

A hipossuficiência do consumidor diante do fornecedor pode ser caracterizada conforme seu Código de Defesa em duas maneiras: econômica e técnico-informativa a respeito dos produtos e serviços oferecidos pelo fornecedor. No caso das relações do contribuinte para com o estado-fisco a hipossuficiência desse caracteriza-se não pela sua capacidade econômica, mas pelo conhecimento e pleno acesso de suas informações pela Administração Tributária, por meio da exceção aos sigilos bancário e fiscal no tocante as informações repassadas à Fazenda. Ou seja, as movimentações financeiras e todo o procedimento realizado por um particular é informado para a Administração Pública, que detém o poder de, quando entender que há fato gerador de um determinado tributo que não fora declarado, lançá-lo tornando o crédito líquido certo e executável judicialmente, sem nada poder fazer o contribuinte. A supremacia do poder Administrativo frente ao contribuinte particular, muitas vezes, acarreta o abuso de poder pelos agentes do fisco, que autua e instaura ato infracional ao contribuinte se subjetivamente entender que o mesmo tenha cometido alguma infração administrativa de caráter fiscal. Assim sendo, os atos da Administração Pública dotados de Auto-executoriedade[38], incluindo nestes o lançamento do crédito tributário, bem como a mesma ser detentora do poder de polícia[39], todos os particulares, sejam eles com maior ou menor capacidade econômica, são vulneráveis a ela, frente ao seu poder constitucionalmente e legalmente instituído. Isso torna as pessoas físicas cidadãs ou contribuintes individuais, entidades do terceiro setor[40], micro e pequenas empresas, empresas de médio e grande porte, multinacionais e transnacionais, iguais perante os direitos e garantias do Contribuinte, haja vista não possuírem os mesmos privilégios e força estatal que a Administração Tributária, Federal, Estadual, Municipal ou Distrital possui. Assim a defesa daqueles de maior poder aquisitivo é perfeitamente justificável. Portanto o Contribuinte de um modo geral é hipossuficiente em face do fisco.

Ademais, sendo a pessoa jurídica de médio e grande porte, também contribuinte, inclusa no seu conceito constante no art. 1º do projeto do Código Nacional de Defesa do Contribuinte – “pessoas físicas ou jurídicas em qualquer situação de sujeição passiva tributária ou de participação em negócios jurídicos, ou relação jurídica, sujeita a incidência fiscal e ou previdenciária” – é, portanto detentora dos direitos e das medidas protetivas previstas nesse novo Diploma de defesa do contribuinte, sob pena de violação ao princípio da isonomia tributária[41], consagrado no art. 150 II da Lei Maior, uma vez que se justifica a incidência deste diploma de defesa ao contribuinte àqueles que detêm maior poderio econômico.

Os grandes conglomerados empresariais, na qualidade de fornecedores na relação de consumo, oprimem os consumidores com práticas e atos abusivos, o que deu origem ao Diploma de Defesa do Consumidor. Todavia, são oprimidos pela Administração Tributária, no momento em que lhes são cobrados os tributos devidos com práticas e atos abusivos, já mencionados, que, por conseguinte dará origem ao Diploma de Defesa do Contribuinte, que deve ser aplicado, além das micro e pequenas empresas, às pessoas jurídicas de médio e grande porte, pelas razões acima expostas.

A Administração Fazendária é, por muitas vezes, responsável pela quebra de uma Sociedade Empresarial, devido ao seu rigor. A legislação protetiva do contribuinte vem em homenagem ao art. 170 da Lei Maior. “Prima facie” a política de defesa do contribuinte vem arraigada naturalmente como um princípio geral da ordem econômica, e para tanto, existe dispositivos no ordenamento jurídico fiscal brasileiro que visa violar direitos e garantias inerentes ao contribuinte:

Nesse Sentido, SIQUEIRA (2006) combate com louvor:

A Constituição Federal assegura à sociedade, especialmente aos contribuintes pessoas físicas e jurídicas, a tutela do Direito da Propriedade, do Livre Acesso ao Judiciário, do Direito ao Devido Processo Legal, da Liberdade do Exercício das Profissões e ao Princípio da Livre Iniciativa, dentre outros. Tais direitos, diga-se, encontram-se elencados no art. 5º. da Constituição Federal de 1988, no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais do Cidadão.

Em contrapartida, ao Estado é garantido o direito de cobrar os tributos devidos pelos contribuintes. Este direito é assegurado com uma série de privilégios, materializados no Procedimento Especial (Lei 6.830), que outorga ao executivo fiscal, qualidade de meio judicial eficaz a garantir a estabilidade necessária que se deve emprestar no custeio do Bem Público.

Como contrapeso, a fim de equilibrar a Relação Fisco-Contribuinte, de maneira a não caracterizar uma relação de Poder, mas sim uma relação de controle, própria da essência democrática, também a legislação constitucional e infraconstitucional impuseram impedimentos ao Estado de utilizar-se de qualquer outro meio como forma de coação indireta a coagi-lo ao pagamento de tributos. Daí se conclui que no Brasil, Estado Democrático de Direito, é vedado o uso de sanções políticas com a finalidade de obrigar o contribuinte, fora dos meio éticos e legais, ao cumprimento das obrigações fiscais.

Tais garantias irradiam-se para todo o Sistema Jurídico Brasileiro. Aqui, pretendemos tecer algumas considerações acerca da atividade fiscal do Estado, e, em contrapartida, da posição do contribuinte-devedor, frente à atividade fiscalista do Estado.

Em primeiro lugar, há que se dizer que a tributação é forma de interferência estatal no direito de liberdade e Propriedade constitucionalmente garantidO a todos os indivíduos. Nesse sentido, tem o direito tributário a característica de ser um ramo da ciência jurídica voltado a salvaguardar o interesse dos contribuintes que são hipossuficientes em relação ao Estado, pois este, em sua atividade fiscal, invade a esfera privada de cada indivíduo. A princípio, poderíamos dizer que ocorre aqui a colisão de Princípios Constitucionais, quais sejam o Direito de Propriedade - garantido a todos os cidadãos brasileiros - e a Soberania do Estado - Federação -, que depende para realização de seu fim, o bem comum, do recolhimento dos tributos.

Todavia a Constituição Federal, bem como a Legislação infraconstitucional, com escopo de compatibilizar ambos os princípios, estabeleceu limites para a atividade fiscal do Estado e, em contrapartida, criou um sistema próprio para salvaguardar o direito do Ente Público de desenvolver sua atividade financeira, via arrecadação de tributos.

Nesse sentido, vale colacionar a lição de HUGO DE BRITO MACHADO:

"Relevante, outrossim, é a finalidade do Dir. Tributário. O Direito de um modo geral tem como finalidade promover o equilíbrio nas relações entre os que têm e os que não têm o poder. Ou entre os que têm mais e os que têm menos poder. Sabido que o Estado é a maior expressão de poder que se conhece, fácil é concluir-se que o direito tributário tem como finalidade limitar o poder de tributar e proteger o cidadão contra os abusos deste poder. Disto é possível conceituar o Dir. Tributário como 'ramo do Direito que se ocupa das relações entre o fisco a as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos deste poder'."

Desta forma, nenhum ato do Estado, ou de seus órgãos arrecadadores, seja ele genérico ou específico, pode atingir o patrimônio ou a liberdade das pessoas, a não ser que este ato seja regrado pelos postulados do devido processo legal, o que significa uma ação específica, precedida da obediência aos ditames do contraditório e da ampla defesa.

Por esta razão, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional todo e qualquer expediente de que lance mão o Estado para obrigar o contribuinte à satisfação de prestações tributárias fora do processo de execução fiscal.

Talvez, o mais importante dispositivo deste Projeto de Lei Complementar para instituição do Código de Defesa do Contribuinte não seja os direitos e garantias que ele traz em seu texto, mas os dispositivos da legislação fiscal atual que ele pretende revogar, bem como alterar outros:

Art. 60. O caput e o § 3º do art. 40 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 — Lei de Execuções Fiscais passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 40. O Juiz suspenderá o curso da execução enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora e, nestes casos, o prazo de prescrição será de 5 (cinco) anos a contar da referida suspensão[42].

..........................................................................................................................

§ 3º “Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução, observado o prazo do caput deste artigo.” (NR)

Art. 61. Ficam revogados:

I – o art. 193 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 — Código Tributário Nacional[43];

II – o § 3º do art. 6º, o § 3º do art. 11 e os arts. 25, 26, 34 e 38 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 — Lei de Execuções Fiscais[44].

Analisemos esses dispositivos a serem alterados e revogados.

O texto do art. 40 atual da LRF trata da prescrição intercorrente. Contudo, não menciona qual o lapso temporal do prazo prescricional, visando assim esta alteração sanar esta lacuna, o que provocava interpretações divergentes do poder judiciário. Trata-se de uma nova causa de interrupção da prescrição, a suspensão da Execução Fiscal quando não encontrado o devedor, ou ainda, não localizados seus bens passíveis de penhora.

A revogação do art. 193 do Código Tributário Nacional demonstra o caráter protetivo não apenas às micro e pequenas e empresas, mas às médias e grandes empresas. Este dispositivo proíbe qualquer contribuinte com débitos fiscais e tributários, lançados que não estejam nas hipóteses de suspensão do crédito tributário, impeçam o contribuinte de licitar. Nesse sentido SIQUEIRA (2006), demonstra a arbitrariedade deste dispositivo:

Cita-se como exemplo...

"Uma empresa de porte, que emprega milhares de pessoas, num sistema de trabalho que envolve 03 (três) turnos, e, por conseguinte 24 (vinte e quatro) dias, 30 (trinta) dias mês. Esta mesma empresa, a cada 60 (sessenta) dias, tem que aceitar e submeter-se a funcionários que trabalham somente um turno de 6 (seis) horas, e a todo modo e privilégio, só o fazem em aproximadamente 200 (duzentos) dias ao ano, quando chega a isto". Por certo, e a toda evidência, o que é importante para um não é para o outro! Somente esta distorção social já justifica a eliminação das malfadadas CNDs. Acrescentando exemplo mais específico, é de examinarmos o caso a que se submete determinada empresa de engenharia civil, na necessidade premente de CND. Em se tratando de empresas da área da construção civil, significativa parte de suas atividades envolve licitações com o Estado e seus órgãos. Para participar de procedimentos licitatórios (contratação com o governo) é, por imposição casuística do Poder Executiva, obrigatória a apresentação de certidão de regularidade fiscal - CND. Suponha-se, então, que referida empresa que elegemos a exemplo tenha prestado serviços a um ente público. Digamos que esta empresa de Construção Civil tenha construído uma ala de um determinado aeroporto, mediante contrato celebrado com a Infraero, que estabeleceu que o pagamento da obra seria contra a respectiva entrega da mesma. Assim contratado, a construtora, no prazo de 4 (quatro) meses executou, concluiu e entregou a obra, que, tecnicamente, aprovada foi. Neste momento, emerge "espetáculo" próprio de culturas medievais, anteriores ao ano de 1215, quando ainda não existia concebido o Estado de Direito. Vejamos então: Do "espetáculo": - Para receber pelos serviços já realizados e devidamente entregue à Infraero é exigida a apresentação de CND do INSS, da Receita Federal, mais da Procuradoria Federal e mais da Procuradoria do INSS. Daí advém absurda e teratológica circunstância. Qual seja: A construtora, imagine-se, informa então não possuir uma das 04 (quatro) CNDs exigidas pela Infraero, porque incorreu em atraso no pagamento com seus recolhimentos de INSS, no valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Informa mais: acrescenta que não pagou o INSS porque exauriu os seus recursos no transcurso da obra, que foi contratada e orçada em R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais). Conclui-se então que a situação resumida é a seguinte: a) A empresa concluiu a obra que se comprometera a fazer; b) A União, através da Infraero, passa a dever à construtora o valor contratado de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais). c) Ao mesmo tempo a construtora se revela devedora de INSS no valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), importância que não é levada a cobrança pelos meios próprios, Execução Fiscal, por puro comodismo e casuísmo da União; d) A Infraero, pois, insistentemente exige e condiciona a apresentação de CND para pagamento da obra realizada, que se saliente é resultado de trabalho lícito devidamente entregue ao contratante. e) Dizendo-se devedora do INSS, a empresa ratifica sua total impossibilidade na obtenção da prefalada CND do INSS, porque deve a este R$ 300.000,00. Somente acrescenta como argumentação sua intenção de pagar o débito INSS assim que a Infraero pagar a obra realizada. Diz que precisa urgente do valor que é credora da Infraero, porque seus fornecedores estão a lhe protestar títulos e ameaçar com requerimentos de falência.

RESULTADO:

. Solução: "A Infraero não paga a obra, por alegação de não apresentação de CND". . Conseqüência: A empresa quebra, centenas de empregados ficam sem emprego e, pior, outorga-se ao trabalho lícito qualidade de coisa ilícita.

Conclusão:

"Inverteram-se os valores da sociedade, exclusivamente para prestigiar-se o Poder já Exacerbado do todo Poderoso Poder Executivo, que promove, atualmente no Brasil, filosofia de gestão através de "Sanções Políticas", característica de exercício ditatorial, não concebido no Estado de Direito". O exemplo, extremado, mas fundido sobre situação real, deixa bem clara a falta de alternativas a que é submetido o contribuinte em virtude da negativa de emissão de CND. Se não assistido adequadamente pelo Poder Judiciário, fica totalmente à mercê da ação despótica do Poder Executivo, fato que permite a propagação e utilização indevida das "Sanções Políticas". A questão, então, deve ser exaurida frente a duas premissas: - a primeira quanto à legalidade da existência das Certidões Negativas de Débito; - a segunda, quanto à legalidade da eficácia e instrumentalidade impostas às Certidões Negativas de Débito, quando utilizadas como meio de viabilização de "Sanções Políticas". É óbvio que não se pode impedir a expedição de Certidões Negativas de Débito, porque meio idôneo de informação sobre a existência de passivos próprios, fato que afasta qualquer consideração que extrapole questão sobre a materialidade do referido documento. Todavia, quanto a instrumentalidade e eficácia deste tipo de documento, se utilizado para justificar condutas contrárias ao expresso na Constituição Federal, emerge indiscutível a aplicação de preceitos e conceitos específicos, tendentes a eliminar, ou na pior das hipóteses, denunciar suas máculas e impropriedades. Por conseguinte, é forçoso apontar que a utilização arbitrária das CNDs constitui ato contra a legalidade e constitucionalidade, não se prestando, pois, ao intuito de obrigar o contribuinte a pagar seus débitos sem o devido processo de execução fiscal, ou para suprimir meios de acesso às defesas dos direitos e garantias fundamentais. O expediente vai contra os princípios gerais do direito, traduzindo-se na mais severa e ilegal das sanções políticas, pois impede o Contribuinte de exercer sua atividade profissional, pois, entre outros, têm sido utilizadas as CNDs, para obstar participação em procedimentos licitatórios e concorrências públicas, bem como para impedir o exercício pleno de direitos e de acesso a procedimentos inerentes ao trabalho, enquanto atividade economicamente lícita. A negativa por parte do ente público na emissão de CND tem sido principalmente utilizada para compelir os contribuintes a pagar os valores apresentados pelo Fisco, independentemente, para não se dizer à revelia, da intervenção e de Controle do Soberano Poder Judiciário. É forma desprezível de suprimir do Estado um dos seus Poderes institucionalmente constituídos.

Enxerga-se deste modo, que o poder da fazenda pública, além de deter todas as atribuições dos atos administrativos, a Legislação fiscal lhes concede privilégios, que não detém nenhum particular. Ora, há uma insensibilidade por parte do poder público, em perceber, que se a empresa preenche todos os requisitos para licitar, bem como, encontra-se vencedora do certame licitatório, não poder contratar com a administração pública devido à falta de alguma certidão negativa emitida por qualquer dos entes fiscais.

Deste modo, conforme se encontra o exemplo supra se o contribuinte possui em aberto um crédito tributário de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), bem como, é vencedor de um certame cujo contrato será no valor de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), é insensível por parte administração fazendária, não reconhecer que o fechamento do contrato administrativo poderá estar condicionado ao pagamento do tributo pendente, o qual se perfaz em 10% (dez por cento) do valor do contrato.

Outros privilégios que a fazenda pública possui, inclusive em execuções fiscais, são:

·                    intimação e vista pessoal dos processos em sede de execução fiscal;

·                    possibilidade do débito fiscal não ser discutido em nenhuma ação, a não ser as elencadas no art. 38 da LEF;

·                    renúncia do litígio na esfera administrativa, caso contribuinte queira ingressar em juízo.

Ora, a revogação de tais privilégios visa, não prejudicar a fazenda pública, mas equilibrar a relação desta para com o contribuinte. A Fazenda Pública possui demasiadamente poder sobre o contribuinte. Os privilégios decorrentes das relações tributárias da Fazenda Pública em juízo frente ao contribuinte gera um desequilíbrio maior nas relações tributárias, seja do contribuinte pequeno ao grande contribuinte.

Por fim, este código visa revogar o instituto do recurso dos embargos infringentes de alçada contra sentença nas causas em que o valor pleiteado seja até 50 ORTN[45] – Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional. Contudo, isto prejudica o contribuinte, pois este recurso visa assegurar ao contribuinte a mantença da decisão em que seja reconhecida alguma preliminar de mérito ou nulidade no crédito executivo fiscal. Contudo, no caso de Embargo à Execução Fiscal, mantendo este recurso em vigência, o contribuinte que possua um débito relativamente irrisório junto à administração tributária será beneficiado em homenagem ao princípio do duplo grau de jurisdição, no caso de improcedência do pedido.

4.4 Dos Códigos de Defesa do Contribuinte Estaduais e a Necessidade de promulgação da Legislação de Defesa do Contribuinte Federal

Conforme já explicitado, os Estados de São Paulo, Minas Gerais dentre outros tiveram a iniciativa de dispor de um Código de Defesa do Contribuinte. Contudo, além de possuírem caráter restrito, inibirá a instituição do Diploma Nacional de Defesa dos direitos do Contribuinte. SIQUEIRA (2006) confirma tal assertiva ao dizer que a promulgação dos Códigos de Defesa ao Contribuinte a nível estadual é um retrocesso:

Para confirmar o movimento divisionista, só nos últimos cinco anos foram promulgados vários Códigos de Defesa do Contribuinte Estaduais. Parece um avanço. Entretanto é um retrocesso. Um código para cada Estado. Ceara, Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina e outros. Neste sentido, ao lado das Minas Gerais, o Rio Grande do Sul tentou ser pioneiro, antes até dos demais Estados. O Deputado Federal Onix Lorenzoni, a quase nove anos passados, quando ainda era Deputado Estadual, propôs uma Lei em nível Estadual tal qual aconteceu em Minas Gerais. Ocorre que no Rio Grande do Sul, acertadamente, o projeto Estadual não passou pelo exame das Comissões de Constitucionalidade, ao contrário do que ocorreu em Minas Gerais, onde houve a promulgação de um Código de Defesa do Contribuinte Estadual, cuja aplicabilidade fica inócuo em razão de sua fragilidade e especificidade. A iniciativa de Minas Gerais só foi feliz quanto a agregar o debate, pois leis que regulamentam processo tributário, obrigações e direitos de contribuintes, são de exclusiva competência da União Federal e do Congresso Nacional. Códigos específicos como o Código de Defesa do Consumidor, ou o Código de Defesa do Contribuinte, só podem ser implementados via Lei Federal, e mais especificadamente, por Lei Complementar. O próprio CONFAZ, cujo conteúdo é específico sobre ICMS - Imposto Estadual, tem sua regulamentação submetida a Lei Complementar. Portanto, todo Código de Defesa do Contribuinte Estadual, para não ser inconstitucional, só pode versar sobre processo administrativo quanto a cobrança de ICMS, taxas e emolumentos Estaduais, sem criar ou modificar direitos constitucionalmente assegurados. Por esta razão, tal qual aconteceu em Minas Gerias, seu campo de atuação é deverás restrito, razão pela qual passa ser conceitualmente inviável para criar consciência política republicana. Particularmente, se tivéssemos 27 Códigos Estaduais de Defesa dos Direitos do Contribuinte, o fato mais serviria para atrapalhar direitos, criando uma verdadeira confusão para o contribuinte brasileiro. A complexidade legal, além de provocar erros, onera processo e ainda agride aos movimentos de conscientização política. Para criação de uma Lei de vigência Federal, é necessário mobilizar e não dividir a sociedade na defesa de seus Direitos. A cada Código Estadual promulgado, a sociedade local se desmobiliza, favorecendo a falta de consciência política nacional necessária a uma verdadeira reforma tributária. Só para constar, com a criação da taxa de fiscalização e controle da Previdência Complementar - TAFIC - art. 12 da MP nº 233/2004, no Brasil já temos 76 impostos, taxas e contribuições. Neste contexto, os Estados só têm o ICMS, o IPVA e o Imposto de Transmissão a Título Gratuito como impostos de importância orçamentária, além de meia dúzia de taxas e outras exações não significativas. Por esta razão óbvia, por mais que os Estados queiram, sua competência legislativa é residual e insignificante. Só teremos Direitos dos Contribuintes quando houver um único Estatuto Federal, que abranja as Relações Tributárias relativas a Impostos Federais, Estaduais e Municipais. Entre outros, a idéia de um Código de Defesa dos Contribuinte, é organizar numa única lei o que encontra-se pulverizado e desrespeitados numa centena de leis esparsas. Avançar é simplificar com lógica e justiça, construindo e nunca dividindo! Aliás, um bom Código de Defesa do Contribuinte, sempre deverá prever a revogação de disposições contrárias, especialmente quanto a leis que já nasceram inconstitucionais e hierarquicamente inferiores, como é o caso dos Códigos de Defesa do Contribuinte Estaduais e/ou Municipais, que mais servem como pauta de mobilização social do que como avanço.

Portanto, confirma-se assim que a instituição Código Nacional de Defesa dos Contribuintes, organizará num único diploma o que se encontra espalhado e desrespeitado em um calhamaço de leis esparsas federais, estaduais, municipais e distritais. O Código de Defesa do Contribuinte, principalmente quanto a leis inconstitucionais e hierarquicamente inferiores, como os Códigos de Defesa do Contribuinte Estaduais e Municipais – que se tornaram instrumentos de mobilização social – unificará toda legislação de defesa do Contribuinte, simplificando em um único diploma os direitos e garantias do Contribuinte hipossuficiente à Administração Tributária.

 

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Sobre o autor
Daniel Rebello Baitello

Advogado Especialista em direito Tributário pelo Instituto Brasiliense de Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BAITELLO, Daniel Rebello. Aspectos gerais da defesa do contribuinte: uma crítica ao comportamento fazendário atual: Uma crítica ao comportamento fazendário atual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3241, 16 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21777. Acesso em: 23 abr. 2024.

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