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Bacen CCS: cadastro de clientes do Sistema Financeiro Nacional.

Uma valiosa ferramenta para a execução trabalhista

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Resumo:


  • O Sistema BACEN CCS é uma ferramenta vital para a execução trabalhista, ajudando a identificar bens de devedores ou sócios ocultos.

  • O sistema permite detectar procurações para movimentação de contas bancárias, o que pode levar à presunção de confusão patrimonial ou de sócio de fato.

  • O uso do poder geral de cautela, com bloqueio cautelar de valores, é essencial para evitar ocultação de patrimônio e garantir a efetividade da execução trabalhista.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O sistema torna possível detectar “laranjas” que apenas emprestam seu nome para ocultar o real proprietário dos valores, assim como proprietários de fato ou sócios ocultos que administram pessoas jurídicas sem constar formalmente de seu quadro social, através de procuração.

BACEN CCS - DETECÇÃO DE PROCURADORES DE CONTAS BANCÁRIAS. ADOÇÃO COMO ROTINA DE EXECUÇÃO. PRESUNÇÃO DE CONFUSÃO PATRIMONIAL OU DE SÓCIO DE FATO, CONFORME PROCURADOR DE PESSOA FÍSICA OU DE PESSOA JURÍDICA.

- Adoção do Sistema BACEN CCS como rotina de execução para os casos em que infrutífero o redirecionamento aos sócios da empresa devedora.

- Detecção de procurações para movimentação de contas bancárias outorgadas ou recebidas pelos devedores ou sócios.

- A relação de procuração bancária entre duas pessoas físicas faz presumir confusão patrimonial.

- A relação de procuração bancária entre pessoa jurídica e pessoa física, caso esta não conste formalmente como sócia, faz presumir que seja sócia de fato.

- O elo entre duas pessoas jurídicas por sócio de fato em comum caracteriza grupo econômico.


SUMÁRIO: 1 - INTRODUÇÃO. 2 - TECNOLOGIA A SERVIÇO DAS EXECUÇÕES. 3 - IMPLEMENTAÇÃO DA CONSULTA AO SISTEMA BACEN CCS COMO ROTINA DE TRABALHO DAS UNIDADES JUDICIÁRIAS, DANDO MAIS EFETIVIDADE À EXECUÇÃO DE OFÍCIO TRABALHISTA. 4 - TRATAMENTO DAS INFORMAÇÕES OBTIDAS ATRAVÉS DO CCS – COTEJO COM OUTROS BANCOS DE DADOS – IDENTIFICAÇÃO DE CONFUSÃO PATRIMONIAL E DE GRUPO ECONÔMICO. 5 - ESTABELECIMENTO DE PRESUNÇÕES. 6 - UTILIZAÇÃO DO PODER GERAL DE CAUTELA. 7 - VALORES PENHORADOS EM EXCESSO QUANTO AO TODO MAS INFERIORES AO VALOR EXEQUENDO EM RELAÇÃO A CADA DEVEDOR SOLIDÁRIO. 8 - CONCLUSÕES. 


1 - INTRODUÇÃO

O convênio do TST junto ao Banco Central para acesso ao Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (Bacen CCS), ainda não difundido amplamente no âmbito do Poder Judiciário, pode se tornar uma ferramenta vital à execução trabalhista, notadamente para aqueles casos em que as demais providências executórias já falharam, não se localizando bens dos devedores ou, até mesmo, não se encontrando os devedores. Em tais casos seria recomendável a adoção de sua consulta como uma das rotinas de execução da unidade judiciária.

O CCS visa a dar cumprimento a dispositivo da Lei 10.701, de 9.7.2003, que incluiu o artigo 10-A à Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98) determinando que o Banco Central “manterá registro centralizado formando o cadastro geral de correntistas e clientes de instituições financeiras, bem como de seus procuradores”. Seu funcionamento está regulamentado pela Circular 3.347 de 11.4.2007 do Banco Central do Brasil.

O sistema permite verificar se os clientes do Sistema Financeiro Nacional (SFN) mantêm contas bancárias ou aplicações financeiras diretamente ou por seus procuradores, o que torna possível detectar interpostas pessoas (ou “laranjas”), que apenas emprestam seu nome para ocultar o real proprietário dos valores, assim, como proprietários de fato ou sócios ocultos, que administram pessoas jurídicas sem constar formalmente de seu quadro social, através de procuração para movimentar as respectivas contas bancárias. O sistema (notadamente quando suas informações forem cotejadas com outros bancos de dados, como os da Receita Federal e Junta Comercial) pode trazer valiosos subsídios para embasar decisões judiciais quanto à ampliação do polo passivo das ações para abranger pessoas físicas ou jurídicas que detenham patrimônio vinculado aos devedores originais.

A relação de procuração bancária entre duas pessoas físicas faz presumir confusão patrimonial e portanto a responsabilidade solidária. A relação de procuração bancária entre pessoa jurídica e pessoa física, caso esta não conste formalmente como sócia, faz presumir que seja sócia de fato, viabilizando sua inclusão no polo passivo da demanda judicial na qualidade de sócia. Deve ser lembrado que tal presunção pode ser elidida, por exemplo, pela demonstração de que se tratava de um empregado da devedora com atribuição na gestão financeira da empresa. O elo entre duas pessoas jurídicas por sócio de fato em comum caracteriza grupo econômico, ensejando a responsabilização solidária de tais empresas.

Ressalte-se que o sistema não representa a quebra de qualquer sigilo das operações bancárias, já que não revela movimentações bancárias nem montantes constantes de contas ou aplicações financeiras, mas tão-somente a existência de vínculos entre pessoas cadastradas no Sistema Financeiro Nacional - SFN, bem como as datas de início e término da vinculação à conta bancária relacionada.

O presente breve ensaio não possui qualquer intenção de exaurir o tema, mas apenas de apresentá-lo, estimulando o debate e a difusão de tal ferramenta como um importante instrumento para a solução das execuções trabalhistas.


2 - TECNOLOGIA A SERVIÇO DAS EXECUÇÕES

Em um país que pretenda estar sob o império das leis, a informática constitui grande aliada.

É sabido que grande quantidade de pessoas ou empresas, para furtar-se ao pagamento de condenações sofridas em processos judiciais, procura ocultar seus bens em nome de terceiros, os chamados “laranjas”, em manobras nocivas que dificultam a concretização do direito que um cidadão teve reconhecido pelo Poder Judiciário. Com isso, prejudicam à toda sociedade, cujo tecido se desorganiza em razão da insegurança jurídica, lentidão e falta de eficácia na distribuição e imposição da justiça. Ademais, quem não salda seus débitos reconhecidos em Juízo compete no mercado em ilícita vantagem, perfazendo concorrência predatória em relação aos que pagam pontualmente suas obrigações, ensejando ciclo vicioso que eventualmente pode estimular a repetição de tal comportamento nocivo entre seus pares.

Para responder à gravidade de tal crônica situação, entretanto, o Poder Judiciário tem tido, na progressiva informatização, grande e valiosa contribuição.

Trata-se de uma revolução silenciosa que vai munindo a Magistratura nacional de ferramentas para tornar mais efetivas suas decisões, agilizando requisições e consultas a bancos de dados de várias instituições, como o Banco Central, Receita Federal e Estadual, TRE, DETRAN, Junta Comercial e outros.

O que antes era feito através de ofícios em papel, com considerável prejuízo à celeridade, passa a se dar através de convênios que integram tais bancos de dados e permitem consultas e requisições pelo Poder Judiciário, quase em tempo real, agilizando a busca e o cotejo dos dados, possibilitando a localização de bens dos devedores, a detecção de fraudes à execução, bem como o desmascaramento de interpostas pessoas, as quais sob seu nome ocultam os reais titulares de valores em contas bancárias ou os verdadeiros proprietários de uma determinada empresa. Em tal contexto se insere o sistema BACEN CCS, revelando vínculos bancários que auxiliam na identificação e comprovação de tais situações.


3 - IMPLEMENTAÇÃO DA CONSULTA AO SISTEMA BACEN CCS COMO ROTINA DE TRABALHO DAS UNIDADES JUDICIÁRIAS, DANDO MAIS EFETIVIDADE À EXECUÇÃO DE OFÍCIO TRABALHISTA

A implementação e difusão de soluções tecnológicas, como a consulta ao sistema BACEN CCS, para auxiliar na satisfação dos débitos reconhecidos judicialmente, constitui um caminho irreversível na busca pela agilização e efetividade, a fim de fazer frente ao crescimento exponencial do número de lides submetidas ao Poder Judiciário.

Há alguns anos a introdução de outro sistema disponibilizado através de convênio do Poder Judiciário com o Banco Central, o BACEN JUD, revolucionou a fase executória das lides judiciais, automatizando as buscas de numerário em contas e aplicações bancárias e respectiva penhora. Após anos de debate, sobrevindo a natural sedimentação do tema na doutrina e jurisprudência, além da massificação de seu uso, são inegáveis os ganhos decorrentes, com sensível aumento da quantidade de processos cuja execução foi solucionada rapidamente, pela penhora de numerário – em situações que com frequência, não fosse tal ferramenta tecnológica, teriam sido ofertados à penhora bens móveis de duvidoso valor ou liquidez, ou se teriam consumidos anos na busca (frequentemente infrutífera), penhora e alienação de bens imóveis, veículos, etc.

Entende-se que o novo sistema, BACEN CCS, poderá ter a mesma importância, para o Poder Judiciário e para a Sociedade como um todo, principalmente para aquelas lides em que os demais atos de execução já se mostraram ineficazes.

É o caso daquelas execuções em que a parte executada (empresa e eventuais sócios incluídos no polo passivo) não indicou bens à penhora, tampouco a parte credora os localizou e indicou, bem como em que a tentativa de penhora eletrônica via BACEN JUD restou infrutífera, assim como inexitosa outras diligências através de convênios como os do DETRAN e Receita Federal do Brasil (RENAJUD e INFOJUD).

No âmbito da Justiça Especializada Trabalhista, tais processos seriam arquivados sem a satisfação do crédito exequendo, no aguardo de que, eventualmente, em um momento futuro, fosse provocada nova atuação do Poder Judiciário, mediante notícia da localização de algum patrimônio apto a saldar a dívida.

Considerando que na Justiça do Trabalho a execução se processa de ofício, por impulso do Juízo, presumindo-se o poder-dever de uso de todos os meios postos à sua disposição para liquidar o crédito, seria recomendável a inclusão da consulta ao sistema BACEN CCS dentre as rotinas de execução da Unidade Judiciária, auxiliando na localização de patrimônio vinculado aos devedores, junto a interpostas pessoas, sócios de fato ou empresas do grupo econômico, bem como fornecendo elementos de prova para subsidiar decisão quanto à ampliação do polo passivo.

Quanto ao momento de seu emprego, o banco de dados pode ser consultado a qualquer tempo, conforme conveniência e entendimento do Juízo. Entretanto, considerando a peculiaridade do sistema, o qual através de vínculos bancários pode trazer informações a amparar mudanças na composição do polo passivo, entende-se mais apropriada a sua utilização no estágio processual em que já exauridas as diligências executivas em face das empresas originalmente constantes como devedoras e de seus sócios formais.


4 - TRATAMENTO DAS INFORMAÇÕES OBTIDAS ATRAVÉS DO CCS – COTEJO COM OUTROS BANCOS DE DADOS – IDENTIFICAÇÃO DE CONFUSÃO PATRIMONIAL E DE GRUPO ECONÔMICO

A consulta ao sistema CCS, em si, é bastante simples, acessada através da internet, no sítio do Banco Central http://www.bcb.gov.br/?JUDICIARIO. Existem modos de consulta diretamente por conta bancária ou por CPF/CNPJ, sendo esta última a mais útil para o escopo debatido acima. Mediante inserção do CPF ou CNPJ do devedor, justificativa e o número do processo judicial para o qual se destina a pesquisa, além de login e senha do usuário, obtêm-se os números das contas bancárias e outros CPFs ou CNPJs relacionados a tais contas (titulares, procuradores, responsáveis, representantes).

Proporcionalmente ao tamanho da empresa devedora e quantidade de sócios pesquisados, o detalhamento de resposta à consulta pode ser extenso, algumas vezes ultrapassando uma centena de páginas.

Descreve-se brevemente, como exemplo, um caso concreto em que, infrutífera a execução contra os devedores principais (pessoas jurídicas), a execução voltou-se ao patrimônio dos sócios. Nos contratos sociais acostados aos autos da execução, constavam como sócios, por sua vez, outras pessoas jurídicas, cujos respectivos sócios e pessoas com delegação de poderes de administração e gerência ou membros do conselho de administração foram incluídos no polo passivo para responderem pela execução. A respectiva consulta ao sistema CCS produziu um relatório superior às 300 páginas de relacionamentos e detalhamentos, ou seja, indicações de contas bancárias e respectivos clientes e seus procuradores, representantes ou responsáveis.

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No tratamento das informações foi ainda efetuado o cotejo com os dados da Receita Federal do Brasil, consultados via sistema HOD[1] pelo juízo, indicando a participação de algumas das pessoas físicas mencionadas em outras empresas. Segundo dados obtidos na Receita Federal do Brasil, via HOD, se identificou ainda que um dos procuradores das contas bancárias era filho do principal sócio de tais empresas. Mais informações foram ainda recebidas nos embargos de terceiros que acabaram sendo opostos, como por exemplo o contrato social de uma das empresas envolvidas, indicando como respectivas sócias duas netas do sócio principal e ao mesmo tempo sobrinhas do administrador do grupo. Foram também colacionadas outras procurações, dando poderes de gestão a outras pessoas que já haviam sido identificadas através do sistema CCS, corroborando as informações lá existentes. Cotejando, outrossim, as pessoas relacionadas no sistema CCS com os dados obtidos via Receita Federal, restaram demonstrados vários vínculos familiares, inclusive com diversas coincidências de endereços.

Esses elementos indicaram a formação de grande grupo econômico, com ampla participação familiar na constituição das pessoas jurídicas e/ou na administração comum ou representação por procuração.

Ora, um grupo empresarial caracteriza-se a partir do momento em que várias empresas se aglomeram sob uma direção econômica integrada (essa direção é feita geralmente pelo controlador acionário) buscando objetivos comuns como se uma única e grande empresa fossem. De acordo com o que ensina José Augusto Rodrigues Pinto:

O primeiro grupamento econômico surgiu, [...] pela sucessiva criação de novas ou absorção de outras sociedades já existentes, sempre lhes conservando o controle acionário, de modo a exercer a direção integrada das atividades. Fica, desse modo, formado o grupo de empresas, cada qual mantendo direção própria para a sua atividade, mas todas sujeitas à coordenação geral, de sentido econômico, da controladora do capital social [PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho. 4. ed. São Paulo: Ltr, 2000.]

Afirma ainda que:

Analisando-se o dispositivo em causa, podem resumir-se os requisitos da solidariedade de grupo empresarial econômico do seguinte modo: a) pluralidade de empresas; b) personalidade jurídica e direção interna próprias de cada empresa; c) interesse econômico integrado; d) direção geral, ou coordenação do interesse econômico comum, por uma das empresas [Ibidem.]

E sentencia:

Efetivamente, ver-se-á que, diante das circunstâncias que disciplina, a solidariedade do grupo econômico ignora a existência do empregador e faz aderir a obrigação à empresa que tenha condição financeira de atendê-la, mesmo sem envolvimento na relação individual de emprego [Ibidem.]

Já quanto à pluralidade de empresas e a personalidade jurídica diversa, a diversidade de atividades das empresas integrantes do grupo não afasta a sua caracterização, não havendo base legal para que se exija a identidade de atividades para que se entenda comprovada a sua ocorrência. Em tal sentido, Mauricio Godinho Delgado leciona:

No que diz respeito à dinâmica probatória do grupo econômico (ao menos no tocante à fase de conhecimento), não há prova preconstituída imposta pela lei à evidência dessa figura justrabalhista. Quaisquer meios lícitos de prova são hábeis a alcançar o objetivo de demonstrar a configuração real do grupo (arts. 332 e 335, CPC) [DELGADO, Mauricio G. Curso de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 406.]

A devedora principal e as demais empresas identificadas através do CCS e demais ferramentas mencionadas, embora com personalidades jurídicas distintas, revelaram-se na verdade gerenciadas e administradas de forma conjunta, havendo estreita ligação entre as empresas, com procuradores e administradores em comum, deixando clara a configuração do grupo empresarial.

Cumpre destacar que, com o cancelamento da súmula nº 205 do TST, mesmo não constando expressamente do título executivo judicial, a empresa componente do mesmo grupo empresarial ou econômico do devedor poderá ser sujeito passivo na execução, por se tratar de hipótese de empregador único (BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2008. p.381).

Retomando-se o exemplo acima referido, verificou-se que as empresas em questão, além de formarem grupo econômico, efetivamente tentaram esconder-se, ou a seus sócios de fato, por trás dos mantos das personalidades jurídicas, a fim de se esquivarem de suas obrigações trabalhistas. A executada principal ficou intencionalmente sem bens livres e desembaraçados, pois não encontrados, nem sequer tendo havido indicação deles à penhora, seja pela devedora ou por aquelas que opuseram embargos, de modo a possibilitar a satisfação dos créditos dos exequentes. No entanto, as próprias empresas indicaram haver confusão entre as pessoas jurídicas, na medida em que uma outorga poderes para sócios de outras representá-la, inclusive para abrir conta bancária, movimentá-la e encerrá-la, conforme as informações extraídas do Bacen CCS.

Em um outro exemplo que ilustra perfeitamente o presente debate, foi noticiado em um processo de execução que a empresa devedora, embora falida, continuava a atuar no mercado. Tal empresa, do ramo de vigilância, figurava como devedora em dezenas de processos trabalhistas na mesma comarca, cuja soma de débitos atingia cifras milionárias. Através do sistema BACEN CCS, consultando-se o CNPJ da devedora (falida), se identificou uma determinada pessoa física que detinha procuração para movimentar as suas contas desde muitos anos antes. Consultando-se no mesmo sistema o CPF de tal pessoa, foi identificado que esta também detinha procuração para movimentar as contas bancárias de outra empresa de razão social quase idêntica à da empresa falida, do mesmo ramo empresarial. Cotejando-se tais informações com as relações de sócios obtidas através da Receita Federal do Brasil, (via sistema HOD) e Junta Comercial, descobriu-se que tal pessoa não figurava como sócia da empresa falida, mas era sócia detentora de 99% das cotas da “nova” empresa de vigilância. Finalmente, através de mecanismos de busca da internet, verificou-se que esta última utilizava o mesmo nome fantasia e logomarca que a falida, bem como que se declarava, em seu sítio de internet, empresa há 30 anos no mercado (abrangendo, portanto, o período da falida), com mais de 1000 clientes ativos e mais de 2000 funcionários - uma verdadeira potência em seu segmento de atuação.

Evidencia-se, assim, que o procurador das contas bancárias da falida é, na realidade, um sócio de fato oculto em relação a esta, atraindo a conclusão de que ambas empresas constituem grupo econômico ou que, de fato, constituem a mesma empresa (conclusões ainda corroboradas pelas informações veiculadas na home page da empresa), ambas as situações a ensejar a responsabilização solidária.

À vista de tais condições, não há a mínima razão para permitir que o manto da personalidade jurídica sirva para obstaculizar a satisfação dos créditos alimentares de dezenas de trabalhadores que tiveram seus direitos sonegados.

Em situações como essas, resta evidenciado o intuito de ocultamento do patrimônio da executada na personalidade jurídica das outras empresas e de seus representantes, que formalmente não figuram como sócios, em tentativa de utilização da personalidade jurídica para fins diversos daqueles para os quais foi criada, com o intuito de prejudicar terceiros, o que caracteriza a fraude. A fraude ou o abuso de direito autorizam desconsiderar a personalidade jurídica, conforme a já consagrada disregard doctrine. Em tal sentido:

Quando o conceito de pessoa jurídica é empregado para defraudar credores, evitar uma obrigação, tirar vantagem da lei, alcançar ou perpetuar monopólio ou proteger a desonestidade ou o crime, os tribunais irão colocar de lado a pessoa jurídica, irão considerar a sociedade como uma associação ativa de homens e mulheres, e irão fazer justiça. [Wormser apud SILVA, Alexandre Couto. Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro. São Paulo: LTr, 1999, p. 28.]

A desconsideração da pessoa jurídica atinge o administrador, ainda que não componha o quadro societário, na dicção da lei:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. [Código Civil brasileiro.]

Art. 1.012. O administrador, nomeado por instrumento em separado, deve averbá-lo à margem da inscrição da sociedade, e, pelos atos que praticar, antes de requerer a averbação, responde pessoal e solidariamente com a sociedade. [Código Civil brasileiro.]

Frente aos fatos da vida, a ficção deve ser desprezada quando inútil à realização plena da Justiça. A lei foi criada para regular as relações sociais, dar a cada um o que é seu, não podendo dar margem e proteção aos que abusam do direito societário, impondo-se em tais casos o redirecionamento da execução a outras pessoas jurídicas atuantes no mesmo empreendimento econômico, ou às pessoas físicas que formam tal empreendimento, como sócios, administradores ou representantes, estes na condição de sócios de fato. No mesmo sentido, colacionam-se alguns arestos, ilustrativamente:

AGRAVO DE PETIÇÃO. Grupo econômico familiar, composto por pessoas jurídicas que atuam no mesmo ramo de negócios. A coisa julgada, formada na fase de conhecimento, alcança as pessoas jurídicas que exploram o mesmo negócio, e que são formadas por familiares dos sócios da primeira. [TRT 4ª R. 6ª T. Acórdão do processo 0114400-76.2005.5.04.0305 (AP). Redator: Maria Inês Cunha Dornelles. Julgamento: 15/12/2010. Disponível em www.trt4.jus.br. Acesso em: 22-10-2011.]

EXECUÇÃO DIRIGIDA AO ADMINISTRADOR. Conforme permissivo do art. 50 do CCB, aplica-se a teoria da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade reclamada, respondendo o administrador, que atua como sócio de fato, pela dívida trabalhista objeto da demanda. [TRT 4ª R. 4ª T. Acórdão do processo 0045100-97.2005.5.04.0411 (AP). Redator: João Pedro Silvestrin. Julgamento: 02/06/2011. Disponível em www.trt4.jus.br. Acesso em: 22-10-2011.]

AGRAVO DE PETIÇÃO. GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. O reconhecimento da existência de grupo econômico resulta na responsabilização de forma solidária de todas as empresas dele integrantes. Inteligência do artigo 2º, § 2º, da CLT. [TRT 4ª R. 5ª T. Acórdão do processo 0157400-58.2003.5.04.0221 (AP). Redator: Clóvis Fernando Schuch Santos. Julgamento: 06/10/2011. Disponível em www.trt4.jus.br. Acesso em: 22-10-2011.]

EMBARGOS DE TERCEIRO. GRUPO ECONÔMICO. A existência de parentesco próximo entre os sócios da reclamada no processo principal e os da agravante, com endereços coincidentes nos respectivos contratos constitutivos, a similaridade de objetos sociais e a atuação do sócio da reclamada no estabelecimento da terceira embargante demonstram a contento a existência de grupo econômico, com responsabilidade solidária pela execução, nos termos do art. 2º, § 2º, da CLT. [TRT 4ª R. 3ª T. Acórdão do processo 0000679-81.2010.5.04.0561 (AP). Redator: João Ghisleni Filho. Julgamento: 15/06/2011. Disponível em www.trt4.jus.br. Acesso em: 22-10-2011.]

ILEGITIMIDADE ATIVA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO. Correta a posição do Juízo da Origem quanto ao redirecionamento da execução ao sócio de fato da executada, condição esta que restou demonstrada nos autos. A circunstância de o aludido sócio haver se retirado da sociedade em momento bastante anterior ao ajuizamento da demanda não afastada a possibilidade de vir ele a responder pelo crédito reconhecido ao trabalhador. [TRT 4ª R. 2ª T. Acórdão do processo 0000824-38.2010.5.04.0303 (AP). Redator: Alexandre Corrêa da Cruz. Julgamento: 28/07/2011. Disponível em www.trt4.jus.br. Acesso em: 22-10-2011.]

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Sobre os autores
Gilberto Destro

Juiz do Trabalho do TRT da 4ª Região/RS. Especialista em Direito Processual Civil.

Cesar Zucatti Pritsch

Juiz do Trabalho do TRT da 4ª Região/RS. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho. Ex-Procurador Federal da Advocacia-Geral da União e Ex-Advogado da Petrobras

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DESTRO, Gilberto ; PRITSCH, Cesar Zucatti. Bacen CCS: cadastro de clientes do Sistema Financeiro Nacional.: Uma valiosa ferramenta para a execução trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3248, 23 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21839. Acesso em: 22 dez. 2024.

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