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A abusividade na prestação de serviços de telefonia

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"Impulso é um sistema criado para calcular o tempo que você conversa ao telefone nas chamadas locais. Por exemplo: quando você efetua uma ligação, registra-se um impulso no momento em que o telefone chamado é atendido. A partir daí, é registrado um impulso para cada 4 minutos, ocorrendo o primeiro impulso adicional ao acaso com relação ao início da chamada. Para calcular o tempo de conversa, existe um contador de chamadas, aparelho de precisão instalado na companhia telefônica e ligado ao terminal do cliente". (grifo nosso)

Esta informação é fornecida na lista telefônica, visando a prestar ao consumidor esclarecimentos acerca da forma como o serviço é cobrado. Este método é conhecido como Karlsson Acrescido. As cobranças são feitas com fulcro na Lei Geral de Telecomunicações, no contrato de Concessão que atribui à ANATEL competência para regular o setor, no decreto n.º 2338 de 1997 e na Resolução 85, de 30/12/98, da Anatel, publicada no D.O.U. de 31/12/98.

A partir destes dados é possível formular pelo menos duas questões juridicamente relevantes, como passamos a analisar.

A primeira delas tem nascedouro no conflito entre a forma de cobrança e o disposto no art. 39, I, parte final, da lei 8.078 de 11 de Setembro de 1990.

Art.39 É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas::

I- Condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.

A aquisição do referido serviço se dá em grupos de 4 unidades, considerando-se como unidade cada minuto ou mesmo em grupos de 240 unidades, tomando-se por base os segundos. É estabelecido, portanto, limite quantitativo para a prestação do serviço. O consumidor não tem a prerrogativa de contratar o serviço de forma diversa, como, por exemplo, pagar pelo uso de 15 segundos. Ocorre a chamada venda casada, prática bastante comum nos contratos bancários (abertura de conta corrente vinculada à de conta poupança, concessão de crédito pessoal vinculada à celebração de contrato de seguro etc.) e na venda de pequenas mercadorias (4 pilhas, 3 sabonetes...). As companhias telefônicas usufruem de um mercado em permanente expansão e com pouca concorrência, pelo que não há, aparentemente, justa causa para a prática desta modalidade de venda. Destarte, é inaceitável a alegação de falta de condições financeiras para modernização do contador de chamadas, sendo estas questões que devem ser resolvidas interna corporis, não servindo para eximi-las da adequação de sua atividade às normas esposadas no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Caracterizada estaria, portanto, a abusividade da forma de medição de impulsos. É evidente que a existência da resolução da Anatel, bem como a mera alegação do uso de tecnologia de alta precisão e segurança, por si só, não isentam as companhias telefônicas da obrigação que lhe é imposta por lei, nos termos do art. 39, I, da Lei 8.078/90. Nasce para o consumidor o direito de pleitear o pagamento apenas do serviço efetivamente utilizado, furtando-se ao custeamento injustificado de valor excedente. Caberia ainda, nos termos do art. 56 e seguintes da lei 8.078/90, aplicação, pela autoridade administrativa, das sanções legais, fundada em infração de norma de defesa do consumidor.

A segunda questão que pretendemos analisar é concernente à expressão "ao acaso" utilizada na definição de impulso. No momento em que o telefone chamado é atendido registra-se o primeiro impulso. Pelo sistema de cobrança adotado, um impulso a cada quatro minutos, que, insistimos, consideramos abusivo, o próximo impulso só poderia ser registrado quatro minutos após, o que não ocorre. A leitura do contador é feita sempre nos mesmos horários, como, por exemplo:

* = impulso

14:00__14:04__14:08__14:12__14:16__14:20__14:24__14:28

*         *             *         *         *             *             *         *

Desta forma, a cobrança de impulsos é variável, podendo ser feita mais de uma vez no período de quatro minutos. Se o telefonema for atendido às 14:03 e desligado às 14:05 o consumidor terá utilizado o serviço por apenas dois minutos, mas pagará 2 impulsos, um relativo ao atendimento da ligação (14:03) e outro no momento em que o contador fizer a leitura (14:04).

14:00__14:04__14:08__14:12__14:14__14:16__14:18__14:20

*             *          *         *             *         *             *         *         ( 14:03 )

Ainda há o plus da não informação ao consumidor sobre a hora exata da leitura, privando-o da oportunidade de utilizar o serviço de forma mais econômica. A variação do preço da chamada ocorre à revelia do consumidor, caracterizando abusividade e conseqüente nulidade da cláusula contratual que a prevê, nos termos do Art. 51, X, do já citado diploma legal.

Art.51 - São nulas de pleno direito as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos ou serviços que:

X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de forma unilateral.

O preço de uma ligação telefônica de 5 segundos pode ser equivalente a um impulso ou a dois, sem que o consumidor tenha a prerrogativa de intervir nesta variação. O aumento do preço a ser pago obedecerá a critérios quase que subjetivos, o que é inadmissível em nossos tempos e sob a ótica do atual ordenamento jurídico.

Impressiona-nos constatar que, ao décimo primeiro ano do Código de Defesa do Consumidor, ainda ocorram práticas desta natureza sem que a sociedade, visivelmente insatisfeita com os serviços prestados, consiga exigir do Estado a revisão destes contratos.

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Sobre o autor
Hugo Barbosa Torquato Ferreira

Juiz de Direito em Assis Brasil (AC). Foi advogado e Agente de Polícia Federal. Autor dos livros “Questões cíveis enfrentadas pelo STF e pelo STJ em 2007” (ISBN: 978-85-7716-414-1) e “Questões Criminais enfrentadas pelo STF e pelo STJ em 2007” (ISBN: 978-85-7716-415-8).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Hugo Barbosa Torquato. A abusividade na prestação de serviços de telefonia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2194. Acesso em: 28 mar. 2024.

Mais informações

Artigo registrado no 2º Serviço Registral deTítulos e Documentos da comarca de Belo Horizonte, no livro m-14 sob o n.º 95072.

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