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A Garantia constitucional do contraditório

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O CONTRADITÓRIO NA CONSTITUIÇÃO DE 1998

O prof. Uadi Lammêgo Bulos faz uma breve cronologia do princípio do contraditório nas Constituições brasileiras, afirmando que "o princípio do contraditório não alcançava de modo expresso, os processos civil e administrativo. Apenas em relação ao processo penal a garantia vinha expressa.

A partir de 1988, a inovação foi profunda e muito significativa, porque ampliou a abrangência do contraditório. Agora ele abarca, além do processo penal, o civil e o administrativo"(22). A Constituição de 1969 assegurava aos acusados a ampla defesa e o contraditório, mas parcela significativa da doutrina defendia a aplicação do contraditório e da ampla defesa não só ao processo penal como aos processos civil e administrativo.

A Constituição de 1824 trazia em seu art. 179, XI e XVII, as seguintes disposições:

XI. Ninguém será sentenciado, senão pela Autoridade competente, em virtude de lei anterior e na fórma por ella prescripta.

XVII. A’ excepção das Causas, que por sua natureza pertencem a Juízos particulares, na conformidade das Leis, não haverá Foro privilegiado, nem commissões especiaes nas causas cíveis, ou crimes.

A Constituição de 1891 em seu art.72, §§ 15, 16 e 23, prescrevia:

§15. Ninguém será sentenciado, sinão pela autoridade competente, em virtude de lei anterior e na forma por ella regulada.

§16. Aos accusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos os meios essenciaes a ella, desde a nota de culpa, entregue em vinte e quatro horas ao preso e assignada pela autoridade competente, com os nomes do accusador e das testemunhas.

§23 A’ excepção das causas, que, por sua natureza, pertencem a juízos especiaes, não haverá foro privilegiado.

Em 1934, a Constituição tratava das garantias processuais no art.113, 24 a 26, in verbis:

24) A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os meios e recursos essenciaes a esta.

25) Não haverá foro privilegiado nem tribunaes de excepção; admittem-se, porém, juízos especiaes em função da natureza das causas.

26) Ninguém será processado, nem sentenciado, senão pela autoridade competente, em virtude de lei anterior ao facto, e na fórma por ella prescripta.

Já na Constituição de 1937, de cunho totalitário, não foram previstas garantias constitucionais do processo que voltaram a ter assento constitucional na Carta de 1946, art. 141, §§ 25 a 27:

§25 E’ assegurada aos acusados a plena defesa, com todos os meios essenciais a ela, desde a nota de culpa, que, assinada, pela autoridade competente, com os nomes do acusador e das testemunhas, será entregue ao prêso dentro em vinte e quatro horas. A instrução criminal será contraditória.

§26 Não haverá foro privilegiado nem juízes e tribunais de exceção.

§27 Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente e na forma da lei anterior.

A Constituição de 1967 previa a ampla defesa em seu art.150, §§ 15 e 16:

§15 A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os recursos a ela inerentes. Não haverá fôro privilegiado nem tribunais de exceção.

§16 A instrução criminal será contraditória, observada a lei anterior quanto ao crime e à pena, salvo quando agravar a situação do réu.

A EC/nº 1 de 1969, por muitos considerada uma nova constituição, manteve em ser art. 153 as regras da carta anterior.

A Constituição de 1988 ampliou as garantias constitucionais do processo e em seu art., LV garantiu aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geram o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes.

"O conteúdo do princípio constitucional do contraditório é sobejamente claro: garantir aos litigantes o direito de ação e o direito de defesa, respeitando-se a igualdade das partes. Por isso todos aqueles que tiverem alguma pretensão a ser deduzida em juízo podem invocar o contraditório a seu favor, seja pessoa física ou jurídica"(23).

E não é só, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é farta em exemplos onde se aplicou concretamente a garantia constitucional do contraditório, v.g.:

Respeita-se o princípio constitucional do direito de defesa quando se enseja ao réu, permanentemente assistido por defensor técnico, o seu exercício em plenitude, sem a ocorrência de quaisquer restrições ou obstáculos "criados pelo estado" que possam afetar a cláusula inscrita na Carta Política assecuratória do contraditório e de todos os meios e conseqüências derivados do postulado do due process of law (STF, RT 643/389).(24)

A propriedade selecionada pelo órgão estatal para o fim de desapropriação por interesse social visando à reforma agrária não dispensa a notificação prévia a que se refere o §2º do art.2º da Lei 8629/93, de tal modo a assegurar aos seus proprietários o direito de acompanhar os procedimentos preliminares para o levantamento dos dados físicos objeto da pretensão desapropriatória. O conhecimento prévio que se abre ao proprietário consubstancia-se em direito fundamental do cidadão, caracterizando-se a sua ausência patente violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa (STF, RDA 208/276).(25)


CONCLUSÕES

Sem prejuízo das conclusões parciais lançadas no curso deste trabalho, alinha o autor algumas conclusões que considerou de maior importância acerca dos temas abordados:

1) O devido processo legal tem origem na Magna Carta inglesa de 1215, tendo depois se expandido para os Estados Unidos onde obteve sua consagração;

2) O contraditório é garantia fundamental do cidadão, inscrita na Constituição brasileira e em diversas Constituições contemporâneas;

3) Pode-se vislumbrar o contraditório nos três tipos clássicos de processo: conhecimento, execução e cautelar. No processo de execução o contraditório é mais restrito do que nos outros dois tipos de processo;

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4) A garantia do contraditório faz-se necessária para garantir a segurança jurídica no atuar estatal, sem o contraditório, poderíamos retornar a processos Kafkanianos como os da Idade Média;

5) Os grandes ordenamentos jurídicos ocidentais asseguram o contraditório e a ampla defesa em suas Constituições e quando assim não o fazem, os garantem através da jurisprudência ou de suas tradições;

6) No geral, as Constituições brasileiras sempre asseguraram garantias ao acusado. A Constituição de 1988, no entanto, ampliou de maneira explícita as garantias constitucionais do processo. Além disso, o Art.5º. LV garantiu expressamente o contraditório e a ampla defesa aos processos judiciais e administrativos.


NOTAS

1. PENA, Martins. O noviço – O Juiz de paz na roça – Quem casa quer casa. São Paulo, Martin Claret, pp. 76 e 77.

2. JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo, RT, 5ª Edição, p.31.

3. JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo, RT, 5ª Edição, passim.

4.JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo, RT, 5ª Edição, p.33.

5. BARRON, Jerome e DIENES, C. Thomas. Constitucional Law in a Nut Shell. West Publishing, 3rd Edition, p.202.

6. JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo, RT, 5ª Edição, pp. 36 e 37.

7. JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo, RT, 5ª Edição, p. 38.

8.JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo, RT, 5ª Edição, p.40.

9. FREITAS, José Lebre de. Introdução ao Processo Civil - Conceito e princípios gerais à luz do Código revisto. Coimbra, Coimbra Editora, pp.96 e 97.

10. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo, Atlas, 8ª Edição, p.117.

11. ROSAS, Roberto. Direito Processual Constitucional – Princípios do Processo Civil. São Paulo, RT, 2ª edição, passim.

12. JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo, RT, 5ª Edição, p.129.

13.JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo, RT, 5ª Edição, p.136.

14. DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. São Paulo, Malheiros, 2ª Edição, p.124.

15. DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. São Paulo, Malheiros, 2ª Edição, p.131.

16. MOLAN, Michael. Constitucional and Administrative law textbook. HLT publications, 15th Edition, p.265.

17. BARRON, Jerome e DIENES, C. Thomas. Constitucional Law in a Nut Shell. West Publishing, 3rd Edition, p.211.

18. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra, Livraria Almedina, p.395.

19. SEGADO, Francisco Fernandez. El Sistema Constitucional Español. Madrid, Dykinson, 1992, p.268.

20. FAVOREU, Louis; GAIA, Patrick; GHEVONTIAN, Richard e outros. Droit Constitutionnel. Paris, Dalloz, pp.866 e 877.

21. CRISAFULLI, Vezio e PALADIN, Livio. Commentario breve alla constituzione. Padova, Cedam, p.24.

22. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo, Saraiva, p.239.

23. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo, Saraiva, p. 240.

24. BARROSO, Luís Roberto. Constituição da República Federativa do Brasil – Anotada e legislação complementar. São Paulo, Saraiva, p.44.

25. BARROSO, Luís Roberto. Constituição da República Federativa do Brasil – Anotada e legislação complementar. São Paulo, Saraiva, p.45.


BIBLIOGRAFIA

BARRON, Jerome e DIENES, C. Thomas. Constitucional Law in a Nut Shell. West Publishing, 3rd Edition.

BARROSO, Luís Roberto. Constituição da República Federativa do Brasil – Anotada e legislação complementar. São Paulo, Saraiva.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo, Saraiva.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra, Livraria Almedina.

CRISAFULLI, Vezio e PALADIN, Livio. Commentario breve alla constituzione. Padova, Cedam.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. São Paulo, Malheiros, 2ª Edição.

FAVOREU, Louis; GAIA, Patrick; GHEVONTIAN, Richard e outros. Droit Constitutionnel. Paris, Dalloz.

FREITAS, José Lebre de. Introdução ao Processo Civil - Conceito e princípios gerais à luz do Código revisto. Coimbra, Coimbra Editora.

JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo, RT, 5ª Edição.

MOLAN, Michael. Constitutional and Administrative Law textbook. HLT publications, 15th Edition.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo, Atlas, 8ª Edição.

PENA, Martins. O noviço – O Juiz de paz na roça – Quem casa quer casa. São Paulo, Martin Claret.

ROSAS, Roberto. Direito Processual Constitucional – Princípios do Processo Civil. São Paulo, RT, 2ª edição.

SEGADO, Francisco Fernandez. El Sistela Constitucional Español. Madrid, Dykinson, 1992.

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Sobre o autor
Bruno Novaes Bezerra Cavalcanti

assessor técnico de gabinete da Câmara Federal, advogado em Recife(PE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTI, Bruno Novaes Bezerra. A Garantia constitucional do contraditório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2218. Acesso em: 19 abr. 2024.

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