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Apontamentos sobre a inconstitucionalidade da concorrência sucessória entre o companheiro sobrevivente e os parentes colaterais do falecido

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6. CONCLUSÃO.

No decorrer deste trabalho observamos a evolução do tratamento dispensado às entidades familiares pela legislação pátria. A família patriarcal e patrimonializada perdeu espaço para a família fundada na valorização dos laços de amor, respeito e afeto.

A princípio, o único meio legítimo de constituição de família era o casamento. Contudo, diante da necessidade da adequação da norma à realidade social, a Constituição Federal de 1988 conferiu proteção jurídica às famílias oriundas de uniões estáveis e à família monoparental. 

Os novos princípios e valores constitucionais promoveram não só a constitucionalização do Direito Civil, mas também a repersonalização do Direito de Família e das Sucessões, sendo vedada qualquer forma de discriminação com relação à forma de constituição de família.

As Leis nº. 8.971/94 e 9.278/96 regulamentaram a união estável, atribuindo aos companheiros direitos sucessórios semelhantes aos do cônjuge sobrevivente.

No entanto, os avanços alcançados pelas leis da união estável foram ignorados pelo Código Civil de 2002, que gerou inúmeras polêmicas, sobretudo pelo tratamento sucessório diferenciado conferido ao cônjuge e ao companheiro sobrevivente.

Há, inclusive, quem defenda a constitucionalidade de estatutos sucessórios diferenciados entre cônjuges e companheiros, argumentando que a Carta Política de 1988 não equiparou a união estável ao casamento. Com o devido respeito, esta não nos parece a melhor doutrina.

Nesse contexto, causa imenso espanto a disposição do art. 1.790, inciso III do Código Civil, que, ao estabelecer a concorrência sucessória entre os parentes colaterais do falecido e o companheiro sobrevivente, foi de encontro à Constituição, que não explicitou qualquer distinção entre as formas de constituição de família.

Os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade, da solidariedade e da vedação ao retrocesso impedem a discriminação instituída pelo dispositivo em comento.

Desta forma, ao companheiro deveria ser atribuído regime sucessório idêntico ao dos cônjuges, ou seja, o convivente deveria ocupar o terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, cabendo-lhe a totalidade da herança na ausência de descendentes e ascendentes, sendo-lhe atribuída, também, a condição de herdeiro necessário.

Como visto, há inúmeros doutrinadores e magistrados que corroboram esse entendimento, motivo pelo qual mostra-se imperiosa a reforma do Código Civil ou, diante da morosidade do Poder Legislativo nacional, a declaração de inconstitucionalidade do inciso III, do art. 1.790 do Código Civil com eficácia erga omnes, com o objetivo de impedir que situações semelhantes tenham soluções diversas e, até mesmo, injustas.

Em que pese a existência de dois Projetos de Lei para alteração do referido dispositivo, inexiste previsão para a aprovação dos mesmos no Congresso Nacional, razão pela qual caberá aos magistrados, apoiados na doutrina, promover o controle difuso de constitucionalidade, alcançando a justiça nos casos concretos através da leitura do Código Civil à luz dos supracitados princípios constitucionais.


7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

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Sobre a autora
Joyce Keli do Nascimento Silva

Advogada atuante em causas cíveis e de família, Bacharel em Direito, Especialista em Ciências Penais, Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Joyce Keli Nascimento. Apontamentos sobre a inconstitucionalidade da concorrência sucessória entre o companheiro sobrevivente e os parentes colaterais do falecido. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3299, 13 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22210. Acesso em: 25 abr. 2024.

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