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Imunidade ou impunidade?

Sobre prisão especial do advogado

01/10/2001 às 00:00
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Datíssima maxima venia, de logo descartada qualquer diatribe ou mesmo estutilóquio, mas, respeitosamente, sinto discordar da posição esposada pelo prezado, emérito e colega Dr. Paulo Tadeu ao defender, em seu artigo O advogado e sua prisão(1), prerrogativa de prisão especial ou de não ser recolhido preso senão em sala do estado-maior castrense, antes de sentença transitada em julgado, para advogados e possuidores de nível superior, enquanto advogados ou doutores criminosos, posto que - no meu entender - a máxima jurídica de "tratar igualmente aos iguais e desigualmente aos desiguais na medida de suas desigualdades", vista sob a ótica e égide dos direitos humanos, que são universais, além de ferir de morte à isonomia jurídico-legal, antes de tudo, discrimina, olvida a isonomia em si mesma e faz menoscabo da eqüidade universal dos direitos humanos. Afinal, todos somos seres humanos e iguais perante a lei, temos direito ao devido processo legal, apuração regular da falta, garantia da ampla defesa e um julgamento imparcial, legal, justo e sem privilégios ou prerrogativas.

Ademais, não é despiciendo lembrar que "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente", ou seja, somente nesses termos e condições é admissível a prisão de alguém (qualquer pessoa, ser humano, qualquer sujeito universal de direito), consoante preceitua a CF/88 em seu Art. 5º, LXI(2).

Mas antes o Art. 295, caput e seus incisos, do Decreto-Lei nº 3689(3), de 03 de outubro de 1941, que trata do processo penal, já dispunha sobre os privilégios do recolhimento a quartéis ou a prisão especial, senão vejamos, litteris:

"Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição de autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva: I – os ministros de estado; II – os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia; III – os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembléias legislativas dos Estados; IV – os cidadãos inscritos no ‘Livro dos Méritos’; V – os oficiais das Forças Armadas e do Corpo de Bombeiros; VI – os magistrados; VII – os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República; VIII – os ministros de confissão religiosa; IX – os ministros do Tribunal de Contas; X – os cidadãos que já tiveram exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função; XI – os delegados de polícia e os guardas civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos". – grifei – haja quartel ou prisão especial para tantos apaniguados privilegiados, não?

Entrementes, senão bastantes tal e tais privilégios, eis que a lei infraconstitucional nº 8906, de 04 de julho de 1994, inova em matéria processual ao criar senão uma condição especialíssima de não prisão para o advogado infrator, mas, principalmente, ao estabelecer pré-requisitos, prerrogativas e privilégios super-especiais, exatamente, para se evitar sua prisão, quais sejam: a) não ser recolhido preso senão em sala de estado-maior – não mais lhe serve o quartel e sim o Estado-Maior -; b) mesmo assim, dês que sejam em instalações e comodidades condignas – se reconhecidas pela OAB, e; c) finalmente, na falta destas, em prisão domiciliar – vide Art. 7º, V, da sobredita lei. Quanta fidalguia.

Diga-se, ainda, que tudo isto antes de transitada em julgado. Vale dizer, havendo ou não a prisão em flagrante delito ou mesmo a ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, se não houver sala de estado-maior no quartel, e, em havendo, mas não sendo reconhecida suas instalações e comodidades condignas, pela OAB, porquanto lhe restará, como menagem, apenas seu lar doce lar.

Aliás, é de se dizer que todo privilégio e/ou prerrogativa torna-se, efetivamente, numa odiosa sinecura, perversa vantagem especial e exclusiva discriminação. De mais a mais, tal e tais prerrogativas, mordomias e imunidades remontam à taxionomia de castas sociais ínsitas à monarquia, como se pudesse admitir classes ou categorias de seres humanos ou mesmo de cidadania, a despeito de muitos assim procederem, i.e., uns, da chamada elite, se acharem mais cidadãos que outros e só pelo fato de terem um diploma ou um anel no dedo - muita vez, estes é que cometem os mais absurdos e hediondos dos delitos.

De outro modo, eis que não só os muitos diplomados e detentores de cursos superiores têm-se aproveitado da regalia do "canudo de papel", que a lei lhes assegura, para adedremente cometerem os mais diversos, escabrosos, perversos e cruéis delitos comuns e hediondos crimes, e, ao depois, quando cometem tais delitos, não querem ser tratados como réus ou presos comuns.

Nada obsta que haja, nas casas de detenção, nos presídios e nas penitenciárias celas especiais para receberem esses excelentíssimos delinqüentes especiais. É bastante destinar parte do pavilhão ou dos seus cômodos como PRISÃO ESPECIAL, isolando-a dos demais presos comuns, para não macular a honra desses excelentíssimos ajanotados senhores e insignes fidalgos.

Ora, qual o gravame maior: um vulgo cometer um delito, por mera e laica ignorância, ou o doutor (o excelentíssimo) que bem sabe da gravidade do tipo penal que comete? Malgrado seu canudo, ao cometer o delito, ele se torna igualmente ao criminoso comum, assim há de ter tratamento igual: uma cela comum; se condenado – é tratar igualmente aos iguais. O quê é mais hediondo: o dolo ou a culpa? O crime praticado pelo mero ou pelo culto? O justo seria cobrar mais de quem mais tem. Mas, no entanto, se sabe que não é assim. Quem é mais ciente e responsável por seus atos o mero ignorante ou o sábio doutor?

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Doutra banda, esse Estatuto da Ordem se nos antolha um tanto quanto revanchista ou até certo ponto discriminatório, mormente quanto aos militares e policiais militares que são proibidos de advogarem (poderiam ser impedidos ou mesmo terem restrições, jamais alijados com tais vetos) isto não existe para quaisquer outras categorias profissionais (médico, engenheiro, arquiteto, promotor, procurador, delegado, professor, psicólogo, etc.). Ou seja, não há tais vetos para essas outras categorias e/ou mesmo para o servidor público civil, em geral.

Demais disso, é de se salientar que, ao final de tais cursos, de nenhuma dessas categorias ou outra qualquer se exige um exame para "comprovar" a qualificação e/ou capacitação que o curso universitário o habilitou. Tal exame só existe no curso de direito e na ordem(?) O que consiste numa odiosa discriminação e em abjeta desconfiança dos cursos de direitos, no mínimo, é uma supremacia à autoridade pedagógica e didática do magnífico reitor de qualquer universidade, que, por lei, tem plenos poderes para conferir o grau ao formando universitário.

Ademais, se determinado profissional causídico - indispensável que é à administração da justiça - não quer e até mesmo não admite sequer ser preso e recolhido às celas comuns de casas de detenção, presídios ou penitenciárias, então que não cometa os delitos comuns, que ele tão bem lhes conhece os tipos penais posto que ele tem o dever ético, moral, legal e profissional de não cometer tais delitos, muito pelo contrário, tem o dever de evitá-los e combate-los. Ora, se é assim, então por quê não ficam nas delegacias com seus colegas bacharéis em direito delegados de polícia?

Portanto, creio que já é chegada a hora de se dar um basta nos ditos crimes do colarinho branco, onde, com tais privilégios, diga-se imunidade, ditos doutores são recolhidos aos estados-maiores das diversas corporações castrenses. Eles não são militares e menos ainda policiais militares, para usufruírem tais mordomias.

Finalmente, se o exercício da advocacia é defeso ao militar e ao policial militar ativo(4), ou seja, para exercer a advocacia o militar ou o policial-militar é proibido e vetado, mas para acolher e proteger os advogados - criminosos excelências - e outros "doutores" não há óbices, vetos, impedimentos ou restrições, muito pelo contrário, eles se sentem até mais protegidos e bem tratados. Não é, no mínimo, estranho e/ou mesmo paradoxal? – servimos para servir-lhes, apenas.


Notas

1. ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues – O advogado e sua prisão, publicado na Web, nos sites www.ujgoias.com.br www.jus.com.br , www.djuris.cjb.net e www.militar.com.br.

2. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

3. Código de Processo Penal Comum Brasileiro.

4. Vide nesse sentido: O servidor castrense e o veto ao exercício da advocacia in www.djuris.cjb.net deste Autor.

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Sobre o autor
Joilson Gouveia

Bacharel em Direito pela UFAL & Coronel e Transferido para Reserva Remunerada da PMAL.Participou de cursos de Direitos Humanos ministrados pelo Center of Human Rights da ONU e pelo Americas Watch, comendador da Ordem do Mérito Municipalista pela Câmara Municipal de São Paulo. Autor, editor e moderador do Blog D'Artagnan Juris

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Joilson. Imunidade ou impunidade?: Sobre prisão especial do advogado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2235. Acesso em: 22 dez. 2024.

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