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Marco civil da internet: o porquê, para o quê e omissões

16/08/2012 às 16:00
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A ilegalidade de alguns materiais devem sempre ser submetidas ao crivo do Judiciário, porém outros demandam análise mais rápida e são de fácil identificação, como por exemplo, o uso indevido de imagem, marca ou propriedade intelectual. Mesmo diante da omissão legislativa, não haverá óbice algum para que os termos de uso dos sites estabeleçam determinados critérios e regras de sua utilização.

Inicia-se o mês de agosto e renovam-se as esperanças de o Projeto de Lei nº 2126/2011 ser finalmente votado na comissão especial da Câmara dos Deputados. Trata-se do Marco Regulatório da Internet no Brasil, o famoso Marco Civil. Nome bom para delimitar seu conteúdo: questões de cunho exclusivamente civil. Ou seja, embora muitos achem que ali vão estar previstas novas condutas criminosas ou agravamento das penas para tipos penais já existentes, o projeto apenas trata de matéria civil, ainda que cause alguns reflexos criminais.

Essa delimitação não traz qualquer demérito ao projeto. Pelo contrário. Diferente das iniciativas pelo mundo de regulação de alguns aspectos relacionados à rede mundial de computadores, como SOPA, PIPA e ACTA, que têm como foco principal a proteção da propriedade intelectual, o Marco Civil caminha ao lado do usuário, garantindo-lhe direitos básicos no seu relacionamento com os provedores de conexão e conteúdo.

Certo que tais princípios basilares já estão previstos em nossa Carta Magna e outras garantias trazidas ao usuário devidamente abrangidas pelo Código de Defesa do Consumidor, como a necessidade de informações claras e ostensivas sob o regime de proteção aos dados pessoais. Convenhamos que isso já é uma obrigação do prestador de serviço, seja de conexão ou conteúdo, com base nos incisos III e IV do CDC. Obviamente não é função nem da Constituição da República e muito menos da legislação esparsa ser específica ao ponto de prever todas as relações pessoais ou comerciais que podem surgir na sociedade. Basta uma interpretação adequada para termos inúmeras situações abrangidas. A lei não pode ser demasiadamente específica, sobretudo quando relacionada à tecnologia, sob o risco de se tornar obsoleta.

Dizendo assim até parece que não seria necessária a adoção de um Marco Civil. Justamente. Desnecessária uma lei infraconstitucional dizer que ao cidadão são garantidos os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Todavia, outros aspectos carecem de regulação adequada e não vejo prejuízos em ressaltar tais direitos e garantias com uma redação mais voltada para o meio digital, como preâmbulo dessa normatização. Facilitará sua aplicação, especialmente aos operadores de direito não afetos à realidade digital.

Uma legislação civil para a internet não pode deixar de estabelecer os limites da responsabilidade dos provedores de conexão e conteúdo, e questões relacionadas à guarda de dados, definindo o tempo que deverão armazená-los. Tais pontos são fundamentais. O primeiro por permitir a inovação e o empreendedorismo no meio digital, visto que ao empreendedor será facilitada a contabilização dos riscos jurídicos de seu negócio e assim adotar medidas preventivas. O segundo ponto, guarda de dados, é relevante pelo fato de tais registros serem fundamentais para identificação de usuários, sejam para produção de prova civil ou mesmo para subsidiar investigação criminal.

São justamente esses dois pontos, a responsabilidade civil e a guarda de dados, que mais trazem calor aos debates do Marco Civil. Acrescenta-se aqui, num nível menos quente, mas não de menor relevância a questão da neutralidade da rede, a ser debatida em outro momento. Desde as consultas públicas, via internet, até as últimas audiências realizadas sob o comando da Comissão Especial da Câmara, e ainda por artigos, “posts” nas redes sociais, discussão entre amigos, esses temas prevaleceram.

Pela última versão do substitutivo apresentado pelo relator Deputado Alessando Molon, os provedores de conteúdo não serão obrigados mais a retirar material da internet, ainda que notificados pelo usuário e independente de seu teor. Com a proposta, o provedor somente será responsável quando não atender a ordem judicial de remoção, evitando que provedores façam análise jurídica de conteúdos. Isso vem de encontro com o que vinha sendo estabelecido pela jurisprudência. O Superior Tribunal de Justiça entende que os provedores de conteúdo (excluem-se os sites de pesquisa) são responsáveis caso não atendam as solicitações dos usuários se suficientemente demonstrada a ilegalidade do material. O STJ foi além ao fixar o prazo de 24 horas para tornar indisponível o conteúdo. Registre-se que o próprio tribunal não determina a remoção nesse prazo, mas a suspensão até averiguação da procedência do pedido do usuário que se sentir lesado.

Nesse aspecto, importante registrar que o Marco Civil estabelece a não responsabilização civil, deixando em aberto a possibilidade de responsabilização criminal do provedor de conteúdo como, por exemplo, casos de pedofilia ou crime autoral. Nada impedirá então que haja remoção de conteúdo pelo provedor, se o material postado, tiver teor criminoso (filmes piratas, p.ex.) ou se contrariar a política do serviço (pornografia). Havendo abuso aquele que sentir-se lesado pela conduta do site poderá demandar solução judicial. Essa omissão foi uma perda no substitutivo, cuja versão original previa expressamente tais questões. A omissão não proíbe, mas deixa uma dúvida aos magistrados que poderá levar à insegurança jurídica. Concordo que a ilegalidade de alguns materiais devem sempre ser submetidas ao crivo do judiciário, porém outros, demandam análise mais rápida e são de fácil identificação, como por exemplo, o uso indevido de imagem, marca ou propriedade intelectual. Importante ressaltar mesmo diante da omissão legislativa, não haverá óbice algum para que os termos de uso dos sites estabeleçam determinados critérios e regras de sua utilização.

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Quanto à guarda de dados, atualmente apenas se tem uma orientação do Comitê Gestor da Internet para a guarda por três anos. A obrigação prevista pelo projeto para o armazenamento se faz pelo período de um ano. Prazo razoável. Porém é preciso esclarecer que essa obrigação somente se dá para os provedores de conexão e não aos de conteúdo, chamados pelo projeto de “Provedores de aplicações de Internet”. Assim, o armazenamento dos dados não mais será obrigatório, por exemplo, às redes sociais, dificultando a localização do infrator que, por exemplo, posta conteúdo difamatório. Claro que para a maioria das redes sociais a guarda de dados é fundamental ao modelo de negócio, mas a falta de obrigatoriedade legal não impedirá a recusa ao fornecimento dos mesmos à autoridade policial ou judicial.

Essa é a principal questão que deve ser modificada pelos parlamentares. Não se pretende que haja uma violação à privacidade dos usuários, até porque protegida por outros dispositivos do projeto, mas sim que não se deixem impunes inúmeras condutas criminosas e também aqueles que usam as redes sociais para denegrir a honra de terceiro, causando danos gravíssimos à sua psique, dada a velocidade de propagação e enorme capacidade de abrangência das informações na era digital.

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Sobre o autor
Rafael Fernandes Maciel

Advogado. Sócio do escritório Rafael Maciel Advogados Associados S/S. Conselheiro de Assuntos Legislativos da Confederação Nacional da Indústria - CNI e Diretor de Assuntos Legislativos da CONAJE. Especialista em Direito Empresarial e Direito Digital.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACIEL, Rafael Fernandes. Marco civil da internet: o porquê, para o quê e omissões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3333, 16 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22433. Acesso em: 19 abr. 2024.

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