2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS
Os princípios demonstram a preocupação do legislador constituinte originário, em proteger a sociedade brasileira da criação excessiva de tributos, embora não seja suficiente, pois o Brasil é um dos países de maior carga tributária mundial, o que resulta na estagnação do País, ante a limitação do poder de compra da maioria dos brasileiros, além de frear o desenvolvimento industrial e o investimento estrangeiro. 53
“A palavra princípio é equívoca. Aparece com sentidos diversos. Apresenta acepção de começo, de início. Norma de princípio (ou disposição de princípio), por exemplo, significa norma que contém o início ou esquema de um órgão, entidade ou de programa, como são as normas de princípio intuitivo e as de princípio programático. Não é nesse sentido que se acha a palavra princípio da extensão princípios fundamentais do Título I da Constituição. Princípio aí exprime a noção de “mandamento nuclear de um sistema”.”54
O jurista Bandeira de Mello55 define princípio como:
“[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.
[...] violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”
Também há que se observar o conceito que Crisafuli apresenta para os princípios constitucionais tributários, em função de suas características normativas:
“Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais) das quais determinam, e, portanto, resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém.” 56
A Constituição Federal 57 elenca em seus princípios, os Princípios Constitucionais Tributários, que estabelecem os parâmetros ao poder de tributar. Ali estão expressos: Princípio da Legalidade, Princípio da Anterioridade, Princípio de Irretroatividade Tributária, Princípio da Interpretação Objetiva do Fato Gerador, Princípio da não cumulatividade, dentre outros.
2.1. Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade tributária é reflexo direto do Estado Democrático de Direito, tendo como função primordial limitar a possibilidade de que os tributos sejam exigidos ou aumentados somente através dos dispositivos legais. 58
Segundo Raymundo e Bezerra 59 o princípio da legalidade é, também aplicado aos direitos individuais e, de acordo com o preceituado na Constituição Federal, alcança todos os ramos do direito.
“Art. 5º; Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” 60
Mais adiante, o caput do art. 150 da Carta Magna, na seção II – “Das limitações do poder de tributar” tem a seguinte redação:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedada à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.”
O princípio da legalidade reforça, na área tributária, o comando contido no art. 5º, inciso II da Constituição.
Entende-se, portanto, que, pelo princípio da legalidade, nenhum tributo pode ser criado ou aumentado, sem a criação de uma lei que o regulamente. Esse princípio pode ser visto pelo prisma da legalidade formal e da legalidade material.
Explicam Raymundo e Bezerra 61 que a legalidade formal prevê a inserção da regra tributária no ordenamento jurídico e a legalidade material exige que a lei especifique os elementos que descrevem o fato jurídico e o conteúdo da relação obrigacional.
“Os artigos 150, I e 5º. II, da Constituição Federal vigente, referem-se à legalidade como princípio necessário à instituição e majoração de tributos, tanto do ponto de vista formal – ato próprio, emanado do poder legislativo – como do ponto de vista material, determinação conceitual específica, dada pela lei aos aspectos substanciais dos tributos, como hipótese material, espacial e temporal, consequências obrigacionais, como sujeição passiva e quantificação do dever tributário, alíquotas e base de cálculo, além das sanções pecuniárias dos deveres acessórios, da suspensão, extinção e exclusão do crédito.” 62
Entretanto, segundo explica Klein 63, na própria Constituição constam exceções ao princípio da legalidade, podendo ser alteradas as alíquotas dos impostos sobre exportação, importação, produtos industrializados e sobre operações financeiras e contribuição de intervenção sobre o domínio econômico (CIDE - combustíveis), através de ato do Poder Executivo, comumente Decreto Executivo.
“[..] é que tais impostos fazem parte da cadeia interventiva, necessitando o Executivo de instrumento ágil para aumentá-los ou reduzi-los para regular o comércio exterior (impostos de importação e exportação), a economia (IOF) ou a produção nacional (IPI).” 64
As exceções citadas pelo Desembargador Difini dizem respeito à União e só a ela é facultado alterar alíquotas, nos casos previstos na Constituição, mediante Decreto, não sendo permitido aos Estados e Municípios.
Coelho 65 explica que existe discrepância na doutrina quanto à validade dos atuais instrumentos legislativos existentes que regulam a possibilidade de alteração de alíquotas. Alguns entendem que as autorizações existentes não se encontram recepcionadas pela Constituição e que a Lei Complementar seria o veículo legislativo de autorização adequado para fixar a forma de alteração das alíquotas.
“A quebra da legalidade está mais restrita na Constituição Federal de 1988, uma vez que a faculdade concedida ao Poder Executivo não mais se estende às modificações de bases de cálculo, os quais somente por ato do poder legislativo podem ser alteradas. Acresce ainda que foram eliminadas as impropriedades técnicas existentes nos textos anteriores, como as “tarifas” aduaneiras e de transportes; reduziu-se o número de exceções à legalidade e à anterioridade; eliminou-se ainda a possibilidade, introduzida pela emenda constitucional nº 8 de 17.04.1977, de ampliação do rol exceptivo, mediante a edição de lei complementar.” 66
Segundo esse mesmo autor, as contribuições de toda natureza, de melhoria ou especiais (sociais, de intervenção no domínio econômico e instituídas no interesse de categorias profissionais e econômicas) conforme dispõe o art. 149 da Constituição, submetem-se, rigorosamente, sem qualquer atenuação, à legalidade e à anterioridade.
2.2. Princípio da Anterioridade
O Princípio da Anterioridade determina que todos os tributos devem ser instituídos ou aumentados no ano anterior à sua vigência, de acordo com o inciso II, alínea “b” do Art. 150 da Constituição Federal.
É uma forma de proteger o contribuinte que poderá programar suas atividades econômicas para não ser surpreendido por criação ou aumento de impostos; entretanto, a diminuição da carga tributária pode acontecer dentro do mesmo ano de vigência.
As exceções ao princípio da anterioridade estão elencadas no mesmo artigo, em seu parágrafo 1º: são os impostos federais de função regulatória (Imposto de importação e Imposto de Exportação, IOF e IPI), imposto extraordinário de guerra (art. 154, II, CF, empréstimo compulsório destinado a atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência (art. 148, I, CF).
2.3. Princípio da Anterioridade Nonagesimal
A Emenda Constitucional 42/200367, acrescentou ao art. 150, inciso III da Constituição, a alínea “c”, que institui, para os tributos em geral, e exigência de aguardar-se um período de 90 (noventa) dias entre a publicação da lei que crie ou aumente tributos e a produção de seus efeitos.
“Art. 150. ...
I- ....
II- .....
III- Cobrar tributos:
a) ....
b) No mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) Antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea “b”.”
Desta forma, atualmente, com o objetivo de conferir maior efetividade ao princípio da não-surpresa, garantia individual do contribuinte, os tributos em geral, observadas as exceções estabelecidas pela própria Constituição Federal, estão sujeitos, cumulativamente, ao princípio da anualidade do exercício financeiro e à exigência da noventena entre a instituição ou aumento do tributo e sua cobrança. 68
Raymundo e Bezerra 69 explicam que a própria Constituição, no corpo de suas disposições, estabelece as exceções ao princípio da não-surpresa tributária, tornando possível a cobrança de tributos como os impostos extraordinários de guerra, os compulsórios por motivo de guerra ou em razão de calamidade pública, dada a urgência da situação a exigir imediatos recursos.
“Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:
I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência.” 70
Está também preceituado pela Constituição Federal a concessão emitida ao Poder Executivo para alterar as alíquotas – dentro dos limites impostos pela lei – do Imposto de importação e exportação, Imposto sobre produtos industrializados, Imposto sobre operações de crédito, câmbio, seguros, títulos e valores mobiliários.
“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
I – importação de produtos estrangeiros;
II – exportação para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;
III – renda e proventos de qualquer natureza;
IV – produtos industrializados;
V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;
VI – propriedade territorial rural;
Grandes fortunas, nos termos da lei complementar.
§ 1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.” 71
As contribuições de seguridade social estão sujeitas apenas ao princípio da noventena, não sendo exigido que a publicação da lei que as institua ou modifique se dê no ano anterior ao início de sua cobrança.
2.4. Princípio da Irretroatividade Tributária
Quanto ao princípio da irretroatividade tributária, a Carta Magna dedica seu art. 150, inciso III, alínea “a”, in verbis:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, ao Estados, ao Distrito Federal e aos municípios:
(...)
III – cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.” 72
Esse princípio foi incluído no art. 5º, inciso 36 da Constituição: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, com o objetivo de estender seus efeitos a todo o ordenamento jurídico nacional, consequentemente tornando sem valia a sua inclusão pelo legislador, de forma específica, no capítulo destinado ao Sistema Tributário Nacional.
Ao Imposto de Renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração. 73
Entretanto, explicam Raymundo e Bezerra 74 que, diante da disposição constitucional que veda a irretroatividade em matéria tributária, proibindo que a lei nova alcance fatos geradores passados, o conteúdo do citado verbete anula-se, tornando-se inaplicável perante a ordem constitucional brasileira, fato que vinha sendo acatado pela doutrina e boa parte da jurisprudência.
Todavia, o Princípio da Irretroatividade não se assenta como postulado absoluto, incondicional e inderrogável, vista que o artigo 106, do CTN, elenca as exceções a este princípio.
“Art. 106 - A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;
II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a) quando deixe de defini-lo como infração;
b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.”
Neste sentido, Sabbag 75 ensina que as hipóteses acima corroboram a regra da irretroatividade, pois é natural que se estipule, no plano da hermenêutica, hipóteses de retroação para uma lei interpretativa e para que a lei mais benéfica possa beneficiar os contribuintes.
Com maior prudência é mais adequado no âmbito do Direito Tributário afirmar que não há incompatibilidade entre o Princípio da Irretroatividade e a existência de leis produtoras de efeitos jurídicos sobre atos pretéritos, como comprovam as exceções acima elencadas.
2.5. Princípio da não-cumulatividade
Uma das características específicas do IPI é a sua dependência ao princípio da não-cumulatividade, expresso no art. 153, § 3º, inciso II da Constituição Federal:
“Art. 153. (...)
§ 3º O imposto previsto no inciso IV:
(...)
II – será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores.” 76
O princípio da não-cumulatividade consiste na dedução do valor do imposto correspondente à saída dos produtos do estabelecimento industrial com o valor do imposto que incidiu nas operações anteriores sobre os respectivos insumos. 77
A expressão “compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores” possibilita:
“Ao contribuinte, um direito de abatimento que serve de freio à ação do Poder Público, no caso deste pretender agir de modo a contrariar a Lei maior, seja na instituição (ação legislativa), seja na cobrança (ação administrativa) do tributo em exame.” 78
O IPI é um imposto indireto e, portanto, gera repercussão econômica, ou seja, o custo é repassado para o próximo na cadeia surgindo as figuras do contribuinte de fato e de direito.
“Ao instituir o princípio da não-cumulatividade, o constituinte teve em mira favorecer o contribuinte (de direito), deste tributo, aliviando a pressão sobre seus custos de produção, o que, em última análise, reverte em prol do consumidor final (contribuinte de fato) mediante a determinação de preços menos onerados pela carga fiscal.” 79
Segundo essa autora, o IPI possui algumas características: é neutro, devendo ser indiferente, tanto na competitividade e concorrência quanto na formação de preços no mercado; onera o consumo e nunca a produção ou o comércio, adaptando-se às necessidades de mercado; oferece maiores vantagens ao Fisco, pois sendo plurifásico, permite antecipar o imposto que será devido apenas no consumo (vantagens financeiras) e coloca ademais todos os agentes econômicos das diversificadas etapas de industrialização e circulação como responsável pela arrecadação (vantagens contra o risco de insolvência).
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp, 411,478-PR, 1ª Turma, tendo como relator o Ministro Luiz Fux , publicado no DJU em 28.10.2002, assim decidiu:
“[...] O IPI é tributo de natureza indireta uma vez que o contribuinte de fato é o consumidor final da mercadoria objeto da operação, visto que a empresa, que repassa no preço da mercadoria o imposto devido, recolhendo posteriormente aos cofres públicos o imposto já pago pelo consumidor final e, em conseqüência, não assume a respectiva carga tributária. Opera-se, assim, no caso do IPI, a substituição legal no cumprimento da obrigação, do contribuinte de fato pelo contribuinte de direito, inadmitindo-se a repetição do indébito e a compensação do referido tributo, sem a exigência da prova da repercussão [...]”
Andrade 80 informa, ainda, que além do IPI, estão sujeitos à mesma sistemática da não-cumulatividade, o ICMS, os impostos de competência residual da União (art. 154: : “A União poderá instituir: I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição), as contribuições previdenciárias residuais da União, e as contribuições sociais previstas no art. 195 do mesmo texto constitucional.
Por sua vez, o Código Tributário Nacional, em seu artigo 49, estabelece:
“Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença maior em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados.
Parágrafo único. O saldo verificado, em determinado período, em favor do contribuinte, transfere-se para o período seguinte.”
Independente de qual seja o critério material do IPI, todos deverão respeitar o princípio da não-cumulatividade previsto no art. 153, § 3º, II, da Constituição e no art. 49 do Código Tributário Nacional.
2.6. Subprincípio da Interpretação Objetiva do Fato Gerador
O subprincípio da interpretação objetiva do fato gerador tem em si o comando de que sempre é imperioso interpretar o fato gerador objetivamente, sem preocupação com os aspectos relativos à pessoa destinatária da cobrança do tributo ou natureza da atividade.81
Esse autor explica que, por esta razão, quem praticar um ato que preencha a hipótese de incidência deverá pagar o tributo, ao menos a priori. Não se vai avaliar a validade do ato jurídico, a capacidade civil do sujeito passivo ou mesmo a licitude do ato que gera a possibilidade de cobrança do tributo, sempre prevalecendo a análise do aspecto objetivo do fato gerador, em abono de equivalência necessária à sustentação do postulado da isonomia tributária.