Resumo: O presente artigo visa trazer breves considerações acerca de dois temas atinentes ao Direito Tributário. Primeiramente a Responsabilidade por Infrações e suas precípuas características com ênfase à responsabilização objetiva do contribuinte ou responsável, a irrelevância da efetividade do ilícito perpetrado, bem como da possibilidade de configuração de caráter pessoal à infração. Em segundo momento, discorrer-se-á acerca do instituto da Denúncia Espontânea, enquanto mecanismo de regularização do contribuinte inadimplente junto ao Fisco, no tocante a condição de pagamento à vista ou parcelado, multas, correção monetária e juros e, do termo derradeiro para que o contribuinte possa invocar o direito a valer-se de tal instituto.
1. RESPONSABILIDADE POR INFRAÇÕES
1.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Sabe-se que o ser humano naturalmente é compelido a viver, ou melhor seria dizer, conviver em sociedade, dada a sua gregariedade, condição esta indissociável dos indivíduos.
Objetivando, portanto, delimitar as condutas humanas, buscando a harmonização dos elementos que compõem a sociedade, para um maior equilíbrio de relações, é que o direito, através de um ordenamento jurídico positivado, determina algumas condutas que devem ser seguidas por todos, sob pena de ver o Estado aplicar sanções a tais comportamentos (ou ausência destes) que neguem eficácia à norma posta e imposta.
Do mesmo modo que o Direito Penal, o Direito Tributário também é permeado de obrigações, cujo descumprimento, via de regra, tem o condão de trazer ao sujeito infrator - contribuinte ou responsável[1] -, o ônus de arcar com alguma penalidade oponível ao caso concreto.
Nesse ponto assevera Paulo de Barros Carvalho que “tratando-se de matéria tributária, o ilícito pode advir da não-prestação do tributo (da importância pecuniária), ou do não-cumprimento de deveres instrumentais ou formais” (2005, p. 509).
A Responsabilidade por Infrações, também conhecida como Responsabilidade do Contribuinte ou do Responsável Tributário, ou ainda, conforme preleciona Eduardo Sabbag, “responsabilidade por multas aplicáveis em um liame jurídico-tributário” (2010, p. 724), é subentendida no Código Tributário Nacional em seu sentido amplo, uma vez dizer respeito a uma obrigação de pagar não apenas oriunda do contribuinte, como também do responsável.
Em que pese a designação adotada pelo Código Tributário Nacional não ser das mais felizes, naquilo que tange a qualificação de “responsável”, Ricardo Alexandre assevera que, tendo em monta a estranheza que seria
designar alguém que cometeu um ato ilícito de ‘contribuinte da multa’ (...) a palavra ‘responsável’, nesses casos, deve ser entendida no seu sentido comum, qual seja aquele a quem é imputada determinada conduta, devendo assumir as respectivas conseqüências (2009, p. 337).
É notório que em sede de Direito Tributário, quando o contribuinte ou responsável comete uma infração, o gravame a que está sujeito, mais comumente, é o da multa, vale dizer, uma vez caracterizada a infração, é o infrator alvo de penalidade pecuniária.
Por infrações à legislação tributária, subentendem-se os “desatendimentos das obrigações tributárias principais ou acessórias” (NOGUEIRA, apud PAULSEN, 2008, p. 960). Em outros dizeres, trata-se de toda “ação ou omissão que, direta ou indiretamente, represente o descumprimento dos deveres jurídicos estatuídos em leis fiscais” (CARVALHO, 2005, p. 509).
Três regras gerais versam acerca da responsabilidade por infrações na visão de Leandro Paulsen, a saber: caráter objetivo da sanção; irrelevância da efetividade, natureza e extensão dos efeitos dos atos; e caráter pessoal quando envolva dolo específico.
1.2. CARÁTER OBJETIVO DA SANÇÃO
A primeira regra versa acerca do caráter objetivo da sanção, ocasionando verdadeira celeuma doutrinária e jurisprudencial, no tocante a real compreensão que deve ser conferida ao dispositivo legal, contido no caput do art. 136 do Código Tributário Nacional, o qual em sua primeira parte, aduz que
Art. 136 do CTN - Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável (...).
É certo que ao se estudar o tema da Responsabilidade na disciplina de Direito Civil, apreende-se que a mesma pode se operar em duas espécies: Objetiva ou Subjetiva.
No tocante a temática tributária posta, uma leitura rápida do dispositivo legal, reverbera estar-se diante de um caso de responsabilidade objetiva[2], a qual afasta qualquer exigência de culpa ou dolo para caracterizar a infração. Neste diapasão, torna-se irrelevante o fim almejado pelo agente, conforme alude a primeira parte do art. 136 do CTN, sem contudo, dispensar a existência da prática de ato infracional ou ainda a mera concorrência para o mesmo, isto do é, do nexo causal[3].
Neste sentido deve-se dizer que o legislador quis consagrar a responsabilidade objetiva, no que tange os atos infracionais tributários, uma vez que o Código Tributário Nacional “(...) desconsidera a intenção do agente ou responsável como pressuposto para a aplicação da devida punição” (BERTI; LUSTOZA, 2009, p. 135).
Desta forma, pode-se afirmar que a mera ocorrência do resultado prevista na descrição da norma, independentemente da intenção que tinha o agente, dará ensejo para a caracterização do ilícito. Assim, Eduardo Sabbag discorre acerca da responsabilidade objetiva, in verbis
Com isso, facilita-se a aplicação de penalidades, pois a autoridade fiscal menospreza o conjunto probatório relativo à intenção do infrator, interessando-se, tão somente, na prática e na autoria da infração – ou ‘conduta formal’, na expressão de Aliomar Baleeiro (2010, p. 725).
Contrário senso, diz-se por responsabilidade subjetiva aquela cuja caracterização prescinde da presença dos elementos elencados anteriormente, isto é, o dolo e a culpa.
Em outras palavras, o Código Tributário Nacional preconiza a desnecessidade de se perquirir da intenção da conduta do agente, seja esta dolosa ou culposa, fato pelo qual fica o mesmo, sujeito a sofrer punição, situação essa evidenciada no exemplo colacionado por Ricardo Alexandre, in verbis
(...) se o sujeito passivo da obrigação acessória de entregar declaração de imposto de renda das pessoas físicas, até o último dia útil do mês de abril, não a cumprir, será punido com a respectiva multa. Não haverá relevância na alegação, por exemplo, de que o sujeito estava doente, viajando, ou que contratou um contador para elaborar a declaração e este não cumpriu a avença. Infringida a legislação, a punição se impõe (2009, p. 338-339).
Entretanto, nada obsta ao legislador pátrio conferir, em lei própria, caráter subjetivo a determinadas responsabilidades, uma vez que o aludido artigo se inicia com a expressa ressalva de que “salvo disposição em contrário”.
Desta feita, é possível se falar na situação em que a comprovação da intenção do sujeito passivo da obrigação principal ou acessória, que a infringiu deverá ser clara e inequívoca, no sentido da configuração do dolo ou da culpa, os quais, deve-se advertir, não se presumem.
Logo, tendo silenciado acerca da imputação de dolo ou culpa, a fim de se caracterizar uma responsabilidade como objetiva ou subjetiva, deve-se ter em mente que, fosse intenção do legislador fazer a responsabilidade subjetiva prevalecer, ele a teria feito de modo expresso.
Assim, em Direito Tributário, a responsabilidade objetiva é a regra, enquanto a responsabilidade subjetiva é a exceção, tendo em vista o fato de que aquela facilita sobremaneira a perpetração de punição às infrações tributárias, o que não lograria na hipótese de se optar pela responsabilidade subjetiva como regra, já que inúmeras discussões ocorreriam acerca da verdadeira intenção do agente infrator.
Todavia, insta salientar o posicionamento do professor Hugo de Brito Machado, para quem não está o Código Tributário Nacional fazendo referência a responsabilidade objetiva, mas sim a responsabilidade por culpa presumida, a qual não se confunde com aquela.
Enquanto na responsabilidade objetiva não há que se questionar da intenção do agente, na responsabilidade por culpa presumida
(...) tem-se que a responsabilidade independe da intenção apenas no sentido de que não há necessidade de se demonstrar a presença de dolo ou de culpa, mas o interessado pode excluir a responsabilidade fazendo a prova de que, além de não ter a intenção de infringir a norma, teve a intenção de obedecer a ela, o que não lhe foi possível por causas superiores à sua vontade (MACHADO, 2009, p. 162).
Tal situação implicaria na necessidade de se aferir a culpa para a responsabilização do agente, que poderia tentar afastá-la, provando que não agiu com culpa.
1.3. IRRELEVÂNCIA DA EFETIVIDADE, NATUREZA E EXTENSÃO DOS EFEITOS DOS ATOS
Uma vez praticado o ato que a legislação entende como sendo infracional e, por via de consequência, cominada uma multa, é irrelevante conhecer de outros aspectos referentes à situação, tal qual aduz a segunda parte do art. 136 do CTN, in verbis
Art. 136 do CTN - (...) e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.
Todavia, deve-se sempre atentar para os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e vedação do excesso, a fim de se analisar o caso concreto, a fim de que se afira a real justiça em cada situação isoladamente considerada da incidência do fato.
Nesse diapasão, discorre Ricardo Alexandre, para quem “não se deve confundir responsabilidade objetiva por infrações à legislação tributária com inexistência do direito à defesa por parte do contribuinte.” (2009, p. 340).
É cediço que a Constituição da República Federativa do Brasil, consagrou em seu inciso LVII, do art. 5º, a presunção de inocência, asseverando que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Corroborando tal assertiva, Gisela Gondin Ramos, preconiza no seguinte sentido:
De modo geral, é possível afirmar que a presunção de inocência, enquanto princípio constitucional geral, é mais um elemento de promoção do necessário equilíbrio entre a liberdade do cidadão (jus libertatis) e a prerrogativa estatal de punir eventuais infratores (jus puniendi), cujo objetivo maior é garantir a manutenção de um Estado de Direito. Por isto a presunção de inocência, enquanto princípio constitucional, não apenas desautoriza a formação prévia de qualquer juízo afirmativo quanto à culpabilidade, como também, e a nosso ver com maior ênfase ainda, veicula a ideia de que todos são inocentes até que se prove que são culpados (2011, p. 3).
Em que pese a ocorrência e caracterização da infração, independentemente de dolo ou culpa, gerando assim punição, é imprescindível que haja uma escorreita fundamentação, apresentando os elementos de fato e de direito, a fim de que possa o contribuinte apresentar sua defesa no tocante a tais imputações.
1.4. CARÁTER PESSOAL QUANDO ENVOLVA DOLO ESPECÍFICO
O caráter pessoal da responsabilidade por infrações, é verdadeira regra, uma vez que “as conseqüências da prática de ato ilícito devem ser atribuídas pessoalmente ao infrator, pois a punição deve atingir direta e exclusivamente a pessoa (física ou jurídica) que agrediu o ordenamento jurídico” (ALEXANDRE, 2009, p. 340).
Tem o condão de configurar também, crimes ou contravenções, definidos por dolo específico ou ainda que envolvam dolo específico dos representantes contra os representados, conforme leitura do art. 137 e incisos do CTN, abaixo:
Art. 137 do CTN - A responsabilidade é pessoal ao agente:
I – quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;
II – quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar;
III – quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:
a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem;
b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;
c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.
Insta salientar, no entanto, que atos praticados por pessoas jurídicas são exteriorizados por pessoas físicas, através de seus administradores, gerentes, empregados etc, o que pode gerar celeuma quanto à pessoa que deverá ser alvo do poder de sanção estatal.
A punição deve recair sobre a pessoa jurídica ou sobre a pessoa física que de modo concreto praticou o ato do qual deveria se abster?
No Direito Tributário, a regra é a punição recair sobre a pessoa que praticou os atos, mesmo que se trate de pessoa jurídica e não física, ainda que tenha sido esta última quem “concretizou, no mundo dos fatos, o ilícito” (ALEXANDRE, 2009, p. 341).
Assim sendo, o aludido artigo 137 do Código Tributário Nacional, estabelece que a sanção deva ser aplicada ao agente responsável pela conduta contrária ao dispositivo legal. Destarte, a pessoa jurídica permanece como sujeito passivo do tributo, mas a multa recai sobre o agente que perpetrou a má conduta.
O inciso do I do art. 137 do CTN versa acerca das infrações mais gravosas uma vez que, não obstante a ofensa à legislação tributária, a respectiva conduta também contém em seu bojo, ilícitos penais tais como crimes ou contravenções, razão pela qual o CTN seguiu as diretrizes de imputação ao agente que exteriorizou o ato e não da respectiva pessoa jurídica.
O inciso II do art. 137 do CTN aduz sobre os casos de responsabilidade pessoal do agente na prática de infrações nas quais a definição do dolo específico do agente seja elementar. Trata-se aqui, portanto, de exceção à regra geral de que não se discute acerca do dolo ou da culpa, situação na qual, o legislador entendeu por inserir no elemento normativo a perquirição desses dois elementos.
Ressalve-se o fato de que este inciso diz respeito tão somente às infrações administrativas, uma vez que os ilícitos penais já estão embarcados na hipótese do inciso I.
Por fim, o inciso III do art. 137 do CTN diz respeito às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico de determinadas pessoas contra aquelas em nome das quais praticam certos atos. Seu escopo é evitar que aquele que age com o intuito de prejudicar pessoas, cujos interesses deveriam proteger, saiam impunes da prática de atos infracionais.
Isto posto, se “o empregado praticou determinada infração tributária com a finalidade especial (dolo específico) de prejudicar a empresa, a penalidade tributária recairá sobre aquele e não sobre esta” (ALEXANDRE, 2009, p. 343).
2. DENÚNCIA ESPONTÂNEA
2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Inspirado na “desistência voluntária” e no “arrependimento posterior” ambos do Direito Penal, a Denúncia Espontânea ou Auto Denúncia, instituto conhecido, utilizado e atinente aos procedimentos fiscais ou tributários e previsto no art. 138 do Código Tributário Nacional, consiste no ato de o contribuinte, antes do início de qualquer procedimento fiscal, vir perante o Fisco assumir a prática de infração, bem como de se abster de recolher tributo o qual, tinha conhecimento, era devido, ou ainda, que tenha deliberadamente recolhido a menor.
Nessa hipótese, fica o contribuinte dispensado de recolher os valores referentes às multas, sejam elas punitivas, sejam por mora (atraso), desde que venha a recolher o tributo que não fora pago e informe ao Fisco Federal, Estadual ou Municipal, conforme o caso.
Em apertada síntese pode-se dizer que se está diante de verdadeira excludente de responsabilidade por infração. Assim preconiza o aludido artigo 138 do Código Tributário Nacional, o qual aduz in verbis
Art. 138 do CTN - A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único - Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.
Neste passo, o então Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Franciulli Netto assevera acerca da denúncia espontânea, constituindo-se
(...) num favor legal, uma forma de estímulo ao contribuinte, para que regularize sua situação perante o fisco, procedendo, quando for o caso, ao pagamento do tributo, antes do procedimento administrativo ou medida de fiscalização relacionados com a infração (apud ALEXANDRE, 2009, p. 346).
O termo “infração”, na conceituação de Ricardo Alexandre, é o fato jurídico ilícito, decorrente do não adimplemento do dever jurídico prescrito na norma tributária. Por tais razões é que a nomenclatura “denúncia espontânea” é considerada inapropriada, uma vez que “ninguém denúncia a si mesmo, mas confessa ilícitos cometidos” (2009, p. 343).
O escopo da presente norma é “estimular o contribuinte infrator a colocar-se em situação de regularidade, resgatando as pendências deixadas e ainda desconhecidas por parte do Fisco” (IAMASAKI, 2009, p. 3).
A previsão legal, nas palavras de Leandro Paulsen,
(...) é absolutamente consentânea com uma estrutura tributária incapaz de proceder à fiscalização efetiva de todos os contribuintes e que precisa, (....) estimular o cumprimento espontâneo das obrigações tributárias, seja tempestivamente, seja tardiamente (2008, p. 962).
A denúncia espontânea não apresenta a necessidade de seguir forma especial, bastando para incidir a elisão das penalidades, o efetivo pagamento do tributo devido, através de guia em que conste expressamente o código da receita referente ao tributo quitado, sendo prescindível qualquer tipo de comunicação junto ao Fisco.
Na hipótese de não ter sido o valor do crédito tributário relativo ao tributo, bem como seus acréscimos, apurado de plano, deverá o sujeito passivo, requerer junto à autoridade administrativa a apuração do quantum debeatur e proceder ao depósito prévio do valor arbitrado pela autoridade fiscal, sob pena de afastar os benefícios do instituto da denunciação espontânea.
Também assevera Ricardo Alexandre acerca do entendimento emanado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que considera não ser aplicável a denúncia espontânea, “no caso concreto de descumprimento de obrigações meramente formais” (2009, p. 346), isto é, quando estiver diante de obrigações acessórias, pois estas possuindo “total autonomia com relação ao fato gerador do tributo, não tem o condão de afastar a imposição de multa” (SABBAG, 2010, p. 734).
Do mesmo modo, é incabível, de acordo com a Superior Corte de Justiça, a denúncia espontânea aos tributos sujeitos a lançamento por homologação, regularmente declarados, mas pagos a destempo, conforme discorre a Súmula 360 STJ, pois é essencial o total desconhecimento, por parte do Fisco da existência do tributo a ser denunciado.
Nesse sentido, o entendimento jurisprudencial emanado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, in verbis
REPETITIVO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. RETIFICAÇÃO. DIFERENÇA. MULTA.
Seção, em recurso representativo de controvérsia (art. 543-C do CPC e Res. n. 8/2008-STJ), firmou a tese de que a denúncia espontânea fica configurada na hipótese em que o contribuinte, após efetuar a declaração parcial do débito tributário (sujeito a lançamento por homologação), acompanhada do respectivo pagamento integral, porquanto a retifica (antes de qualquer procedimento do Fisco), assim, noticia a existência de diferença a maior cuja quitação dá-se concomitantemente. Por outro lado, é cediço que, em outra ocasião, a Seção consolidou o entendimento de que a denúncia espontânea não fica caracterizada com a exclusão da multa moratória nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação declarados pelo contribuinte e recolhidos fora do prazo de vencimento, à vista ou parcelado, ainda que anterior a qualquer procedimento do Fisco (Súm. n. 360-STJ). Precedentes citados: REsp 886.462-RS, DJe 28/10/2008; REsp 850.423-SP, DJe 7/2/2008, e REsp 962.379-RS, DJe 28/10/2008. REsp 1.149.022-SP, Rel. Min Luiz Fux, julgado em 9/6/2010.
2.2. PAGAMENTO À VISTA OU PARCELADO
Insta salientar a necessidade imperiosa de a informação acerca da infração vir acompanhada do pagamento do tributo devido, bem como dos juros moratórios, situação sem a qual obstará a ocorrência da caracterização do instituto da denúncia espontânea, uma vez que para a concessão dos efeitos elisivos das respectivas penalidades, faz-se mister seu adimplemento.
Não resta pacificado na doutrina pátria, entendimento acerca da incidência dos efeitos da denúncia espontânea na hipótese de pedido de parcelamento do pagamento do tributo.
Para Ricardo Alexandre, o simples pedido de parcelamento, não tem o condão de caracterizar a ocorrência de denúncia espontânea, devendo o tributo ser pago por inteiro, a fim de não incidir as penalidades atinentes.
Hugo de Brito Machado preconiza em sua obra, acerca de entendimento jurisprudencial, emanado pelo Superior Tribunal de Justiça, e que atualmente não tem mais voz, pelo qual há possibilidade de ocorrência da caracterização da denúncia espontânea com pagamento parcelado do tributo, uma vez que o art. 138 do CTN em momento algum faz distinção acerca da existência de pagamento à vista ou parcelado, razão pela qual propugna pela abrangência de ambas as situações de pagamento.
Ademais, Machado subentende, a partir de posicionamento do Egrégio Tribunal Superior, que a não aplicação do instituto da denúncia espontânea, redundaria “no caráter injusto [de uma] interpretação restritiva, que termina por favorecer exatamente os que dispõem de recursos financeiros, e prejudicar aqueles que se encontram em dificuldades” (2009, p. 166).
Não se estaria tratando de modo igual situações desiguais, uma vez que aquele que efetua o pagamento de forma parcelada não estaria arcando com o mesmo valor despendido por aquele que fez o pagamento de uma única vez, tendo-se em vista, que
(...) além dos juros correspondentes ao período, desde o vencimento do prazo para o pagamento do tributo até a data em que o débito é parcelado, existem os juros do período futuro, isto é, do período que vai da data do parcelamento até a data do efetivo pagamento de cada parcela (MACHADO, 2009, p. 168).
O Superior Tribunal de Justiça, em posicionamento contrário ao que prevalecia anteriormente, através da Súmula 208 do extinto Tribunal Federal de Recursos, passou a propugnar pela “exclusão de responsabilidade pela denúncia espontânea, acompanhada de pedido de parcelamento” (DIFINI, 2008, p. 225).
Assim, discorre o entendimento jurisprudencial da Superior Corte de Justiça, in verbis
Não havendo procedimento administrativo, em curso contra o contribuinte, pelo não-recolhimento do tributo, deferido o pedido de parcelamento, está configurada a denúncia espontânea, que exclui a responsabilidade do contribuinte pela infração. (STJ, 1ª Turma, REsp nº. 168.868-98/RJ – Rel. Min. Garcia Vieira, j. 24.08.1998).
Todavia, mesmo nos corredores do Superior Tribunal de Justiça não há voz uníssona quanto a aplicação dos efeitos da denúncia espontânea em casos de parcelamento, pois como assevera Luiz Felipe Silveira Difini, “decisões da (...) 1ª Seção do STJ (que abrange as 1ª e 2ª Turmas) competente em matéria tributária, retornaram à posição anterior, (...) exigindo o efetivo pagamento” (2008, p. 225).
Ao ensejo de conclusão desse item, faz-se oportuno dizer que negar tal possibilidade àquele que reconhece ser devedor de tributo e que, portanto, faz a denúncia espontânea, antes de ser notificado de qualquer procedimento administrativo atinente, se mostra contraditório, uma vez que, àquele que deixou de pagar tributo sabendo que era devedor, após ter sido devidamente notificado, isto é, permanecendo em situação irregular, lhe é facultado fazer o pagamento do mesmo de modo parcelado.
2.3. DAS MULTAS, CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS
Observe-se que tanto a correção monetária, bem como os juros moratórios, estão previstos na disposição legal contida no art. 138 do CTN, razão pela qual o seu recolhimento junto ao valor do tributo devido, constitui requisito imperioso para se efetivar a exclusão das respectivas penalidades.
Ambos, a correção monetária e os juros não são entendidos como eivados de fins punitivos, mas sim como elementos remuneratórios “do capital, que permanece em mãos do administrado por tempo excedente ao permitido” (CARVALHO, apud PAULSEN, 2008, p. 965).
Eduardo Sabbag assevera em seu Manual de Direito Tributário acerca da exclusão da multa dentro do instituto da denúncia espontânea, no que tange se esta abarcaria tanto as multas moratórias quanto as punitivas, não havendo entendimento pacífico nem na doutrina, nem nos Tribunais. Para o professor,
(...) a doutrina, a par da jurisprudência do STJ (ainda não totalmente consolidada), preconiza a exclusão de toda e qualquer penalidade sobre a irregularidade autodenunciada. Portanto, excluir-se-ão as multas moratórias ou substanciais (falta ou atraso no recolhimento do tributo) e as multas punitivas ou formais (fiscais ou punitivas) (2010, p. 731).
Corroborando o presente entendimento, Sabbag, referenciando Sacha Calmon Navarro Coelho, atesta que o legislador
se quisesse excluir uma ou outra, teria adjetivado a palavra infração ou teria dito que a denúncia espontânea elidiria a responsabilidade pela prática de infração à obrigação principal excluindo a acessória, ou vice-versa. (2010, p. 731).
De outro lado, Sabbag traz o entendimento de Ricardo Lobo Torres, que defende a exclusão tão somente das penalidades de caráter penal, devendo o sujeito passivo recolher as multas aplicadas a título de mora, preconizando que “a legislação (...) costuma prever multas moratórias reduzidas para as hipóteses de recolhimento espontâneo do tributo fora do prazo legal (...)” (TORRES, apud SABBAG, 2010, p. 731).
2.4. DO INÍCIO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – ATÉ QUANDO É POSSÍVEL FAZER A DENÚNCIA ESPONTÂNEA
O início do procedimento administrativo fiscal opera-se de três formas, a saber: a) com o primeiro ato de ofício, por escrito, praticado por servidor competente, dando ciência ao contribuinte, tanto de suas obrigações tributárias principais, quanto das acessórias; b) apreensão de mercadorias, documentos ou livros; e c) início de despacho aduaneiro de mercadoria importada, hipóteses essas concernentes ao disposto nos incisos do art. 7º do Decreto nº. 70.235/72.
Desta forma, havendo mero pedido de esclarecimentos por parte da Administração Tributária, não há que se falar na concessão do benefício contido no instituto ora em estudo, já que ao saber da existência de providências fiscais, nada resta de espontâneo na conduta do sujeito passivo de confessar o ato que praticou.
Em apertada síntese, uma vez formalmente comunicado do início do procedimento administrativo, cessam os efeitos perante o sujeito passivo, de eventual denúncia espontânea.
Vale dizer, ainda que o Fisco esteja investigando, pesquisando ou simplesmente coletando dados, somente com a notificação formal é que deixará o sujeito passivo de ter a possibilidade de fazer uso do referido instituto.
Atente-se que a ocorrência de notificação por parte da autoridade administrativa, sobre apuração de tributos atinentes ao Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, por exemplo, em nada obsta que o sujeito passivo pleiteie a concessão do benefício da denúncia espontânea, no tocante a tributos relativos a um eventual recolhimento de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Importa, no entanto, que no caso em tela, não haja vinculação entre os tributos para que se possa fazer jus aos benefícios da denúncia espontânea na situação exemplificada.
Do mesmo modo, havendo notificação da autoridade administrativa de que há contra o contribuinte, instaurado processo de apuração acerca do não recolhimento de determinados tributos, correspondentes ao período de 2005 até 2007, por exemplo, em nada impede que este sujeito passivo, se faça valer da denúncia espontânea dos mesmos tributos, desde que façam referência a lapso temporal diverso daquele que lhe fora comunicado pelo Fisco.
No tocante a eventual perquirição policial, discorre Thiago de Melo Cabral, para quem o art. 138 do CTN “é incompatível com qualquer punição. Se são indiscerníveis as sanções punitivas, tornam-se peremptas todas as pretensões à sua aplicação” (2004, p. 2).
Assim, a denúncia espontânea tem o condão de extinguir a responsabilidade por infrações tanto na seara administrativa quanto criminal, sob pena de verificar-se a ocorrência de verdadeira “arapuca” contra o contribuinte que ao procurar regularizar sua situação junto ao Fisco, estaria ao mesmo tempo, eivado de aplicação de sanções penais, o que iria conflitar com o escopo do instituto que é o de colocar o contribuinte em situação regular junto ao Estado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário esquematizado. 3. ed. São Paulo: Método, 2009.
BERTI, Flávio Azambuja; LUSTOZA, Helton Kramer. A análise da culpabilidade do contribuinte na aplicação da multa punitiva tributária nos termos do artigo 136 do CTN. IDP – DPU nº. 29 – Set/Out 2009. Disponível em: <http://www.direitopublico.idp.edu.br/index.php/direitopublico/article/
viewFile/753/655>. Acesso em: 28 set. 2012.
CABRAL, Thiago de Melo. Denúncia espontânea em matéria tributária: seus efeitos sobre as multas e as sanções de natureza penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 487, 6 nov. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5862>. Acesso em: 5 set. 2012.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
IAMASAKI, Shiguemassa. A denúncia espontânea. Folha de Londrina. Londrina-PR, ed. 17.956, p. 3, 20 fev. 2009.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
RAMOS, Gisela Gondin. O princípio da presunção de inocência. Os Constitucionalistas. 21 dez. 2011. Disponível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/o-principio-da-presuncao-de-inocencia>. Acesso em: 22 set. 2012
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Responsabilidade Civil. Vol. IV. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
Notas
[1] Contribuinte e Responsável são conceitos que não se confundem. Por contribuinte entende-se “(...) a pessoa, física ou jurídica, que tenha relação de natureza econômica, pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador (art. 121, parágrafo único, I, do CTN). Assim, o contribuinte é sujeito passivo direto. Sua responsabilidade é originária, existindo uma relação de identidade entre a pessoa que deve pagar o tributo (e/ou a multa) e a que participou diretamente do fato imponível, dele se beneficiando economicamente (SABBAG, 2010, p. 677). Por sua vez, responsável “é a pessoa que, sem revestir a condição de contribuinte, tem sua obrigação decorrente de disposição expressa de lei. Assim, não tendo relação de natureza econômica, pessoal e direta com a situação que constitua o fato gerador, o responsável é sujeito passivo indireto, sendo sua responsabilidade derivada, por decorrer de lei, e não da referida relação (art. 121, parágrafo único, II, do CTN). A obrigação do pagamento do tributo lhe é cometida pelo legislador, visando facilitar a fiscalização e a arrecadação dos tributos” (SABBAG, 2010, p. 678).
[2] Por responsabilidade objetiva, entende-se “aquela que é imputada a determinadas pessoas, independentemente da análise da existência de dolo ou culpa na prática do respectivo ato” (ALEXANDRE, 2009, p. 338).
[3] Por nexo causal entende-se a relação de causa e efeito entre o dano e a ação ou omissão, ou seja, o vínculo entre o prejuízo e a ação. “É o liame que une a conduta do agente ao dano. (...) A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida” (VENOSA, 2008, p. 47-48).