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Herança de irmãos

01/11/2001 às 01:00
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Embora a temática não seja constante nas decisões dos tribunais, é questão debatida entre aqueles que labutam na área do direito sucessório, notadamente em face do advento da Constituição de 1988 e o anteprojeto do Código Civil recentemente aprovado e ainda aguardando ser sancionado.

Reza o artigo 1614 do Código Civil em vigor que em "concorrendo a herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar."

O projeto apresenta o artigo 1868 com redação idêntica a do artigo 1614.

Assim, não sem entende como possa ser questionada a aplicabilidade de tal dispositivo em face do princípio da igualdade contido na Carta Magna.

Por primeiro, é de se ter presente que o princípio insculpido na Constituição, no que pertine a matéria, equipara para todos os efeitos, as diversas espécies de filiação.

Assim, desde logo descartada a sua aplicação a hipótese descrita no artigo 1614 do Código Civil, uma vez que se refere a distribuição/repartição da herança entre colaterais, isto é, falecendo uma pessoa sem herdeiros necessários, descendentes ou ascendentes, sem cônjuge, deixando sobrevivos apenas irmãos e sendo estes provindos de pais ou mães diferentes, a herança, entre eles, necessariamente não será distribuída de forma igualitária.

Ora, não se pode igualar os desiguais, irmãos unilaterais nunca serão como os bilaterais ou germanos.

Não se esta aqui a dividir a herança de seus pais, caso em que perfeitamente aplicável o princípio da igualdade entre todos os filhos, não importando a origem da filiação. Todos são considerados filhos, dividindo-se igualmente a herança entre eles.

Neste sentido vem se posicionando a doutrina majoritária. Orlando Gomes assevera que os irmãos de duplo sangue herdam o dobro da quota-parte dos irmãos de pai, ou de mãe Variam os métodos empregados para o cálculo do quinhão de cada qual.(1)

Francisco José Cahali, em recente obra, acosta acórdão com a seguinte ementa:

"Sucessão – Herança de irmão direito do Bilateral à porção dobrada do que couber ao unilateral – Artigo 1.614 do Código Civil não revogado pelo § 6º do artigo 227 da Constituição da República – Recurso não provido."(2)

A jurisprudência é escassa pois a matéria, conforme já referido, não se faz presente com freqüência

Em sentido contrário, isoladamente, se posiciona Ulderico Pires dos Santos, com o qual, ousamos discordar.

Entende o eminente doutrinador que: " a distinção que o Código Civil faz em relação aos irmãos bilaterais e os unilaterais, pára os efeitos de sucessão, atenta contra o princípio da igualdade que a vigente Carta Constitucional lhes consagra ao equiparar para todos os efeitos, as diversas formas de filiação.

Nada induz o intérprete a supor que o legislador constitucional tenha querido circuscrever a sua ação protetora aos interesses apenas morais dos filhos(sic). Cuidando, como a norma constitucional suso cuida, da igualdade jurídica dos mesmos, não podia ela ter deixado de ampará-los também no que respeita aos seus interesses pecuniários, sejam eles filhos do mesmo pai e da mesma mãe, ou de pais diferentes, isto é, irmãos germanos ou unilaterais. (3)

Exurge das razões do autor que este confundiu-se ao comparar o caso do artigo 1614, tratando-o como se a divisão da herança fosse dos pais destes filhos em condições diversas. Veja-se:

"Isto note-se, sem considerar a Emenda constitucional nº 1, de 1969, que já estabelecia a igualdade de todos perante a lei, cânone inserto também nas precedentes constituições de 1946, 1934 e de 1891. Assim, pode-se afirmar com toda certeza, que se, não fosse essa a intenção do legislador constitucional, não teria ele lançado mão da locução "qualquer que seja a natureza da filiação, pois saiba-se que o prenome ‘qualquer’ designa pessoas e coisas indeterminadas e o substantivo feminino "natureza" compreende o conjunto de todos os serem que formam o universo" (Dicionário Contemporâneo de Francisco Fernandes, p. 362).

Continua, "Como nisto, se as normas supra, constitucional e ordinária, consagram o princípio fundamental da igualdade jurídica dos filhos, assegurando-lhes tratamento igual, estabelecendo, de modo claro, a paridade de direitos entre eles, forçoso é convir que ela revogaram os textos retro."(4)

No entanto, persiste o entendimento de que em sendo a divisão da herança entre irmãos germanos e irmãos unilaterais esta deverá ser desigual. Caso contrário, aí sim, estar-se-ia a ferir o princípio da igualdade.

Imagine-se que A seja filho de uma relação extra conjugal de B (pai) que possui, também, os filhos C e D. Se a mãe de A, possuir outros filhos, A irá herdar de todos os irmãos, casos estes venham a falecer sem herdeiros necessários. Assim, herdaria, supondo-se a revogação do dispositivo, em condições de igualdade tanto pelo lado dos irmãos por parte de pai como daqueles por parte de mãe o que o levaria a perceber, eventualmente, a mais do que os irmãos bilaterais entre si, pois este receberia por dois lados.

Conforme assevera Ney de Mello Almada, tal regra se justifica por si só, atendendo a presunção de menor liame afetivo entre unilaterais que entre germanos, suscita o problema de cálculo da metade, que não é, como aparenta, simplesmente uma fração ordinária.(5)

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Portanto, preservando-se a regra, surge o questionamento como efetivamente deve partilhar-se tal herança?

Entendemos como mais objetiva e acertada, a fórmula oferecida por Itabaiana de Oliveira.

A cada irmão bilateral se deve atribuir, como representação, o algarismo "2" e a cada irmão unilateral, o algarismo "1". A soma dos algarismos representantes de cada um dos irmãos dentre os quais deverá ser dividida a herança, será o divisor. O quociente obtido deverá, então, ser multiplicado pelo número representante do herdeiro, o qual informará o quanto receberá aquele herdeiro.

Assim, demonstrado:

A morre deixando cinco irmãos, B, C, D, E e F. B e C são irmãos unilaterais e D, E e F são irmãos bilaterais. Assim, o valor da herança, de R$ 64.000,00, deverá ser dividido por 8 (oito – número que atinge o somatório dos algarismos representantes de cada um dos irmãos). Assim, multiplicando-se 8.000,00 por 1, temos o valor da herança de B e C. Multiplicando 8.000,00 por dois, temos o valor da herança de D, E e F, ou seja, 16.000,00 para cada um deles. Somando a herança de cada um deles, atingimos o total de R$ 64.000,00.

Finalizando, resta evidente que a regra contida no artigo 1614 do Código Civil, relativa a divisão da herança entre irmãos unilaterais e bilaterais persiste e. inclusive, vem ratificada no projeto do Código Civil já aprovado.


Notas

1 – Orlando Gomes, Sucessões, p. 57.

2- Francisco Jose Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Curso Avançado de Direito Civil, vol. 6, Direito das Sucessões, p.265.

3- Ulderico Pires dos Santos, Sucessão Hereditária, p. 13.

4- idem, p.13

5- Ney de Mello Almada, Direito das Sucessões, p. 328.


Bibliografia

Almada, Ney de Mello, Direito das Sucessões, vol I, 2ª ed, Brasiliense, 1991.

Francisco José Cahali, Curso Avançado de Direito Civil, vol. 6, ed. RT, 2000.

Gomes, Orlando, Sucessões, 7ª ed., ed. Forense, 1999.

Oliveira, Arthur Vasco Itabaina, Tratado de Direito das Sucessões, 5ª ed., Livraria Freitas Bastos, l987.

Oliveira, Juarez de, Novo Código Civil, ed. Juarez de Oliveira, 1998.

Ruggiero, Roberto de, Instituições de Direito Civil, Ed. Bookseller, 1ª ed, 1999 (tradução da Sexta edição italiana).

Santos, Ulderico Pires, Sucessão Hereditária, Ed. Forense, 2000.

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Sobre a autora
Fernanda de Souza Rabello

advogada em Porto Alegre (RS), professora da PUC/RS e ULBRA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RABELLO, Fernanda Souza. Herança de irmãos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2293. Acesso em: 7 nov. 2024.

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