Os números divulgados não são falsos, a crise na segurança pública é grave, a violência realmente aumentou, o assunto deve merecer a imediata atenção dos governos estadual e federal etc. Tudo isso é verdade. Mas não menos verdade é a habilidosa técnica sensacionalista empregada para divulgar os números de setembro de 2012, ou seja, para vender mais jornais, para chamar atenção para o tema, para gerar o clima de mais medo (o que significa vender mais aparatos de segurança) etc.
Nossa dica: ao analisar dados e números que se referem à criminalidade, deve-se ter muita cautela. Embora o Brasil seja o 20º país mais homicida do mundo (27,3 mortes a cada 100 mil habitantes), considerado uma zona epidêmica de violência (já que possui taxa superior a 10 mortes por 100 mil habitantes, conforme determina a OMS - Organização Mundial de Saúde), é sempre necessário realizar uma correta interpretação dos dados divulgados, que podem estar atrelados à técnica midiática (astuta) de reforçar/expandir o “discurso do medo” e causar ainda mais pânico na população. Quanto mais os jornais “carregam de tintas” suas manchetes, mais pânico do medo gera.
Vamos a um exemplo (jornal Estado de São Paulo). Tomando por base os dados da Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo, apontou-se um estrondoso aumento no número de mortes na capital paulistana (96%). Para chegar a tal conclusão, foram comparados números de homicídios de dois meses soltos (e não do período de um ano entre eles), quais sejam o de setembro de 2011 (69 mortes) e o de setembro de 2012 (135 mortes), anunciando um crescimento de 96% no número de mortes na capital. Muitos outros critérios poderiam ser seguidos: mês de setembro comparado com agosto, setembro de 2012 comparado com os últimos cinco anos etc.
A habilidade da notícia não pode deixar de ser reconhecida. Se queria chamar atenção para o aumento da violência, atingiu seu objetivo. Mas é evidente que não é possível tirar qualquer conclusão analisando-se apenas dois meses soltos, sem que se considere um período mínimo de, ao menos, um ano (o qual também não deixa de ser um lapso curto).
Considere-se ainda que entre os anos de 1999 e 2010 (período de dez anos) houve uma queda de 78% no número absoluto de homicídios na cidade de São Paulo, já que, em 1999, havia 6.890 assassinados na Capital, montante que, em 2010, diminuiu para 1.535 mortos (Fontes: Datasus – Ministério da Saúde e Mapa da Violência 2010).
Da mesma forma, a taxa por 100 mil habitantes da capital diminuiu de 69,1 mortos a cada 100 mil habitantes em 1999 (Mapa da Violência 2010) para 13,6 mortos para cada 100 mil habitantes em 2010 (população de 2010: 11.253.503 habitantes – de acordo com o IBGE).
Atualmente, o estado de São Paulo é o terceiro menos violento do país, com uma taxa de 14,1 mortes violentas a cada 100 mil habitantes. Trata-se de um grande avanço, tendo em vista que em 1999 o estado ocupava a 5ª posição dentre os mais homicidas, com uma taxa de 44,1 mortes por 100 mil habitantes, sendo que em 2010 passou a ocupar a 3ª colocação de estado menos violento do país. Isso, no entanto, não é motivo para muita comemoração, porque continuamos (no Estado de São Paulo) sendo uma zona epidêmica de violência.
Não se pode negar que a cidade de São Paulo seja violenta. Mas sempre é preciso contextualizar a informação dada, baseada em evidências rasas, que mais demonstra sensacionalismo quando sabe aproveitar um momento de fomentação do confronto entre policiais e membros de organizações criminosas na cidade (Veja: Globo.com).
Populismo penal. Eis um trecho de um livro nosso (que que está no prelo):
“Por meio de eficientes técnicas de manipulação (é nisso que consiste o populismo penal), cria-se ou amplia-se a sensação de insegurança, o sentimento de medo (em síntese, a realidade), explora-se a reação emotiva ao delito, para se alcançar consenso ou apoio popular para a expansão do poder punitivo (mais presídios, mais policiais, mais vigilância de toda população, mais poder à polícia, mais controle etc.). O senso comum acaba sendo fruto de uma construção da realidade, feita, sobretudo, pela mídia (Torres: 2008, p. 94 e ss.). O populismo penal, destarte, pode ser definido como o conjunto de técnicas especializadas para obtenção de consenso ou de apoio em torno da expansão de um poder, o punitivo. Manejando as representações do imaginário popular, construídas a partir das suas emoções, o poder político vem conseguindo elevados índices de apoio popular para a expansão do poder punitivo. Não é (ou não é sempre) o saber dos leigos que conta, sim, o saber dos que sabem usar técnicas eficientes de manipulação das representações populares (Abramo: 2003, p. 23 e ss.).”