INTRODUÇÃO
O artigo 285-A do Código de Processo Civil Brasileiro (CPC) gerou e continua gerando grande preocupação social e jurídica com a celeridade do processo, indo contra a mora da prestação da tutela jurisdicional e elevado número de ações do Judiciário, que por sua vez, geram congestionamento e atraso na prestação judiciária em razão de demandas repetitivas.
Com o nobre objetivo de tentar minimizar tal situação, foi criada pelo legislador a norma 11.277 de 2006, que em tese, ajudaria a combater a ociosidade que ocorre no processo. O novel dispositivo proporciona que a peça inaugural do processo possa ser apreciada e sentenciada nos primórdios da demanda com natureza liminar, uma vez presentes os requisitos do artigo 285-A.
O intuito da inserção de tal dispositivo no sistema processual brasileiro é garantir aos cidadãos uma tutela jurisdicional mais rápida, efetiva e em tempo justo. Assim, como outras normas já vigorantes que primam pela celeridade e economia do processo.
Ocorre que discussões aconteceram de forma significativa no campo jurídico, dando ensejo para a protocolização, por parte da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), de ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) e outras diversas divagações no campo da doutrina.
Diante de tanta polêmica na comunidade jurídica, o presente trabalho passa a acrescentar a corrente doutrinária que defende a constitucionalidade do art.285-A do CPC e também tenta propor a melhor forma de interpretação do dispositivo, tudo isso com base nos princípios constitucionais do direito e na hermenêutica jurídica.
Ao decorrer do trabalho, percebeu-se também que ao que parece, existe manifesta preocupação econômica, talvez, até maior do que eminentemente jurídica sobre a utilização do art. 285-A /CPC.
Além disso, é fundamental analisar, refletir e discutir algumas dificuldades, como também vantagens de aplicação do art.285-A do Código Processual Civil vigente, a fim de que pretensões individualistas em favor da inconstitucionalidade da norma sejam afastadas para garantir direitos eminentemente constitucionais à coletividade.
1 - RESGATE DE CONCEITOS E ASPECTOS CONSTITUCIONAIS
A aplicação do artigo 285-A do CPC possuem diversas denominações, da quais citamos algumas: “julgamento antecipadíssimo da lide”, “julgamento prima facie” ou então “julgamento de causas repetitivas”, dentre outros.
O dispositivo ora examinado guarda relação direta com dispositivos constitucionais implícitos e explícitos tais como igualdade, segurança jurídica, direito de ação, princípio da legalidade, direito ao contraditório, ampla defesa e legalidade (artigo 5º, incisos XXXV, LIV, LV da CF/88).
1.1 Requisitos e melhor compreensão do art.285-A do CPC.
Será tomado o mencionado texto normativo parte a parte, a fim de viabilizar seu estudo, vamos então, à letra da lei:
Art. 285-A - Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensadas a citação e proferida a sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
§ 1° Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
§ 2° Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.
1.1.1 Matéria Controvertida
Um grande equívoco legislativo está explícito no real sentido da expressão matéria controvertida, o que será elucidado a seguir.
A fim de precisar definição para matéria controvertida, recorremos ao art.262/CPC, que diz que: o Processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial.
Ora, por uma lógica simples, é possível dizer que algo é controvertido por que houve discussão em relação ao tema. O dicionário do Instituto Antônio Houaiss (2001, p. 131) define controvertido como algo debatido e discutido, assim, a partir desta premissa, é óbvio dizer que se algo ainda não existe então jamais poderá ser controvertido.
Neste escopo, é fundamental que o anseio do legislado seja entendido como objeto da ação, apenas, haja vista ainda não haver controvérsia do direito, uma vez que sustentado apenas pela autor, sem oportunidade, ainda, de manifestação do réu.
1.1.2 Unicamente de Direito
Em seguida, deparamos com a expressão “for unicamente de direito”, sendo certo que sobre a conceituação deste trecho não existe polêmica relevante, sendo o legislador preciso.
Assim, deixando de lado divagações irrelevantes sobre esta parte do assunto em específico, tomemos como nota o pensamento do Procurador Federal Fábio Victor da Fonte Monnerat[1] que define precisamente “unicamente de direito” em seu artigo jurídico “Primeiras aplicações do art.285-A do CPC”:
“O aspecto predominante de direito, existirá quando o foco de atenção do julgador estiver situado no texto normativo, ficando em segundo plano a questão fática. Na medida em que este foco de atenção se dirige, gradualmente, aos acontecimentos fáticos em que se baseia o processo estaremos diante de uma questão predominantemente de direito.”
Situações de matéria de direito são as que não se discutem fatos pela sua desnecessidade, ou seja, é algo que é tão claro que com a simples leitura da lei entende-se indubitavelmente a que parte assiste a razão. No mesmo sentido, pode ser lembrado o art.330/CPC que trata sobre essa matéria já algumas décadas.
1.1.3 Juízo
Certeira é a afirmação de que a palavra juízo poderá ter várias definições. Porém, interessa neste trabalho que essa palavra seja entendida como o lugar onde o Juiz exerce suas funções, entendido em seu aspecto estrito.
Se juízo é o local onde o Juiz exerce suas funções, então este é lugar onde aquele exerce sua jurisdição, é a vara em que trabalha, é o gabinete em que diariamente profere sentenças. De forma simples e bastante precisa a melhor acepção da palavra juízo, em verdade, não se refere ao juiz, mas à "cadeira" que ele ocupa.
Assim, mais uma discussão está aparente agora: e quanto ao Juiz substituto, esse também compreende o Juízo? A resposta é sim, como o Juiz substituto ocupa a mesma cadeira e exercem suas funções na mesma jurisdição do principal, sem dúvida, Juiz substituto e principal pertence ao mesmo juízo.
É imprescindível muito cuidado, isto porque mesmo que a lei diga apenas (...) no juízo já houver sido proferida sentença (...), é fundamental que a decisão em 1º grau esteja sincronizada com os tribunais caso a matéria já tenha entendimento consolidado, isto porque em caso contrário, haverá uma imensidão de recursos e por conseguintes, anulações e reformas de sentenças, o que se verificou, por exemplo, no REsp 1279570 / MG, julgado pela Segunda Turma do STJ sob relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, publicado no DJe em 17/11/2011[2]
1.1.4 Casos Idênticos
Seguindo com o estudo, encontramos agora a terminologia casos idênticos, que significa ação idêntica. Bom, segundo a redação do parágrafo 2º do art.301 do CPC, entende-se por ação idêntica outra que tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Assim, adotando essa conceituação, chega-se a conclusão que tal ação teria fim com base no art.267, V do CPC , sendo o processo extinto sem resolução do mérito.
Ações que meramente possuem a mesma causa de pedir e o mesmo pedido não configuram ação idêntica e sim ação semelhante, vez que são apenas parecidas sem que a mesma matéria seja discutida novamente pelas mesmas partes.
Sobre esta parte conceitual posicionou-se o Advogado Geral da União em impugnação feita sobre a ADI 3695. Vamos à transcrição da parte que interessa:
“Como se sabe, a identificação das semelhanças entre ações se faz pela comparação de seus elementos essenciais: partes, causa de pedir e pedido. Ao se referir a casos idênticos, logicamente, a regra se restringe à identidade quanto a causa de pedir e ao pedido, que deverão, ademais, ser reiterados em outras demandas. (PARECER: 73236, ADI: 3.695)”
Esclarecido o equívoco técnico, conclui-se que o legislador realmente desejava referir-se a casos semelhantes e jamais a casos idênticos.
2 - DA SUPOSTA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART.285-A DO CPC
Sem dúvida, a Ordem dos Advogados do Brasil é o maior expoente na vertente sobre a inconstitucionalidade do da lei 11.277/06, isto porque, especialmente, figura na qualidade de autora da ADI 3695.
2.1 Violação à Isonomia Constitucional
Primeiramente, sobre o princípio da igualdade sustenta a OAB que tal será ferido, visto que em meio à imensidão de juízes monocráticos e também substitutos, cada juiz poderá proferir sentença de uma mesma matéria em curso normal ou abreviado. Ou seja, em uma mesma comarca, um juiz de determinada vara aplica o art.285-A, tendo o processo um curso abreviado e julgamento liminar. Já na mesma comarca e em uma vara ao lado, o magistrado entende a não aplicabilidade do dispositivo a questão, dando assim, curso normal ao processo. Dessa forma, o processo terá curso diferenciado, o que, de acordo com o princípio da isonomia não deveria existir.
2.2 Violação a Segurança Jurídica, Publicidade e Motivação dos Julgamentos do Poder judiciário.
Sobre a segurança jurídica, a OAB segue raciocínio semelhante ao princípio da igualdade. Isto porque, como o processo será normal ou abreviado e com base na sentença anteriormente proferida, fere o princípio da segurança jurídica, como pode-se constatar em sua exordial de ação direita de inconstitucionalidade:
“Atenta, noutra vertente, contra o princípio da segurança jurídica, no que concerne ao procedimento judicial, posto que o processo será normal ou abreviado segundo sentença antes proferida, cuja publicidade para os jurisdicionados que não foram partes naquele feito não existe. (exordial ADI 3.695).”
Além disso, doutrinadores como Haroldo Pimenta e Djanira Maria Radamés de Sá (2006, p.141) no artigo jurídico “reflexões iniciais sobre o art.285-A do código de processo civil”, publicado por ambos, indicam que o princípio da publicidade dos julgamentos do judiciário presente no art.93, IX da CF será também atentado:
“Se entendermos que o art.285-A consagra pura e simplesmente a possibilidade de o juiz proferir decisão com motivação per relationem, haverá violação ao preceito constitucional contido no art.93, IX, segundo o qual “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)”.
Este raciocínio inclina-se sobre o argumento que o juiz irá proferir sentença sem a realização de citação do réu, e por isso, sem audiência, ademais, também poderá o magistrado proferir sentença sem própria motivação, uma vez que poderá reproduzir o teor da sentença anteriormente prolatada. Sobre a idéia de tais autores, todas as decisões devem ser motivadas de acordo com a constituição e não meramente reproduzidas, ainda mais, caso isso aconteça, o processo será nulo.
2.3 Violação ao direito a ação
Outro ponto taxado de inconstitucional refere-se ao princípio do direito à ação. Parcela da doutrina entende que o julgamento liminar improcedente exclui a apreciação do judiciário sobre o caso proposto.
O argumento é que o poder judiciário deixa de apreciar a lide quando sua matéria for semelhante a outra em que já houver sentença prolatada. Ou seja, uma vez identificado os requisitos para aplicação do art.285-A como a matéria controvertida unicamente de direito e sentença proferida anteriormente em casos idênticos (entendidos na sua melhor acepção como já fora elucidado), o juiz estará desobrigado de apreciar a exordial em sua integra, ocupando-se apenas da análise de seus requisitos, deixando assim de completar a relação processual.
2.4 Violação ao devido processo legal
É violado o princípio do devido processo legal, na medida em que, antes da citação, o juiz, através de sentença de improcedência liminar, evita que seja completada a relação processual.
Neste mesmo raciocínio Djanira Maria Radamés de Sá e Haroldo Pimenta (2006, p.137) posicionam alegando que o art.285-A fere o devido processo legal, uma vez que a relação triangular processual será cerceada caso o juiz proferir sentença liminar indeferindo a exordial. Defendem ainda que a formação da relação processual é pressuposto de validade do processo:
“O art.285 do CPC, de que deriva o recém-criado 285-A exprime a natureza científica do sistema processual civil, apoiado na indissociabilidade de seus institutos fundamentais – ação, defesa, jurisdição e processo – dispondo d forma cogente que, estando apta a petição inicial, o juiz despachará ordenando a citação do réu. Insta à garantia maior do devido processo legal, a ausência da citação do réu para se manifestar sobre o pedido formulado configura a impossibilidade da formação da relação jurídica processual. Pressuposto de existência e de validade do processo impede a ausência de citação a possibilidade de julgamento do mérito.”
2.5 Violação ao Contraditório e Ampla defesa.
Se o réu sequer conhece da ação, é impossível que exerça seu direito de contestação, por isso, fere o contraditório. O momento propício para manifestação do réu é sufocado, restando a esse, apenas, exercer tal direito em sede recursal, que aí sim, será devidamente citado para que apresente sua contestação em prazo pré-estabelecido.
É por esta razão que especificamente, alguns autores, adotam o raciocino que o réu perde momento processual para tentar adquirir sentença monocrática a seu favor. A idéia de parte da doutrina é que o réu teria a oportunidade de contestação em primeira e segunda instância. Talvez pudesse até conseguir sentença favorável no primeiro grau de jurisdição, o que teoricamente, daria certa vantagem no segundo grau de jurisdição.
Mesmo não lesando o réu, acredita Daniel Mitidiero (2007, p.106) que o art.285-A fere, de toda forma o contraditório, defendendo a inconstitucionalidade da norma, alegando ainda que o julgamento antecipadíssimo da lide é tentativa frustrada do legislativo para resolução de problemas estruturais que dificultam o perfeito funcionamento da máquina judiciária.
“Com efeito, a pretexto de agilizar o andamento dos feitos, pretende o legislador sufocar o caráter dialético do processo, em que o diálogo judiciário, pautado pelos direitos fundamentais, propicia ambiente de excelência para reconstrução da ordem jurídica de conseguinte obtenção de decisões justas. Aniquila-se o contraditório, subtraindo-se das partes o poder de convencer o órgão jurisdicional do acerto de seus argumentos. Substitui-se, em suma, a acertada combinação de uma legitimação material e processual das decisões judiciais por uma questionável legitimação material e processual das decisões judiciais por um questionável legitimação pela eficiência do aparato judiciário, que, de seu turno, pode facilmente desembocar na supressão o caráter axiológico e ético do processo e de sua vocação para ponto de confluência de direitos fundamentais.”
O respaldo é que o contraditório é princípio constitucional fundamental e que em hipótese alguma, poderá ser evitado ou postergado. Mesmo que isso possibilite uma melhoria no sistema processual, de forma mais rápida, efetiva e justa.
3 - SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DO ART.285-A DO CPC
No aspecto constitucionalidade, o assunto é um pouco mais vasto na defesa do art. 285-A do CPC, isto porque diversos órgãos posicionaram ao seu favor, dentre tais estão: o IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Processual, AGU – Advocacia Geral da União e MP – Ministério Público Federal. Além da inquestionável contribuição jurídica sobre a matéria que tais órgãos fizeram, também figuram deste lado da doutrina, juristas em todas as posições, dentre estudantes, advogados, professores e também magistrados.
Devido sua propriedade com o caso, ocuparemos da petição, a qual na qualidade de amicus curiae, o IBDP ingressou solicitando sua inclusão no feito, através de peça vestibular assinada pelo professor Cássio Scarpinella Bueno (2009) a qual requereu improcedência total dos pedidos feitos pela OAB, pois fora defendido trecho a trecho em forma de contra-argumentos e firmando a inexistência de ofensa da norma ao texto constitucional.
3.1 Não há afronta ao princípio da isonomia constitucional
O IBDP em sua petição, primeiramente defendeu o princípio da isonomia, sustentando impossibilidade de lesão, vez que, o próprio art.285-A indica que as sentenças serão repetidas, tendo assim, a mesma motivação.
Ora, se as sentenças em casos semelhantes possuem o mesmo teor, não é razoável alegar ofensa à igualdade. Muito pelo contrário, pois a sentença é igual, ou seja, é reproduzida.
Destarte, verifica-se que é pouco relevante o argumento proposto pela OAB sobre a singularidade das decisões de 1º instância, por que, diga-se de passagem, os erros poderão e ocorrem em qualquer juízo, o que poderá ser corrigido pelos tribunais, situação que no caso tangente já fora reservado, conforme assevera o §2º do artigo 285-A.
3.2 Não há afronta ao princípio da segurança jurídica
Maior ainda será a segurança jurídica, pois a aplicação do art. 285-A seguirá um entendimento que já fora motivação para outros julgados.
Sobre o descabimento desse pensamento, Cássio Scarpinella (2006) em obra intitulada “A nova Etapa da Reforma do Código de Processo Civil” dá a sua lição:
“Em outra palavras, aceitar ‘que o art.285-A seja aplicado com base na inexistência de sentenças de primeiro grau, independentemente de diretrizes jurisprudenciais dos tribunais superiores, é dar mais um passo em direção ao estrangulamento definitivo do sistema recursal.”
Percorrendo o assunto, o IBDP defende que a afronta ao princípio da segurança jurídica não se verifica, pois o melhor entendimento desse princípio é que o magistrado goza do pressuposto que a constituição o reservou, ou seja, a livre motivação, pois o juiz não irá copiar a decisão proferida anteriormente e a reproduzi-la apenas, em outro processo, pois verifica-se após alguns anos da lei 11.277/ 2006 que o juiz primeiramente motiva a aplicação no art.285-A, e, posteriormente reproduz a sentença.
Não será insano presumir uma “preguiça da justiça”? Quer dizer, não é pensável que o juiz em um novo caso, apenas e simplesmente reproduza sentença?
Gozando de seus pressupostos constitucionais, o juiz motivará logo no início a aplicabilidade do art.285-A, pois é no início de sua sentença que relata a aplicabilidade mencionada no dispositivo, motivando sua sentença.
3.3 Não há afronta ao princípio do direito a ação
O direito de ação não é a pretensão de decisão favorável de acordo com o anseio pretendido, tão pouco é a formação de relação processual triangular (autor-juiz-réu). Tal direito se verifica com o ingresso na esfera judiciária, que se dá através da peça inaugural do processo. O simples recebimento da petição inicial é o direito a ação.
Tal direito seria ferido caso o judiciário uma vez tirado da inércia não respondesse a provocação de forma positiva e nem negativa. Aí sim, teríamos ofensa ao direito à ação.
No caso do art.285-A, não existe a ausência ou escusa de manifestação do Estado. O que se verifica é a decisão de forma negativa, pois se o Estado se manifestou, logo, a devida tutela jurisdicional fora alcançada.
Além disso, o argumento proposto pela OAB em peça inaugural, como também de Haroldo Pimenta e Djanira Maria Radamés de Sá sobre o enforcamento da relação triangular do processo como pressuposto que fere o direito a ação, data vênia, não procede, pois pode-se citar vários dispositivos no código de processo civil que extinguem a necessidade da relação processual triangular (autor-juiz-réu) , como por exemplo: art.267, art. 269, art 330, I e II e art.329.
3.4 Não há afronta ao princípio do contraditório
É fundamental que o princípio constitucional do contraditório exista em matéria de necessidade, como instituto assegurador da ampla defesa e não apenas mais uma fase processual que posterga a tutela jurisdicional. É preciso enxergar o contraditório como oportunidade do réu em se defender de algo que se apresente em algum aspecto como lesivo. Insistir no contraditório apenas como obrigação formal e burocrática é um atraso da justiça.
Neste aspecto, é descartado tal principio para deixar lugar ao princípio da economia e celeridade processual, que sem dúvida, será bem útil, vez que, como já dito, proporcionará diminuição da receita do Estado e agilidade na prestação judiciária. É neste raciocínio que posicionou a AGU:
“O princípio do contraditório, que se admite ínsito ao devido processo, refere-se especificamente à possibilidade de ser informado e reagir ao atos desfavoráveis. O que se deve consignar, a todo tempo, é que, se vislumbrado a possibilidade de o réu sofrer atos desfavoráveis, a ampla defesa e o contraditório lhe serão assegurados. (PARECER DA AGU 73236)”.
Além disso, o contraditório não fora extinto e sim postergado. O próprio art.285-A traz em sua redação tal previsão:
§ 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
§ 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.
Houve, dessa forma, uma adequação processual necessária, vez que, a inutilidade do contraditório neste contexto é evidente e dispensa discussão relevante.
3.5 Adequação do art.285-A ao princípio da celeridade
O inciso LXXVIII, art.5º da Constituição Federal tem essencialmente a finalidade de garantir um acesso mais rápido aos cidadãos para alcançar a tutela jurisdicional. Não é razoável que alguém que veja seu direito lesado espere anos por uma resposta jurisdicional. Também não se verifica necessário que causas em que o juiz já tenha um entendimento consolidado, sobre determinada matéria, sejam demasiadamente formalizadas, vez que, caso seja o processo simplificado o fim da ação será o mesmo.
É exatamente nesse ponto em que é favorável a aplicação do art.285-A do CPC. A idéia é a seguinte: porque postergar ainda mais se o juiz já tem entendimento formado sobre a determinada matéria? Se a relação processual seja completa ou simplificada, de uma forma ou de outra, a ação terá o mesmo fim, pois o juiz já está convencido desde o recebimento da petição sobre a decisão a qual irá tomar.
Ainda mais, se são questões meramente de direito, é inútil a tentativa de convencimento do juiz, pois o magistrado se posicionará de acordo com o direito propriamente dito.
Sobre a necessidade da celeridade do processo relacionado com a justiça, temos o brilhante posicionamento de três autores, Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (2004, p.72-73), na obra Teoria Geral do Processo.
“Se o processo é um instrumento, não pode exigir um dispêndio exagerado com relação aos bens que estão em disputa. E mesmo quando não se trata de bens materiais deve haver uma necessária proporção entre fins e meios, para equilíbrio do binômio custo-benefício. É o que recomenda o denominado princípio da economia, o qual preconiza o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais.”
3.6 Não há afronta ao princípio do devido processo legal
O devido processo legal figura como espécie de supra-princípio, onde este engloba uma série de outros princípios.
Fora levantado e defendido neste trabalho a constitucionalidade de vários princípios constitucionais como o da isonomia, da segurança jurídica, da publicidade, do direito a ação e do contraditório. Dessa forma, como o princípio da legalidade engloba todos estes, muito previsível é que o art.285-A do CPC também não afronta este último aqui tratado por nós.
Seria erro totalmente absurdo criticar a lei 11.277 de 2006 como inconsonante com a ordem constitucional no aspecto do devido processo legal, pois a presente lei é totalmente constitucional e harmônica com todos os princípios constitucionais, sejam eles fundamentais e processuais.
CONCLUSÃO
Diante do estudo exposto supra conclui-se que o art.285-A está adequadamente consonante com a Constituição Federal, visto que não viola sequer, um dispositivo constitucional e que, além disso, prima pela economia processual, a fim de, assegurar uma tramitação razoável do tempo do processo, além de, ao mesmo tempo, tentar proporcionar para que exista, aos cidadãos, um sentimento de justiça que fora feita em tempo perfeitamente adequado e justo. Mais ainda, contribui para diminuição da receita do Estado, no que tange a gastos judiciais.
REFERÊNCIAS
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Notas
[1] MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Primeiras aplicações do art. 285-A do CPC. Revista de Processo, repro. 157, ano 33, mar., p. 227-242, 2008.
[2] PROCESSUAL CIVIL. ART. 285-A DO CPC. APLICABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA CONTRÁRIA À ORIENTAÇÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM, DESTA CORTE SUPERIOR E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. Deve ser afastada a aplicação do artigo 285-A do Código de Processo Civil quando o entendimento do juízo de Primeira Instância estiver em desconformidade com orientação pacífica de Tribunal Superior ou do Tribunal local a que se encontra vinculado.
2. Precedente: REsp 1109398/MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 1.8.2011.
3. Recurso especial não provido.
(REsp 1279570/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/11/2011, DJe 17/11/2011).