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Aspectos gerais acerca da responsabilidade civil por erro médico

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V. A RESPONSABILIDADE MÉDICA E O CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC), Lei n° 8.078 de 11 de Setembro de 1990, veio para conferir efetividade ao mandamento constitucional elencado no Artigo 5º, XXXII, da Constituição de 1988: "O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor".

Na linguagem do CDC, o paciente é o consumidor para quem se presta um serviço, o profissional de saúde é o fornecedor que desenvolve atividades de prestação de serviços e o ato médico uma atividade mediante remuneração a pessoas físicas ou jurídicas sem vínculo empregatício.

Uma das maiores inovações trazidas pelo CDC está no artigo 6º, VIII[25], quando estatui que são direitos básicos do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor, quando a critério do juiz , for verossímil a alegação ou quando for ele hipossufiiciente, segundo as regras ordinárias de experiência.

Como se sabe, é princípio consagrado no direito que o ônus da prova cabe a quem alega. Todavia, com espeque no CDC, se um paciente alega um erro médico, a responsabilidade da prova para defender-se pode vir a ser do médico, se for considerado difícil para o usuário do serviço pré-constituir prova sobre seus direitos, até porque ele, no momento da relação, subtende-se estar de boa fé, além dos imagináveis obstáculos para obter material probatório.

A possibilidade da inversão do ônus da prova, diante de fatos verossímeis ou quando o consumidor for hipossuficiente, facilita a defesa dos direitos dos pacientes, cabendo ao prestador-réu provar que a alegação não é verdadeira. O sentido dessa inversão é equilibrar as partes na demanda judicial, sempre que o consumidor for economicamente insuficiente ou quando a alegação for verdadeira ou cuja presunção permitir ao juiz formar uma convicção.[26]

Registre-se que também no Código de Defesa do Consumidor optou-se pela responsabilidade subjetiva dos profissionais de saúde, sendo estes somente responsabilizados nos casos de negligência, imprudência ou imperícia.[27]

Está bem claro que só para a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais é que se utiliza o sistema fundado na culpa, enquanto a responsabilidade civil das empresas, no caso dos hospitais e clínicas odontológicas, seria avaliada pela teoria do risco.[28]

No que diz respeito aos médicos que tenham vínculo empregatício com pessoas jurídicas de direito público ou privado, a reparação civil por dano culposo será argüida dos respectivos estabelecimentos de saúde, porquanto a responsabilidade destes estabelecimentos é objetiva, aplicadas à espécie das regras do Código de Defesa do Consumidor.[29] Assim, existindo vínculo empregatício entre o médico e a pessoa jurídica prestadora de serviços médicos, a vítima teria a opção de demandar a reparação em face do estabelecimento, apenas provada a ocorrência do dano, incumbindo ao hospital provar as excludentes do art. 14, §3º, do CDC[30], com o objetivo de se exonerar do encargo[31]. Porém, as empresas terão direito de regresso, por aplicação analógica das súmulas 187 e 188 do STF.[32]


VI. A REPARAÇÃO DO DANO

Conforme já salientado, dano é o prejuízo experimentado por uma pessoa em seu patrimônio material ou moral, causado em virtude de ato de outrem.[33]

No tocante à reparação do dano, o ofendido deverá ser indenizado pelas despesas conseqüentes do tratamento e lucros cessantes até o término da convalescença. Em caso de inabilitação para o trabalho, além das indenizações acima descritas, terá direito, também, a uma pensão correspondente a importância do trabalho para o qual ficou incapacitado. Já , se da lesão resultar morte, fará jus a alimentos a quem a vítima o devia, bem como despesas de funeral e luto da família, o luto da família diz respeito aos lucros cessantes correspondentes ao período de nojo que as pessoas da família tiveram que arcar.

A par das indenizações por danos materiais, caberá, também, a indenização por dano moral[34], para reparar o prejuízo que não tem repercussão patrimonial, caracterizado pela dor do sentimento. Saliente-se que os danos morais podem nascer de lesões física e metafísica perpetradas à pessoa, quando deixam seqüelas psicológicas e reflexos na vida de relação social da vítima, eis que a pessoa humana deve ser entendida, individual e holisticamente, como parte integrante de uma sociedade.[35]

Saliente-se que ambas indenizações podem ser acumuláveis, ponto este consagrado na Súmula 37 do STJ.[36]

No que diz respeito ao quantum dessas indenizações, este se faz através da apreciação do julgador que levará em conta as condições das partes, o nível social, o prejuízo sofrido, a intensidade da culpa, dentre outros fatores.


VII. A PERÍCIA DO ERRO MÉDICO

Dentro das tarefas da perícia, a avaliação do erro médico é, sem sombras de dúvidas, uma das mais difíceis. Os objetivos principais da perícia são o de observar a existência do dano, estabelecer o nexo causal e avaliar as circunstâncias em que se verificou o ato médico. O dano aqui avaliado, não é aquele cujo resultado se traduz pela alteração anatômica ou funcional de uma estrutura, mas qualquer desordem da normalidade individual.[37]

Os padrões médicos-legais utilizados na perícia podem variar de acordo com os interesses analisados, podendo ser de natureza penal, administrativa ou civil.

No que tange à pericia penal, buscam-se evidenciar o corpus criminis (corpo da vítima) o corpus intrumentorum (o meio ou a ação que produziu o dano) e o corpus probatorum ( o conjunto dos elementos sensíveis do dano causado).

Na esfera administrativa, a perícia, faz-se presente, também, por interesse da função pública ou dos Conselhos Regionais Profissionais. Porém, avaliam-se as regras de condutas, referentes aos seguintes deveres: deveres de informação, deveres de atualização, deveres de abstenção de abuso, deveres de vigilância.

Nas questões de natureza civil, a que realmente interessa no presente estudo, procura-se estimar o dano sofrido como bem pessoal patrimonial, a fim de reparar através de um montante indenizatório as perdas físicas, funcionais e psíquicas causadas à vitima. Os parâmetros desta avaliação devem responder a algumas perguntas para melhor conceituá-lo, dentre elas: se do dano resultou incapacidade temporária e se esta incapacidade corresponde a um tempo limitado de inaptidão que vai desde a produção do dano até a recuperação ou a estabilização clínica e funcional das lesões verificadas. No primeiro caso há a cura e no segundo a consolidação.

Verifica-se, da mesma forma, se o dano anátomo-funcional ou psicosensorial é de caráter permanente e se total ou parcial. Ele é parcial quando o dano embora duradouro não torna a vítima inválida e definitivamente incapaz para as suas ocupações ou trabalho. É total quando a vítima passa a ser assistida de forma permanente por alguém.

Se do dano resultou prejuízo estético, diferentemente da avaliação de natureza penal, leva-se em conta a personalização do dano, no que diz respeito ao sexo, idade, estado civil, profissão, dentre outros. Pode ser conceituado em mínimo, moderado ou grave, como pode também ser classificado em prejuízo estético, deformidade e aleijão.

Se do dano resultou prejuízo de afirmação pessoal, significando que alguém foi prejudicado em suas realizações pessoais, ele é tanto mais grave quanto mais jovem é o indivíduo e quanto mais intensas forem suas atividades de lazer, dotes artísticos e de capacidade intelectual.

Saliente-se que a relação entre o dano e o ato ilícito é um pressuposto imprescindível a ser avaliado e, por isso, não pode fugir da ótica pericial. Muitas das vezes, a natureza do pleito reside nas condições em que se deu a relação entre o resultado e o evento danificador.

Sublinhe-se que o nexo de causalidade difere da concausalidade. O primeiro é de exclusiva competência médico-legal. Assim, para que se estabeleça um nexo de causalidade é necessário que o dano tenha sido produzido por um determinado meio agressor, que a lesão tenha etiologia externa e violenta, que o local da ofensa tenha relação com a sede da lesão, que haja relação de temporalidade, que haja uma lógica anatomo-clínica e que não exista causa estranha motivadora do dano.

As concausas, por sua vez, são eventualidades preexistentes ou supervenientes, susceptíveis de modificar o curso natural do resultado aludido como erro médico. São fatores anatômicos, fisiológicos ou patológicos que existiam ou venham existir, agravando o processo. Assim, são exemplos , a diabetes (preexistente) e o tétano ( superveniente).


VIII. DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO PACIENTE

É de notória sabença que todo direito é acompanhado de uma obrigação, e isto se faz presente, também, na relação médico-paciente.

Sobre o tema, é importante consignar que existem situações nas quais os pacientes, mesmo orientados, não atentam para as recomendações feitas pelos médicos. Nestes casos, apesar de receberem instruções por escrito, deixam de seguí-las, passando a realizar o tratamento por conta própria. Outro comum descuido consiste na correta utilização da medicação ministrada, tais como horários, duração, interrupção do tratamento após o desaparecimento dos sintomas, dentre outros.  Há situações, também, nas quais os pacientes não observam as recomendações de não fumar, de controlar a dieta, dentre outras.

Verifica-se, pois, que o paciente possui a obrigação de cooperar com o médico e tem o ônus de acatar suas instruções. Insta repisar que o dever de informação não incumbe apenas aos médicos, cabendo aos pacientes o dever de informar o médico com a verdade sobre a sua história clínica, trazendo ao seu conhecimento qualquer dado que possa ajudar na solução do caso a ser tratado.[38]

Destarte, quando da apuração da responsabilidade civil por erro médico, necessário realizar a apuração acerca do cumprimento das obrigações por parte dos pacientes.

No que tange aos direitos, cabe salientar, de início, que todo paciente tem o direito de mudar de médico, se assim o desejar. De toda sorte, o paciente tem direito de saber seu diagnóstico e de ser esclarecido sob os exames complementares requeridos durante o seu tratamento. Da mesma forma, pode requerer que o nome da sua doença seja lhe dado por escrito e pode ter acesso aos dados de seu prontuário médico, a considerar que são informações a seu respeito. Saliente-se que os dados difíceis de serem entendidos deverão ser explicados ao doente e, até mesmo, aos seus familiares.

O Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 72[39] estabelece que é crime contra as relações de consumo impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastro, banco de dados, fichas e registros. A Constituição Federal em seu inciso LXXII[40], também, ratifica esta postura concedendo habeas data para reconhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante.

Situação complexa é a de respeitar a vontade do paciente, mesmo quando esta é prejudicial a sua saúde. Sendo a prestação de serviços médicos feita por desejo do paciente e regido por um contrato, em regra, a vontade do doente deve prevalecer. O próprio código de ética médica, em seu artigo 26[41], veda aos médicos alimentar compulsoriamente qualquer pessoa empenhada em greve de fome.

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Paradoxalmente, sendo o médico responsável pelo paciente ele poderá ser responsabilizado no caso de morte, sob a alegação de omissão. Um exemplo clássico é o que ocorre com as testemunhas de Jeová, que não admitem transfusão de sangue, e diante de um caso grave de risco de vida, o médico pode até ser processado se deixar o paciente morrer. Portanto, diante de tal circunstância, havendo tempo hábil, o profissional deve recorrer a justiça, que poderá lhe conferir uma autorização para proceder dentro da melhor técnica médica.[42]


IX. DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO MÉDICO

Mister salientar que os profissionais de saúde estão sujeitos a inúmeras obrigações e cobranças, todavia, não se pode relegar ao oblívio seus direitos, dentre eles o mais elementar, qual seja, o de exercer com liberdade a sua profissão. Da mesma forma que o doente tem o direito de mudar de médico, este também tem o direito de não tratar o paciente, salvo em local onde não haja outro médico, pois neste caso poderia restar configurada uma omissão de socorro.

De toda sorte, quando questionado sobre o tratamento, o médico deve seguir algumas precauções, dentre elas, não deixar de atender o doente ou sua família quando necessitam de esclarecimentos, respondendo as questões de forma objetiva.

Dentre as obrigações, merece destaque a obrigação de cuidados médicos, esta entendida como o conjunto de atos desempenhados pelos profissionais de saúde que tem como escopo a melhora das condições de saúde humana, sejam terapêuticos, preventivos ou profiláticos.[43] Destarte, deve o profissional de saúde agir com diligência no exercício da profissão, exigíveis de acordo com o estado da ciência e as regras consagradas pela prática médica.[44]

Ainda no que concerne às obrigações, os médicos não devem dar entrevistas a jornais e televisões sobre estado dos seus pacientes No caso de pessoas públicas, o hospital emitirá um boletim assinado pelo diretor clínico, sendo esta uma obrigação da administração do hospital.

É costume equiparar a obrigação do médico de guardar segredo à do confessor, todavia esta comparação é extremamente relativa. Com efeito, a não ser em casos onde houver justificativa, não se deve quebrar o sigilo médico.


X. INFECÇÃO HOSPITALAR E ERRO MÉDICO

Um fato que não pode ser desconsiderado na questão do erro médico é a infecção hospitalar contraída pelo paciente durante o período de sua internação. É sabido que grande parte da internação de pacientes em hospitais refere-se a casos cirúrgicos e que não raro estão cometidos por infecção no momento da internação.

As dificuldades presentes no controle da infecção hospitalar vão desde as precárias instalações dos hospitais a não observância por parte dos atendentes de enfermagem e pessoal de limpeza dos cuidados básicos de higiene. Normalmente, até mesmo por questões socio-econômicas, toma-se difícil transmitir a todas as pessoas que trabalham no ambiente hospitalar a noção real do conceito de assepsia, além de que muitos deles, não fazem o adequado uso dos equipamentos de proteção, como por exemplo, gorros, máscaras e luvas.

A infecção hospitalar vem sofrendo variações quanto aos agentes infecciosos mais comuns, pois com o surgimento de antibióticos para determinados agentes e sua diminuição, outros surgem em seu lugar. À guisa de exemplo, saliente-se que com o advento de antimicrobianos para bactérias grã positivas, as grã negativas passaram a encontrar melhor ambiente para sua proliferação. Sendo muito importante o correto critério de controle microbiano do ar ambiente.

Foi com esse intuito que o Ministério da Saúde criou o Programa de Controle de Infecções Hospitalares sob a Coordenação da direção nacional do SUS e sob a fiscalização dos organismos de gestão estadual e municipal do sistema. Em cumprimento desse programa, todos os hospitais do País deverão desenvolver individualmente ou por meio de consórcio, um conjunto de ações com vistas à redução máxima possível da incidência e da gravidade das infecções hospitalares. O descumprimento dessas medidas enseja infração a legislação sanitária federal, bem como a aplicação dos artigos 14, 20 §§ 1º e 2º e 27 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe sobre a proteção do consumidor, no caso de fornecedores de serviços, incluídos os hospitais.

Cabe salientar aqui, que o risco de se adquirir infecção hospitalar é um risco razoavelmente esperado em quaisquer procedimentos que envolvem cirurgias, sondas, catéteres venosos e cânulas, dentre outros, merecendo destacar, contudo, que o hospital responde objetivamente pela infecção hospitalar, pois esta decorre do fato da internação e não da atividade médica em si.[45]

Dentre as funções atribuídas pela lei, o hospital deve rastrear focos infecciosos, zelar pelo meio ambiente, evitar a contaminação do ar, proteger os doentes, estimular e exigir uma rigorosa técnica de enfermagem, assim como exemplar técnica cirúrgica.  A preocupação deverá ser intensa, principalmente nos hospitais que atendem crianças e idosos, pois o sistema imunológicos desses pacientes é mais susceptível a adquirir uma infecção.

Há situações nas quais os médicos utilizam seu próprio instrumental para o atendimento em hospitais, nesses casos os cuidados de conservação e esterilização cabem ao médico, não sendo imputado ao hospital qualquer contaminação advinda desses fatores.

Considerando a precariedade das condições de trabalho na rede hospitalar pública do País, o médico não pode aceitar o atendimento nessas condições, devendo, em uma situação de urgência, onde tenha que atender a um grande número de doentes sem condições de fazê-lo, comunicar formalmente a administração superior para que lhe seja transferida a responsabilidade pelo atendimento precário.

O próximo passo, será a comunicação ao Conselho de Classe e assim por diante, para que possam solucionar essa situação caótica, imputando as responsabilidades até mesmo aos agentes político, excluindo do médico a responsabilização integral pelo dano.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GÓIS, Ewerton Marcus Oliveira. Aspectos gerais acerca da responsabilidade civil por erro médico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3432, 23 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23074. Acesso em: 23 dez. 2024.

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