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A população civil no Direito humanitário de guerra

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01/11/2001 às 01:00
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8. A GUERRA NA IUGOSLÁVIA

O conflito armado formado entre a Otan e a Iugoslávia, em 1999, é atualmente o exemplo mais recente, de ampla divulgação, de uma intervenção pública internacional em um determinado Estado. Com base neste conflito, podemos fazer uma breve análise sobre as atuações que violaram preceitos da Guerra Humanitária. Tal comparação é de considerável importância, uma vez que, através desta, é possível aliar teoria à prática, reconhecendo o âmbito externo pelo qual se passou o conflito.

Em primeiro lugar, analisamos a atuação da Iugoslávia. Sem dúvida, pelo que foi amplamente divulgado em imprensa, o fato gerador da beligerância marcou uma grave crime contra a Regra Humanitária, e até mesmo os Direitos Humanos (que não podem ser confundidos). O mais grave delito foi a perseguição étnica contra o povo albanês, praticada antes e continuando após a intervenção da Otan. Por este delito, vários generais iugoslavos, e até mesmo o presidente na época, Slobodan Milosevic, estão sendo ou serão julgados no Tribunal ad hoc de Haia para crimes contra a humanidade praticados na Iugoslávia. Em recente condenação, um general sérvio foi condenado a várias dezenas de anos em prisão.

Por outro lado, também existem os delitos praticados pela própria Otan, que não podem deixar de ser lembrados. O mais marcante, foi o sistema de guerra adotado, isto é, o lançamento de mísseis através de bombardeiros de grande altitude (os B-2), ou dos mísseis Tomahawk, de navios localizados no Mar Adriático, a mais de cem quilômetros de Belgrado, o que configurou o delito de "ataque indiscriminado a civis e militares", uma vez que não havia como determinar ao certo se o alvo atingido seria uma fábrica de explosivos para o exército, ou, num erro mínimo do alvo, a escola ou o hospital que poderiam estar ao lado. Não restando no campo da especulação, diversas vezes houveram notícias de instituções deste tipo atingidas por ataques que erraram os alvos.

Outro delito existente, foi a destruição sistemática de fontes de energia, que deixou a população civil em sérias dificuldades. Esta prática, todavia, é permitida pelo Direito Humanitário quando o alvo atingido, embora seja de utilidade civil, aplique-se igualitariamente para fins militares.


9. CONCLUSÕES

Pode-se dizer, pela análise dos textos internacionais que atualmente regem a aplicação do "Conflito Humanitário", que, muito antes de retratar uma realidade, um ser (sein), o Direito Humanitário figura meramente no campo da ambição internacional, o dever-ser (sollen). Dizemos isso, pois corriqueiramente acompanhamos conflitos onde as regras internacionais são sistematica e reiteradamente violadas, sem que, sequer, haja sanção internacional.

Exemplo desta parcial ineficiência do Direito Humanitário, resultado do subdesenvolvimento do sistema sancionatório internacional, é o próprio caso da intervenção na Iugoslávia. Como pôde ser reparado, ambos os envolvidos cometeram infrações à Regra Humanitária, porém somente uma delas, a parte perdedora, foi levada aos tribunais internacionais por crimes de guerra. Sem dúvida, foi também a que cometeu o delito mais grave, o de perseguição étnica, porém não se pode negar que os ataques à Iugoslávia deixaram centenas de civis sérvios mortos, sem que estes estivessem envolvidos nos problemas internacionais ou mesmo os de perseguição étnica.

Pode-se dizer que o devido controle de crimes de guerra e do cumprimento do Direito Humanitário ainda está fortemente vinculado à força política internacional dos Estados envolvidos. Somente com o aperfeiçoamento do sistema sancionatório internacional, poder-se-á chegar a um patamar ao menos satisfatório de cumprimento do Direito Humanitário de Guerra, uma vez que atualmente, somente são punidos os indivíduos ou Estados pertencentes à parcela de países com pouca força diplomática internacional, esta derivada de seu fraco desenvolvimento econômico, tanto interna como externamente, fato este que acaba deixando desportegidos os civis de Estados mais pobres, em relação a possíveis conflitos internacionais.


BIBLIOGRAFIA

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MATTOS, Adherbal Meira. Direito Internacional Público, 1 ed., Rio de Janeiro : Renovar, 1997

MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 11 ed., Rio de Janeiro : Renovar, 1997

SAAVEDRA LAMAS, Carlos, Tratados Internacionales de tipo social, 1 ed., Buenos Aires : Facultad Derecho e Ciencia Social, 1922

"The Law of War and the Armed Forces" (F. de Mulinen) International Review of the Red Cross no. 202, p. 20-45, 1978.

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Sobre o autor
Arthur Becker Mombach

acadêmico de Direito pela Unisinos, no Rio Grande do Sul, pesquisador nos ramos de Direito Internacional Público e Privado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOMBACH, Arthur Becker. A população civil no Direito humanitário de guerra. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2315. Acesso em: 2 mai. 2024.

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