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O devido processo fiscal e a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.952

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É constitucional o regime especial do IPI relativo às empresas fabricantes de cigarros. A produção e o consumo de cigarros é uma atividade que, para ser lícita, deve preencher uma série de requisitos legalmente estabelecidos.

A livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna.

Todas as normas e medidas jurídicas para controlar com rigor e austeridade a produção de cigarros são constitucionalmente válidas, politicamente legítimas, moralmente aceitáveis e socialmente desejáveis.

Constitucionalidade do art. 1º da Lei 9.822/1999, que deu nova redação ao inciso II do art. 2º do DL 1.593/1977, e do art. 2º (in totum) e do § 5º do art. 2º do DL 1.593/77, incluídos pela MPv 2.158-35/01.

Precedente da Corte: AC 1.657.

1.O tema sob exame versa acerca da constitucionalidade do Regime Especial do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI relativo às empresas fabricantes de cigarros, disciplinado no Decreto-Lei n. 1.593, de 21.12.1977.

2.O Partido Trabalhista Cristão – PTC ajuizou a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.952 perante o Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do Ministro JOAQUIM BARBOSA, impugnando os seguintes dispositivos legais: art. 1º da Lei 9.822/1999, que deu nova redação ao inciso II do art. 2º do DL 1.593/1977, e do art. 2º (in totum) e do § 5º do art. 2º do DL 1.593/77, incluídos pela Medida Provisória n. 2.158-35/01.

3.Eis os enunciados dos aludidos dispositivos atacados:

Art. 2º  O registro especial poderá ser cancelado, a qualquer tempo, pela autoridade concedente, se, após a sua concessão, ocorrer um dos seguintes fatos:

I - desatendimento dos requisitos que condicionaram a concessão do registro;

II - não-cumprimento de obrigação tributária principal ou acessória, relativa a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal;

III - prática de conluio ou fraude, como definidos na Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, ou de crime contra a ordem tributária previsto na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, ou de qualquer outra infração cuja tipificação decorra do descumprimento de normas reguladoras da produção, importação e comercialização de cigarros e outros derivados de tabaco, após decisão transitada em julgado.

................................................................

§ 5º  Do ato que cancelar o registro especial caberá recurso ao Secretário da Receita Federal, sem efeito suspensivo, dentro de trinta dias, contados da data de sua publicação, sendo definitiva a decisão na esfera administrativa.

4.O Partido requerente entende que os aludidos dispositivos violam os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência, da vedação de sanções políticas em direito tributário, da livre iniciativa, da proporcionalidade e da razoabilidade. Nessa linha, o requerente postula pela decretação de inconstitucionalidade ou pelo reconhecimento da não-recepção do indigitado DL 1.593/1977.

5.Em favor de suas pretensões, o requerente aduz as subseqüentes alegações que serão expostas resumidamente.

6.Violação ao devido processo legal, à ampla defesa, ao contraditório e à presunção de inocência.  Alega o requerente o desrespeito ao art. 5º, incisos LIV e LV, CF:

“LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”.

7.Com espeque nesses citados dispositivos constitucionais, o requerente diz que “a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal são direitos fundamentais assegurados pelo texto constitucional ao cidadão em qualquer processo judicial ou administrativo. Note-se que a Constituição é clara ao dispor que tais garantias devem ser respeitadas tanto no processo judicial como no processo administrativo, de maneira que não é admissível a aplicação de qualquer sanção administrativa sem que tenha assegurado a ampla defesa e o contraditório, seja em uma sindicância ou um processo administrativo”.

8.Em sua petição inicial, o requerente alega que a ausência de efeito suspensivo ao recurso administrativo interposto pelo contribuinte, nos termos do referido § 5º do art. 2º do DL 1.593/1977, é inconstitucional.

9.Após citar o magistério doutrinário de ALEXANDRE DE MORAES e de NELSON NERY JR. e de fazer considerações acerca do alcance normativo do contraditório e da ampla defesa,  o requerente, recordando passagem de voto do Ministro GILMAR MENDES, no MS 24.268, aduz a violação ao princípio da presunção de inocência, “na medida em que leva a cabo o cancelamento do registro especial da empresa fabricante de cigarros sem que se tenha certeza de sua condição de inadimplente, bem como sem assegurar-lhe o direito à ampla defesa, ao contraditório; em síntese, sem que haja o devido processo administrativo”.

10.O requerente invoca uma suposta antinomia interna existente entre os incisos II e III, do art. 2º, DL 1.593/1977, no tocante à necessidade de decisão judicial transitada em julgado, no caso do inciso III, para o cancelamento do registro, enquanto inexistente essa condição na hipótese do inciso II.

11.Diante dessa citada antinomia entre os incisos II e III, o requerente conclui ser inconstitucional o referido inciso II, e brada que “para um ato criminoso condiciona-se o trânsito em julgado, para o ‘descumprimento de obrigação principal ou acessória’ não se cogita de tal procedimento. Poderá a inquisição ser sumária. Nem mesmo o contribuinte poderá divergir da interpretação ou das pretensões da Receita!!”.

12.Na visão do requerente, conquanto se admita a existência de sanções específicas para o setor tabagista, ainda assim o devido processo legal deveria ser observado necessariamente.

13.Violação à vedação de sanções políticas em direito tributário. Como mencionado, além da alegação de violação ao devido processo legal e seus indissociáveis consectários, o partido requerente aduz o desrespeito à proibição de sanções políticas, consubstanciada nas Súmulas 70, 323 e 547 do Supremo Tribunal Federal:

“Súmula 70 – É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.

Súmula 323 – É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

Súmula 547 – Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.”

14.Nesse aspecto, diz o requerente que “o cancelamento do registro especial das fábricas de cigarro, estabelecido no art. 1º da Lei 9.822/99, é uma autêntica sanção política, pois o Estado está restringindo ou proibindo atos do contribuinte, como forma indireta de exigir a exação do tributo”. Evoca, em seu favor, o magistério doutrinário de HUGO DE BRITTO MACHADO e as lições dos Ministros MARCO AURÉLIO e CELSO DE MELLO, extraídas dos votos proferidos no RE 413.782.

15.Violação ao princípio constitucional da livre iniciativa. O partido requerente narra que as normas impugnadas agridem os princípios do livre exercício do trabalho, ofício ou qualquer profissão (art. 5º, XIII, CF) e o da livre iniciativa (art. 170, caput e parágrafo único, CF):

“Art. 5º, inciso XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(.....)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

16.Sobre esse específico tema, o requerente expõe que “o princípio da livre iniciativa é uma das manifestações dos próprios direitos fundamentais, que visa a garantir o direito de cada um ingressar no mercado livremente sem sofrer qualquer restrição por parte do Estado. Trata-se de um pressuposto do próprio direito de propriedade, na medida em que busca garantir o exercício livre de uma atividade, seja a produção de bens ou a prestação de serviços”.

17.Com espeque no magistério doutrinário de MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, CELSO BASTOS e de HUMBERTO ÁVILA, e colacionando passagem de voto do Ministro CARLOS VELLOSO (RE 216.983), o requerente alega que o poder estatal não pode cancelar o registro especial da fábrica de cigarros, porquanto sem o registro a aludida fábrica não poderia funcionar.

18.Nesse sentido, continua o requerente, o cogitado cancelamento, nos termos da legislação hostilizada, maltrata o exercício de atividade econômica lícita.

19.Violação ao princípio da proporcionalidade. O partido requerente alega que a legislação impugnada não respeita a necessária proporção entre o fim desejado e os meios utilizados.

20.Invocando o magistério doutrinário de J.J. GOMES CANOTILHO, ROBERT ALEXY, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, HELENILSON CUNHA PONTES e WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, e colacionando passagens de votos dos Ministros GILMAR MENDES e CEZAR PELUSO, nos autos do multicitado RE 413.782, o requerente informa que o meio escolhido – o cancelamento do registro – não se mostra como o mais vantajoso para a finalidade do pagamento do tributo, de sorte a violar o referido princípio da proporcionalidade (ou da proibição de excesso ou da razoabilidade).

21.A não-recepção do Decreto-Lei 1.593/77 pela Constituição Federal de 1988. O partido requerente cônscio de que a eventual decretação de inconstitucionalidade das modificações legislativas efetuadas pela Lei 9.822/99 e MPv 2.158/01 implicaria a repristinação das disposições legislativas anteriores, cujo conteúdo normativo, ao entender do requerente, não se afivela ao texto constitucional de 1988, postula pelo reconhecimento de não-recepção das normas anteriores à presente Constituição.

22.Em obséquio de sua pretensão, o partido requerente repisa os mesmos fundamentos relativos ao pedido de decretação de inconstitucionalidade.

23.Sem embargo da boa qualidade argumentativa demonstrada na petição inicial do partido requerente, com a devida vênia, entendemos que nenhum dos fundamentos normativos invocados é suficiente e bastante, por si só, para revelar a existência das assacadas inconstitucionalidades.

24.Com efeito, o DL 1.593/77, com as modificações encetadas pela Lei 9.822/99 e pela MPv 2.158/01, deve ser compreendido à luz de todo o ordenamento jurídico constitucional, sob pena de ser visto como um ucasse tributário ameaçador dos direitos dos contribuintes.

25.Perspectivá-lo sem contextualizar induz a erros de compreensão, concessa venia.

26.Cuide-se que o regime especial em análise versa sobre a fabricação de cigarros. É a indústria tabagista a destinatária das normas emanadas do combatido DL 1.593/77.

27.Essa específica atividade econômica, conquanto lícita, é apenas tolerada pelo Estado. O Poder Público concede um favor às empresas que têm a fabricação de cigarros como principal atividade econômica constante de seu objeto social. Daí porque somente a empresa que se adequar às normas e medidas estabelecidas no questionado diploma legislativo pode produzir cigarros.

28.Nessa toada, o espírito público consiste na criação de constrangimentos legais que dificultem ao máximo o interesse empresarial na produção de fumígeros.

29.Repita-se. O Estado apenas tolera o exercício dessa atividade econômica que fabrica produtos danosos à saúde pública, uma vez que agride não somente o indivíduo que consome diretamente o cigarro, mas tem potencial de causar danos às pessoas que mesmo sem consumi-lo diretamente podem sofrer com a contaminação da “fumaça” e do “mau cheiro” provocados. É de interesse de toda a coletividade o rigoroso controle estatal sobre a indústria tabagista.

30.Esse interesse público - no sentido constitucionalmente democrático do termo - encontra amparo no texto constitucional, nas normas internacionais e na legislação das esferas políticas nacionais: União, Estados, Municípios e Distrito Federal.

31.Nesse passo, devem ser draconianas as normas e medidas relacionadas à indústria tabagista. Todavia, essa severidade não significa despótica arbitrariedade estatal, como alega o partido requerente, mas justas, adequadas, aceitáveis, razoáveis, proporcionais e necessárias limitações normativas que traduzem os ônus e deveres da indústria tabagista no exercício de seus direitos constitucionalmente assegurados.

32.Com a devida vênia, é através do prisma dos ônus e deveres que a presente controvérsia deve ser examinada. O enfoque pretendido pelo requerente não é o mais adequado. Neste caso, os direitos fundamentais da indústria tabagista estão em necessária vinculação ao cumprimento de seus deveres fundamentais. Só com o cumprimento de suas obrigações legais é que a indústria tabagista poderá exercer o seu direito de produzir cigarros.

33.Ademais, a presente discussão não cuida de tema estritamente tributário ou fiscal. Conquanto esteja em controvérsia o regime do IPI, a análise deve ser feita a partir do direito econômico e da extrafiscalidade tributária.

34.De efeito, a legislação indevidamente combatida, permissa venia, tem como finalidade regular a atividade econômica de produzir cigarros garantindo a existência da concorrência entre as indústrias. Nesse específico caso, a liberdade concorrencial prevalece sobre a livre iniciativa, em homenagem à função social da propriedade (empresa privada), evitando-se o abuso do poder econômico.

35.Além da proteção à liberdade de concorrência, tenha-se que o principal objetivo da forte carga tributária sobre o cigarro consiste em desestimular o seu consumo, haja vista os malefícios para a saúde pública provocadas pelo seu uso.

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36.Decorre dessa verdade elementar a consequência de que todas as normas e medidas jurídicas para controlar com rigor e austeridade a produção de cigarros são constitucionalmente válidas, politicamente legítimas, moralmente aceitáveis e socialmente desejáveis, concessa venia.

37.Forte nesse ponto-de-partida inquestionável, no sentido de que se deve apreciar o problema através dos ônus e deveres para depois se alcançar os direitos, a Fazenda Nacional defende que o atacado DL 1.593/77 não agrediu os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência, da vedação de sanções políticas em direito tributário, da livre iniciativa, da proporcionalidade e da razoabilidade.

38.Em favor da perspectiva fazendária, além do que já foi referido, apresentamos os seguintes fundamentos e argumentos.

39.Devido processo legal. De início convém recordar que se está diante de uma ação direta que questiona, em tese, a validade de uma determinada legislação. Portanto, será apreciada se as normas objurgadas ofendem, em tese, a Constituição Federal.

40.Esse caráter abstrato do controle direto e concentrado de constitucionalidade exercido pelo STF, em defesa da supremacia normativa da Constituição da República, enseja a necessária distinção entre norma aplicada inconstitucionalmente e a norma inconstitucional em tese.

41.Com efeito, todo e qualquer enunciado jurídico-prescritivo pode ser aplicado ou concretizado indevida ou inadequadamente. Ou seja, nada obstante a validade do comando prescritivo, o aplicador ou intérprete do Direito pode compreendê-lo equivocadamente e concretizá-lo de modo inadequado. Nessas hipóteses, não se discute a validade da prescrição jurídica, mas a legitimidade da aplicação normativa no caso concreto.

42.Em se tratando de apreciação em tese da inconstitucionalidade da norma, deve o intérprete, com a devida vênia, considerar as circunstâncias sociais, históricas, políticos, econômicos, culturais e perspectivar as finalidades jurídicas perseguidas pela norma que tem aferida a sua legitimidade constitucional.  

43.De posse desses elementos, poderá o julgador interpretar adequadamente se está diante de uma norma jurídica violadora da norma constitucional. Sucede que essa norma é extraída de todo o conjunto normativo contido no texto constitucional.

44.A eventual inconstitucionalidade é verificada em face de todo o texto constitucional, e não apenas em face de dispositivos monadários.

45.Nesse prisma, é de ver que não houve os apontados desrespeitos ao devido processo legal, nem ao contraditório nem a ampla defesa, como assestou o partido requerente.

46.Certo. A cláusula constitucional do devido processo legal exige que a privação da liberdade ou do patrimônio seja precedida por um adequado e legítimo mecanismo oportunizando-se a ampla defesa e o contraditório.

47.Com a devida vênia das dissensões, o inquinado DL 1.593/77 regula adequada e legitimamente os mecanismos de cancelamento do registro especial da indústria tabagista, oportunizando-lhe o contraditório com a mais ampla defesa.

48.Todavia, antes de cuidar do cancelamento do registro, o aludido DL 1.593/77 surpreende os destinatários e as formalidades para a concessão do mencionado registro especial. Tenham-se os seguintes enunciados, na redação atualizada:

Art. 1º  A fabricação de cigarros classificados no código 2402.20.00 da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - TIPI, aprovada pelo Decreto nº 2.092, de 10 de dezembro de 1996, será exercida exclusivamente pelas empresas que, dispondo de instalações industriais adequadas, mantiverem registro especial na Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.

§ 1º  As empresas fabricantes de cigarros estarão ainda obrigadas a constituir-se sob a forma de sociedade e com o capital mínimo estabelecido pelo Secretário da Receita Federal.

§ 2º  A concessão do registro especial dar-se-á por estabelecimento industrial e estará, também, na hipótese de produção, condicionada à instalação de contadores automáticos da quantidade produzida e, nos termos e condições a serem estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, à comprovação da regularidade fiscal por parte:

I - da pessoa jurídica requerente ou detentora do registro especial;

II - de seus sócios, pessoas físicas, diretores, gerentes, administradores e procuradores;

III - das pessoas jurídicas controladoras da pessoa jurídica referida no inciso I, bem assim de seus respectivos sócios, diretores, gerentes, administradores e procuradores.

§ 3º  O disposto neste artigo aplica-se também à importação de cigarros, exceto quando destinados à venda em loja franca, no País.

§ 4º  O registro especial será concedido por autoridade designada pelo Secretário da Receita Federal.

§ 5º  Do ato que indeferir o pedido de registro especial caberá recurso ao Secretário da Receita Federal, no prazo de trinta dias, contado da data em que o contribuinte tomar ciência do indeferimento, sendo definitiva a decisão na esfera administrativa.

§ 6º  O registro especial poderá também ser exigido dos estabelecimentos que industrializarem ou importarem outros produtos, a serem especificados por meio de ato do Secretário da Receita Federal.”

49.À luz do texto legislativo, somente poderá produzir cigarros a empresa que obtiver o referido registro especial. A livre iniciativa da indústria tabagista é condicionada pelo atendimento aos aludidos requisitos legais.

50.Pois bem. Após cuidar da aquisição do registro especial, o DL 1.593/77, no seu art. 2º e itens, regula as hipóteses de perda ou cancelamento dessa concessão administrativa, em redação atualizada:

Art. 2º  O registro especial poderá ser cancelado, a qualquer tempo, pela autoridade concedente, se, após a sua concessão, ocorrer um dos seguintes fatos:

I - desatendimento dos requisitos que condicionaram a concessão do registro;

II - não-cumprimento de obrigação tributária principal ou acessória, relativa a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal;

III - prática de conluio ou fraude, como definidos na Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, ou de crime contra a ordem tributária previsto na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, ou de qualquer outra infração cuja tipificação decorra do descumprimento de normas reguladoras da produção, importação e comercialização de cigarros e outros derivados de tabaco, após decisão transitada em julgado.

§ 1º  Para os fins do disposto no inciso II deste artigo, o Secretário da Receita Federal poderá estabelecer a periodicidade e a forma de comprovação do pagamento dos tributos e contribuições devidos, inclusive mediante a instituição de obrigação acessória destinada ao controle da produção ou importação, da circulação dos produtos e da apuração da base de cálculo.

§ 2º  Na ocorrência das hipóteses mencionadas nos incisos I e II do caput deste artigo, a empresa será intimada a regularizar sua situação fiscal ou a apresentar os esclarecimentos e provas cabíveis, no prazo de dez dias.

§ 3º  A autoridade concedente do registro decidirá sobre a procedência dos esclarecimentos e das provas apresentadas, expedindo ato declaratório cancelando o registro especial, no caso de improcedência ou falta de regularização da situação fiscal, dando ciência de sua decisão à empresa.

§ 4º  Será igualmente expedido ato declaratório cancelando o registro especial se decorrido o prazo previsto no § 2º sem qualquer manifestação da parte interessada.

§ 5º  Do ato que cancelar o registro especial caberá recurso ao Secretário da Receita Federal, sem efeito suspensivo, dentro de trinta dias, contados da data de sua publicação, sendo definitiva a decisão na esfera administrativa.

§ 6º  O cancelamento da autorização ou sua ausência implica, sem prejuízo da exigência dos impostos e das contribuições devidos e da imposição de sanções previstas na legislação tributária e penal, apreensão do estoque de matérias-primas, produtos em elaboração, produtos acabados e materiais de embalagem, existente no estabelecimento.

§ 7º  O estoque apreendido na forma do § 6º poderá ser liberado se, no prazo de noventa dias, contado da data do cancelamento ou da constatação da falta de registro especial, for restabelecido ou concedido o registro, respectivamente.

§ 8º  Serão destruídos em conformidade ao disposto no art. 14 deste Decreto-Lei, os produtos apreendidos que não tenham sido liberados, nos termos do § 7º.

§ 9º  O disposto neste artigo aplica-se também aos demais produtos cujos estabelecimentos produtores ou importadores estejam sujeitos a registro especial.”

51.Malgrado os ataques perpetrados pelo partido requerente, com a devida vênia não é possível vislumbrar a ocorrência de violação, em tese, ao devido processo legal ou ao contraditório ou a ampla defesa pelos dispositivos suso transcritos.

52.O eventual cancelamento do registro especial não decorre de uma arbitrariedade da autoridade administrativa, mas de situações graves e anômalas merecedoras de acurada intervenção do Secretário da Receita, após a abertura de competente processo administrativo, oportunizando-se a ampla defesa e o contraditório, como se percebe do estampado nos aludidos §§ 1º, 2º, 3º e 4º do cogitado art. 2º, do Decreto-Lei 1.593/77.

53.Nada obstante, se a administração pública cometer qualquer desrespeito a quaisquer das formalidades exigidas, poderá o interessado socorrer-se do inafastável amparo judicial. Ou seja, acaso haja aplicação inconstitucional da lei poderá o eventual prejudicado provocar a jurisdição constitucional protetiva.

54.Cuide-se, vez mais, que se discute a suposta inconstitucionalidade, em tese, da legislação sob comento. À luz da redação do texto hostilizado não é possível, com a devida vênia, decretar a sua inconstitucionalidade por violação ao devido processo legal.

55.Em denso estudo intitulado “O princípio do devido processo legal substantivo” (Rio de Janeiro: Renovar, 2005), RUITEMBERG NUNES PEREIRA, após visitar as origens germânicas e inglesas da cláusula do devido processo legal, assinala que para o  histórico jurista inglês EDWARD COKE, na proteção aos direitos de propriedade, a existência de monopólios violava a substância da “lei da terra” (law of the land).

56.Nesse âmbito de intervenção estatal no domínio econômico, o citado RUITEMBERG NUNES PEREIRA, na referida obra, analisa a mutação constitucional operada pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América em relação ao “New Deal” proposto pelo Governo para enfrentar os efeitos da crise econômica decorrente da “quebra” da Bolsa de 1929 e que perdurou até meados da década de 40 do século XX.

57.De efeito, as primeiras decisões da Suprema Corte dos EUA foram no sentido de decretarem a inconstitucionalidade de normas e medidas estatais no domínio econômico, tendo como âncora uma perspectiva liberal de Estado e uma leitura individualista da cláusula do “devido processo legal”.

58.Todavia, ante as necessidades sócio-econômicas e por força de injunções políticas, os juízes da Corte passaram a reconhecer a validade das intervenções estatais no domínio da economia privada, sobretudo o combate aos “trustes” monopolistas.

59.Estribado nessa concepção de devido processo legal substantivo e na autorização constitucional de intervenção estatal no domínio econômico, percebe-se, venia permissa, que o estatuto jurídico do regime especial de produção de cigarros, no tocante à sua concessão ou ao seu cancelamento, não agride a Constituição Federal.

60.O mesmo destino se anuncia à tese de que a ausência de efeito suspensivo ao recurso administrativo interposto (§ 5º, art. 2º, DL 1.593/77) tolda o princípio do devido processo legal em sua vertente de presunção de inocência.

61.Com efeito, a regra geral para os recursos administrativos consiste na ausência de efeito suspensivo, como reza o art. 61 da Lei 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo federal):”salvo disposição de lei em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo”. No plano judicial, à guisa de exemplo, o recurso especial, para o Superior Tribunal de Justiça, e o recurso extraordinário, para o Supremo Tribunal Federal, não têm efeito suspensivo.

62.A razão de ser da ausência de efeito suspensivo, além do aspecto de conveniência e discricionariedade política do legislador, consiste no fato de que após uma decisão, seja administrativa ou judicial, há a inversão de presunção. Ou seja, no caso sob exame, até a decisão da autoridade fazendária milita em favor da empresa a “presunção de inocência”. Após essa decisão, inverte-se o ônus procedimental.

63.Outrossim, por razões de saúde pública, defesa dos direitos do consumidor e defesa da liberdade de concorrência, salvo justas e fundamentadas alegações, deve a autoridade pública cancelar o registro da empresa que não cumpre com seus deveres legais, mormente com suas obrigações tributárias, sejam as principais ou acessórias, haja vista o forte impacto do tributo no preço final do cigarro oferecido à coletividade.

64.No presente caso, não interessa a ninguém de boa-fé que empresa tabagista possa oferecer cigarros a baixíssimo custo, sobretudo em face do reiterado descumprimento de suas obrigações tributárias. Para exigir os direitos é preciso cumprir com os deveres, no caso das indústrias tabagistas.

65.Nessa toada, concessa venia, não há qualquer jaça de inconstitucionalidade, quanto às alegações de violação ao devido processo legal, no combatido DL 1.593/77.

66.Desrespeito à jurisprudência constitucional que veda a utilização de sanção política para cobrança de tributos. A fundamentação do partido requerente nesse ponto específico não se sustenta, concessa venia.

67.Em rigor, é de todos conhecida a atávica jurisprudência do STF no sentido de que não pode o Fisco manejar de constrangimentos administrativos com a finalidade de exigir o cumprimento das obrigações tributárias dos contribuintes. Essa jurisprudência restou consubstanciada nas recordadas Súmulas 70, 323 e 547 do STF, além de vários precedentes da Corte sobre o tema.

68.Sucede, todavia, que no presente caso os constrangimentos administrativos legalmente autorizados, frise-se, não objetiva a cobrança de tributo, mas o cumprimento de deveres administrativos relevantes para o regular desenvolvimento das atividades econômicas e empresariais da indústria tabagista.

70.Nessas hipóteses, o interesse primacial do Estado não é da natureza arrecadatória ou fiscal, mas de natureza extrafiscal, porquanto protetiva da liberdade concorrencial, da defesa do consumidor e da saúde pública.

71.Essa aludida finalidade perseguida, de natureza extrafiscal, afasta, com a devida vênia, a incidência das cogitadas súmulas, bem como os precedentes jurisprudenciais da Suprema Corte, dentre eles o multicitado RE 413.782 (Relator Ministro MARCO AURÉLIO).

72.Repita-se, à exaustão, o alcance normativo não é cobrar tributo, mas exigir o cumprimento de obrigações administrativas relevantes para o adequado exercício da atividade econômica privada rigorosamente controlada pelo Estado.

73.Violação ao princípio constitucional da livre iniciativa. Ante essa alegação do partido requerente, tenha-se o disposto nos capítulos constitucionais relativos à saúde pública e à ordem econômica.

74.De efeito, em homenagem à saúde da coletividade, a produção de cigarros está sujeita a rigorosas normas e medidas sanitárias, visando prevenir os usuários desse produto dos males que podem causar a si ou a terceiros, nos termos estabelecidos pelo art. 196, CF (A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação).

75.No plano do direito econômico, há que levar em consideração o disposto na Ordem Econômica e Financeira (arts. 170 e ss., CF) em sua integralidade, em vez de leitura isolada, com a devida vênia.

76.Indubitavelmente a livre iniciativa se constitui em fundamento da ordem econômica. Todavia, essa liberdade deve levar em consideração, no que interessa imediatamente, a função social da propriedade, a livre concorrência e a defesa do consumidor.

77.Nessa perspectiva, a empresa que reiteradamente descumpre com suas obrigações tributárias, requisito indeclinável para o seu funcionamento, desrespeita os citados mandamentos constitucionais da função social da propriedade, da livre concorrência e da defesa do consumidor.

78.Visando combater a essa situação de concorrência desleal entre as empresas cumpridoras de seus deveres, inclusive tributários, e as descumpridoras de suas obrigações, intervém o Estado para garantir o equilíbrio econômico na disputa de mercado.

79.A ninguém escapa a importância do tributo no preço do cigarro. Não pagar tributo cria uma anômala vantagem competitiva para o contumaz sonegador.

80.É postulado universal do direito que ninguém deve se aproveitar ou se beneficiar da própria torpeza.

81.A empresa que não cumpre com os seus deveres administrativos não pode ficar em situação de vantagem em face daquelas que cumprem regularmente as suas obrigações e, por consequencia, podem exercer livremente seus direitos.

82.Indiscutivelmente, a empresa, como propriedade privada, tem uma função social. Essa função se concretiza com a realização das atividades econômicas prometidas no seu objeto social e com o integral submetimento às leis, de modo a poder usufruir as liberdades propiciadas pelo regime democrático.

83.A empresa que descumpre suas obrigações legais, sobretudo as de natureza tributária, abusa economicamente de sua livre iniciativa e corrói a livre concorrência.

84.É de se recordar a máxima iluminista de que a liberdade de um termina onde começa a do outro. No presente caso, a livre iniciativa da empresa tem como referencial a livre concorrência e a livre iniciativa das outras empresas.

85.Assim, tendo em mira os princípios constitucionais informadores da atividade econômica, não é de se decretar a inconstitucionalidade do DL 1.593/77, uma vez que esse mencionado diploma se agasalha à indispensável função social da propriedade (empresa) e da livre iniciativa, além da defesa do consumidor, porquanto o produto oferecido capaz de provocar malefícios aos usuários, deve ser fabricado dentro dos padrões rigorosamente estabelecidos pelo Estado.

86.Violação ao princípio da proporcionalidade. O partido requerente alega a violação do princípio (ou máxima ou postulado) da proporcionalidade (ou da razoabilidade) encetada pela indispensável e austera legislação reguladora da produção de cigarros.

87.Para ser desproporcional ou desarrazoada, a legislação deve perseguir fins ilegítimos utilizando meios inaceitáveis ou inadequados.

88.A despeito da severidade da legislação atacada, o rigor normativo está plenamente justificado pelas circunstâncias sociais, políticas, culturais e econômicas.

89.Como já mencionado, o Estado tolera a produção e o consumo de cigarros. Não é uma atividade econômica estimulada pelo Estado. Do contrário. É uma atividade que para ser lícita deve preencher uma série de requisitos legalmente estabelecidos.

90.Esses cogitados requisitos legais, estipulados no DL 1.593/77, não desbordam dos limites do constitucionalmente válido, do politicamente legítimo, do moralmente aceitável e do socialmente desejável, já foi dito alhures.

91.Partilham desse mesmo entendimento os preclaros JOSÉ AFONSO DA SILVA, TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR. e HUMBERTO ÁVILA, em pareceres que ofertaram por ocasião do julgamento da Ação Cautelar n. 1.657 (redator Ministro CEZAR PELUSO), cujo objeto de discussão era o mesmo conjunto normativo guerreado nesta ADI 3.952.

92.Esses três ilustres professores citados, em peças individualizadas, chegaram a conclusões similares quanto à plena razoabilidade e proporcionalidade das normas contidas no DL 1.593/77, haja vista o impacto da sonegação tributária no preço do cigarro e o necessário e indispensável controle de sua fabricação.

93.O mesmo sucedeu com a douta Procuradoria-Geral da República, tanto em suas manifestações na aludida AC 1.657 quanto na presente ADI 3.952.

94.E foi nessa trilha que caminhou o STF no julgamento da referida AC 1.657. Em voto capitaneado pelo eminente Ministro CEZAR PELUSO, a Corte, por maioria, julgou constitucionalmente válido o DL 1.593/77.

95.Eis passagens valiosas do voto do Ministro CEZAR PELUSO nos autos da citada AC 1.657:

Ora, a previsão normativa de cancelamento da inscrição no Registro Especial por descumprimento de obrigação tributária principal ou acessória, antes de ser sanção estrita, é prenúncio desta: uma vez cancelado o registro, cessa para a empresa inadimplente, o caráter lícito da produção de cigarros; se persistente, a atividade, de permitida, passa a a ostentar o modal deôntico de não permitida, ou seja, proibida

É marcante a sutileza da distinção, provocada por uma permissão condicionada: a produção de cigarros, embora desacoroçoada pelo alto valor da alíquota do IPI, é atividade permitida, desde que se cumpram os requisitos legais pertinentes, mas produzir cigarros sem preenchimento destes – o que conduz à perda direta do registro especial – é, mais do que atividade desestimulada, comportamento proibido e ilícito.

...........

Donde se conclui que, perante as características desse mercado industrial concentrado, em que o fator tributo é componente decisivo na determinação dos custos e preços do produto, o descumprimento das obrigações fiscais é aqui acentuadamente grave, dados seus vistosos impactos negativos sobre a concorrência, o consumidor, o erário e a sociedade. E representa, ainda, tentativa de fraude ao princípio da igualdade e de fuga ao imperativo de que a generalidade dos contribuintes deva pagar tributos”.

96.Esse entendimento manifestado pelo Ministro CEZAR PELUSO recebeu a adesão das Ministras CÁRMEN LÚCIA e ELLEN GRACIE e dos Ministros CARLOS BRITTO, EROS GRAU, RICARDO LEWANDOWSKI e GILMAR MENDES. Divergiram da corrente majoritária os Ministros JOAQUIM BARBOSA, MARCO AURÉLIO, CELSO DE MELLO e SEPÚLVEDA PERTENCE.

97.Cuide-se que no julgamento do RE 550.769 (relator Ministro JOAQUIM BARBOSA), que efetivamente aprecia o mérito acerca da constitucionalidade do DL 1.593/77, o relator reconheceu a validade das normas atacadas.

98.Recordemos a notícia contida no Informativo 505 do STF:

O Tribunal iniciou julgamento de mérito de recurso extraordinário interposto por indústria de cigarros no qual se discute a validade de norma que prevê interdição de estabelecimento, por meio de cancelamento de registro especial, em caso do não cumprimento de obrigações tributárias (Decreto-lei 1.593/77). Trata-se de recurso interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que entendera que o rigor fiscal se ampararia nas características da indústria do cigarro, dentre as quais a circunstância de a tributação ter papel extrafiscal no arrefecimento do consumo e no aparelhamento do Estado para combater a nocividade do produto à saúde pública. Alega a recorrente que o art. 2º, II, do referido decreto consubstanciaria uma sanção política não recepcionada pela Constituição, por contrariedade ao direito à liberdade de trabalho, de comércio e indústria e aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (CF, artigos 5º, XIII e LIV, e 170). O Min. Joaquim Barbosa, relator, conheceu do recurso, mas lhe negou provimento. Salientou, inicialmente, que a Corte tem confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas, a violação do substantive due process of law (a falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. Asseverou que essa orientação não serviria, entretanto, de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária, não havendo se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica combatessem estruturas empresariais que se utilizassem da inadimplência tributária para obter maior vantagem concorrencial. Assim, para ser reputada inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deveria ser desproporcional e não-razoável.

O relator aduziu que o desate do caso seria, no entanto, mais sutil do que o reconhecimento, pura e simplesmente, do art. 2º, II, do Decreto-lei 1.593/77 como sanção política ou como salvaguarda da saúde pública e do equilíbrio concorrencial. Ou seja, a questão de fundo consistiria em saber se a interpretação específica adotada pelas autoridades fiscais, no caso concreto, caracterizaria sanção política, dada a ambigüidade do texto normativo em questão. Tendo em conta essa ambigüidade e a conseqüente falta de calibração expressa, a norma extraída a partir da interpretação do aludido dispositivo legal seria inconstitucional se atentasse contra um dos 3 parâmetros constitucionais: 1) a relevância do valor dos créditos tributários em aberto, cujo não pagamento implicaria a restrição ao funcionamento da empresa; 2) manutenção proporcional e razoável do devido processo legal de controle do ato de aplicação da penalidade; 3) manutenção proporcional e razoável do devido processo legal de controle de validade dos créditos tributários cujo não-pagamento importaria na cassação do registro especial. O relator julgou atendidas essas 3 salvaguardas constitucionais, e concluiu que a interpretação dada pela Secretaria da Receita Federal não reduziria a norma ao status de sanção política.

Ressaltou que seriam relevantes tanto o montante dos créditos cuja compensação não fora homologada quanto o montante total do débito tributário atribuído à empresa. Além disso, o risco à efetividade da tutela jurisdicional relativa à cassação do registro especial, existente por ocasião do julgamento da AC 1657 MC/SP (DJU de 11.5.2007), enfraqueceria com o julgamento de mérito da questão, já que, realizado o controle de constitucionalidade incidental da norma, não haveria mais expectativa juridicamente relevante de reversão da penalidade. Ademais, não restaria demonstrado o risco à efetividade da tutela jurisdicional, no que se refere ao controle de validade dos créditos tributários cujo não-pagamento levaria à cassação do registro especial. Considerou, ainda, ausente a plausibilidade da tese que defenderia a possibilidade de compensação de créditos referentes às antigas obrigações do Estado, cujos títulos foram denominados “moeda podre”, em virtude de sua duvidosa liquidez e de restrições postas pela legislação ordinária. Enfatizou pesarem, também, alegações gravíssimas contra a recorrente. Para o relator, diante do contexto excepcional, a parte deveria ter demonstrado com precisão os motivos que a levaram à sistemática e contumaz inobservância das normas de tributação, não bastando apontar a inconstitucionalidade absoluta do dispositivo analisado. Por fim, reputou que a assertiva imprecisa da existência de discussão sobre o sistema de tributação da indústria do cigarro com o IPI, encapsulada na suposta inconstitucionalidade da tributação via pautas de preços fixos, não teria sido parte do quadro apresentado ao tribunal de origem, não podendo o argumento ser usado para confirmar a plausibilidade da tese que sustenta a violação do direito ao livre exercício de atividade econômica lícita. Após, pediu vista dos autos o Min. Ricardo Lewandowski.

99.Como noticiado, o feito encontra-se suspenso em face de pedido de vista do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI. Nada obstante, Sua Excelência já se manifestou no sentido do retorno do julgamento do mencionado RE 550.769.

100.Tenha-se em mira a circunstância de que o citado RE 550.769 discutir a situação particular e concreta de uma determinada empresa que teve cancelado, por reiterado e injustificado descumprimento de obrigações tributárias, o seu registro especial que lha autorizava produzir cigarros.

101.Em que pese essa particularidade do aludido feito, que discute o ato concreto da administração, enquanto a presente ação direta aborda o ato em tese, é possível que o entendimento prevalecente na AC 1.657 se repetirá no referido RE 550.769 e na presente ADI 3.952, no sentido da validade constitucional de todo o conjunto normativo contido no DL 1.593/77.

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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

LUIS CARLOS é piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; orador da Turma "Sexagenária" - Prof. Antônio Martins Filho; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA, do Centro Universitário de Brasília - CEUB e do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; e "Lições de Direito Constitucional".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. O devido processo fiscal e a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.952. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3495, 25 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23545. Acesso em: 22 dez. 2024.

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