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Direito real de superfície

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01/11/2001 às 01:00

Resumo:


  • O direito de superfície está sendo reintroduzido no ordenamento jurídico brasileiro após mais de cento e trinta anos afastado, como parte de um projeto de Código Civil em tramitação na Câmara dos Deputados.

  • Esse ressurgimento é motivado pela necessidade de conciliar as normas referentes à propriedade com o princípio da função social da propriedade, consagrado na Constituição de 1988, visando contribuir para a solução de problemas habitacionais e agrícolas no país.

  • O projeto de lei em questão regula o direito de superfície de forma tímida e insuficiente, sendo criticado por alguns civilistas, mas defendido por outros que enxergam sua utilidade para facilitar construções e contribuir para o desenvolvimento social e econômico.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

7.Constituição, Transmissão e Extinção do Direito de Superfície

O Código Civil Português, talvez a legislação que regulou o direito de superfície da maneira mais ampla, refere-se expressamente, em seu artigo 1528º às formas de constituição do citado instituto, a saber: contrato, testamento ou usucapião, podendo ainda resultar da alienação de obra ou árvores já existentes, separadamente da propriedade do solo. Basicamente, são estas as quatro formas de se constituir o direito de superfície.

No tocante ao contrato, este deve sempre ser revestido da forma escrita, sendo que em muitos países as legislações exigem a solenidade da escritura pública. Desta forma, o contrato deve ser registrado (transcrito ou inscrito) no cartório de registro de imóveis, geralmente em um livro auxiliar. Já no que concerne à aquisição da superfície por ato de última vontade a única exigência é que o testador seja proprietário do solo e tenha capacidade de alienar.[16] Assim, no testamento, o proprietário do solo poderá deixar a superfície a um legatário e a propriedade do solo a outro, impondo o pagamento do cânon ou não. Neste caso a superfície não precisa ser registrada, mas o formal de partilha sim, para que possa ser alienado o direito de superfície.

Já a constituição do direito de superfície por usucapião oferece uma maior dificuldade, visto que, em respeito ao princípio da acessão, ao completar o prazo estipulado pela lei, aquele que construi ou plantou se tornaria proprietário do imóvel também. Mas, como explica José Guilherme Braga Teixeira, existe a possibilidade da aquisição da superfície pelo usucapião ordinário, em razão de concessão anterior a non domino, visto que "nesta hipótese, o concessionário adquire o direito de superfície contra o senhor do solo, se conserva a posse pelo tempo necessário, na qualidade de superficiário, desde que não careça de boa fé".[17]

Já a transmissão do direito de superfície dá-se com o registro do negócio jurídico de cessão no cartório do registro de imóveis, ou ainda pela sucessão hereditária. Aqui são pertinentes todas as observações realizadas quanto às formalidades na constituição da superfície. Resta apenas observar que, no caso da alienação onerosa da superfície, o proprietário do solo goza do direito de preferência, estando em igualdade de condições com terceiros.

O autor chileno Arditi[18] enumera as formas de extinção do direito de superfície admitidas pela maioria das legislações. Eis-las:

a)Por vencimento do prazo, se foi a superfície constituída por tempo determinado;

b)Por abandono ou renúncia do superficiário;

c)Pela resolução do contrato, se houve inadimplemento de uma das partes de umas das condições consideradas essenciais contratualmente, como pagamento do cânon ou destinação diversa da estabelecida;

d)Pelo mútuo dissenso, através de um acordo de vontades;

e)Pela confusão, quando se reúnem na mesma pessoa a qualidade de superficiário e de dono do solo;

f)Pela expropriação forçada. Neste caso a indenização deverá ser dividida entre o superficiário e o dono do solo, na proporção entre o devido valor que o direito de um e outro tinham no momento da expropriação;

g)Pela destruição da coisa sobre a qual recai a superfície;

h)Pela decadência. Neste caso específico algumas legislações prevêem o fim do direito de construir ou plantar, se a construção ou plantação não foi feita até o prazo fixado legal ou contratualmente. Em Portugal, salvo disposição contratual, o prazo é de dez anos. Na Itália são vinte anos e na Espanha cinco anos.


8.A Reintrodução da Superfície no Direito Brasileiro: Uma Análise Crítica

A reintrodução do direito de superfície através do projeto n.º 634-B de Código Civil não ficou imune às críticas. Importantes civilistas como Caio Mário da Silva Pereira, Orosimbo Nonato e Afrânio de Carvalho se posicionaram contra, argumentando que "se tenta fazer ressurgir das cinzas do passado um direito real já em desuso (até mesmo no direito romano)".[19] Por outro lado, o magistério proficiente de Orlando Gomes repele a argumentação, ao afirmar: "Muitos Códigos que conservaram o censo enfitêutico, repeliram, como o nosso, o direito de superfície. Assim, não se pode, à primeira vista, compreender a reconstituição de uma figura jurídica que desaparecera das legislações. No entanto, Códigos recentes retomaram-na, dando-lhe novos traços, admitindo a sua utilidade para certos fins, dentre os quais, como se reconhece na Alemanha, o de facilitar as construções principalmente nos terrenos de domínio do Estado, concorrendo para a solução do problema da habitação. Volta, assim, a ter aplicação, sob forma nova, em outra perspectiva, um direito que fora condenado e caíra em desuso".[20]

O projeto de lei aprovado pelo Senado Federal em 12.12.1997 e atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, com o escopo de ab-rogar o Código Civil em vigor (Lei n.º 3.071 de 1º.01.1916), prevê o direito de superfície nos artigos 1.368 a 1.376. A regulação proposta se faz em conformidade com as legislações mais avançadas sobre direito de superfície. Algumas observações devem ser feitas. A priori, o direito de superfície previsto no projeto de Código Civil terá que ser por tempo determinado, mas não fixou prazo máximo como acontece na legislação da Bélgica (cinqüenta anos) e Áustria (mínimo de trinta e oito e máximo de oitenta anos). Assim, pode o dono do solo conceder o direito de superfície por um prazo enorme, tornando-o, na prática, ad eternum. Da forma em que foi redigido, o projeto de lei não autoriza a cessão de edificação ou plantação preexistente.

Impende também destacar o parágrafo único do artigo 1.369 do projeto, que desautoriza o dono do solo a reaver a superfície no caso de inadimplemento do cânon por parte do superficiário, cabendo ao primeiro apenas reivindicar as parcelas não pagas e juros de mora. Este dispositivo se choca com um dos princípios do direito de superfície, que considera o não pagamento do sollarium, no caso da superfície onerosa, uma das causas da sua extinção. Também é importante destacar que o projeto não prevê a aquisição do direito de superfície por usucapião.

A grande característica que fica evidente no projeto no que tange à regulação do direito de superfície é a timidez com que foi tratada a matéria. Em comparação com o Código Civil português, de 1966, nosso projeto de legislação também tem se mostrado insuficiente, visto que a lei lusitana regulou, de forma bem mais sistematizada e completa a noção, objeto, o direito de construir sobre edifício alheio (chamado de direito de superfície de segundo grau na Itália e Suíça), o direito de superfície constituído pelo Estado, a constituição e a extinção do direito de superfície, tudo isso em dezenove artigos.

Para um instituto que após mais de cento e trinta anos retorna ao ordenamento jurídico positivo, caracterizado de maneira bastante diferente, com uma roupagem mais moderna, seria imprescindível uma regulação mais completa, mais detalhista. Isso evitaria que o direito de superfície seja mais um instituto que caía em desuso pela regulação insipiente a que foi submetido.


9.Conclusão: Utilidades e Vantagens do Direito Real de Superfície

Importante, ao fim deste trabalho, verificar o porquê do ressurgimento do direito de superfície no direito brasileiro depois de tanto tempo afastado. Nos últimos anos tem-se tentado conciliar as normas referentes à propriedade do Código Civil com o preceito disposto no artigo 5º, inciso XXIII da Constituição Federal, que consagra a função social da propriedade. Assim, as proposições de redefinição do direito de propriedade não são assunto opcional, mas um imperativo de ordem social, decorrente desses novos conceitos trazidos pela Magna Carta de 1988.

É neste contexto que se insere o direito de superfície, um poderoso instrumento tanto para atenuar a crise habitacional como também efetivar a reformulação agrária brasileira. No caso do solo de propriedade do Estado, seria menos paternalista e mais flexível a utilização da concessão da superfície em detrimento da doação pura e simples, para o fim de construção de habitações populares e realização da reforma agrária. Já quanto aos terrenos particulares, o governo tem o poder de incentivar o uso do solo com o aumento progressivo da alíquota do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e do ITR (Imposto Territorial Rural) para terrenos não construídos e terras improdutivas, respectivamente. Isto pode levar os proprietários desinteressados em alienar o imóvel a concederem o direito de superfície para que seu terreno seja construído ou plantado. Além de ser um passo para a atenuação do problema habitacional e agrícola, a implementação destas simples medidas teria o condão de gerar milhares de empregos diretos, tanto no campo, como na cidade, no ramo da construção civil, tudo isso com bastante repercussão na esfera social.

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10.Notas

1.GOMES, Orlando. Direitos Reais. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 85.

2.Apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. V.4. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p.102.

3.Ibidem, p.108/109.

4.Apud DEDA, Artur Oscar de Oliveira. Direito de Superfície. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo. v. 26, 1979, p.337/328.

5.BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas. Edição Histórica. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976. p. 307.

6.Apud CHALHUB, Melhin Namem. Direito de Superfície. Revista de Direito Civil – Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo. [s.n.], a. 19, v. 53, 1995, p.76.

7.Ibidem. p.76.

8.ARDITI, A. B. El Derecho de Superficie. Santiago: Editorial Andres Bello, 1972. p.62.

9.DEDA, Artur Oscar de Oliveira. Direito de Superfície. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo. v. 26, 1979, p.339/340.

10.ARDITI, A. B. El Derecho de Superficie. Santiago: Editorial Andres Bello, 1972. p.131.

11.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. T.XI. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p.175.

12.MATHIAS, Carlos Fernando. Acórdão da AMS 0103161-DF. Http://www.cjf.gov.br.html. 04 de novembro de 1999.

13.CHALHUB, Melhin Namem. Direito de Superfície. Revista de Direito Civil – Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo. [s.n.], a. 19, v. 53, 1995, p.78.

14.TEIXEIRA, José Guilherme Braga. O Direito Real de Superfície. São Paulo; Revista dos Tribunais, 1993. p. 101.

15.ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito de Superfície Agrícola. Revista de Direito Civil – Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo. [s.n.], a. 2, v. 4, 1978, p.148.

16.TEIXEIRA, José Guilherme Braga. O Direito Real de Superfície. São Paulo; Revista dos Tribunais, 1993. p. 80.

17.TEIXEIRA, José Guilherme Braga. O Direito Real de Superfície. São Paulo; Revista dos Tribunais, 1993. p.81.

18.ARDITI, A. B. El Derecho de Superficie. Santiago: Editorial Andres Bello, 1972. p.156.

19.Apud CHALHUB, Melhin Namem. Direito de Superfície. Revista de Direito Civil – Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo. [s.n.], a. 19, v. 53, 1995, p.87.

20.Apud CHALHUB, Melhin Namem. Direito de Superfície. Revista de Direito Civil – Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo. [s.n.], a. 19, v. 53, 1995, p.86.


11. Bibliografia

Livros:

1.ARDITI, A. B. El Derecho de Superficie. Santiago: Editorial Andres Bello, 1972.

2.ASCENSÃO, José de Oliveira. As Relações Jurídicas Reais. Lisboa: Livraria Morais Editora, 1962.

3.________. Estudos Sobre a Superfície e a Acessão. Braga: Livraria Cruz, 1973.

4.BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas. Edição Histórica. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976.

5.CARVALHO SANTOS, J.M. de. Código Civil Brasileiro Interpretado. V. VII e IX. 10. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1961.

6.DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. V.4. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

7.GOMES, Orlando. Direitos Reais. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990.

8.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. T.XI. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977.

9.SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. V.4. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

10.TEIXEIRA, José Guilherme Braga. O Direito Real de Superfície. São Paulo; Revista dos Tribunais, 1993.

Artigos

1.ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito de Superfície Agrícola. Revista de Direito Civil – Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo. [s.n.], a. 2, v. 4, 1978, p.145-171.

2.CHALHUB, Melhin Namem. Direito de Superfície. Revista de Direito Civil – Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo. [s.n.], a. 19, v. 53, 1995, p.73-89.

3.DEDA, Artur Oscar de Oliveira. Direito de Superfície. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo. v. 26, 1979, p.337-349.

Internet

1.MATHIAS, Carlos Fernando. Acórdão da AMS 0103161-DF. Http://www.cjf.gov.br.html. 04 de novembro de 1999.

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Sobre o autor
Bruno de Albuquerque Baptista

advogado em Pernambuco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BAPTISTA, Bruno Albuquerque. Direito real de superfície. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2360. Acesso em: 22 dez. 2024.

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