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Habeas data.

a polêmica garantia constitucional de conhecimento e retificação de informações pessoais em poder do Estado

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9. O Procedimento Regulamentado pela Lei 9.507/97

Assim como ocorreu com o mandado de injunção, o procedimento do habeas data não fora regulamentado imediatamente com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Nesse período posterior, costumava-se aplicar o mesmo procedimento do mandado de segurança, conforme previa a Lei 8038/90, mandando observar, no habeas data, no que coubesse, as normas relativas ao mandado de segurança.

Em 12 de novembro de 1997, foi editada a Lei 9.507, no sentido de regular o direito de acesso à informação e disciplinar o rito processual do habeas data, guardando profunda semelhança com a Lei do mandado de segurança(Lei 1533/51).

Com exceção feita aos processos de habeas corpus, os feitos de habeas data terão prioridade em relação a todos os demais atos judiciais.

A inicial, que deve ser apresentada em duas vias, deve preencher os requisitos exigidos pelos arts. 282 a 285 do Código de Processo Civil. Deve ser instruída com a prova de uma das três situações: a) recusa ao acesso às informações ou decurso de mais de 10 dias sem decisão; b) recusa em se fazer a retificação ou decurso de mais de 15 dias sem decisão; c) recusa em se fazer a anotação sobre a explicação ou contestação sobre determinado dado ou do decurso de mais de 15 dias sem decisão.

Caso a autoridade judicial verifique a ausência de algum dos requisitos previstos na Lei, poderá indeferir a inicial desde logo, cabendo dessa decisão o recurso de apelação.

Em não se tratando do caso de indeferimento, o juiz, ao despachar a inicial, determina a notificação do coator, para que em 10 dias preste as informações que julgar necessárias. Após o término desse prazo, ouvir-se-á o Ministério Público em 5 dias, e os autos seguem conclusos ao juiz para, também em 5 dias, proferir decisão.

Cabe o recurso de apelação da sentença que concede ou nega o habeas data. Só há lugar para recursos voluntários, não se repetindo o que ocorre com o mandado de segurança, que prevê o duplo grau de jurisdição obrigatório das decisões concessivas de segurança.

Podem interpor o recurso de apelação: o próprio impetrante, o Ministério Público, o coator e as entidades governamentais ou as instituições, entidades e pessoas jurídicas de direito privado que detenham dados referentes a pessoas físicas ou jurídicas.

O art. 15 da citada lei regulamentadora dispõe que quando a sentença concede o remédio do habeas data, o recurso tem apenas efeito devolutivo. Assim, a execução da sentença é imediata, mediante o específico cumprimento da determinação da autoridade judiciária. Ressalve-se que, entretanto, o Presidente do Tribunal ao qual competir o conhecimento do recurso pode ordenar ao juiz a suspensão da execução da sentença.

A Constituição Federal isentou de custas e despesas judiciais o processo de habeas corpus, por ser mecanismo de exercício de soberania popular.


10. Coisa Julgada em Matéria de Habeas Data

Consoante dispõe o art. 18 da Lei nº 9.507, "o pedido de habeas data poderá ser renovado se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito". Aqui se verifica mais uma disposição mutuada da Lei nº 1.533 (art. 16), relativa ao mandado de segurança. A esse respeito, superadas incertezas iniciais, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal veio firmar-se no sentido de que, se denegada a segurança por entender-se inexistente o direito alegado pelo impetrante, a decisão é suscetível de produzir coisa julgada material, a impedir qualquer nova apreciação judicial da lide.

Tal entendimento é o que, sem dúvida, prevalecerá quanto ao habeas data. Suponha-se, por exemplo, que alguém pleiteie, por essa via, a retificação de dado constante de registro ou banco, mas o juiz, examinando a matéria, não descubra a suposta inexatidão. A sentença denegará a ordem declarando que o assentamento é exato e, portanto, o impetrante não tem o direito de vê-lo modificado. Inexiste motivo para recusar a tal sentença a aptidão para revestir-se da auctoritas rei iudicatae no sentido material. É essa autoridade, e não qualquer aliud, que impedirá o órgão judicial, noutro eventual processo, de rejulgar a lide.(9)

Diferentemente se passam as coisas quando a sentença puser termo ao feito sem apreciação do mérito. Por exemplo: o habeas data foi impetrado por pessoa diversa daquela a quem dizem respeito as informações a que se pretende ter acesso. Falece ao impetrante legitimação ativa para a causa. O caso é de extinção do processo sem julgamento de meritis, e não haverá coisa julgada material. A disciplina da matéria não discrepa, em suma, da consagrada no Código de Processo Civil.


11. Habeas Data e Dados Sigilosos

Uma última questão que apresenta polêmica doutrinária em matéria de habeas data concerne ao seu cabimento em relação da dados e registros acobertados pelo sigilo da defesa nacional.

Parte da doutrina pende para a amplitude do instituto, entendendo inexistir informações sigilosas em relação ao próprio informado. Outros, por outro lado, admitem a restrição a fatos relacionados com a defesa nacional, sendo aplicada a ressalva do art. 5º, inciso XXXIII, da Carta Magna.

O antigo Tribunal Federal de Recursos, atual Superior Tribunal de Justiça, proferiu decisões no sentido de proclamar o sigilo da defesa do Estado e da sociedade, desde que plenamente justificado.

Atualmente, a doutrina majoritária inclina-se por uma posição contrária àquela do antigo Tribunal Federal de Recursos, entendendo ser inaplicável a possibilidade de negar-se ao próprio impetrante todas ou algumas de suas informações pessoais, alegando-se sigilo em virtude da imprescindibilidade à segurança da sociedade ou do Estado. Se as informações forem verdadeiras, certamente já o eram do conhecimento do próprio impetrante. Se forem falsas, sua retificação não causará nenhum dano à segurança social ou nacional.

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12. Conclusão

O habeas data foi introduzido no ordenamento jurídico pátrio pela Constituição Federal de 1988, e regulamentado quase dez anos depois, através da Lei 9.507/97.

Como remédio constitucional inserido entre os direitos e garantias fundamentais, destina-se a assegurar ao seu impetrante o conhecimento de informações a seu respeito, por ventura possuídos por entidades governamentais ou até pessoas jurídicas de direito privado, assim como o direito de retificação, anotação e contestação desses dados.

O procedimento estabelecido pela Lei nº 9.507/97 para o habeas data vem na mesma linha da criação jurisprudencial, iniciada em primeira instância e consagrada nos tribunais. Trata-se de atuação legislativa fundada na experiência, conquistas e acertamentos, verdadeira demonstração de um profundo amadurecimento democrático.

A similitude com o mandado de segurança e o paralelismo procedimental foi mantido e permitiu significativa utilização de sua doutrina e jurisprudência.

O procedimento adotado propicia ao instituto uma vasta utilidade, não o acomoda nem o restringe, muito menos o contém com procedimentos complexos, difíceis ou onerosos. Restou clara a intenção do legislador em facilitar o acesso ao instituto e ensejar sua condução tanto liberal quanto possível.

A boa utilização do instituto do habeas data representa, acima de tudo, uma vitória do regime democrático de direito, uma garantia assegurada aos cidadãos contra as arbitrariedades que pudessem constar em dados pessoais constantes de bancos de dados, típicas de regime de exceção.


13. Notas

(1) MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 5. Ed, São Paulo: Atlas, 1999. p. 138.

(2) SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990. p. 390/391.

(3) DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 11. Ed., São Paulo: Atlas, 1999. p. 604/605.

(4) MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Habeas Data brasileiro e sua Lei regulamentadora. www.jusnavigandi.com.br/doutrina, 18 de maio de 2001. p. 02.

(5) MORAES, Alexandre de. Op. Cit. p. 138.

(6) MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. Cit., p. 10

(7) DI PIETRO, Maria Sylvia. Op. Cit., p. 605.

(8) MORAES, Alexandre de. Op. Cit. p. 140/141.

(9) MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. Cit. p. 08.


14. Bibliografia

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Malheiros Editores, 11. Ed., 1999.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 11. Ed., 1999.

LIMA, Francisco Gérson Marques de. Anotações à Lei 9507/97. www.jusnavigandi.com.br/doutrina, 18 de maio de 2001.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro: Malheiros Editores, 24. Ed., 1999.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 5. Ed., 1999.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Habeas Data brasileiro e sua Lei regulamentadora. www.jusnavigandi.com.br/doutrina, 18 de maio de 2001.

OLIVEIRA, Lourival Gonçalves de. Rito Processual do Habeas Data. www.jusnavigandi.com.br/doutrina, 18 de maio de 2001.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 6. Ed., 1990.

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Sobre o autor
Marco Aurélio Ventura Peixoto

Advogado da União, Mestre em Direito Público pela UFPE e Professor Universitário em Recife/PE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura. Habeas data.: a polêmica garantia constitucional de conhecimento e retificação de informações pessoais em poder do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2362. Acesso em: 20 nov. 2024.

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