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Modalidades de licitação: da concorrência ao pregão.

A inversão do procedimento de habilitação e julgamento e a polêmica Medida Provisória nº 2026/00

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10. Pregão: a nova modalidade de licitação instituída pela polêmica Medida Provisória n.º 2.026/00

Constitui-se o pregão em uma nova modalidade de licitação, criada através da Medida Provisória n.º 2.026, de 04 de maio de 2000, e regulamentada pelo Decreto n.º 3.555, de 08 de agosto de 2000.

Em sentido literal, a palavra pregão corresponde ao ato de apregoar, significando proclamação pública. Antes dessa medida provisória, associava-se o pregão, no âmbito do Direito Administrativo, ao modo pelo qual se realiza o leilão, modalidade destinada à venda de bens móveis inservíveis para a Administração, ou legalmente apreendidos ou penhorados e até mesmo à alienação de bens móveis que venham a integrar o patrimônio de ente público em função de penhora ou dação em pagamento.

Tal nova modalidade de licitação, instituída através da referida Medida Provisória, destina-se à aquisição de bens e serviços comuns, promovida exclusivamente no âmbito da União, qualquer que seja o valor estimado da contratação, em que a disputa pelo fornecimento é feita por meio de propostas e lances em sessão pública.

Essa nova modalidade de certame licitatório vem se juntar às formas já conhecidas e disciplinadas na Lei de Licitações e Contratos Públicos(Lei n.º 8.666/93), quais sejam a concorrência(contratos de grande vultos), a tomada de preços(aquisições de vulto médio), convite(pequeno vulto), concurso e leilão. Inserido neste contexto, vê-se que o pregão é utilizado para qualquer valor estimado de contratação, diferenciando-se também das outras modalidades pelo fato de somente poder ser promovido no âmbito da Administração Pública Federal.

Pretendeu-se, com a instituição do pregão, uma maior concentração, flexibilização e desburocratização do procedimento licitatório convencional(11). Ocorre em uma sessão pública, configurando uma disputa entre os licitantes através de propostas e lances.

No pregão, a licitação desenvolve-se em duas etapas, compreendendo uma fase interna de preparação e outra externa. Na primeira, que em quase nada difere das outras modalidades, deve-se justificar a necessidade da contratação, definindo o objeto do certame e estabelecendo as exigências de habilitação, critérios de aceitação de propostas, cláusulas gerais do contrato, sanções pelo inadimplemento, dentre outras. Ainda nessa fase introdutória, a autoridade competente designa o pregoeiro, que tem por competência a condução da licitação, recebendo propostas e lances, analisando a aceitabilidade e procedendo a classificação.

A fase externa da licitação na modalidade pregão compreende, inicialmente, a divulgação, mediante publicação de avisos no Diário Oficial da União e em jornais de grande circulação, sendo ainda facultado a veiculação de informação por meio eletrônico. Nesse instrumento de aviso, fixa-se uma data para a realização de sessão pública, na qual deverão comparecer todos os interessados, munidos dos envelopes de propostas e documentos relativos à habilitação.

Em um primeiro momento, exige-se uma habilitação prévia, a priori, na qual cada licitante se declara habilitado, afirmando estar em regularidade perante à seguridade social, Fazenda Nacional e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço- FGTS, bem como que atende às exigências editalícias no tocante à habilitação jurídica e qualificações técnica e econômico-financeira. Fica previsto que quem fizer declaração falsa, nesta pré-habilitacão, ficará impedido de contratar com a União, pelo prazo de até cinco anos, bem como é descredenciado do SICAF.

Declarando, pois, sua habilitação, o licitante participa da sessão de abertura dos envelopes de proposta. Vê-se, nesse caso, que se produziu, na modalidade pregão, uma importante modificação no procedimento, tão desejada por boa parte da doutrina e defendida pelos eminentes mestres Jessé Torres Pereira Junior e Marçal Justen Filho. Tal modificação consiste na inversão do procedimento licitatório: ao invés de serem abertos primeiramente os envelopes de habilitação, como nas demais modalidades, dá-se primeiramente a abertura dos envelopes contendo as propostas. A partir daí, procede-se a lances verbais sucessivos a serem feitos pelo licitante que apresentou o menor preço e pelos demais que tenham apresentado preços até 10% acima, até que se classifique a proposta mais vantajosa para a Administração.

Essa inversão do procedimento foi, talvez, a modificação mais importante introduzida pela medida provisória, tendo em vista que a fase de habilitação, sendo prévia em relação à fase de classificação, como ocorre nas outras modalidades, vem se constituindo no maior gargalo para o andamento dos certames, em prejuízo do princípio constitucional da eficiência. É a fase predileta para o direcionamento das licitações por maus administradores, cumulando-as de exigências burocráticas e desnecessariamente detalhadas, resultando no campo de batalha mais acirrado entre os licitantes e na seara predileta das famigeradas liminares.(12)

Logo, seguindo essa inversão de procedimento, após a fase de classificação, realizada na sessão pública de pregão, procede-se, pelo pregoeiro, à abertura do envelope contendo a documentação para habilitação do licitante que apresentou a melhor proposta, para a verificação do atendimento das exigências, condições e especificações contidas no edital, bem como da documentação de regularidade exigida. Trata-se, de sorte, de uma habilitação a posteriori. Em havendo inabilitação do proponente melhor posicionado, analisam-se os documentos do licitante com a proposta classificada em segundo lugar, e assim sucessivamente, caso necessário.

No entanto, embora reconhecendo a importante modificação e a boa intenção na edição da citada Medida Provisória, possibilitando maior celeridade e economicidade ao procedimento licitatório, não se pode deixar de ressaltar que há aspectos que ensejam reflexão e preocupação.

Tal Medida Provisória cria uma nova modalidade licitatória, que praticamente anula outras, contidas na Lei 8.666/93. A Lei de Licitações e Contratos Públicos, que estabelece normas gerais, define, como já se disse, cinco modalidades de licitação(concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão), como sendo numerus clausus, pois veda expressamente a criação de outras modalidades de licitação ou a combinação de modalidades. E aí vê-se que, além de a medida provisória criar uma nova modalidade, ainda estabelece que será adotada qualquer que seja o valor da contratação, excluindo-se, por conseguinte, outras três modalidades, que são a concorrência, tomada de preços e convite.

Entende-se que a medida provisória procedeu a uma inversão da hierarquia das normas, verdadeira subversão do ordenamento constitucional, já que, além de estatuir, somente para a Administração Federal, normas diversificadas das normas gerais de âmbito nacional, opera verdadeira delegação legislativa, ao estatuir que caberá ao regulamento(Decreto nº. 3.555/00) a disposição sobre tais bens e serviços comuns. E mais, apesar de estatuir normas de abrangência apenas federal, prevê que as normas gerais da Lei 8.666/93 terão aplicação subsidiária.

Há ainda três outros aspectos criados pela nova modalidade, que têm ainda preocupado os estudiosos e aplicadores do Direito Administrativo. O primeiro diz respeito ao pregoeiro, porque tal medida provisória excluiu a necessidade das comissões de licitação, determinando que apenas um servidor, o pregoeiro, monopolizará a condução do procedimento, deixando-o bastante vulnerável e ameaçando a moralidade das licitações.

Preocupa também a questão da previsão, contida no texto da medida provisória, que se não for desde logo anunciado, na sessão pública do pregão, que se pretende usar de recurso, precluirá o direito ao recurso na via administrativa. Isso ofende, claramente, os princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e do uso de recursos pertinentes. Outra cláusula que causa estranheza diz respeito à diminuição dos prazos recursais, de cinco dias úteis para três dias corridos, o que pode não apenas dificultar, mas também, o que é pior, inviabilizar o direito aos recursos.

Por tudo isso, entende-se que a nova modalidade criada, apesar do louvável intuito de flexibilizar e dinamizar o procedimento licitatório, deve ensejar uma maior reflexão por parte dos detentores do poder, para que sejam efetuados os ajustes necessários, a fim de que não se percam as mudanças exigidas no seio social.


11. Conclusão

Sabe-se que, para poder alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, fazer concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, a Administração deve obedecer a um procedimento constitucionalmente garantido, que é a licitação. Através de tal procedimento administrativo, a Administração Pública convoca os interessados à apresentação de propostas, com o escopo de selecionar aquela que se mostrar mais conveniente em função de parâmetros previamente divulgados.

Em razão desses parâmetros, surge o objeto do estudo realizado, as modalidades de licitação. As modalidades representam as mais diferentes espécies de certame para que, afinal, estabeleça-se o contrato com a Administração Pública.

A Lei n.º 8.666/93, que dispõe sobre licitações e contratos públicos, prescreve as modalidades existentes em nosso ordenamento, que são a concorrência, a tomada de preços, o convite, o concurso e o leilão. Os ditames legais sugerem requisitos pré-fixados para que se defina qual a modalidade ou o tipo a ser aplicado no certame licitatório, obedecendo à análise de fatores como qualidade, rendimento, preço, técnica a ser empregada, prazo previsto, entre outros, que conjugados ou isoladamente, determinarão as empresas habilitadas ou aptas a contratar com a Administração Pública.

A Medida Provisória n.º 2.026/00 criou ainda uma nova modalidade, o pregão, que trouxe bastantes inovações que causaram, de um lado, boa acolhida, mas também muita polêmica e preocupação. Traz como grande novidade a inversão das fases de habilitação e julgamento, acarretando uma maior rapidez e eficiência ao certame. Por outro lado, denota muita preocupação, pois afronta a hierarquia normativa, bem como contraria, em alguns aspectos, os princípios da legalidade, devido processo legal e da ampla defesa.

Por tudo isso, entende-se que deve haver, por parte do Poder Executivo, bem como do Legislativo, maior atenção e reflexão quanto a essa nova modalidade criada. De fato, urgia que se dinamizasse o procedimento, mas as inovações devem ser implementadas de forma gradual e esclarecedora, obedecendo às garantias constitucionais, bem como sendo orientadas pelos princípios que norteiam e consagram o Direito Administrativo.

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12. Notas

(1) BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 11. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 373.

(2) MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 247.

(3) MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 12. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 70.

(4) BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op. Cit., p. 394.

(5) JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 6. Ed. São Paulo: Dialética, 1999., p. 189.

(6) DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 11. Ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 317.

(7) CITADINI, Antonio Roque. Comentários e jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas. 3. Ed. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 165.

(8) DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. Cit., p. 319.

(9) MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação..., p. 90.

(10) CITADINI, Antonio Roque. Op. Cit.. p. 358.

(11) PESSOA, Robertonio. Pregão: nova modalidade de licitação(MP 2026/00). www.jus.com.br/doutrina, 13 de outubro de 2000. p. 01.

(12) BORGES, Alice Gonzalez. O pregão criado pela MP 2026/00: breves reflexões e aspectos polêmicos. www.jus.com.br, 13 de outubro de 2000, p. 01.


13. Bibliografia

1.BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 11. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999.

2.BORGES, Alice Gonzalez. O pregão criado pela MP 2026/00: breves reflexões e aspectos polêmicos. www.jus.com.br/doutrina, 13 de outubro de 2000.

3.CITADINI, Antonio Roque. Comentários e jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas. 3. Ed. São Paulo: Max Limonad, 1999.

4.CRETELLA JÚNIOR, José. Das Licitações Públicas. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993.

5.DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 11. Ed. São Paulo: Atlas, 1999.

6.____________________________. Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos. São Paulo: Malheiros Editores, 1994.

7.DROMI, José Roberto. La Licitación Pública. 2. Ed. Buenos Aires: Editorial Astrea de Alfredo Y Ricardo Depalma, 1977.

8.JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 6. Ed. São Paulo: Dialética, 1999.

9.MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999.

10._____________________. Licitação e Contrato Administrativo. 12. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999.

11.MUKAI, Toshio. Licitações Contatos Públicos: comentários à lei n.º 8.666/93, com as alterações da lei n.º 9648/98 e análise das licitações e contratos na E.C. n.º 19/98(reforma administrativa). São Paulo: Saraiva, 1999.

12.NÓBREGA, Airton Rocha. Licitação na modalidade pregão. www.jus.com.br/doutrina, 13 de outubro de 2000.

13.PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratações da Administração Pública. 4. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

14.PESSOA, Robertonio. Pregão: nova modalidade de licitação. www.jus.com.br/doutrina, 13 de outubro de 2000.

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Sobre o autor
Marco Aurélio Ventura Peixoto

Advogado da União, Mestre em Direito Público pela UFPE e Professor Universitário em Recife/PE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura. Modalidades de licitação: da concorrência ao pregão.: A inversão do procedimento de habilitação e julgamento e a polêmica Medida Provisória nº 2026/00. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2363. Acesso em: 19 mar. 2024.

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