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O novo regime de precatórios, estabelecido pela Emenda Constitucional de nº 62/2009, sob a ótica da constitucionalidade material

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15/02/2013 às 18:26
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho elaborado a partir da Emenda Constitucional de nº 62/2009 e das repercussões que referida Emenda proporcionou ao mundo jurídico e social, teve como hipótese a incompatibilidade/inconstitucionalidade da Emenda em comento, face aos princípios constitucionais vigentes, que restou validada pelo marco teórico levantado no decorrer do trabalho, que constitui maioria esmagadora dentre os doutrinadores mais abalizados deste campo.

A preocupação com o tema proposto mostra-se pertinente na medida em que vivemos em um Estado Democrático de Direito, ou seja, um Estado que tem por fundamento e preceito fundamental a ser seguido, o Direito. E nesta toada, é necessário que o Estado, que fora constituído pela força motriz política (constituinte originário), se submeta às limitações impostas pela Carta Magna, sob pena de desconstitucionalização do Estado.

É sabido que o Estado Democrático de Direito não nasce repentinamente, sendo uma construção política efetuada ao longo do tempo. Entretanto, a Emenda Constitucional 62/2009, ao infringir os preceitos constitucionais mais basilares, colabora para a desconstrução do Estado de Direito.

Como demonstrado alhures, a Emenda Constitucional 62/2009, consagra o inverso do principal postulado que rege a Administração Pública, ou seja, tal Emenda consagra a imoralidade pública, desprezando a autoridade das decisões judiciais, bem como a separação dos poderes, e sujeitando os credores de precatório a uma via crucis sem precedentes, tudo isso com fundamento nas velhas “razões de Estado”.

Tal situação perpretada pelo Estado, de “devo não nego, pago se quiser”, gera consequências econômicas e sociais diversas ao país, de modo que muitas vezes o credor, mormente quando se trata de sociedade empresária, por não receber seu crédito, acaba por não pagar seus credores (chegando até mesmo à falência), gerando um efeito dominó, enfraquecendo a economia, e ainda, colaborando para o aumento do desemprego.

O poder reformador, limitado expressamente pelo art. 60, § 4º da CF/88, tem demonstrado ao longo do tempo ineficiência ímpar ao editar legislações que não atendem ao bem comum, e ainda, que afrontam claramente a limitação constitucional ao poder de legislar, contribuindo para a banalização do Estado de Direito.

A explicitação da corrupção exacerbada pela qual passa o Legislativo pátrio, só demonstra a viciação grave que tem comprometido todo o processo de produção de leis, fugindo a um dos princípios basilares da administração pública, qual seja, a impessoalidade.

Os legisladores levados por interesses pessoais ou grupais (partidários), tem desnaturado a democracia representativa, depositando o interesse dos representados na fossa ordinária, em prol de negociatas escusas, nas quais os maiores prejudicados são aqueles que os elegeram.

A corrupção, o enriquecimento ilícito, as propinas e fraudes em processos licitatórios, infelizmente já se tornaram comuns, estando arraigados no processo político brasileiro, como se vê em inúmeros escândalos que vem sendo noticiados e formalizados junto aos tribunais pátrios.

Tais situações, que levam toda a estrutura política brasileira ao descrédito, necessitam ser combatidas sistematicamente, a começar pela formação política dos cidadãos (valorização da educação), para que estes, conscientizados, saibam fazer a escolha mais coerente no que tange aos cargos eletivos, bem como, possam se mobilizar na utilização dos instrumentos constitucionalmente previstos, na salvaguarda dos seus direitos.

É necessário que a ética e o respeito, fundamentos básicos da democracia, sejam cultivados em todos os âmbitos da federação, nas instituições, e principalmente no ensino. Necessário se faz também, a implementação de uma política inclusiva aos cidadãos, mormente àqueles que não possuem estrutura educacional e econômica para participarem do processo democrático.

Mostra-se imprescindível a ação do STF, como guardião da Constituição Federal, em assentar a inconstitucionalidade às afrontas estabelecidas pela Emenda Constitucional 62/2009, reafirmando a autonomia e força atribuídas ao Poder Judiciário e às suas decisões, pelo Poder Constituinte Originário. E assim, incumbe ao Supremo, proceder, mesmo que de forma incipiente e repressiva, à moralização da Administração Pública, e ao restabelecimento do Estado de Direito.

  Assim, peço vênia para citar a célebre lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO acerca de princípios, in verbis:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.[43] (Grifo meu).

Destarte, os princípios constitucionais vigentes, merecem a proteção necessária a sua perpetuação, por constituírem elementos norteadores de todo o sistema de comandos, conforme dito alhures, sendo de primordial importância o zelo na manutenção da segurança jurídica, refutando-se quaisquer atitudes, ainda que pelos eleitos pelo povo (in casu), tendentes a deteriorarem o Estado Democrático de Direito brasileiro. 


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Notas

[1] PEREIRA, Marcelo Gadelha; SOUZA, Rogério da Silva e. Os precatórios e a Emenda Constitucional 62/2009.

[2] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. p. 1075.

[3] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. p. 371.

[4] BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Brasília, DF: Senado Federal.

[5] Ibidem.

[6] NUNES, Castro. Da fazenda pública em juízo. p. 231.

[7] MACIEL-GONÇALVES, Gláucio; DE CARVALHO FONSECA, Ângelo Emílio. Do Cumprimento das Sentenças Judiciais contra a Fazenda Pública no Brasil: O Instituto dos Precatórios. p. 2659.

[8] SCHMITT, Carl. Teoria de la Constitución. p. 93-94.

[9] TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. p. 68.

[10] FERREIRA, Olavo Alves. Controle de constitucionalidade e seus efeitos. p. 42.

[11] SAMPAIO, Nelson de Souza. O poder de reforma constitucional. p. 109.

[12] BADEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. p. 327.

[13] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília, DF: Senado Federal.

[14] NASCIMENTO, Carlos Valder do; JUSTEN FILHO, Marçal. Emenda dos precatórios: fundamentos de sua inconstitucionalidade. p. 11-12.

[15] Ibidem. p.37.

[16] Ibidem. p.37.

[17] NASCIMENTO, Fernando Rios do. Olhando para um lado. Jornal Agora, Itabuna, 7-9 jan. 2006.

[18] NASCIMENTO, Carlos Valder do; JUSTEN FILHO, Marçal. Emenda dos precatórios: fundamentos de sua inconstitucionalidade. p. 70.

[19] NASCIMENTO, Carlos Valder do; JUSTEN FILHO, Marçal. Emenda dos precatórios: fundamentos de sua inconstitucionalidade. p. 72.

[20] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. p. 747-748.

[21] STF. ADI 4.357/DF, Rel. Min. Ayres Britto, 16/06/2011.

[22] STF. ADI 3.453/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, 30/11/2006.

[23] Ibidem.

[24] STF. ADI 4.357/DF, Rel. Min. Ayres Britto, 16/06/2011.

[25] Ibidem.

[26] STF. ADI nº 1.098, Plenário. Rel. Min. Marco Aurélio. 25/10/1996.

[27] NASCIMENTO, Carlos Valder do; JUSTEN FILHO, Marçal. Emenda dos precatórios: fundamentos de sua inconstitucionalidade. p. 82-83.

[28] Ibidem. p. 84.

[29] NASCIMENTO, Carlos Valder do; JUSTEN FILHO, Marçal. Emenda dos precatórios: fundamentos de sua inconstitucionalidade. p. 32-33.

[30] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. p. 77.

[31] BRITTO, Carlos Ayres; PONTES FILHO, Walmir. Direito adquirido contra as emendas constitucionais. p. 160.

[32] BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Brasília, DF: Senado Federal.

[33] NASCIMENTO, Carlos Valder do; JUSTEN FILHO, Marçal. Emenda dos precatórios: fundamentos de sua inconstitucionalidade. p. 36.

[34] Ibidem. p. 75.

[35] NASCIMENTO, Carlos Valder do; JUSTEN FILHO, Marçal. Emenda dos precatórios: fundamentos de sua inconstitucionalidade. p. 90.

[36] Ibidem. p. 96.

[37] Ibidem. p. 102-103.

[38] STF. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 410.616 – PR. Rel. Min. Luiz Fux. 16/06/2008.

[39] NASCIMENTO, Carlos Valder do; JUSTEN FILHO, Marçal. Emenda dos precatórios: fundamentos de sua inconstitucionalidade. p. 103.

[40] DINAMARCO. Instituições de direito processual civil. p. 97-98.

[41] MARSHALL, John. Marbury versus Madison. p. 101.

[42] STF. ADI 4.357/DF, Rel. Min. Ayres Britto, 16/06/2011.

[43] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. p. 747-748.

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Sobre o autor
Uriel Porto Andrade

Bacharel em Direito pela Faculdade Doctum de Teófilo Otoni. Cursando o 7º período noturno de Ciências Contábeis pela UFVJM - Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, em Teófilo Otoni. Estagiário da Justiça Estadual, na 3ª Vara Cível de Teófilo Otoni - MG, no período de jan/2011 a dez/2012. Aprovado no VII Exame de Ordem Unificado (OAB/FGV). Aprovado no Concurso do Ministério Público de Minas Gerais, no cargo de Analista Judiciário, para a Comarca de Teófilo Otoni - MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Uriel Porto. O novo regime de precatórios, estabelecido pela Emenda Constitucional de nº 62/2009, sob a ótica da constitucionalidade material. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3516, 15 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23718. Acesso em: 20 abr. 2024.

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Monografia aprovada como requisito parcial para aprovação no Curso de Direito das Faculdades Doctum, de Teófilo Otoni (MG).

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