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A separação das funções estatais e o controle do Supremo Tribunal Federal em face das normas editadas pelo Legislativo

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01/11/2001 às 01:00
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4. O atual posicionamento do STF

Ao observar a atitude do Supremo Tribunal Federal quando suscitada sua posição em relação a adequação ou não da norma expedida pelo legislativo à Carta Magna pode-se inferir que o controle é muitas vezes cerceado pelo próprio STF sob a alegação de estar ferindo a Separação das funções estatais.

Há uma auto-restrição procedida pelo Supremo Tribunal Federal, não expressamente colocada, mas evidente no temor que existe em algumas decisões de avançar no mérito da decisão do legislador. O que se vê é um temor de que o Judiciário, que não recebe a legitimação diretamente do voto popular, usurpe legitimidade do Legislativo.

Improcede o argumento de que haveria a tal usurpação da legitimidade, uma vez que a não submissão dos órgãos do Judiciário ao teste do voto não reduz a sua posição dentro do sistema, tendo ele recebido na fonte que é a Constituição uma legitimidade que lhe permite controlar os atos dos outros poderes, dando efetividade às normas consagradas na Lei Maior.

A Corte Constitucional brasileira não cita expressamente na maioria dos julgados a Separação dos Poderes como propulsora de seus entendimentos, a menção verbalizada é rara. Entretanto, uma análise um pouco mais acurada demonstra o receio deste Poder em interferir no mérito das produções legiferantes. Seja por não se achar apto a legislar positivamente(RE-119266 / RS) . Seja por considerar que as análises da constitucionalidade das Emendas à Lei Maior promulgada se restringem ao estrito cumprimento ou não do Art. 60 da CF (ADINs nºS 829-3/DF, 9397/DF e 1730-10) sem a possibilidade de adentrar no mérito do legislador se este houver ferido princípios ou regras fundamentais não expostas nos quatros incisos do § 4º. Seja ainda por considerar imprescindível a generalidade do ato para o controle abstrato, motivo pelo qual ficam excluídas completamente deste gênero de verificação as leis que veiculem atos de efeitos concretos (ADIN nº 1716/DF).

O Pretório Excelso está em perfeita consonância com os modernos preceitos de hermenêutica constitucional quando adota uma interpretação de determinada norma conforme os preceitos constitucionais e com isso a mantém no ordenamento. Os conceitos de hermenêutica constitucional admitem que uma mesma normas pode ser interpretada das mais diversas formas, porém se uma dessas formas conseguir enquadra-la dentro dos ditames da Lei Magna esta interpretação deve ser a adotada, pois, assim, não será necessário arcar com todos os "traumas" e inconvenientes da retirada de um diploma legal do ordenamento apenas será preciso direcioná-lo de acordo com a Carta Política.

Este método interpretativo parte da presunção que toda lei é constitucional, em conseqüência, pairando dúvidas ela deverá ser analisada conforme o Diploma Maior, no entanto, a interpretação não pode tornar-se tão abrangente que se distancie diametralmente da intenção do legislador, se assim o fizer o judiciário não estará delimintando a normas as princípios da CF e sim criando uma nova lei.

O Supremo Tribunal Federal, portanto, atua legitimamente ao empreender esforços para manter as leis vigentes eficazes dentro da esfera jurídica, entretanto, ao simplesmente ignorar o abuso do legislador como se não tivesse pulso para tomar os arreios da defesa da Carta Magna comete a maior das inconstitucionalidades, por permitir que a "superioridade constitucional se transforme em preceito moralmente platônico e a Constituição em simples programa político, moralmente obrigatório, um repositório de bons conselhos, para uso esporádico ou intermitente do legislador, que lhe pode vibrar, impunemente, golpes que a retalham e desfiguram." (HORTA, 1999: 130).

Para demonstrar que a consciência da importância da salvaguarda da Constituição não está tão longe do centro gravitacional do STF citamos excerto de um voto condutor da lavra do Eminente Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, que, ao analisar a possibilidade de controle jurisdicional de atos de Comissões Parlamentares de Inquérito, demonstra a legitimidade a atuação do Poder Judiciário, especialmente diante da tarefa constitucional que lhe foi atribuída:

..."A essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidade de conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela Constituição. Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não pode constituir e nem qualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários, por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer instituição estatal.

O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República.

O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes.

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Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de desvios jurídico-constitucionais nas quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da República.

O CONTROLE DO PODER CONSTITUI UMA EXIGÊNCIA DE ORDEM POLÍTICO-JURÍDICA ESSENCIAL AO REGIME DEMOCRÁTICO.

O sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da soberania nacional.

Com a finalidade de obstar que o exercício abusivo das prerrogativas estatais possa conduzir a práticas que transgridam o regime das liberdades públicas e que sufoquem, pela opressão do poder, os direitos e garantias individuais, atribuiu-se, ao Poder Judiciário, a função eminente de controlar os excessos cometidos por qualquer das esferas governamentais, inclusive aqueles praticados por Comissão Parlamentar de Inquérito, quando incidir em abuso de poder ou em desvios inconstitucionais, no desempenho de sua competência investigatória..." Mandado de Segurança MS-23452/RJ Relator Ministro Celso de Mello

O estado democrático de direito, as liberdades individuais e todos os esforços do poder constituinte originário estão muitas vezes nas mãos do judiciário, ele tem o direito, o dever, o poder de zelar pela Lei Magna, ao fazê-lo mantém firme o pêndulo da separação dos poderes, ao omitir-se solta o pêndulo ao sabor dos interesses políticos ocasionais.


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Sobre a autora
Ivanilda Figueiredo Lyra

acadêmica de Direito da Universidade Católica de Pernambuco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LYRA, Ivanilda Figueiredo. A separação das funções estatais e o controle do Supremo Tribunal Federal em face das normas editadas pelo Legislativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2378. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

Este texto é fruto da pesquisa cientifica realizada entre set. de 2000 e jul. de 2001 através da Bolsa de Iniciação Cientifica fornecida pelo PIBIC/UNICAP cujo titulo era: "O Controle Jurisdicional à Atividade Legislativa Restritiva de Direitos Fundamentais." O projeto cientifico foi desenvolvido sob a orientação do Prof. Gustavo Ferreira Santos.

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