3. Considerações finais
O direito internacional constitucional, sob o ponto de vista doutrinário, constitui área interdisciplinar e recente. Como mencionado, pelo menos duas perspectivas podem ser identificadas no estudo do direito internacional constitucional. Na primeira, o objeto é o processo de internacionalização das constituições nacionais; na segunda, estuda-se o fenômeno da constitucionalização do direito internacional, o qual indica as seguintes tendências: o aprofundamento da sistematicidade da ordem jurídica internacional; o reconhecimento de regras gerais e fundamentais e, em alguns casos, hierarquicamente superiores no direito internacional; e a progressiva expansão dos temas abarcados pelas normas de direito internacional constitucional, aspecto que corresponde às mudanças na sociedade internacional e à ampliação dos interesses comuns da humanidade. Esta, por sua vez, como explicado por Bryde, passa a ser entendida como destinatária final das normas jurídicas internacionais, em substituição aos Estados, que passam a figurar como destinatários imediatos, subordinados a preceitos que protegem o ser humano, sua dignidade e seus interesses permanentes.
Com base na segunda perspectiva do direito internacional constitucional, dois grupos de normas foram identificados. Entre as normas do primeiro grupo, que, em regra, alcançou mais elevado consenso na sociedade internacional, encontram-se disposições sobre o uso da força nas relações internacionais, sobre a convivência entre os principais atores internacionais, sobre a produção convencional de normas e sobre os preceitos imperativos de direito internacional (jus cogens), em especial os referentes aos direitos humanos. No segundo grupo de normas, por sua vez, são encontradas regras sobre os mais diferentes temas, cujos aspectos comuns são a elevada importância para toda sociedade internacional e o reduzido consenso acerca do tratamento jurídico mais adequado.
O reconhecimento da existência desses dois grupos de normas constitucionais - ainda que, no plano da efetividade, as normas do segundo grupo careçam de aprimoramento - indica a crescente tendência de sistematização do direito internacional. Essa sistematização, por sua vez, ocorre, na perspectiva política, com base no incremento da governança global, sem a necessidade de centralização do poder e de formação de Estado mundial, característica que corrobora as premissas grocianas da sociedade internacional, relembradas por Bull.
Arvorado nessas características da sociedade internacional, infere-se, por fim, que o direito internacional constitui um sistema normativo hierárquico e plural em pleno funcionamento, cuja efetividade é constantemente incrementada e aperfeiçoada. Se essa dinâmica é verificável, torna-se obsoleta qualquer crítica - acerca da existência, da validade e da eficácia do direito internacional constitucional - que se funde na simples analogia com os ordenamentos jurídicos estatais. Não obstante sejam reconhecidamente interdependentes, os sistemas jurídicos nacionais e o sistema jurídico internacional constituem fenômenos distintos, baseados em pressupostos e em substratos sociais diversos, o que não descarta a análise conjunta de suas características, desde que se aceitem suas peculiaridades inconciliáveis.
Bibliografia
AMARAL JR, Alberto do. Introdução ao Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2008.
BRYDE, Brun-Otto. “International democratic constitutionalism” in Towards World Constitutionalism: Issues in the Legal Ordering of the World Community, org. Ronald St. John Macdonald and Douglas M. Johnston. Leiden: Martinus Nijhoff Publishers, 2005.
BULL, Hedley. A sociedade anárquica. São Paulo: IPRI, UnB, IOE, 2008.
GRABENWARTER, Christoph “National constitutional Law relating to the European Union” in Principles of European Constitutional Law org. Armin von Bogdandy and Jürgen Bast, Hart/Beck, 2009.
RIBEIRO, Wagner Costa. A ordem ambiental internacional. São Paulo: Contexto, 2008.
SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2000.
SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2004.
Nota
[1] Alberto do Amaral Júnior informa, com base em Bull, que as normas constitucionais do sistema internacional, na perspectiva do direito internacional clássico, decorrente da ordem de Vestfália, são circunscritas aos princípios fundamentais da política mundial, os quais reconhecem a existência de múltiplas soberanias no sistema internacional (p. 33).