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Cartilha bancária

01/11/2001 às 01:00
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Baixada pelo BACEN no último dia 26/07/01, a Resolução nº 2878, noticiada na imprensa como sendo o Código de Defesa do Consumidor Bancário, trouxe certa expectativa às instituições financeiras e, por óbvio, às entidades de defesa dos consumidores.

Criada com o intuito de traçar normas procedimentais a serem observadas pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BACEN na contratação de operações e na prestação de serviços aos clientes e ao público em geral, dita Resolução, sob o aspecto jurídico, nada inovou.

Uma singela leitura de seus 22 (vinte e dois) artigos é suficiente para detectar que a Resolução nº 2.878/01 apenas conferiu nova leitura a certos artigos da Lei nº 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor, notadamente, aos alinhavados no Cap. III – Dos Direitos Básicos do Consumidor, no Cap. V – Das Práticas Comerciais, capítulo este que, subdividido em 05 (cinco) seções, trata da oferta, da publicidade, das práticas abusivas, (como no caso da "venda casada", disposta no CODECON no art. 39, I, e, na Resolução 2.878, no art. 17), da cobrança de dívidas e dos bancos de dados e cadastros de consumidores, e aos artigos, também, elencados no Cap. VI. – Da Proteção Contratual.

Fora isso, a Resolução 2.878 carrega em si questões meramente operacionais e outras que visam, p.ex, (a) ao atendimento aos clientes portadores de deficiências físicas, (b) a distribuição de senhas, (c) a obrigatoriedade de atendimento convencional quando a agência bancária dispõe, além do atendimento no caixa, de atendimento alternativo ou eletrônico, bem como (d) a permissão de acesso de não-clientes à agência bancária.

Isto quer dizer que não clientes têm acesso a agências bancárias, não sendo possível o acesso apenas através de cartão magnético que serve como passaporte para a abertura de porta eletrônica; o cliente pode optar pelo caixa eletrônico ou atendimento em caixa convencional; define-se que portadores de deficiência terão lugar privilegiado em caso de filas, mas, na verdade, nada inova, uma vez que toda esta sistemática já era definida, sofrendo resistência das instituições financeiras.

A bem da verdade, após reiteradas reclamações dos usuários dos serviços bancários, fruto da inobservância por parte das instituições financeiras da legislação vigente, o Conselho Monetário Nacional considerou suficiente dar nova roupagem ao que já se encontrava tratado na Lei nº 8.078/90. Tal medida, tratada por alguns especialistas como "periférica", revela a incapacidade do BACEN em combater a questão de forma enérgica e segura.

Ainda que o BACEN fique autorizado a baixar normas e adotar as medidas julgadas necessárias para a execução da resolução em análise (v. art. 20), cremos que o consumidor lesado continuará a ter que buscar a tutela estatal para equacionar solução do problema por ele experimentado, principalmente, se este decorrer das polêmicas cláusulas contratuais, não poucas vezes, consideradas abusivas. Fato é que o mal maior não foi tratado como necesssitava.

Sabemos que, na prática, mesmo sob a fiscalização do BACEN, algumas instituições financeiras e de crédito continuam prestando os seus serviços e fornecendo os seus produtos na contramão do Código de Defesa do Consumidor. Diante disto, não é demais lançarmos a seguinte indagação: em sendo aquele codex hierarquicamente superior à presente Resolução, será esta reverenciada por seus destinatários? Esta resolverá o problema ? O cotidiano nos leva a concluir que não, mas uma coisa é certa, os Bancos terão que redobrar seus cuidados, terão que agir preventivamente, eis que, repetida ou não, temos em vigor mais uma normatização a favor dos consumidores de serviços bancários, ainda que mais para cartilha do que para um código bancário.

Mesmo assim, entidades de defesa do consumidor acreditam que a Resolução em tela reforçou a idéia de que o setor financeiro está sujeito ao CODECON. Temos que tal assertiva é de toda desnecessária, haja vista que o próprio Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 2º, §2º, informa que "qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, (...), inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito, (...)" estão sob a égide da Lei nº 8.078/90.

Cognominar a Resolução 2.878/01 de Código de Defesa do Consumidor Bancário é, sem sombra de dúvidas, desmerecer o trabalho dos renomados juristas que, num esforço sobre-humano, talharam o festejado Código de Defesa do Consumidor, inovando, assim, no cenário jurídico brasileiro. Não se nega a intenção contida na Resolução 2.878, entretanto, face ao seu conteúdo, melhor seria batiza-la de Cartilha do Consumidor Bancário.

Se há alguma intenção do BACEN em proteger o consumidor, seria melhor o mesmo levar a cabo as medidas já contidas no Capítulo VII da Lei nº 8.078/90, principalmente, as de cunho penal, antes que a Resolução 2.878 caia no rol das leis popularmente intituladas de "leis que não pegam".

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Sobre o autor
Leonardo Bragança de Matos

advogado, pós-graduando em Direito Processual Civil pela Faculdade Gama Filho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATOS, Leonardo Bragança. Cartilha bancária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2385. Acesso em: 18 abr. 2024.

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