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Concretização do pós-positivismo jurídico no âmbito do Direito Processual Civil

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05/03/2013 às 15:28
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7 Extinção do processo por abandono da causa pelo autor dependendo de requerimento do réu

A súmula nº 240 do STJ (Superior Tribunal de Justiça), publicada no Diário da Justiça em 06 de setembro de 2000, indica que “A extinção do processo, por abandono da causa pelo autor, depende de requerimento do réu”.

Tal verbete impõe condição que não está presente no CPC para a extinção do processo por inércia do autor. Ao tratar do tema, o artigo 267 do CPC, em seu inciso III, não exige tal procedimento do magistrado. Seus parágrafos também silenciam a respeito.

Qual seria o fundamento da súmula em análise? O Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, o qual, dentre suas diversas aplicações, também serve de orientação ao operador do direito para que envide esforços no sentido da concretização dos direitos individuais. Também o Princípio da Economia Processual pode ser mencionado, pois a extinção do feito na hipótese mencionada não obstaria ao autor que intentasse nova ação, o que importaria em repetição de atos processuais.

E o Princípio da Celeridade Processual? Enfocando-se o caso sob a orientação de economia processual, pode-se dizer que a súmula em questão traz celeridade à solução da lide específica, pois evita a repetição de atos processuais. Contudo, em uma análise sistêmica do funcionamento do Poder Judiciário, vislumbra-se aspecto negativo no verbete. Impor condição não presente em lei para a extinção de processo de autor desinteressado importa na acumulação de causas para processamento e apreciação do Judiciário, já sabidamente assoberbado de tarefas.


8 Substituição de certidão de dívida ativa durante o trâmite de execução fiscal

O STJ, em sua Súmula nº 392, publicada no Diário da Justiça em 07 de outubro de 2009, assim orienta:

392. A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução.

A CDA é o documento que acompanha a execução fiscal. É constituída pela Administração Fazendária e consiste em título executivo extrajudicial (art. 585, VII, do CPC).

Pode-se dizer que o entendimento do STJ representa aplicação analógica do art. 463, I, do CPC, o qual permite a correção de inexatidões materiais na sentença a qualquer tempo, mesmo após seu trânsito em julgado.

Mas a súmula em questão deve ser aplicada com reservas, sob pena de desrespeito aos Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa, ambos de ordem constitucional (art. 5º, LV, CF88). Deve haver parcimônia na análise do que se considera “erro material ou formal”. Um simples erro aritmético nos cálculos que originam a CDA, sendo considerado “erro material”, pode resultar na duplicação da dívida. Havendo tal correção no curso da execução fiscal, se já ultrapassado o prazo para o oferecimento de embargos, deve-se abrir ao executado nova possibilidade de questionar os cálculos.


9 Extinção do primeiro processo em caso de litispendência

Interessante julgado foi proferido pelo STJ no trâmite do Agravo de Instrumento nº 1.279.785 – SP (2010/0030010-5). Eis o teor da sua ementa:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. LITISPENDÊNCIA RECONHECIDA. EXTINÇÃO DA PRIMEIRA DEMANDA. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA ECONOMIA E DA CELERIDADE PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma. Agravo de Instrumento nº 1.279.785 – SP (2010/0030010-5). Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 2012.)

Sob enfoque meramente textual, o julgado é contrário aos arts. 267, V, e 301, § 3º, do CPC, os quais impõem a extinção do segundo processo em caso de litispendência. Mas a decisão do STJ teve sua razão de ser, como demonstra seu voto condutor:

“Ocorre que, na espécie, a primeira ação, em razão de inúmeros percalços ocorridos ao longo de seu trâmite, não teve, ainda, sua fase de instrução iniciada, enquanto, nesta segunda demanda, a lide se encaminha para seu fim, com o julgamento do recurso especial. Inegável que a conduta da parte autora, propondo ações idênticas em comarcas distintas, não é correta e nem deve ser incentivada. No caso em tela, porém, a extinção da segunda ação, por apego exclusivo à forma, vai de encontro à própria organização do sistema judicial, representando gastos desnecessários ao Poder Judiciário, além de sofrimento prolongado às partes.”

(idem)

Novamente, os Princípios da Economia, da Celeridade Processual e da Adaptabilidade do Procedimento justificaram a prolação de decisão não ortodoxa, oposta à letra da lei infraconstitucional, mas consonante com a orientação do Pós-positivismo.


10 Bloqueio de valor em conta bancária do Estado

O art. 100 da Constituição Federal estabelece rigoroso procedimento para cobrança de valores devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, mediante expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor. Seu fundamento é a primazia do interesse público sobre o particular. Entretanto, há precedentes jurisprudenciais que autorizam, em hipóteses excepcionais, o bloqueio de valores em contas bancárias da Administração Pública. Como exemplo, o seguinte julgado do TJRS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul):

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SAÚDE PÚBLICA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. PACIENTE PORTADOR TROMBOFILIA (CID 80.2). MUNICÍPIO. LEGITIMIDADE PASSIVA. RECONHECIDA. TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTA BANCÁRIA DO ESTADO. VIABILIDADE. 1. Qualquer dos entes políticos da federação tem o dever na promoção, prevenção e recuperação da saúde. 2. A ausência de inclusão de medicamentos em listas prévias não é obstáculo ao seu fornecimento por qualquer dos entes federados. É direito de todos e dever do Estado (Poder Público) promover os atos indispensáveis à concretização do direito à saúde, tais como fornecimento de medicamentos, tratamentos e cirurgias, quando o cidadão não possuir meios próprios para adquiri-los. 3. Sendo descumprida a determinação judicial de fornecimento do medicamento requisitado ao ente público, possível o bloqueio do valor correspondente em suas contas bancárias justificando-se a medida excepcional ante a supremacia do bem jurídico que se objetiva resguardar. 4. A inexistência de dotação orçamentária não pode servir de escusa à negativa de prestação, por ter sido erigida a saúde a direito fundamental, constitucionalmente previsto. Agravo de Instrumento desprovido.

(RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça – Segunda Câmara Cível. Agravo de Instrumento nº 70051721587. Relator Desembargador João Barcelos de Souza Júnior, 2012)

O caput do referido art. 100 da CF88, ao estabelecer procedimento específico para a cobrança contra a Fazenda Pública, menciona as palavras “em virtude de sentença judiciária”. Sob primeira análise, poder-se-ia dizer que a analogia ou a interpretação extensiva justificariam a exigência de precatório ou de requisição de pequeno valor para a cobrança de quantia da Fazenda Pública também “em virtude de decisão interlocutória”.

Entretanto, melhor exegese do ordenamento jurídico é realizada com interpretação a contrario sensu da norma em questão. “Decisão interlocutória”, gênero no qual se inclui a decisão liminar, difere de “sentença judiciária”. Portanto, a rigor, a norma em questão não veda o bloqueio de numerário em conta bancária da Fazenda Pública quando oriundo de antecipação de tutela judicial. A decisão liminar, embora amparada em cognição não exauriente, reveste-se de urgência, o que justifica o referido meio atípico de cobrança contra ente público.

No mais, com o precedente em questão houve ponderação dos interesses envolvidos no caso. De um lado, os cofres públicos, destinados a necessidades de toda a sociedade, merecem proteção especial. De outro lado, o direito à saúde do autor (mencionado em diversos artigos da Carta Magna, dentre os quais o art. 6º, caput), de importância e urgência excepcionais. Optou o TJRS, em decisão razoável, priorizar a saúde do autor. O Princípio da Adaptabilidade do Procedimento justificou a medida.


CONCLUSÃO

O Pós-positivismo é uma realidade nas Ciências Jurídicas atuais. Apropriado ou não, tem intensa eficácia social. Portanto, é recomendável ao operador do Direito que conheça suas particularidades. Contudo, ainda que seja escola predominante na atualidade, é bastante positiva sua análise crítica, seja com conclusão favorável ou contrária às suas tendências, pois o debate é sempre enriquecedor para o aprimoramento científico.

Finalizando a presente abordagem, opina-se que, em linhas gerais, o Pós-positivismo consiste em escola razoável, seja no Direito Processual Civil, seja no Direito como um todo. Trata-se de tendência com intenção conciliatória entre o Jusnaturalismo e o Positivismo. Estas escolas têm seus valores, mas se excedem em extremismos. O Pós-positivismo procura um “meio-termo” entre filosofias tão distintas.

A primazia dos princípios frente às normas escritas resulta em maior adequação da jurisdição civil aos casos concretos, o que serve para consagrar o valor “justiça”. Afinal, “justiça” é “dar a cada um o que é seu”. Por ser genérica e abstrata, a aplicação literal da norma jurídica nem sempre confere ao cidadão o que lhe é apropriado. Em tais hipóteses, o Pós-positivismo abre margem para a incidência complementar dos princípios.

Pode-se dizer que “justiça” e “segurança” são os valores primordiais do Direito. Embora a justiça seja consagrada com o Pós-positivismo, o que dizer da segurança? Pode ficar prejudicada. Explica-se: se a letra da lei nem sempre é observada nos processos judiciais, o indivíduo fica em dúvida sobre o que esperar no trâmite da sua causa, não tendo mais certeza sobre os procedimentos a serem adotados. Afinal, os princípios são proposições vagas, que permitem inúmeras interpretações pelos aplicadores do Direito, favorecendo a “justiça do caso concreto” em detrimento da certeza jurídica.

Diante de tais considerações, recomenda-se parcimônia na aplicação do Pós-positivismo. A modificação do curso legal de um processo deve ser feita sem prejuízo do contraditório e da ampla defesa. O julgador, sempre que possível, deve alertar as partes previamente sobre a intenção de relativizar determinada norma processual.

O Pós-positivismo, repita-se, tem a qualidade de ser razoável, de buscar a conciliação de escolas opostas. Então, ainda em consagração do valor “razoabilidade”, recomenda-se que a concretização do Pós-positivismo seja feita sem extremismos, buscando a efetivação da justiça, mas sem descuidar da segurança.


REFERÊNCIAS

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______, Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma. Agravo de Instrumento nº 1.279.785 – SP (2010/0030010-5). Recorrente: Alcides Vicente Paes de Camargo. Recorridos: Fumiko Shimoda e Município de Araçoiaba da Serra. Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Brasília, 05 de abril de 2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201000300105&dt_publicacao=08/04/2011>. Acesso em 17 dez. 2012.

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Sobre o autor
Thiago Serrano Lewis

Analista Judiciário na 5ª Vara do Trabalho de Campina Grande – PB; Especialista em Direito Processual Civil pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá; Professor de Direito Processual Civil na Faculdade Maurício de Nassau.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEWIS, Thiago Serrano. Concretização do pós-positivismo jurídico no âmbito do Direito Processual Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3534, 5 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23879. Acesso em: 24 abr. 2024.

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