Há casos em que a vítima contribui decisivamente para a produção do resultado danoso, o que a doutrina denomina "ações a próprio risco", permitindo que parte dos normativistas[1] exclua a imputação objetiva do autor, isentando-o de responsabilidade penal. Em nossa obra Imputação Objetiva, apresentamos a história do "ébrio insistente":
"No final de uma festa, Pedro, após ingerir grande quantidade de bebida alcoólica, solicita a Antônio, visivelmente embriagado, que o leve de automóvel até a sua residência. Antônio diz que está voltando para casa a pé, uma vez que não tem condições de dirigir. Pedro insiste e Antônio aquiesce. Há um desastre e Pedro morre"[2].
Apreciando as soluções, afirmamos que existem duas posições:
1.ª) Há imputação objetiva do resultado, respondendo o motorista pela morte da vítima;
2.ª) Fica afastada a imputação objetiva do resultado, tratando-se de conduta a próprio risco excludente da tipicidade[3].
Jairo josé gênova, na excelente obra lançada pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, Teoria da Imputação Objetiva e Teoria do Domínio do Fato[4], em artigo intitulado "O comportamento da vítima e a teoria da imputação objetiva"[5], comentando o nosso exemplo, afirma:
"Há os que sustentam que o motorista não responde pelo dano, pois a conduta da vítima foi a próprio risco"[6]. E cita-nos na nota de rodapé n. 11.
Não é a nossa opinião. Sobre o exemplo e outros que com ele guardam similitude[7], dissemos:
"Há imputação objetiva, respondendo o balseiro, o motorista do passageiro apressado e o ébrio pelo resultado morte (é a nossa posição). As vítimas consentiram em sofrer o risco, não a afetação jurídica (resultado normativo). A teoria do consentimento não pode ser aplicada, uma vez que, de acordo com seus princípios, o ofendido aceita o evento lesivo e não o risco. Além disso, as condutas dos autores superam as que carregam o risco permitido. Assim, a travessia de um rio em barco já apresenta um risco permitido; durante tempestade, risco proibido, além de o balseiro apresentar-se na posição de "garante". Dirigir veículo de forma normal contém um risco tolerado; em excesso de velocidade ou em estado de embriaguez, um perigo proibido. Não se pode dizer que o balseiro e o motorista observaram o cuidado objetivo necessário"[8]. Fica o registro corretivo, observando a valiosa contribuição de Jairo José Gênova ao estudo da teoria da imputação objetiva.
NOTAS
1.Defensores da teoria da imputação objetiva.
2.São Paulo: Saraiva, 2000. p. 59.
3.Idem, ibidem, p. 60.
4.São Paulo: Imprensa Oficial, 2000. n. 1. Caderno Jurídico.
5.Op. cit. p. 41.
6.Idem, ibidem, p. 45.
7.Casos do balseiro e do passageiro apressado.
8.Op. cit. p. 61.