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Teoria geral dos recursos enfocada pelos pressupostos de admissibilidade, efeitos e princípios recursais

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18/03/2013 às 14:58

Resumo:


  • O artigo aborda a teoria geral dos recursos no âmbito do Direito Processual Civil, analisando pressupostos de admissibilidade, efeitos e princípios aplicáveis aos recursos, com base na legislação, doutrina e jurisprudência.

  • Os recursos são mecanismos de impugnação de decisões judiciais, permitindo reexame da matéria por órgão superior, e estão sujeitos a requisitos específicos que devem ser atendidos para sua admissibilidade.

  • Princípios como o da taxatividade, da fungibilidade, da voluntariedade e da proibição da reformatio in pejus são alguns dos muitos que orientam a aplicação e interpretação dos recursos no sistema jurídico brasileiro.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4Princípios relativos aos recursos

O professor e doutrinador Bento Herculano Duarte Neto ensina que os princípios jurídicos, genericamente considerados,

revestem-se do caráter de proposições ideais, colocadas na base do ordenamento, e como tal atuando, no sentido de informar o sistema jurídico, consagrando as opções exaradas da atividade legislativa. Os princípios jurídicos constituem, em síntese, a verdade fundante do sistema normativo (DUARTE NETO, 2007, p. 28).

Assim como acontece com qualquer outro ramo do direito, o tema recursal submete-se a vários princípios, que orientam e norteiam a aplicação específica das regras e a interpretação do sistema em toda sua abrangência. Serãoanalisados neste trabalho os mais frequentemente enfocados pela doutrina.

4.1Princípio do duplo grau de jurisdição

Os recursos têm como objetivo a impugnação e o reexame de uma decisão judicial e, por isso mesmo, estão intimamente relacionados com o princípio do duplo grau de jurisdição, possibilitando à parte prejudicada a reavaliação da matéria em novo julgamento por órgão,em regra,hierarquicamente superior. Quer dizer, este princípio possibilita à parte submeter a lide a exames sucessivos, por juízes diferentes, como garantia da boa solução.

O referido princípio nasceu de construção doutrinária em virtude da preocupação com o abuso de poder pelos magistrados. Mas não é pacífico na doutrina o entendimento de que seja apenas um princípio processual, não tendo sede constitucional.

Nesse sentido, salienta Marinoni e Arenhart que, quando a Constituição assegura o contraditório e a ampla defesa no seu art. 5º, LV[5], ela não diz necessariamente que

toda e qualquer demanda em que é assegurada a ampla defesa deva sujeitar-se a uma revisão ou a um duplo juízo. Os recursos nem sempre são inerentes à ampla defesa; nos casos em que não é razoável a previsão de um duplo juízo sobre o mérito, como nas hipóteses das causas denominadas de "menor complexidade" - que sofrem os efeitos benéficos da oralidade -, ou em outras, assim não definidas, mas que também possam justificar, racionalmente, uma única decisão, não há inconstitucionalidade na dispensa do duplo juízo (2005, p. 502). [grifos dos autores].

Asseverando ainda esta percepção, os citados autores expõem a liberdade que o legislador infraconstitucional tem de não estabelecer,

para toda e qualquer causa, uma dupla revisão em relação ao mérito, principalmente porque apropria Constituição Federal, em seu art. 5°, XXXV[6], garante a todos o direito à tutela jurisdicional tempestiva, direito este que não pode deixar de ser levado em consideração quando se pensa em "garantir" a segurança da parte através da instituição da "dupla revisão" (MARINONI, ARENHART, 2005, p. 505). [grifos dos autores].

Ratificam o pensamento de Marinonie Arenhart,de que o princípio em tela não tem cunho constitucional, Barbosa Moreira e Nery Júnior. Aqueles autores vão além e registram a inconveniência causada pelo duplo grau de jurisdição, no que se refere à credibilidade do judiciário e ao princípio da oralidade no processo. Juntamente com Marinoni eArenhart, OresteLaspro vê, como aspectos negativos desse princípio, “a dificuldade de acesso à justiça, o desprestígio da primeira instância, a quebra da unidade do poder jurisdicional, a dificuldade na descoberta da verdade mais próxima possível da real e a inutilidade do procedimento oral.” (apud DIDIER JR.; CUNHA, 2008, p. 25, v. 3).

Outros autores há, informam Fredie Didier e Leonardo da Cunha (2008, p. 23, v. 3), que defendem o perfil constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição, como se depreende das lições de Nelson Luiz Pinto, Calmon de Passos bem assim as de Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Alvim Wambier.

Estes últimos garantem que, a despeito de a Constituição não trazer expressamente,

o princípio do duplo grau de jurisdição é considerado de caráter constitucional em virtude de estar umbilicalmente ligado à moderna noção de Estado de Direito, que, por sua vez, exige o controle, em sentido duplo, das atividades do Estado pela Sociedade. Asseveram que o duplo grau desempenha controle nos dois planos: a sociedade, que, em cada processo, está “figurada” pelas partes, exerce o controle da atividade estatal por meio do manejo de recursos; e, no plano interno do Poder Judiciário, os órgão hierarquicamente superiores “controlam” as decisões promanadas dos inferiores (apud DIDIER JR; CUNHA, 2008, p. 23, v. 3).

Observam, todavia, que o princípio, apesar do cunho constitucional, conforma limitações qual a que permite ao Tribunal, em julgamento de apelação proposta contra sentença terminativa, conhecer do mérito, desde que a causa verse exclusivamente sobre questão de direito esteja madura para julgamento, segundo o § 3º do art. 515, do CPC.

Concordamos com o primeiro grupo de autores no sentido de discordar da sede constitucional do princípio do duplo grau da jurisdição, acrescentando que mais se constitui numa cláusula genérica, da qual provem várias exceções, além da que foi exposta acima, regulada pela lei processual ou pela própria Constituição. É o caso do art. 519 do CPC, que prevê a irrecorribilidade da decisão, ao relevar a pena de deserção, provado justo impedimento do apelante. Outra hipótese encontra-se no art. 34 da Lei nº 6.830 de 1980, que trata do cabimento de embargos infringentes em execução fiscal de valor igual ou inferior a cinquenta ORTN para o próprio órgão prolator da decisão, ou embargos de declaração, também para o mesmo juiz, além de recurso extraordinário para o STF, em caso de violação de preceito constitucional. Acrescenta-se a competência originária do STF, constante do art. 103, I, da CF, que não dispõe de duplo grau de jurisdição, cabendo recurso em casos excepcionalíssimos ao próprio Tribunal, embargos infringentes ou embargos de declaração, conforme art. 333, III, IV, do Regulamento Interno do Supremo Tribunal Federal.

4.2Princípio da legalidade

Por este princípio não há recursos sem lei federal que os estabeleça, incluindo, naturalmente, a Constituição Federal, como é o caso dos recursos ordinários, especial e extraordinário.

4.3Princípio da taxatividade

Decorrente do princípio da legalidade, para este princípio, só há os recursos previstos na lei federal ou os que ela vier a prevê. É o que prescreve a Constituição no dispositivo do art. 22, I, quando impõe que, tratando-se de matéria processual, somente a lei federal é que pode criar recursos, ficando vedada a outra instância legislativa, ou mesmo administrativa, instituir figuras recursais.Porser o recurso matéria processual e não procedimental, a taxatividade não fica comprometida com o art. 24, XI, da CF. Neste sentido, decidiu o STF:

COMPETÊNCIA LEGISLATIVA - PROCEDIMENTO E PROCESSO - CRIAÇÃO DE RECURSO – JUIZADOS ESPECIAIS. Descabe confundir a competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre procedimentos em matéria processual – art. 24, XI – com a privativa para legislar sobre direito processual, prevista no art. 21, I, ambos da CF. Os Estados não têm competência para a criação de recurso, como é o de embargos de divergência contra decisão de Turma Recursal. [...].[7]

Destarte, são recursos os conformados à estrutura do direito processual civil brasileiro pelo art. 496 do CPC, quando prescreve que:

São cabíveis os seguintes recursos: I - apelação; II - agravo; III - embargos infringentes; IV - embargos de declaração; V - recurso ordinário; Vl - recurso especial; Vll - recurso extraordinário; VIII - embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário.

São admitidas ainda no próprio CPC outras espécies de recursos, consoante lembra ElpídioDonizett (2010, p. 593): “...é o caso dos agravos internos (art. 120, parágrafo único, 532, 545 e 557, § 1º) e do agravo contra decisão que inadmite recurso extraordinário ou recurso especial (art. 544)”.

Além desses recursos, outros são disciplinados em outros diplomas legislativos federais, em conformidade, portanto, com o princípio da taxatividade. Caso dos embargos infringentes, regulados pelo art. 34 da Lei nº 6.830 de 1980, não tendo nenhuma relação com a supracitada figura do art. 496, do CPC; do recurso inominado, aludido nos arts. 41 a 43 da Lei nº 9.099 de 1995; ou ainda do agravo inominado, disciplinado, entre outros, pelo art. 4º da Lei nº 8.437 de 1992.

Portanto, somente são considerados recursos os meios de impugnação efetivamente previstos por lei federal, sendo outras figuras absolutamente inconstitucionais.

4.4Princípio da unirrecorribilidade, singularidade ou unicidade

Este princípio é informado pela exigência de que, para cada decisão, a lei processual há de indicar um único recurso cabível com uma função determinada e adequado à impugnação da decisão causadora do inconformismo. Em decisão recente, o STJ nesta linha proferiu o julgado:

RECURSOS ESPECIAIS. [...] INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA DE DOIS APELOS ESPECIAIS. PRECLUSÃO CONSUMATIVA DO SEGUNDO RECURSO. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. [...].

2. Dessarte, não existem dois julgados passíveis de ser enfrentados por recursos extremos específicos. Sendo assim, o segundo apelo especial, não deve ser conhecido, em razão do princípio da unirrecorribilidade, também conhecido como da singularidade ou da unicidade, que não admite interposição simultânea de recursos pela mesma parte em face da mesma decisão, situação em que ocorre a preclusão consumativa. [...].[8]

Entretanto, costuma-se indicar exceções a esse princípio, principalmente no tange aos embargos de declaração e à hipótese descrita no art. 498[9] do CPC, em que seriam cabíveis, contra uma mesma decisão, recurso especial e recurso extraordinário, ao mesmo tempo, sob pena de preclusão. Porém, cada um dos recursos interpostos contra tais decisões tem função específica, não se confundindo com a finalidade da outra espécie recursal. Desta forma, “compreendendo que o princípio da unicidade preconiza que, para certa finalidade, contra certo ato judicial deve ser cabível apenas uma modalidade recursal, parece ser correto concluir que o princípio tem plena aceitação no direito brasileiro” (MARINONI, ARENHART, 2005, p. 511).

4.5Princípio da fungibilidade

É o princípio pelo qual se admite a conversão de um recurso em outro, no caso de engano da parte, contanto que não haja erro crasso ou não tenha havido preclusão do prazo de impugnação. Constitui-se num emprego específico do princípio da instrumentalidade das formas.

Presta-se o princípio da fungibilidade a não prejudicar a parte recorrente que, diante de dúvida objetiva, interpõe recurso que pode não ser considerado cabível, no mais das vezes, decorrente de impropriedades do ordenamento jurídico ou de divergências jurisprudenciais ou doutrinárias. No entanto, alguns pressupostos são necessários para a aplicação do princípio, tendendo a demonstrar a ausência de má-fé e de erro grosseiro. Enumeram-se a seguir estes pressupostos.

I - Presença de dúvida objetiva a respeito do recurso cabível. Significa a necessidade de existência de uma dúvida fundada e aceita objetivamente, como alguns equívocos de texto da lei, exemplificados pela declaração incidente do art. 325 do CPC ou pela apelação do art. 17 da Lei nº 1.060 de 1950. As divergências doutrinárias quanto ao indeferimento liminar de reconvenção são outro exemplo. Ressalta-se que a dúvida não pode ter origem na insegurança pessoal e intelectual do profissional que deve interpor o recurso, mas sim no próprio sistema recursal.

II - Inexistência de erro grosseiro na interposição do recurso. Apesar de serem, a dúvida objetiva e o erro grosseiro, as faces de uma mesma moeda, este último se consubstancia quando nada pode justificar a troca de um recuso por outro, porquanto não há controvérsia alguma sobre o tema. É elucidativo o seguinte julgado referentea esses dois pressupostos:

RECLAMAÇÃO - DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - PROVIMENTO - DECISÃO DA CORTE ESPECIAL - AGRAVO REGIMENTAL - NÃO CABIMENTO - EMBARGOS DECLARAÇÃO - FUNGIBILIDADE RECURSAL - IMPOSSIBILIDADE - ERRO GROSSEIRO.

1. Manifestamente incabível interposição de agravo regimental para atacar decisão da Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça.

2. Inadmissível o princípio da fungibilidade recursal quando não houver dúvida objetiva sobre qual o recurso a ser interposto, quando o dispositivo legal não for ambíguo, quando não houver divergência doutrinária ou jurisprudencial quanto à classificação do ato processual recorrido e a forma de atacá-lo. [...].[10]

III – Observância do prazo para o recurso correto. O recurso interposto tem de respeitar o prazo daquele que deveria ter sido. Porém, Fredie Didier e Luciano da Cunha (2008, p. 47, v. 3) não consideram correta tal exigência, pois as situações duvidosas poderiam envolver recurso com prazos distintos, como agravo de instrumento e apelação, quando o respeito ao prazo seria uma imposição que inutilizaria o princípio. O STJ, entretanto, entende que o prazo deve ser obedecido.

PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. INCURSAO NO MÉRITO. ART. 105, III, a, CF. POSSIBILIDADE. FUNGIBILIDADE RECURSAL INADMISSIBILIDADE. PRAZO DO RECURSO ADEQUADO NAO-OBSERVADO AGRAVO DESPROVIDO.

I - É possível o juízo de admissibilidade adentrar o mérito do recurso, na medida em que o exame da sua admissibilidade, pela alínea a , em face dos seus pressupostos constitucionais, envolve o próprio mérito da controvérsia.

II - Não se admite o princípio da fungibilidade recursal se presente erro grosseiro ou inexistente dúvida objetiva na doutrina e na jurisprudência a respeito do cabimento do recurso na espécie. Inaplicável, ademais, referido princípio, em virtude do recurso inadequado não ter sido interposto no prazo do recurso próprio. [...].[11]

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4.6Princípio da correspondência

Assenta o princípio da correspondência que a cada situação decisória caberá por correlação um recurso específico. Ou seja, para cada decisão, haverá um correspondente recurso.

Assim, diante do deferimento de uma medida liminarmente requerida, o recurso que corresponde à situação é o agravo que pode ser o retido ou de instrumento, a depender da demonstração ou não da urgência e ameaça de grave e irreparável dano.

Em abordagem relativa aos três últimos princípios estudados, Tereza Alvim Wambier arremata esta interessante síntese:

Sabe-se que o sistema recursal brasileiro é informado por uma série de princípios, entre eles o da singularidade e o da correspondência. Pelo princípio da singularidade, para cada pronunciamento judicial recorrível existe, em regra, somente um recurso previsto. E, pelo princípio da correspondência, existe verdadeira correlação entre os pronunciamentos judiciais e os tipos de recurso cabíveis. O princípio da fungibilidade recursal consiste, então, numa atenuação desses princípios, num abrandamento das respectivas regras, na medida em que autoriza o recebimento de um recurso por outro, proporcionando o conhecimento de mais de uma espécie de recurso contra uma única decisão judicial (WAMBIER, 2009, p. 11).

4.7Princípio do dispositivo

Este princípio, em se tratando de recurso, não é absoluto, porquanto pode fragilizar-se, em alguns casos, tendo em vista a aplicação paralela de outro princípio: o princípio do inquisitório. Estes princípios, apesar de colidentes na aparência, podem ter convivência pacífica, dependendo do caso concreto, conforme elucidação a seguir.

No que se refere ao direito disponível, integrante do patrimônio material do recorrente, aplicar-se-á o princípio do dispositivo. Neste caso, cabe à parte prejudicada a iniciativa de recorrer à jurisdição, limitando-se o juízo ao que foi pleiteado e aduzido pelo recorrente. Ao contrário, em se tratando de direito material indisponível, impõe-se a aplicação do princípio inquisitório. É o que ocorre, nas questões de ordem pública, que se sobrepõem ao interesse das próprias partes, e, mesmo que sem provocação, pode o julgador delas conhecer, excepcionando, portanto, o princípio do dispositivo.

4.8Princípio da congruência

Identificado ocasionalmente com outros princípios, o princípio da congruência, no âmbito recursal, informa que o recurso a ser lançado há de ser congruente com o tipo de decisão impugnada, v.g., da decisão de primeiro grau o recurso adequado a ser interposto é o de apelação ou o de embargos de declaração. O conteúdo do recurso deve estar adstrito à decisão ou parte da decisão impugnada, não se devendo requerer pretensão recursal desconexa.

4.9Princípio da proibição da reformatio in pejus

Consoante este princípio, é negada a reforma, pelo órgão ad quem, da decisão recorrida que venha piorar a situação do recorrente além daquela existente antes da insurgência. Se o recurso é mecanismo previsto para que se possa revisar a decisão judicial do juízo a quo, é lógico que sua finalidade deve ser de melhorar ou, pelo menos, manter idêntica a situação anterior do recorrente. Trata-se de corolário dos princípios do dispositivo, pelo qual o órgão só age quando provocado, e da congruência, pois o julgador devemanter-se adstrito ao pedido propugnado pela parte.

Observa-se que, quando há sucumbência recíproca, recorrendo ambas as partes, a situação de qualquer das partes poderá ser piorada pelo recurso proposto pela parte contrária, mas em nenhuma hipótese pelo seu próprio recurso.

Pode ser considerada exceção ao princípio em análise a avaliação de questões de ordem pública, as quais compete ao juízo conhecer de ofício a qualquer tempo ou grau de jurisdição, aludidas nas regras dos arts. 219, § 5º, 267, § 3º e 301, salvo o seu inciso IX, do CPC. Tais questões podem sempre ser examinadas, mesmo em grau de recurso, ainda que em prejuízo do recorrente. E assim interpreta o STJ em sua Súmula 45: “No reexame necessário, é defeso ao Tribunal agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”.

4.10Princípio da proibição da reformatio in melius

Não deve ser admitida a reforma de decisão para melhorar a situação do recorrente além do que foi pedido. É dizer, este princípio visa a impedir que se aperfeiçoe a situação do recorrente, em razão da análise de matéria,além dos limites da pretensão por ele proposta. Tal proibição também se funda nos princípios do dispositivo e da congruência supramencionados.

4.11Princípio da dialeticidade

Consubstancia-se no fato de o recorrente apresentar argumentos convincentes de que está insatisfeito com o pronunciamento jurisdicional recorrido, justificativo de reforma em outra decisão. As razões do recurso são imprescindíveis para o exercício do direito ao contraditório e para que o órgão julgador tenha condições de apurar a matéria transferida para o seu conhecimento pelo efeito devolutivo. Neste vértice, preconiza o STF em sua Súmula 284: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”.

O recorrente deve enfrentar o que fundamentou a decisão, trazendo razões suficientes para mostrar ao órgão recursal que o pronunciamento deve ser reformado ou anulado. Para tanto, não é necessária a mudança de argumentos até então apresentados, mas, se neles for insistir, deve apresentá-los de maneira a impugnar particularmente a decisão recorrida. Quer dizer, não basta a parte recorrente manifestar o inconformismo e a vontade de recorrer, ela precisa impugnar todos os fundamentos suficientes para sustentar o julgado recorrido, demonstrando de maneira discursiva por que o julgamento merece ser modificado.Apenas desta forma a parte contrária poderá emitir as suas contrarrazões, formando-se o necessário contraditório em sede de recurso. Se a parte inconformada não atua conforme estes preceitos, a decisão recorrida é hígida e, em última análise, não há efetivo interesse recursal.

4.12Princípio da voluntariedade

Refere-se à exigência de que não pode haver dúvida sobre a vontade do recorrente em refutar o pronunciamento jurisdicional. Não se trata de remessa necessária.

Decorrente do princípio do dispositivo, o princípio da voluntariedade impõe que, da mesma forma que o ajuizamento de uma ação depende de ato voluntário do autor, tendo em vista que a função jurisdicional do Estado é de natureza inerte, para interpor um recurso, a parte que tiver interesse e legitimidade para recorrer não está obrigada a interpô-lo e, mesmo o fazendo, continua agindo volitivamente ao trazer à reapreciação jurisdicional apenas a matéria que lhe convém seja reavaliada.

Este princípio faz-se presente também no que toca à desistência do recurso, eis que, diferentemente do que ocorre com a petição inicial, em sede recursal, cabe à parte, por sua vontade, mesmo já tendo sido intimada a outra parte acerca da interposição de recurso, resolver se continua ou não com o trâmite recursal.

4.13Princípio da consumação

Há a consumação quando um ato processual for praticado. É possível assim sintetizar o significado e alcance do princípio da consumação. De fato, quando se reflete a respeito da preclusão e suas modalidades temporal, lógica e consumativa, atinge-se o efeito do princípio em discussão, que consiste numa regra no âmbito recursal.

A relação jurisdicional recursal deve ter um momento de estabilização objetiva e subjetiva para que a prestação desta tutela possa prosseguir e chegar ao fim, evitando a postergação indefinida da decisão do recurso em tramitação. Assim, passada a oportunidade, haverá preclusão quanto à impugnabilidade do ato judicial. Em regra, o princípio da consumação compreende o pronunciamento recorrido, bem assim a complementação, o aditamento ou a correção do recurso anteriormente interposto.

4.14Princípio da complementaridade

A decisão recursal pode agregar-se à decisão recorrida que a ela se anexa de maneira intransponível, porquanto, analisando-se um recurso, a eventual decisão recursal deve ser posta no conjunto. Apesar de se constituir uma exceção, invoca-se o princípio em pauta, quando se concebe que os embargos de declaração obrigatoriamente devem ser considerados para analisar a respectiva sentença ou decisão interlocutória, o que possibilita ao recorrente complementar suas razões recursais. Neste sentido, o STJ proferiu a seguinte decisão:

PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO E APELAÇÃO. PARTE CONTRÁRIA. DECISÃO DOS EMBARGOS. MODIFICAÇÃO DA SENTENÇA. ADITAMENTO À APELAÇÃO JÁ INTERPOSTA. TEMPESTIVIDADE. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO. INEXISTENTE. DISSÍDIO. IDENTIDADE FÁTICA DIVERSA. RECURSO IMPROVIDO. [...].

II. Tendo sido ofertados contra a sentença embargos de declaração pelo autor e apelação pela parte contrária, dentro do prazo legal e com o pagamento correto do preparo, não há intempestividade. Também correto o aditamento à apelação, uma vez que a decisão dos embargos modificou a sentença.

III. Os recorridos não poderiam supor que contra a sentença o recorrente iria oferecer embargos de declaração e, assim, aguardar para interpor a sua apelação apenas a posteriori. [...].[12]

4.15Princípio da irrecorribilidade em separado das interlocutórias

Segundo este princípio, as decisões interlocutórias não são impugnáveis de maneira a paralisar todo o curso do procedimento. A locução em separado significa impugnação com a suspensão do Processo. O que se deseja evitar é que se conceda efeito suspensivo ao recurso de agravo. A separação não é no sentido físico, destacado dos autos principais, mas no de paralisar o processo, para que, separadamente, seja examinada a impugnação da decisão interlocutória. Esteve em forte discussão no processo de elaboração do Novo Código de Processo Civil e agora ocorre o mesmo na tramitação no Congresso Nacional.

O art. 558 do CPC representa uma mitigação ao princípio em análise, já que confere suspensão do cumprimento da decisão nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem garantia idônea, entre outros.

4.16Princípio da dupla conformidade

Para elucidar este princípio necessário se faz observar o que, sobre os recursos de embargos infringentes, informa o art. 530 do CPC: “Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência”.

Interpretando esse dispositivo a contrario sensu, verifica-se que, se a sentença não for de mérito ou, se for de mérito, não houver reforma e a ação rescisória for julgada improcedente, não mais caberão embargos infringentes. Assim, se a sentença de mérito for confirmada na apelação, ainda que por maioria de votos ou na ação rescisória, não cabem embargos infringentes. Nestes casos, aplica-se o princípio da dupla conformidade, porquanto duas decisões no mesmo sentido prescindem de uma terceira, já que, uma vez coincidindo as soluções dos graus inferior e superior, tudo leva a crer que houve acerto na decisão, eliminando-se, portanto, o recurso em caso de conformidade.

A respeito deste princípio, Arruda Alvim Netto ensina que, se

a decisão recorrida é confirmada por aquela em que se julga o recurso dela interposto, não teria mais cabimento outro recurso, por causa da coincidência de pontos de vista, do primeiro e segundo graus. O discrimen entre o cabimento ou não está na dupla conformidade, a qual, ocorrente, afasta o recurso (apud CARVALHO, 2007, p. 6). [grifo do autor].

Desse modo, observar-se que a finalidade do princípio da dupla conformidade é limitar o cabimento de recurso contra decisão que se ajusta a outra, seja esta proferida ou não no mesmo processo, pois não há interesse no ordenamento em permanecer movediça a relação jurídica submetida à jurisdição.

4.17Princípio do benefício comum

Este princípio diz respeito ao benefício comum obtido a partir da interposição do recurso por uma das partes, ensejando também que a parte que não recorreu possa se beneficiar, seja em contrarrazões ou de ofício pelo juízo. É o caso do recurso adesivo previsto no art. 500 do CPC, que pode ser admitido na apelação, nos embargos infringentes, no recurso extraordinário e no recurso especial. O mesmo também ocorre no caso do efeito translativo em questões de ordem pública, subentendido no art. 267, § 3º, do CPC, no que concerne aos recursos ordinários: apelação, agravo, embargos infringentes, embargos de declaração e recurso ordinário constitucional.

4.18Princípio da coisa julgada

Ensejando o princípio da segurança jurídica, o princípio da coisa julgada é originário do art. 5º,XXXVI,[13] da CF e é ratificado pela norma infraconstitucional, a qual prevê a sua imutabilidade, segundo prescreve o art. 463 do CPC. Este dispositivo admite, na esfera recursal, os embargos de declaração, o que representa certa relativização da coisa julgada.

4.19Princípio Tatum devolutum quantum appellatum

Diz respeito ao fato de que o recurso não devolve ao tribunal o conhecimento de matéria estranha ao âmbito do julgamento decidido no juízo a quo, sendo devolvido apenas o conhecimento da matéria impugnada, de acordo com o art. 515, caput,[14] do CPC.

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Sobre o autor
Marcos Ticiano Alves de Sousa

Licenciado em Matemática e Especialista em Engenharia de Sistemas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Marcos Ticiano Alves Sousa. Teoria geral dos recursos enfocada pelos pressupostos de admissibilidade, efeitos e princípios recursais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3547, 18 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23976. Acesso em: 22 dez. 2024.

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