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O procedimento arbitral e a ausência de recurso.

Um estudo sobre as possíveis alternativas ao reexame

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Não há óbice legal a que as partes convencionem submeter seus conflitos à confirmação de outra entidade privada que possua estrutura semelhante a um colégio arbitral.

Resumo: No presente estudo, desenvolve-se uma alternativa à ausência de reexames no procedimento arbitral. Neste sentido, consideraram-se duas possibilidades. A primeira refere-se à instituição de recursos dentro do procedimento arbitral, desde que, acordado pelas partes e necessariamente apreciado por instituição privada (colégio arbitral). A outra diz respeito ao reconhecimento de efeitos infringentes aos pedidos de esclarecimentos previstos no artigo 30 da Lei 9.307/96. Ambas foram consideradas com o intuito de se minimizar a possibilidade de erros nos julgamentos proferidos pelos árbitros em geral. Para tanto, num primeiro momento, fez-se uma evolução histórica da arbitragem no ordenamento pátrio, pontuando-se as bases teóricas, dando-se ênfase ao procedimento brasileiro, considerando seus institutos e fundamentos. Posteriormente passa-se a considerações atinentes aos Embargos Declaratórios previstos no Processo Civil, para se chegar aos “Embargos Arbitrais” (assim chamados pela doutrina, devido à sua semelhança com aquele). Por fim, em momento posterior, expõem-se as soluções encontradas para resolver o problema identificado.

Palavras-chave:  História da Arbitragem. Base teórica. Embargos Declaratórios. “Embargos Arbitrais”. Recursos.


1 INTRODUÇÃO

A crescente utilização do Instituto Arbitral, introduzido no ordenamento pátrio pela Lei nº. 9.307, de 23/9/96, comprova que uma lei bem feita é aceita pela sociedade civil, e pode transformar construtivamente setores importantes da sociedade, tornando-se catalisadora de seu desenvolvimento.

Não obstante as desconfianças no passado em relação à seriedade e confiabilidade da arbitragem, a busca pela informação quanto aos seus mecanismos vem realizando verdadeira revolução cultural, e dando maior eficiência e rapidez à solução de litígios complexos.

Com a arbitragem criou-se um processo ágil e flexível capaz de se adaptar às necessidades do casuísmo, sem prejuízo da manutenção dos princípios basilares do contraditório e ampla defesa, atualmente ungidos pelos princípios da celeridade processual e da eficiência na prestação jurisdicional.

Assim, a arbitragem posiciona-se no sistema jurígeno como uma técnica de solução de conflitos capaz de atender ao anseio social do século XXI: uma justiça célere, com custo benefício atraente, e que inspira confiança plena das partes na solução dada ao litígio.

Tais características conseguiram atrair um grande número de casos e retirar dos tribunais uma considerável parcela de ações, que em virtude de sua complexidade e tempo médio de duração representaram um grande alívio à máquina Judiciária.

Neste prisma, os últimos oito anos viram uma considerável arrancada na demanda por essa forma extrajurisdicional de resolução de litígios complexos, em especial nas disputas civis e comerciais houve um aumento superior à ordem dos setenta por cento.

Segundo dados publicados em revistas especializadas, entre 1999 e 2005, foram resolvidos por esse método 13.652 casos, a maioria nos setores de petróleo e gás, de energia elétrica, farmacêutico, automobilístico e de seguros. Recentemente, as áreas de construção civil, locação de imóveis e empresas de distribuição passaram a recorrer à arbitragem. Para efeitos comparativos, a American Arbitration Association, uma entidade criada há mais de 50 anos e que atua em 41 países, só em 2002 administrou mais de 200 mil casos, dos quais 3 mil envolviam disputas comerciais com valor superior a US$ 250 mil.

Destarte, considerando o crescente espaço que o instituto da arbitragem vem ocupando no ordenamento jurídico em consonância com os anseios e exigências do mercado financeiro, exigem-se sérias reflexões teóricas, ao passo que se percebe a possibilidade de colocar em risco a efetiva consolidação e maciça aplicação deste instituto amplamente utilizado no mundo comercialmente desenvolvido.

Assim, uma vez constatada a ausência de recursos no procedimento arbitral (instrumento hábil a corrigir eventuais imprecisões dos árbitros), o presente estudo pretende constatar se há possibilidade de previsão de recurso dentro dos ditames da Lei 9.307/96 ou se há a possibilidade de que, no manejo dos “embargos arbitrais”, reconheça-se o efeito modificativo dos laudos arbitrais. Lado outro, o princípio da efetividade da prestação jurisdicional, à semelhança dos demais princípios constitucionais, também se aplica ao processo arbitral, de maneira a justificar um estudo mais atento e aprofundado sobre as implicações práticas e teóricas sobre as questões ventiladas.


2 DESENVOLVIMENTO

2.1 – Conceituação do Instituto Arbitral:

Na busca pelas bases teóricas da arbitragem deve-se passar obrigatoriamente por sua conceituação, pois só de posse do substrato teórico necessário é possível se iniciarem as digressões teóricas a que propostas.

Nesse sentido, sábias e elucidativas são as palavras do ilustre professor CRETELLA[1], festejado processualista para quem a arbitragem:

(...) é o sistema especial de julgamento, com procedimento, técnica e princípios informativos especiais e com força executória reconhecida pelo direito comum, mas a este subtraído, mediante o qual duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas, de direito privado ou de direito público, em conflito de interesses, escolhem de comum acordo, contratualmente, uma terceira pessoa, o árbitro, a quem confiam o papel de resolver-lhes a pendência, anuindo os litigantes em aceitar a decisão proferida.

Par e passo, CARMONA[2], um dos relatores do projeto de lei que evoluiu à atual Lei que disciplina a Arbitragem no Brasil, entende a arbitragem como:

um meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial.

Por fim, no dizer de CARREIRA ALVIM[3], “a arbitragem é a instituição pela qual as pessoas capazes de contratar confiam ao árbitro, por elas indicados ou não, o julgamento de seus litígios relativos a direitos transigíveis”.

2.2 – Natureza Jurídica:

Muito embora se tenham três grandes grupos teóricos: os Privatistas (autonomia da vontade das partes); os Jurisdicionalistas (vontade da Lei em oportunizá-la) e os Intermediários/mista (traduzida na expressão “jurisdição convencional”), os debates sobre o tema prendem-se à dicotomia Público x Privado. Os que se filiam à caracterização como Direito Público, ressaltam seu aspecto jurisdicional e atacam o paradigma segundo o qual a jurisdição é exclusividade do Estado. Lado outro, os adeptos da corrente ligada ao Direito Privado a compreendem como fenômeno eminentemente negocial ou contratual.

2.3 – Arbitragem no Brasil:

2.3.1 – Evolução da arbitragem no Brasil (Colônia, Império e República):

O instituto da Arbitragem permeia nosso ordenamento jurídico desde o período do Brasil colônia e império, fazendo-se presente nas ordenações do reino e nas leis primevas.

As Ordenações Filipinas, que vigoraram até pouco depois da proclamação da República, disciplinavam a arbitragem no Livro III, regulando a atividade dos juízes, árbitros e dos arbitradores.

Como produção exclusiva do Direito brasileiro, a arbitragem manifesta-se pela primeira vez na Constituição do Império, datada de 22/03/1824, dedicando o artigo 160 a tarefa de disciplinar a opção pela arbitragem e inclusive a escolha dos juízes/árbitros para julgamento de ações cíveis, assim como as penas civilmente intentadas, devendo a eventual sentença ser executada sem recurso, se assim fosse convencionado pelas partes.

O Código Comercial de 1850[4] prevê a arbitragem para a dissolução de contendas afetas às questões sociais, durante a constância da sociedade, ou da companhia, assim como sua liquidação ou partilha (art. 294); já o artigo 245, disciplina que todas as questões de contrato de locação mercantil deveriam, necessariamente, ser submetidas à arbitragem. Para tanto, o artigo 302, V dedicou-se à forma de nomeação dos árbitros que decidiriam sobre as questões sociais.

O Professor MARTINS[5], em artigo sobre o tema, noticia a arbitragem, pela primeira vez em âmbito infraconstitucional, no ano de 1831 e, posteriormente, em 1837, como alternativa à composição de conflitos atinentes a locação de serviços, nesta hipótese, como norma cogente. São as linhas do texto do professor:

Ainda nesse mesmo ano, o Código Comercial traz em seu bojo a figura do juízo arbitral e, seguindo a tendência já delineada no passado, prescreve-o de modo obrigatório às questões (i) resultantes de contratos de locação mercantil, (ii) suscitadas pelos sócios, entre si, ou com relação à sociedade, inclusive quanto à liquidação ou partilha, (iii) de direito marítimo, no que toca a pagamento de salvados e sobre avarias, repartição ou rateio das avarias grossas e (iv) relacionadas à quebra” (f. 43).

Não menos importante, tem-se o Regulamento 737 de 1850[6], que disciplinava o processo comercial e previa tanto a arbitragem voluntária como a necessária.

O Decreto 3900, de 1867, regulamentava o procedimento arbitral, permitindo inclusive a aplicação da eqüidade nos julgamentos, desde acordado pelas partes.

Já em 1894, a Lei 221[7] vem regular o procedimento arbitral no âmbito da Justiça Federal. Posteriormente, o Decreto 3.084 de 1898, vem regulamentar tal procedimento. Segundo previsto nestes dispositivos, as partes seriam livres para recorrer das decisões sem embargo de cláusula impeditiva inserta no compromisso.

Por sua vez, o Código Civil de 1916, dedicou os artigos 1.037 à 1.048 ao compromisso arbitral, assim como à solução de pendências judiciais e extrajudiciais condicionadas à escolha de árbitros, estabelecendo a irrecorribilidade dos julgamentos, salvo se pactuado pelas partes.

Posteriormente, com a proclamação da República, os Estados puderam regular suas matérias processuais, logo, também, sobre arbitragem, e os Códigos Processuais de São Paulo, de Minas Gerais e da Bahia, dedicaram dispositivos a arbitragem[8].

O Diploma Processualista de 1939 facultava a composição de pendências judiciais e extrajudiciais, em qualquer tempo, valendo-se da arbitragem, qualquer que fossem as cifras envolvidas, condicionando apenas que se tratasse de direitos patrimoniais disponíveis.

As Constituições de 1937, 1946 e 1967 nada se reportaram ao instituto, na modalidade privada, período em que a Arbitragem foi renegada.

Finalmente, o Código de Processo Civil de 1973, mantendo a previsão do Código de 1939, regula a matéria em Capítulo próprio.

A Constituição vigente, promulgada em 05/10/88, revigora a arbitragem e trata da matéria em seu artigo 4°, §9°, VII, e também no artigo 114, §1°[9].

Posteriormente, a Lei 9.307/96[10], apelidada de “Lei Marco Maciel”, regula por inteiro a matéria, consolidando o instituto da arbitragem, no Estado Brasileiro.

2.4 Os Pilares da Arbitragem no Brasil:

2.4.1 – O sujeito e o objeto da arbitragem

a) Do sujeito

Já em seu artigo 1°, a lei 9.307/96 exige a capacidade para os atos da vida civil para que os litigantes possam valer-se da arbitragem. No mesmo sentido, está ainda obstada às entidades regidas pelo Direito Público, conforme dito alhures. Não obstante à exigência de capacidade civil para que a opção pela arbitragem seja válida, a Lei ainda determina que os sujeitos gozem livremente da autonomia de suas vontades. Logo, para que seja possível a instauração do procedimento arbitral, é condição sine qua non que haja unidade de desígnios em optar-se pela arbitragem.

b) Do objeto

O objeto do procedimento arbitral é determinado também no artigo 1° da Lei 9.307/96, quando o legislador determina que somente poderão ser objeto de arbitragem os direitos patrimoniais disponíveis. Assim, o legislador excluiu da sujeição à arbitragem tanto os direitos não patrimoniais quanto os direitos indisponíveis.

O insigne doutrinador CARMONA[11], por vezes já citado, elucida que:

Diz-se que um direito é disponível quando ele pode ser ou não exercido livremente pelo seu titulas, sem que haja norma cogente impondo o cumprimento do preceito, sob pena de nulidade ou anulabilidade do ato praticado com sua infringência. Assim, são disponíveis (do latim diponere, dispor, pôr em vários lugares, regular) aqueles bens que podem ser livremente alienados ou negociados, por encontrarem-se desembaraçados, tendo o alienante plena capacidade jurídica para tanto.

Tal fundamento arrima-se no fato de que os direitos indisponíveis trazem em seu bojo interesses coletivos, assim é, que a sociedade vê-se afetada todas as vezes que constata-se um lesão ou ameaça a um direito concebido como indisponível. Destarte a denominação emprestada pelo sistema jurídico que os nomeou como direitos dos que não se pode dispor, abrir mão, ou mesmo negociar.

2.4.2 – Da convenção de arbitragem

À semelhança da legislação Francesa, a lei 9.307/96 trata em um só capítulo da cláusula compromissória e do compromisso arbitral, sob a rubrica de convenção de arbitragem.

Ressalte-se que, muito embora ambas as possibilidades tenham sido reunidas no mesmo capítulo, trata-se de modalidades distintas de instituição da arbitragem, haja vista que, por meio da cláusula compromissória, as partes comprometem-se a submeter à arbitragem eventual litígio futuro e incerto decorrente da execução do contrato base; lado outro, pela celebração do compromisso arbitral, as partes se obrigam a submeter à arbitragem conflito já instalado, esteja ou não aforada uma ação judicial.

a) A cláusula compromissória

Coube ao artigo 4° da Lei de Arbitragem a conceituação desta figura, disciplinando que a cláusula compromissória é a convenção escrita e celebrada entre as partes, em que as mesmas se comprometem a submeter à apreciação da arbitragem todos os litígios que eventualmente surjam da relação estabelecida no contrato base.

Dessa forma, a cláusula passa a ser contrato autônomo em relação ao contrato base e deverá ser sempre firmada em documento escrito, podendo integrar o corpo do contrato base ou se apresentar em documento apartado. Logo, tem efeito cogente e por si só afasta a possibilidade do litígio ser apresentado à justiça comum.

Neste sentido, a posição do jurista SHIGUEMATSU[12]:

A cláusula compromissória é a cláusula contratual pela qual as partes convencionam, na eventualidade de um litígio sobre o objeto do contrato, levar o conflito a julgamento arbitral. Trata-se de um acordo sobre evento futuro e incerto que, uma vez realizado, vincula à realização do compromisso arbitral e conseqüentemente à arbitragem.

b) O compromisso arbitral

Regulado pelo artigo 9° (e seguintes) da Lei de Arbitragem, o compromisso arbitral é entendido como o acordo celebrado entre as partes em que estes resolvem submeter à arbitragem um dissídio já constatado, podendo ser celebrado tanto na via judicial, como extrajudicial.

Se firmado extrajudicialmente, deverá necessariamente ser escrito e levado a registro público, porém, se particular, deverá ser assinado por duas testemunhas. Se judicial, será reduzido a termo nos autos e extinguirá o feito sem julgamento de mérito. Cabe ao réu na ação judicial alegar sua existência em sede de contestação (art. 41).

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A Lei determina os requisitos mínimos que devem constar do compromisso arbitral de maneira que sua inobservância pode acarretar sua nulidade (art. 10). São eles, o nome, a profissão, o estado civil e o domicílio das partes; o nome, a profissão, e o domicílio do árbitro ou, se for o caso, a identificação da entidade que recebeu a delegação para indicação dos árbitros; a matéria, o objeto da arbitragem; o local onde será proferida a sentença.

c) Extinção da convenção de arbitragem

Prevista no artigo 12, a recusa (antes de aceita a nomeação), o impedimento do árbitro, ou ainda sua morte, desde que as partes tenham acordado não aceitar substituto, ou seja, tenha sido feita em caráter personalíssimo, são motivos hábeis a extinguir a convenção.

Outra possibilidade está prevista no inciso III, do mesmo artigo 12, e se dá quando expirado o prazo para a apresentação do laudo, devendo o árbitro ou o presidente do tribunal, conforme o caso, ser intimado pessoalmente para, no prazo de dez dias, prolatar a sentença arbitral.

2.5 Das Fases da Arbitragem:

No que tange à descrição das fases do procedimento arbitral, sábias e elucidativas são as palavras do jurista francês DAVID[13] que ensina:

Podemos, dentro da regulamentação da arbitragem, distinguir três fases. Uma primeira fase que se constitui pela convenção arbitral. Tem lugar aqui questionar quais são os motivos, quais são as pessoas envolvidas, de acordo com que formas pode uma convenção arbitral ser validamente formulada e quais são os seus efeitos. Nesta primeira fase, puramente convencional, as partes estão em primeiro plano. Em uma segunda fase, os árbitros estarão em primeiro plano. Esta segunda fase compreende tudo que diga respeito à constituição do juízo arbitral; ela inclui, em segundo lugar, o estudo da decisão dos árbitros. Ela termina no momento em que os árbitros, tendo proferido sua sentença, esgotam sua competência e são desapossados de seus cargos. Uma terceira fase começa neste momento; ela implica o estudo da execução da sentença e dos recursos que podem ser interpostos contra a sentença dos árbitros. O juiz estatal está, aqui, em primeiro plano.

2.5.1 – Do procedimento arbitral

O legislador dispensou o capítulo IV da Lei de Arbitragem às regras do procedimento arbitral, norteando sua vontade pelos princípios do devido processo legal e da autonomia da vontade das partes. Não obstante, pondera CARMONA[14]:

Cumpre lembrar que a vontade das partes (e, subsidiariamente, dos árbitros) quanto à especificação de regras procedimentais, encontra limitação na natureza e finalidade da arbitragem e também na própria lei. Assim, não podem as partes estabelecer, por exemplo, que a sentença arbitral tenha forma diversa daquela prevista no artigo 26 ou que possa ser a decisão impugnada, além do prazo previsto no artigo 33.

A par com isso, o artigo 19 da Lei considera instituída a arbitragem quando o árbitro aceita sua nomeação e investe-se na função de juiz de fato e de direito da demanda. E continua, determinando que a aceitação do árbitro interrompa a prescrição do direito, além de tornar litigiosa a coisa e induzir a litispendência.

Uma vez rompida esta fase, cabe ao árbitro (ou árbitros, conforme o caso) incentivar a conciliação das partes, geralmente valendo-se de uma audiência prévia de conciliação. Sendo infrutífera a iniciativa, o árbitro abre prazo comum para apresentação de razões iniciais e requerimento de provas que as partes pretendem produzir. Também nesta oportunidade, devem ser aventadas as hipóteses de exceção (artigo 20). Se acatada a suspeição ou o impedimento do árbitro, este deverá ser afastado e substituído. Porém, havendo convenção ao contrário, acarretará a extinção do procedimento. Na seqüência, o árbitro concede novo prazo comum para que as partes impugnem as alegações umas das outras.

Transcorrido o prazo, cabe ao árbitro (ou árbitros, conforme o caso) decidir pela necessidade ou não das provas requeridas, assim como designar data, local e horário para a realização de uma audiência de instrução na forma da lei.

O artigo 22 regula a persecução da verdade real da contenda. No caput o legislador faculta aos árbitros a colheita das “provas úteis” à formação de seu convencimento. Nesse sentido, ensina CARMONA[15] que os poderes instrutórios do árbitro e do juiz togado foram equiparados. Assim, pode o árbitro: 1) requisitar documentos públicos, como faria o juiz estatal; 2) solicitar informações aos órgãos estatais; 3) determinar exames e vistorias, se necessário, com o concurso do Poder Judiciário; 4) oitiva de testemunhas não arroladas pelas partes; 5) exigir que as partes apresentem documentos sem prejuízo de outras utilidades.

Realizada a audiência e produzidas as provas, se houver, e, sendo desnecessárias outras providências, já estão os árbitros aptos a proferir a sentença. Havendo qualquer das hipóteses previstas no artigo 30 da Lei, poderão as partes manejar o pedido de esclarecimento, ou como apelidado pela doutrina os “Embargos Arbitrais”, e que será estudado em momento oportuno.

2.5.2 – Da sentença arbitral

Anteriormente à Lei 9.307/96, o legislador pátrio, pelos Códigos de Processo Civil (tanto o de 1939, como o de 1973), nomeava a decisão do árbitro de “laudo arbitral”, divorciando-se da idéia de identidade jurisdicional entre o provimento emanado pelo juiz togado e pelo árbitro eleito pelas partes.

Com a vigência da Lei de Arbitragem, o legislador, seguindo a orientação mundial, equipara a função dos árbitros à dos juízes togados, determinando que os árbitros são juízes de fato e de Direito e suas decisões independem de homologação pelo judiciário, constituindo título executivo judicial, e atribuindo status de coisa julgada sobre o objeto do litígio.

O jurista CARREIRA ALVIM[16] escrevendo sobre este ponto, afirma:

O Estado não colocaria o selo da sua autoridade, nem o da coisa julgada, no produto de uma atividade privada, de cunho contratual, ao largo do exercício da jurisdição, mesmo porque, nos termos do art. 5°, XXXV, da Constituição, a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito. Na arbitragem, uma vez constituído o juízo arbitral, atua o árbitro no exercício da jurisdição convencional, por convenção das partes e permissão legal.

Assim, denomina-se sentença arbitral o ato do árbitro, ou colégio arbitral, que decide a contenda confiada à arbitragem. E, como dito, é similar ao provimento judicial, com a ressalva de não conter efeito de ato de imperium, uma vez não ser ato estatal.

Deve ainda ser prolatada dentro do lapso estabelecido na convenção ou, na falta de estipulação pelas partes, no prazo de 6 meses, a contar da aceitação da nomeação do árbitro ou de sua substituição. Porém, não havendo óbice à dilação do prazo para a publicação da mesma e, desde que haja acordo entre as partes envolvidas, pode-se livremente acordar nova data para a prolação da sentença. Assim, não sendo cumprida tal previsão, é caso de extinção da convenção.

A Lei determina ainda que a sentença seja prolatada em documento escrito, na forma do artigo 26, com a mesma composição das decisões judiciais. O relatório conterá a qualificação dos litigantes e a síntese do litígio. Na fundamentação estarão expostas as questões de fato e de Direito trazidas, além das razões que conduziram à decisão. É necessária, também, a menção ao critério adotado, se foi pela eqüidade ou pelo Direito. Finda a fundamentação, passa-se ao dispositivo, que é a decisão propriamente dita. Deve prever, ainda, o prazo para o cumprimento da sentença, assim como a decisão sobre as despesas e custeio do procedimento e, por fim, decidir sobre eventual litigância de má-fé.

Uma vez concluída, dar-se-á conhecimento às partes, por qualquer meio idôneo, a comprovar seu recebimento pelas partes, iniciando o prazo para satisfação do dispositivo, assim como para interposição dos chamados “embargos arbitrais”.

2.6 Dos recursos no sistema jurídico pátrio

2.6.1 – Teoria geral dos recursos

Ao adentrar, especificamente, no problema proposto ao presente trabalho, é imperioso tecer algumas linhas a respeito da formulação teórica do que seja recurso, delimitando seus contornos teóricos e seus meios de manifestação no mundo jurídico.

A história denuncia que as civilizações, de modo geral, adotaram o modelo do duplo grau de jurisdição em seus ordenamentos jurídicos buscando facultar às partes a possibilidade de manifestarem seu inconformismo com os provimentos jurisdicionais apresentados. Pela orientação deste princípio, a apreciação da decisão será sempre de competência de órgão hierarquicamente superior ao prolator da sentença analisada.

Não obstante, buscando um meio termo a essa possibilidade de correção, a ciência jurídica erige o “princípio do duplo exame”, que traz a possibilidade de que esse reexame seja dirigido ao mesmo prolator da sentença atacada, agilizando o deslinde da causa, e possibilitando que se alcance a decisão final mais rapidamente, contornando a morosidade dos tribunais superiores.

SANTOS[17], com especial maestria, ensina:

O princípio do duplo grau de jurisdição sofre atenuação de outro princípio análogo e dele se aproxima em razão de suas próprias finalidades. É o “princípio do duplo exame”. Pelo primeiro, as decisões judiciais podem se revistas por órgãos diversos daquele que as proferiu; pelo segundo, a revisão é do próprio órgão.

Assim, nota-se uma cristalina distinção entre os recursos dirigidos aos tribunais superiores e os dirigidos aos julgadores primevos, possibilitando aos jurisdicionados a correção de imprecisões detectadas em tempo e passíveis de imediata correção.

2.6.2 – Dos objetivos dos recursos

A doutrina costuma colocar quatro possíveis objetivos à interposição de recurso, são eles: a reforma; a invalidação, o esclarecimento e a integração da decisão incompleta.

a) Reforma

Trata-se da hipótese mais recorrente no âmbito dos recursos e visa à correção da decisão do juiz a quo, ao fundamento de que a decisão atacada está errada, sendo necessário a correção da mesma. Nesta modalidade, a intenção da parte recorrente é obter novo provimento jurisdicional prolatado pelo tribunal ad quem, corrigindo assim o erro do juiz primevo, substituindo a decisão em primeira instância.

O erro apontado pode ser afeto à má aplicação de normas de direito processual, ou ainda normas de direito material.

Nesse sentido, sintetiza THEODORO JÚNIOR[18]: “de reforma, quando se busca uma modificação na solução dada à lide, visando a obter um pronunciamento mais favorável ao recorrente”.

b) Invalidação

A invalidação tem sempre fundamento na ocorrência de ofensa a normas processuais, ou seja, busca esteio em vícios in procedendo ocorridos no caminho que se percorre até a decisão final do julgador, de modo a acarretar a nulidade da decisão prolatada e, em certos casos, de todo o procedimento.

Neste caso, a intenção do recorrente é a anulação da decisão pelo juízo ad quem e, conseqüentemente, que se determine a prolação de nova decisão pelo órgão em primeira instância, substituindo a anterior.

No entender de GRECO FILHO[19], “o recurso pode ter por objeto o pedido de declaração de sua invalidade, a fim de que se renove a decisão do mesmo órgão jurisdicional recorrido, desde que se corrija o vício que levou à nulidade”.

c) Esclarecimento

O cabimento desta possibilidade está ligado à intenção de se obter o esclarecimento da decisão impugnada, pedindo-se que o julgador aclare um ponto obscuro, ou ainda que se sane eventual contradição.

Não há, portanto, a intenção de se modificar ou invalidar a decisão, apenas que se clareie determinado ponto da decisão.

Esta é a hipótese, por excelência, de manejo dos embargos declaratórios, a ser tratada em momento oportuno com maior esmero.

d) Integração

Verifica-se a integração da decisão quando o que se pretende é o pronunciamento sobre algum ponto que, embora tenha sido colocado à apreciação do julgador, não foi considerado por este. Em suma, a integração deve ser entendida como a atividade tendente a preencher eventual lacuna na decisão proferida.

Lado outro, neste caso, a atividade do julgador não se esgotou, uma vez que há ainda um ponto não apreciado de maneira a prorrogar a competência funcional do mesmo no caso julgado. Em síntese, deve-se reabrir a fase decisória para que seja apreciada a questão omitida.

Dada a relevância desta questão ao presente estudo, cita-se um exemplo para melhor visualização do problema colocado, problema este que inspirou toda a formulação teórica deste trabalho. Imagine a seguinte situação fática: ‘A’ pede a condenação de ‘B’ em determinado valor, sendo que ‘B’ alega em resposta a nulidade do contrato e a prescrição do mesmo. O julgado, ao apreciar o pedido, julga procedente a pretensão de ‘A’ considerando inexistir nulidade no contrato, mas permanece silente com relação à prescrição suscitada, que, ressalte-se, trata-se de situação cogente e de natureza intransponível, e que, sendo reconhecida, pode vir a mudar diametralmente o dispositivo da sentença.

Nesta hipótese, é cabível o manejo dos embargos declaratórios para que o julgador pronuncie-se sobre a questão omitida.

Uma vez apreciado tal ponto, poderá o julgador atribuir efeito infringente ao embargo declaratório manejado, ou seja, atribuir-lhe efeito modificativo pleno da sentença, sendo prolatado novo decisum em que se reconheça a prescrição e, conseqüentemente, o dispositivo da sentença que outrora considerava ‘A’ como vencedor da demanda e, reconhecendo a prescrição, se afirmará o direito de ‘B’ em ver reconhecida a impossibilidade de ser cobrado por dívida prescrita, impossível de ser exigida sem o manejo de ação própria que reconheça a relação jurídica narrada e que confira novo título executivo à dívida anteriormente prescrita.

Aqui, também, o recurso cabível é o embargo declaratório, porém nomeado pela doutrina como “embargo declaratório com efeito infringente”.

2.6.3 – Dos embargos declaratórios cíveis

a) Conceito

Entende-se por embargos de declaração no procedimento civil o instrumento hábil a provocar o reexame de determinado ato processual ou jurisdicional, com o intuito manifesto de se obter um esclarecimento quanto à real intenção do julgador; ou ainda, a complementação do mandamus materializado na sentença. Ressalte-se que este reexame deve ser feito pelo mesmo órgão prolator da decisão objeto deste instrumento.

No entender de SILVA[20], “os embargos de declaração são os recursos destinado a pedir, ao juiz ou juízes prolatores da sentença, da decisão interlocutória ou do acórdão, que esclareçam obscuridade, eliminem contradição ou supram omissão existente no ato judicial”.

b) Natureza jurídica

A natureza jurídica dos embargos declaratórios já foi, outrora, objeto de discussão doutrinária, sendo inclusive criados dois pólos intelectuais que sustentavam posições divergentes sobre a questão. De um lado, os que não o consideravam como uma das espécies de recursos cíveis, mas tão somente, de um meio de correção das sentenças; em confronto com a corrente majoritária, que entende se tratar de espécie de recurso, inclusive incluído no rol dos recursos cíveis nos artigos 496 e artigo 535, ambos do Código de Processo Civil. Os que sustentam não se tratar de modalidade de recurso argumentam que o objeto dos embargos não é a reforma da sentença, mas tão somente uma correção ou integração da mesma, mantendo-se incólume o provimento ali materializado.

Em síntese, confrontando-se as duas correntes, percebe-se que a posição majoritária sobrepuja a divergente por vários motivos. Nesse sentido cita-se trecho de autoria de SILVA57:

A interposição dos embargos de declaração adia a coisa julgada, não enseja a instauração de nova relação processual, depende de vontade da parte e tem por escopo impugnar uma decisão judiciária, visando principalmente ao seu esclarecimento ou a sua integração e, em casos mais raros, até mesmo à reforma da decisão (efeitos infringentes), não se pode negar, que, no Direito Brasileiro, são eles um recurso e não apenas um meio de correção dos erros da sentença que, como visto, também existem entre nós, mas limitados à correção de inexatidões materiais ou erros de cálculo.

2.7 Considerações sobre os chamados embargos arbitrais

2.7.1 – Da irrecorribilidade da sentença arbitral

Uma interpretação temerária do artigo 18 da Lei de Arbitragem induz à equivocada conclusão de que a sentença arbitral é irrecorrível, não sendo possível a oposição de nenhum instrumento capaz de provocar o reexame da sentença prolatada. Lado outro, a inteligência deste artigo em nada se divorcia do mandamento insculpido no artigo 30 do mesmo diploma, que prevê a hipótese de manejo de um pedido de esclarecimento dirigido ao órgão julgador (árbitro ou câmara arbitral). 

Assim, nenhum temor deve causar o entendimento de que a sentença arbitral pode ser corrigida pelo manejo de instituto jurígeno tendente a corrigir eventuais imprecisões técnicas constatadas nas sentenças arbitrais.

Lado outro, há entendimento firmado no sentido de que a sentença arbitral somente se torna imutável quando transcorrido o lapso previsto no dispositivo supra, ou seja, cinco dias. Logo, o manejo do pedido de esclarecimento encontra esteio no fato de que, uma vez interposto dentro do prazo previsto em lei, os embargos não poderiam ferir a imutabilidade da sentença arbitral, haja vista que esta ainda não se solidificou, sendo, portanto, plenamente passível de correção.

Tal raciocínio é tranqüilo, ao passo que a própria lógica imposta pela Lei de Arbitragem permite tal entendimento ao preconizar a notificação da parte contrária da interposição dos embargos de maneira a facultar-lhe contrarrazoar a pretensão da parte embargante e, ainda, determinar que, sendo acolhida a pretensão do solicitante, o árbitro deverá decidir no prazo de dez dias procedendo conforme inteligência do artigo 29, promovendo nova intimação das razões do reexame.

2.7.2 – Do pedido de esclarecimento formulado ao árbitro

A doutrina pátria nomeia tal modalidade como “embargos arbitrais” e ensina que a faculdade das partes em manejar este instituto encontra as mesmas limitações impostas aos embargos declaratórios no tocante aos pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade tratados no item anterior.

Os “embargos arbitrais” reproduzem quase que integralmente a inteligência do legislador ao forjar a figura dos embargos declaratórios acima pincelados; copiando desde o prazo de interposição (cinco dias) até as hipóteses de cabimento (com exceção da correção de erros materiais não previstos na legislação cível).

Neste sentido, o jurista CARMONA[21] entende que, devido à natureza dos “embargos arbitrais”, estes são, em sua essência, verdadeiros embargos de declaração, ressaltando a identidade com o artigo 535 do Código de Processo Civil, que regula os embargos cíveis. E continua dizendo que a diferença básica reside na previsão de manejo contra erros materiais, que na justiça comum podem ser corrigidos até por provocação de simples petição nos autos.

Por obscuridade, entende-se a falta de clareza quanto a determinado ponto da sentença de maneira a prejudicar a interpretação do decisum emanado pelo árbitro em determinado ponto da lide.

A contradição manifesta-se quando o raciocínio lógico desenvolvido pelo julgador divorcia-se da solução dada ao caso, ou seja, o árbitro trabalha um entendimento e, ao final, prolata decisão contrária à posição sustentada.

No mesmo sentido, a omissão é a hipótese em que a decisão não considera determinado ponto de considerável relevância à justa solução da demanda. Assim, se o árbitro deveria, por imposição da lei ou por vontade das partes, apreciar determinada situação fática ou jurígena e não o faz, está ferindo de morte o principal escopo da arbitragem que é a justa e eficaz pacificação social, urgindo a correção de tal imprecisão capaz de suprir a lacuna na apreciação e a conseqüente correção do julgado.

Por fim, a dúvida deve ser entendida de maneira objetiva, ou seja, a decorrente de ambigüidade, dubiedade, ou ainda indeterminação do juízo feito pelo julgador, dificultando a compreensão de seu julgamento.

2.8 Do reexame das Sentenças Arbitrais

2.8.1 – Possibilidade de previsão de recurso pactuado em convenção arbitral

Conforme entendimento anterior, o procedimento arbitral não se sujeita ao princípio do duplo grau de jurisdição, de maneira a não se garantir às partes o reexame de suas decisões, princípio este que, por orientar o processo civil, garante o manejo de diversos recursos às instâncias superiores, criadas com o único fim de reexaminar as decisões em primeira instância, minimizando a possibilidade de erro nas decisões.

Ou seja, o legislador buscou com a arbitragem dar maior efetividade à prestação jurisdicional, primando pela especialização dos julgadores, além de homenagear a celeridade do procedimento. Para tanto, optou por facultar às partes que, abrindo mão do direito de submeter ao Estado a resolução de seus conflitos, se entregassem a particulares de sua confiança que, uma vez revestidos do poder estatal de pacificação social, julgariam os atritos surgidos das interações sociais.

Tem-se então que o espírito da Lei é valer-se da simplicidade das relações entre particulares para priorizar a efetividade das soluções jurisdicionais e, muito embora não haja previsão legal no sentido de facultar às partes sujeitas ao procedimento arbitral o manejo de instrumentos recursais, não se percebe em nenhum momento óbice legal a que as partes convencionem submeter seus conflitos à confirmação de outra entidade privada que possua estrutura semelhante a um colégio arbitral.

Conclui-se, então, que o impedimento legal restringe-se à possibilidade de convenção a qual determine o reexame por corte estatal, que carrega em sua estrutura toda a morosidade e burocracia dos procedimentos estatais. Mas nunca proibir os mesmos de acionar uma corte arbitral que possa reexaminar a decisão primeva e adequá-la à melhor expressão da justiça entre as partes envolvidas.

Um questionamento relevante é a suposta afronta à celeridade, assim como o aumento dos custos com o procedimento sujeito a recurso. Porém, o que se espera é que o eventual “recurso” (reexame) não demande tempo excessivo para ser apreciado, pois não se deve repetir a fase probatória do procedimento, que é a mais dispendiosa e demorada do juízo arbitral. O que se propõe é a análise dos argumentos e provas materializados no processo. Assim, uma vez escolhido o colégio arbitral que examinará as razões do recurso, o julgamento deve ser rápido e eficaz, uma vez que os árbitros, sendo profissionais com satisfatório grau de especialização na matéria analisada, assim como dispostos à inteira dedicação e apreciação da contenda confiada, têm plenas condições de chegarem a um veredicto em razoável lapso temporal.

Em tempo, é inegável que a disposição neste sentido acarretará maior dispêndio financeiro e exigirá mais tempo à solução definitiva, porém, é o preço da garantia complementar facultada às mesmas, que pode traduzir-se em maior índice de acerto e satisfação dos contratantes.

Ademais, a possibilidade de reexame está culturalmente enraizada no povo brasileiro, de maneira que o recurso arbitral seria mais uma forma de aumentar e consolidar a aceitação da arbitragem como meio eficaz e confiável para a resolução dos conflitos.

Por fim, tal previsão poderia ter as formas mais variadas possíveis, como por exemplo: a) possibilidade de combate a todos ou parte dos pontos da decisão; b) possibilidade somente para a hipótese de violação de dispositivo de lei, excluindo a apreciação de matéria de fato; c) para condenações acima de determinado valor; d) no caso de voto vencido, em julgamentos por mais de um árbitro, recorrendo-se apenas quanto ao ponto divergente; e) em relação a alguns pontos da disputa, geralmente os mais relevantes, de maior complexidade técnica e jurídica, por exemplo; etc.

Por questão de cautela, deve-se ter muito cuidado com a previsão desta alternativa, uma vez que se trata de inovação, sendo necessário disciplinar as hipóteses de cabimento; o escopo e o alcance da medida; os prazos para interposição e julgamento; a composição do órgão julgador e sua forma de escolha e substituição; os efeitos em que o recurso será recebido; enfim, as peculiaridades do procedimento arbitral e as necessidades de cada caso, a fim de se evitar problemas futuros que poderiam transformar uma solução em mais um problema imposto às partes.

Em suma, conclui-se que a alternativa ora apresentada, preenche satisfatoriamente a lacuna identificada, servindo de instrumento hábil a oferecer maior segurança aos contratantes e facilitando a penetração da arbitragem no sistema jurídico brasileiro, além de ser uma possibilidade real e inteiramente dentro dos princípios da segurança jurídica e efetividade da prestação jurisdicional.

2.8.2 – Possibilidade de atribuição de efeitos infringentes aos embargos arbitrais

Analisando o problema identificado sobre outro prisma, mais palpável e juridicamente em maior sintonia com a evolução do Processo Civil moderno, tem-se a alternativa de se aplicar entendimento recorrente àquele para se modernizar o Processo Arbitral e torná-lo mais eficaz e atrativo. Trata-se da atribuição de efeitos infringentes ao pedido de esclarecimentos previsto no artigo 30 da Lei 9.307/96, que os juristas e a doutrina pátria apelidaram de “embargos arbitrais”.

Conforme tratado alhures, a Lei prevê um período de cinco dias depois de proferida a sentença para que as partes provoquem o árbitro ou tribunal arbitral a rever o dispositivo do decisum com o intuito de corrigir erro material, esclarecer eventual obscuridade, contradição, ou omissão observados na sentença em tela.

Tal possibilidade é flagrantemente inspirada nos embargos declaratórios previstos no processo judicial, preservando-lhe a mesma essência e possibilidades de manejo.

Por oportuno, frisa-se que os efeitos modificativos emprestados aos embargos declaratórios já são ponto pacífico na doutrina clássica, tendo sido inclusive objeto de pronunciamento do Pretório Excelso, o qual firmou entendimento no sentido de que estes são plenamente cabíveis desde que respeitadas as condições de cabimento e manejo do recurso. Neste sentido, o julgado proferido nos autos do Recurso Extraordinário nº 59.040[22]:

(...)embora os embargos declaratórios não se destinem normalmente a modificar o julgado, constituem um recurso que visa a corrigir obscuridade, omissão ou contradição anterior. A correção há de ser feita para tornar claro o que estava obscuro, para preencher uma lacuna do julgado, ou para tornar coerente o que ficou contraditório. No caso, a decisão só ficará coerente se houver a alteração do dispositivo, a fim de que este se conforme com a fundamentação. Temos admitido que os embargos declaratórios, embora, em princípio, não tenham efeito modificativo, podem, contudo, em caso de erro material ou em circunstâncias excepcionais, ser acolhidos para alterar o resultado anteriormente proclamado.

Acompanhando o entendimento da Egrégia Corte, outros tribunais, de outras áreas das letras jurídicas, também seguiram este entendimento. Cita-se, por exemplo: o Colendo Tribunal Superior Eleitoral, que atento às evoluções processuais, há tempos sustenta este entendimento em seus julgados[23]; no mesmo sentido, o Egrégio Tribunal Superior do Trabalho que, no enunciado da súmula n° 278[24], assume idêntica postura.

Assim é que tal identificação inspira alguns estudiosos a defender a bandeira da atribuição de efeitos também análogos aos emprestados ao “pai” dos chamados “embargos arbitrais”.

Ressalta-se, ainda, que, conforme sustentado algures, “as ondas renovatória do Processo Civil” materializaram a busca pela efetividade da prestação jurisdicional que, nas duas últimas décadas do século XX, ungiram os sustentáculos do processo clássico, orientando o aplicador à otimização e efetivação das normas processuais em detrimento dos já obsoletos mecanismos disponíveis.

E sob essa égide é que surge o entendimento doutrinário e jurisprudencial sob os quais os embargos, sejam eles declaratórios ou arbitrais, uma vez atendidos os pressupostos de admissibilidade, passam a assumir em sua plenitude os efeitos modificativos ou, como nomeia a doutrina, “efeitos infringentes”.

Em tempo, ressalta-se que somente após o prazo para manejo dos embargos arbitrais é que a sentença torna-se imutável, ou na inteligência do artigo 30 parágrafo único, o árbitro encerra sua atividade e, por conseguinte, o procedimento arbitral.

Assim é que o efeito modificativo da sentença pode ser alcançado ainda com os embargos instruídos por pedido de pronúncia sobre ponto ainda não apreciado. Neste sentido, são as palavras do jurista NERY JÚNIOR[25]: "não haverá propriamente infringência do julgado, mas decisão nova, pois a matéria não foi objeto de consideração pela decisão embargada".

Sob esta ótica, sem se apegar à natureza jurídica dos “embargos arbitrais”, se estes têm ou não natureza recursal, mas somente considerando o termo do processo arbitral após transcorrido o lapso temporal determinado no dispositivo supra invocado, e assim estando ainda latente a atividade do árbitro enquanto não transcorrido o prazo, tem-se que, em situações especiais e plenamente justificáveis, seja possível conceder efeitos modificativos ao pedido de esclarecimento (“embargos arbitrais”) em prol da eficácia da prestação jurisdicional intentada pelo legislador ao instituir a arbitragem como meio alternativo de solução de conflitos sociais.

Apenas para ilustrar a situação posta à apreciação, cita-se o clássico exemplo da doutrina arbitral que coloca a seguinte situação (diga-se de passagem, já foi citada anteriormente, porém é de inteira relevância à questão suscitada, de maneira a justificar sua repetição): ‘A’ pede a condenação de ‘B’ em determinado valor, sendo que ‘B’ alega em resposta a nulidade do contrato e a prescrição do mesmo. O árbitro, ao apreciar o pedido, julga procedente a pretensão de ‘A’ considerando inexistir nulidade no contrato, mas permanece silente com relação à prescrição suscitada, que, ressalte-se, trata-se de situação cogente a qual, sendo reconhecida, certamente mudará diametralmente o dispositivo da sentença e, ao reformular o seu entendimento anterior, estaria observando, inclusive, o disposto no art. 2°, § 2° da Lei de Arbitragem (ordem pública).

Imperioso citar, ainda, que os “embargos arbitrais” encontram-se previstos na Lei Modelo de Arbitragem Internacional da UNICITRAL, que foi fonte inspiradora do legislador brasileiro, assim como norteadora da produção legislativa de diversos outros países europeus e americanos. No mesmo sentido, a possibilidade de admissão dos efeitos infringentes aos embargos arbitrais é hipótese recorrente na doutrina e jurisprudência de outros países, que entendem plenamente possíveis, desde que atendidas as hipóteses de cabimento.

No plano nacional, essa situação foi muito bem tratada por MOREIRA[26], para quem: "às vezes, suprida a omissão, impossível se torna, sem manifesta incoerência, deixar subsistir o que se decidira (ou parte do que se decidira) no pronunciamento embargado".

Em síntese, conclui-se que a alternativa ora apresentada, também atende satisfatoriamente os anseios por segurança e confiabilidade nos julgados dos árbitros, além de ser uma possibilidade real e em plena sintonia com a evolução do processo como instrumento de alcance dos ideais de solidariedade social e pacificação dos conflitos tratados nas já lidas palavras do primeiro capítulo do presente trabalho.

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Sobre o autor
Guilherme Lúcio Meira Cambuí

Advogado, Agente Jurídico de Controle Interno do Município de Montes Claros/MG, Pós-Graduando em Direito e Processo Civil pela Universidade Gama Filho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMBUÍ, Guilherme Lúcio Meira. O procedimento arbitral e a ausência de recurso.: Um estudo sobre as possíveis alternativas ao reexame. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3573, 13 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24181. Acesso em: 29 mar. 2024.

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