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O Windows XP, a pirataria e os direitos dos consumidores

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25 de setembro de 2001. Esta a data marca o início da distribuição, pela Microsoft, aos principais fabricantes de computadores de nosso país, do Windows XP em português, novo sistema operacional da empresa. Dentro de pouco menos de um mês, em 25 de outubro, será feito o lançamento mundial deste programa, mas, desde meados de setembro, já é possível comprar micros nos Estados Unidos com o novo Windows e mesmo aqui isso será possível antes do lançamento oficial do software. É bom lembrar que as versões BETA, para testes, são facilmente encontráveis na Internet há tempos. Com a chegada desta nova versão, espera-se um crescimento nas vendas do setor de microcomputadores, atualmente em baixa até mesmo no mercado norte-americano. A IDC (International Data Corporation) estima que neste ano de 2001 sejam vendidos 129,6 milhões de equipamentos, o que representa uma queda mundial de 1,6% em relação a 2000.

A Microsoft tem motivos para comemorar, pois parece estar novamente em boa situação no processo que pretende dividi-la nos Estados Unidos e, graças às boas perspectivas de venda do Windows XP, poucas vozes parecem se levantar para questionar algumas questões menos nobres por trás da nova versão: os dispositivos antipirataria do sistema e o monopólio dos recursos de Internet agregados ao software, que deixam pouco espaço aos concorrentes. Nos Estados Unidos, seis estados que não faziam parte do processo antitruste movido contra a Microsoft, cujo ponto central é o Internet Explorer, agora se juntam ao processo por entender que a empresa de Bill Gates quer, com o novo sistema, perpetuar-se no monopólio do setor.

As preocupações com a Microsoft e sua política de trabalho tendente ao monopólio começaram a chamar a atenção do mundo em 1994 quando, prestes a lançar o seu Windows 95, a empresa começou a fazer contatos sigilosos com desenvolvedores de softwares para exigir deles que seus programas só funcionassem na plataforma que seria lançada, o que motivou uma denúncia destas empresas ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ), comprovada por contratos com estes termos. Nessa oportunidade, investigado também pelas autoridades européias, Bill Gates selou um acordo judicial e, ainda que com problemas e atropelos, a questão ficou esquecida até que em agosto de 1996, uma denúncia de práticas contrárias à lei antitruste contra a empresa foi feita pela Netscape, que acusava a Microsoft de preços predatórios e outras práticas ilegais para forçar as empresas fabricantes de equipamentos e softwares a adotarem o navegador Internet Explorer como o padrão de browser para a Internet. Em outubro de 1997 o Departamento de Justiça dos Estados Unidos pediu para a Suprema Corte que a Microsoft fosse multada em um milhão de dólares ao dia até que ela parasse de exigir dos fabricantes de PC que incluíssem o Internet Explorer em suas máquinas para lhes conceder licenças do Windows 95. As discussões se arrastaram desde então e o Windows 98 nasceu cercado de denúncias e ações por parte do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e de mais de 20 estados contra sua integração ao browser Internet Explorer 4.0. Em abril de 2000, 27 processos antitruste privados contra a empresa de Bill Gates foram consolidados por uma comissão de juízes federais e apesar de já haver uma decisão no sentido de dividir-se a Microsoft em duas empresas, a Suprema Corte americana afastou esta possibilidade por enquanto.

Nesse cenário, ainda incerto para a Microsoft, chega o Windows XP. Ele incorpora tantos recursos de Internet e multimídia ao sistema operacional que levantou novas suspeitas de que a empresa quer estender seu monopólio dos sistemas operacionais para os aplicativos, sejam eles de produtividade (Office XP), de Internet (Internet Explorer, Outlook e Messenger) ou multimídia (Media Player), estejam eles instalados na máquina dos usuários ou pela Internet (Hotmail, MSN, sistema Passport e outros serviços do grupo). Os procuradores dos estados de Arkansas, Maine, Montana, Nova Hampshire e Rhode Island se uniram agora ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos e aos demais estados para que o Windows XP seja incluído nas discussões antitruste. Para se ter uma idéia de como o novo Windows trata sistemas e softwares de outros fabricantes e como produtores de PC terão de se sujeitar a Microsoft, segundo o The Wall Street Journal, para instalar um ícone de terceiros no desktop do novo sistema operacional, o fabricante será obrigado a incluir três ícones com produtos da empresa de Bill Gates.

Por outro lado aumentam as discussões acerca do sistema de ativação do Windows XP. O sistema possui uma "proteção" contra a pirataria que, argumenta-se, pode prejudicar os direitos de propriedade e privacidade dos consumidores. Por exemplo, se você instalar o novo sistema operacional no seu computador, deverá ativa-lo em até 30 dias ou seu sistema não funcionará mais. Para ativa-lo, não basta o código que vem com o sistema, mas sim um contato com a Microsoft (por telefone ou Internet), no qual se informará um número e se receberá um código gerado com base na identificação de peças de seu computador, impedindo que outra máquina use o mesmo software, pois a liberação guardará relação com os componentes da máquina onde foi instalado primeiro. Entre as dezenas de questões que esta exigência suscita, uma é especialmente preocupante: se você fizer uma manutenção em seu computador e trocar sua HD e sua placa de vídeo ao mesmo tempo, deverá identificar estes hardwares para a Microsoft e "provar" que seu Windows é legal, ou ficará sem ele. Em nosso país, essa exigência parece conflitar com os direitos básicos da relação de consumo, estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor e, em primeira análise, soa como uma cláusula abusiva no fornecimento de produtos, vedada pelo CDC em seu artigo 6º, IV.

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Sobre o autor
Sérgio Ricardo Marques Gonçalves

advogado integrante do escritório Correia Lopes & Gonçalves Advogados Associados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Sérgio Ricardo Marques. O Windows XP, a pirataria e os direitos dos consumidores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2422. Acesso em: 6 mai. 2024.

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