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O indivíduo como sujeito de direito internacional penal: o caso Omar Al-Bashir

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22/04/2013 às 17:34
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CONCLUSÃO

Há uma convergência na doutrina no sentido do reconhecimento do indivíduo como sujeito de Direito Internacional. Todavia, tendo em vista que existem diferentes graus de subjetividade jurídica nesse âmbito, ainda existem muitos debates sobre a forma de interação do indivíduo com esse plano jurídico. Na esfera do Direito Internacional Penal, especialmente por ser um ramo relativamente recente e a sua primeira estrutura jurisdicional permanente estar ainda se firmando, muitas questões são levantadas sobre a natureza, a legitimidade e a forma de vinculação do indivíduo às suas normas, bem como sobre como se dá a  responsabilização em razão delas. Nesse sentido, o caso de Omar Al-Bashir se mostrou bastante pertinente para o estudo que se propôs no presente trabalho, já que, além de ser um Chefe de Estado, seu país não é signatário do Estatuto que instituiu e rege o Tribunal Penal Internacional, mas mesmo assim sua persecução está sendo realizada.  

Um sujeito de Direito Internacional é aquele que é titular de direitos e pode contrair obrigações com base nessa esfera jurídica. Nesse sentido, os Estados são os principais sujeitos de Direito Internacional, uma vez que estas normas são voltadas para regular as relações entre eles, criando direitos e obrigações aos quais estão vinculados. Ainda, são eles mesmos os criadores destas normas, além de, via de regra, serem os entes que têm amplo acesso aos tribunais internacionais. Bem como os Estados, as Organizações Internacionais são reconhecidas como sujeitos de Direito Internacional, já que podem assinar tratados e estão obrigadas a se pautar conforme as normas de Direito Internacional. Todavia, é dito que sua subjetividade é derivada, já que sua própria existência é condicionada pela vontade dos Estados. Nesse sentido, o Estado seria o sujeito originário, enquanto as Organizações Internacionais seriam sujeitos derivados, tendo aquele o grau máximo de subjetividade neste âmbito, enquanto estas, apesar de não haver mais controvérsia sobre o fato de serem ou não sujeitos de direito, o são em um grau inferior ao daqueles.

Outras entidades, chamadas coletividades não estatais, como as coletividades beligerantes, a Santa Sé e a Cruz Vermelha, entre outras, são consideradas por grande parte da doutrina como sujeitos de Direito Internacional porque, em alguma medida, possuem direitos e obrigações criados por este. Assim como as Organizações Internacionais essas comunidades têm um menor grau de subjetividade e seu reconhecimento, bem como a amplitude dos seus direitos e obrigações, em geral, são definidas por normas determinadas pelos Estados. Mesmo assim, com base no conceito de que sujeitos são todos que são titulares de direitos e podem contrair obrigações, percebe-se que estas entidades se enquadram como tais, já que têm sua própria existência e suas relações regidas pelo Direito Internacional.

Os indivíduos, por sua vez, muito embora ainda existam autores que afirmam que não possuem subjetividade internacional, estão também vinculados a normas de Direito Internacional. Desde os primeiros estudiosos do Direito Internacional existe uma corrente de pensadores que defendem que, assim como os outros ramos do direito, este cria direitos e obrigações para os indivíduos, pois são estes que, no fim, formam e movimentam as sociedades e os Estados. Segundo a corrente contrária, os indivíduos não seriam sujeitos, pois, de uma forma ou de outra dependem dos Estados para interagirem com a esfera jurídica internacional, já que mesmo quando a eles é permitido acessar diretamente os tribunais internacionais, só irão conseguir fazê-lo se, de alguma forma, estiverem vinculados a um país que aceitou a jurisdição de tal tribunal. Esse argumento, entretanto, é rechaçado pelos autores que entendem que o fato de o indivíduo ter acesso direito às Cortes de Direitos Humanos, bem como poder ser individualmente punidos pelos Tribunais Penais Internacionais, é suficiente para lhe garantir o status de sujeito de Direito Internacional, já que nesses casos, estaria de acordo com a definição mais aceita do que é um sujeito de direito.

Concluiu-se, desta forma, no primeiro capítulo do trabalho que, tendo em vista a possibilidade do acesso direto de indivíduos a algumas cortes internacionais de Direitos Humanos, notadamente a CEDH e, o fato de indivíduos poderem ser punidos como tais pelos tribunais penais internacionais, mesmo sem a aceitação formal do Estado ao qual estão vinculados (como no caso Al-Bashir), o indivíduo pode ser considerado sujeito de Direito Internacional. Esta subjetividade não está no mesmo grau que a dos Estados, mas é suficiente para lhe garantir a possibilidade de ser sujeito ativo ou passivo perante cortes internacionais como pessoa física, sem a necessidade de endosso ou qualquer outro instituto de representação.

Muito embora tenha havido tentativas anteriores, a violação de deveres impostos pelo Direito Internacional ao indivíduo como tal, só pode ser punida por um órgão internacional ao final da II Guerra Mundial. Em Nuremberg, altos oficiais foram acusados e condenados por um tribunal criado pela vontade conjugada de vários Estados que reconheceu como crimes contra a humanidade, várias das condutas praticadas por estes indivíduos. Não foram aceitas como excludentes da responsabilidade alegações de que os fatos foram praticados como atos de Estado ou sob ordens superiores. Deste modo, permitiu-se pela primeira vez que indivíduos fossem punidos criminalmente por crimes internacionais e por uma justiça internacional institucionalizada. De modo parecido, foram realizados na mesma época também os julgamentos em Tóquio. A partir daí se iniciou o desenvolvimento concreto de uma justiça internacional penal que seria responsável por punir indivíduos que praticassem crimes condenados pela comunidade internacional como um todo.

Apesar desse início, no período pós-guerra, não houve desenvolvimento no sentido da concretização de uma justiça internacional penal permanente, tendo em vista o cenário criado pela Guerra Fria. Foi apenas na década de 1990 que se voltou a estudar a possibilidade de criação de um Tribunal Penal Internacional permanente. Enquanto este não saia do papel, a partir de duas resoluções do Conselho de Segurança da ONU foram criados os tribunais ad hoc para ex-Iugoslávia e para Ruanda, que continuam funcionando até hoje. Algum tempo depois, enfim, em 1998, foi aprovado o Estatuto de Roma para o Tribunal Penal Internacional, sendo que este só entrou em vigor em 2002, após a sexagésima ratificação.

O Estatuto para o Tribunal Penal Internacional tentou sanar as maiores críticas feitas aos seus antecessores, mas não atingiu as expectativas de muitos entusiastas da idéia. Entretanto, tendo em vista a sua natureza, o fato de ter sido aprovado, entrado em vigor e o Tribunal ter sido instalado e estar funcionando, já é uma grande vitória. Assim como em Nuremberg, no TPI não é aceito, em geral, como excludente, o fato de um indivíduo agir em nome do Estado ou sob ordens de superiores. O Estatuto deixou bem claro, ainda, que é competente para julgar pessoas físicas. Uma questão controversa, entretanto, e que foi motivo de muitos debates na conferência de Roma, foi a delimitação da competência territorial do TPI. A regra geral é que ele pode julgar crimes ocorridos no território dos países signatários, ou praticados por nacionais destes países. Por outro lado, no caso da ocorrência de crimes previstos no Estatuto em um país não signatário do mesmo, o Conselho de Segurança pode agir com base no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas e submeter o caso ao TPI, podendo, como fez no caso do Sudão, determinar que sejam investigados os fatos desde a data em que o Estatuto entrou em vigor. Desta forma, criou-se uma possibilidade de ampliação da jurisdição do Tribunal para uma abrangência quase que universal.  

Essa evolução histórica da justiça internacional penal, demonstrada no segundo capítulo, serviu para evidenciar como se deu o desenvolvimento do Direito Internacional Penal e, consequentemente, a possibilidade de punição de indivíduos por violações ao Direito Internacional por um órgão jurisdicional internacional. Além disso, ficou claro que estes tribunais visavam punir especificamente os indivíduos, e não os Estados ou grupos aos quais estavam vinculados, demonstrando o caráter de vinculação individual das normas penais internacionais.

Nesse sentido, visando à responsabilização individual dos culpados pelas atrocidades cometidas na região de Darfur, no Sudão, o Conselho de Segurança da ONU submeteu a situação deste país ao TPI. No caso, em razão de problemas de terras e políticas protecionistas com relação a alguns grupos, os outros, que se sentiam rechaçados pelo governo, organizaram-se em grupos que faziam ataques contra estruturas estatais. Sob a justificativa de que estavam apenas contra-atacando e defendendo as estruturas do Estado, o governo o os grupos que o apoiavam iniciaram atividades que extermínio de populações, não só por meio de assassinatos, mas especialmente pela destruição de cidades e vilas e dos meios de sobrevivência dessas populações, forçando-as a se deslocarem para países vizinhos ou regiões com poucos recursos naturais. Omar Al-Bashir, como presidente do país, passou a ser investigado como perpetrador indireto de crimes contra a humanidade, genocídio e crimes de guerra, nos termos do Estatuto de Roma e contra ele já foram expedidos dois mandados de prisão.

Dessa forma, pode-se verificar que Omar Al-Bashir , como indivíduo, muito embora seu Estado não seja signatário do Estatuto de Roma, está sendo investigado e pode ser processado perante o TPI. No entanto, a possibilidade dele ser processado por estes crimes, pode ser justificada pela natureza de jus cogens das normas que proíbem a prática de tais crimes e, portanto, permitem a sua persecução. Os crimes considerados reprováveis pelo jus cogens são considerados crimes cometidos contra a comunidade internacional como um todo e, portanto, ensejariam a aplicação da jurisdição universal. Defenderam alguns, que em razão dessa prerrogativa de jurisdição universal criada pelo jus cogens para os Estados, estes poderiam transferi-la para o TPI, mas isso não foi aceito no Estatuto de Roma. Por outro lado, foi concedido o poder ao Conselho de Segurança, o qual estaria legitimado pela Carta das Nações Unidas, para submeter casos ao Tribunal, mesmo quando se relacionem especificamente a um Estado não-signatário. Desse modo, além de o Conselho de Segurança estar legitimado a submeter o caso por força da Carta da ONU, a natureza de jus cogens dos crimes investigados, considerados assim existentes inclusive antes da entrada em vigor do Estatuto, justificariam a permissão de que casos anteriores à Resolução que os submeteu ao Tribunal possam ser investigados e julgados por este.

De outro enfoque, a questão da vinculação do indivíduo ao Estatuto de Roma pode ser analisado com base na verificação da natureza deste tratado. As normas ali contidas podem ser substantivas ou jurisdicionais. Se consideradas substantivas, isso implicaria, no caso do Sudão, que não poderiam ser aplicadas antes da aprovação da Resolução do Conselho de Segurança, sob pena de se estar violando o princípio de nullum crimen sine lege. Por outro lado, se o Estatuto for considerado como uma norma jurisdicional, os crimes imputados aos acusados seriam aqueles reprovados pelo direito consuetudinário e não os do Estatuto e dariam margem para que a defesa alegasse que determinadas condutas imputadas aos acusados não eram normas de direito consuetudinário e, portanto, eles não poderiam ser punidos por elas. Entendeu-se, sobre isso, que no caso das competências gerais do TPI, as normas devem ser consideradas substantivas, mas no caso das situações submetidas pelo Conselho de Segurança, as normas devem ser consideradas jurisdicionais e a imputação dos crimes deve se dar com base no direito consuetudinário e não nos descritos no Estatuto.  

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Além disso, as normas de Direito Internacional Penal trouxeram uma nova perspectiva de responsabilização dentro do Direito Internacional. Pelo Direito Internacional, normalmente, as sanções aplicadas a algum delito cometido por um de seus sujeitos é aplicada coletivamente, ou seja, quando um Estado é punido, todos os indivíduos a ele vinculados acabam sendo punidos junto, mesmo que em nada tenham contribuído para o delito. Desta forma, assim como o direito interno evoluiu de um direito primitivo pautado na auto-ajuda a na responsabilização coletiva para um direito de responsabilização individual, o Direito Internacional segue no mesmo caminho. Entretanto, tendo em vista as peculiaridades da esfera internacional, nesse âmbito a responsabilização coletiva e a responsabilização individual são vistas como complementares.

De tal modo, com base no caso narrado e nas reflexões tecidas, pode-se, ao final do terceiro capítulo, enfim analisar a questão do indivíduo como sujeito do Direito Internacional Penal, com base no caso de Omar Al-Bashir, e responder a questão de como pode o indivíduo ser vinculado e responsabilizado com base nesse ramo do direito.

Concluiu-se, então, que os crimes imputados ao presidente do Sudão têm natureza de jus cogens e, portanto, considerados cometidos contra a comunidade internacional como um todo. Nesse sentido, sua persecução também era uma norma imperativa de direito. Já que na prática seria praticamente impossível algum Estado evocar o princípio da jurisdição universal para investigar e punir os crimes por ele cometidos, mostrou-se pertinente a possibilidade de o Conselho de Segurança da ONU poder submeter tal caso ao Tribunal Penal Internacional, e, assim o fazendo, investiu o tribunal de legitimidade para efetuar o julgamento do caso. Além disso, conforme a análise feita da natureza do Estatuto, percebeu-se que, para que haja coerência no que ali está descrito, é necessário que no caso de Al-Bashir suas normas sejam entendidas como jurisdicionais – ou seja, os crimes a ele imputados devem ser os do direito consuetudinário e não os tipificados no Estatuto – para que ele possa ser processado por crimes cometidos antes da adoção da Resolução pelo Conselho, para não haver ofensa ao princípio nullum crimen sine lege. Por fim, verificou-se a importância da passagem da responsabilização coletiva para a responsabilização individual no âmbito do Direito Internacional, pois, muito embora ainda não tenha havido o julgamento de Al-Bashir, a possibilidade de punição individual de um Chefe de Estado por crimes cometidos no território do seu próprio país, pode ser visto como uma forma de intimidar outros criminosos deste porte, que se sentiam imunes a qualquer responsabilização por sua posição privilegiada diante do Direito Internacional tradicional.

O indivíduo, por mais que não esteja diretamente vinculado a um tratado internacional, está vinculado ao Direito Internacional, especialmente às normas jus cogens, e pode, portanto, ser punido individualmente, qualquer que seja a sua posição, pelas violações que praticar. Enfim, muito embora na prática ainda não possam ser sentidos os resultados das atividades do Tribunal Penal Internacional, espera-se que o vislumbre da possibilidade de uma eventual punição individual por líderes governamentais, chefes de grupos armados ou exércitos revolucionários, entre outros, sirva como motivo de reflexão e permita que muitos deles enxerguem um caminho mais pacífico para resolver as suas mazelas, poupando inúmeros inocentes e tornando o mundo mais pacífico e seguro.

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Sobre a autora
Arisa Ribas Cardoso

Mestranda em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina - PPGD/UFSC. Bacharel em Direito e em Relações Internacionais pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Arisa Ribas. O indivíduo como sujeito de direito internacional penal: o caso Omar Al-Bashir. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3582, 22 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24245. Acesso em: 19 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho apresentado como monografia de conclusão do curso de Direito em novembro de 2011 na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.

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