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Breves considerações acerca do Incidente de Deslocamento de Competência (IDC)

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30/04/2013 às 15:26
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3. Outros “deslocamentos” no Direito brasileiro

Conforme se observa, o deslocamento de competência não é inovação em nosso ordenamento jurídico.

Primeiramente, trazemos o instituto processual penal do desaforamento, hipótese de deslocamento de competência prevista somente nos processos do Tribunal do Júri, através da qual o réu será submetido a julgamento perante comarca diversa.

Em suma, com fundamento nos arts. 427 e 428 do Código de Processo Penal, poderá haver o desaforamento nas seguintes situações: quando o interesse da ordem pública o determinar; se houver dúvida sobre a imparcialidade do Júri ou sobre a segurança pessoal do réu ou se o julgamento não se realizar em razão do comprovado excesso de serviço no período de seis meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia, desde que para a demora não haja concorrido o réu ou a defesa.

Neste último caso, o desaforamento deverá ser requerido pelo réu ou pelo membro do Ministério Público, em todos os outros também poderá haver representação do juiz, sempre com audiência da defesa, nos termos da súmula 712 do Supremo Tribunal Federal: “é nula a decisão que determina o desaforamento de processo da competência do Júri sem audiência da defesa”.

Para o interesse da ordem pública, é preciso que haja fundados motivos de que a ocorrência do julgamento causará riscos à tranqüilidade no local da comarca onde o júri seria realizado. No tocante à imparcialidade do corpo de jurados, motivo principal para o deferimento do pedido, não bastam meras suposições de parcialidade, é preciso que reste demonstrada a tendência da população local a uma determinada postura, em razão do repúdio e da comoção que o crime causou.

Acerca dos motivos ensejadores do desaforamento, esclarece Guilherme de Souza Nucci:

Não basta, para essa apuração, o sensacionalismo da imprensa do lugar, muitas vezes artificial e que não reflete o exato sentimento das pessoas. O juiz pode apurar tal fato ouvindo as autoridades locais (polícia civil, polícia militar, Ministério Público, entre outros). Pode-se, ainda, incluir nesse contexto o volume excessivo de feitos a ser julgado, que, com certeza, determinará atraso considerável, provavelmente superior a um ano, causando revolta e grande possibilidade de rebelião nos estabelecimentos penitenciários, especialmente no que se refere aos réus presos. Assim, vislumbrando tal hipótese, pode o magistrado ou qualquer das partes solicitar o desaforamento. Essa situação não afasta a aplicação, obviamente, do processo levar mais de um ano para ser julgado, como previsto no parágrafo único do art. 424. Entretanto, a diferença entre um motivo e outro é que, no parágrafo único, prevê-se, unicamente, o atraso de mais de um ano, sem a necessidade de prova de efetivo comprometimento à ordem pública.[13]

Mais adiante, afirma:

A notoriedade da vítima ou do agressor não é, por si só, motivo suficiente para o desaforamento. Em muitos casos, homicídios ganham notoriedade porque a vítima ou o agressor – ou ambos – são pessoas conhecidas no local da infração, certamente provocando o debate prévio na comunidade a respeito do fato. Tal situação deve ser considerada normal, pois é impossível evitar que pessoas famosas ou muito conhecidas, quando sofrem ou praticam crimes, deixem de despertar a curiosidade geral em relação ao julgamento. [14]

A decisão do desaforamento pertence ao tribunal de hierarquia jurisdicional competente, pois importa em modificação de competência, envolvendo comarcas distintas e, conseqüentemente, juízos distintos. Deferida a alteração de competência o processo deverá ser encaminhado à comarca mais próxima.

Sobre a constitucionalidade do instituto, também se pronunciou Guilherme Nucci:

Não há ofensa ao princípio do juiz natural, porque é medida excepcional, prevista em lei, e válida, portanto, para todos os réus. Aliás, sendo o referido princípio uma garantia à existência do juiz imparcial, o desaforamento se presta justamente a sustentar essa imparcialidade, bem como a garantir outros importantes direitos constitucionais (como a integridade física do réu e a celeridade no julgamento). [15]

Além do desaforamento previsto no processo penal, verifica-se a previsão do art. 144, § 1º, da Constituição Federal, segundo o qual a polícia federal destina-se a apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija representação uniforme, segundo se dispuser em lei.

Nessa esteira, a Lei nº. 10.446/02 possibilita ao Departamento de Polícia Federal do Ministério de Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição, em especial das polícias militares e civis dos Estados, proceder à investigação de determinadas infrações penais, constando no rol as relativas à violação aos direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte.

A diferença substancial para a inovação da EC n. 45 de que aqui se trata é que, não há, na hipótese da Lei n. 10.446/02, a substituição da polícia civil pela polícia federal, mas atuação conjunta e simultânea das duas instituições. Já no tocante ao incidente de deslocamento de competência, em que o Ministério Público Federal e a Justiça Federal efetivamente substituem os respectivos órgãos estaduais.

Por último, como medida mais traumática, visando assegurar a observância dos direitos da pessoa humana, o art. 34, inciso VII, alínea b, da Constituição Federal, permite à União intervir nos Estados e no Distrito Federal, mitigando a autonomia dos entes federativos, preconizada no art. 18, caput, da Lei Maior.

 Um dos pressupostos para a decretação da intervenção federal pelo Chefe do Executivo é a ação direta de inconstitucionalidade interventiva, proposta pelo Procurador-Geral da República, perante o Supremo Tribunal Federal. Esta será indispensável nos casos em que se almeja a decretação da intervenção para assegurar a observância aos chamados princípios sensíveis constitucionais, quais sejam: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública direta e indireta; e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações de serviços públicos de saúde.

Consoante observação de Alexandre de Moraes:

A ação direta interventiva possui dupla finalidade, pois pretende a declaração de inconstitucionalidade formal ou material da lei ou ato normativo estadual (finalidade jurídica) e a decretação de intervenção federal no Estado-membro ou Distrito Federal (finalidade política), constituindo-se, pois, um controle direto, para fins concretos, o que torna inviável a concessão de liminar.[16]

Ainda sobre a ADIN interventiva, o mesmo autor afirma:

A decretação da intervenção federal será sempre realizada pelo Presidente da República (CF, art. 84, X), porém na presente hipótese dependerá de requisição do Supremo Tribunal Federal, cujo Decreto se limitará a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade. Caso não seja suficiente, será decretada a intervenção, rompendo-se momentaneamente com a autonomia do Estado-membro.[17]

A intervenção federal, embora consista em meio idôneo para a proteção dos direitos humanos, por ser medida drástica, foi relegada quase ao esquecimento. Para atender aos mesmos objetivos, o incidente de deslocamento de competência mostra-se como uma forma mais sutil, entretanto, por ser instituto relativamente recente, só foi utilizado duas vezes, no caso do homicídio da missionária Dorothy Stang e do advogado e vereador pernambucano Manoel Mattos, assassinado na cidade de Pitimbu/PB.

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4. Conclusão:

Um dos grandes desafios da Reforma do Judiciário é transpor o abismo que existe entre o discurso teórico e a efetivação dos direitos fundamentais. Assim, dentre uma série de medidas, o incidente de deslocamento de competência pode ser entendido como um importante passo legislativo na concreção desses direitos, pois representa mais um instrumento do ordenamento jurídico, a fim de que os tribunais internos respondam eficientemente às graves violações.

Ademais, serve à preservação da responsabilidade internacional do Estado brasileiro perante as cortes e órgãos internacionais e ao estímulo a uma concorrência saudável entre os entes federativos no atinente a assegurar uma eficaz prestação jurisdicional. Todavia, esta última função só será efetivamente cumprida com a adequada utilização do incidente, respeitada a excepcionalidade da medida, sob pena de caracterizar inegável arbitrariedade e ingerência desmedida nos assuntos internos dos Estados-membros.


REFERÊNCIAS:

ARAS, Vladimir. Direitos Humanos: federalização de crimes só é válida em último caso. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2005-mai-17/federalizacao_crimes_valida_ultimo> Acesso em: 25 de fevereiro de 2013.

BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei n. 6647/2006, de 21 de fevereiro de 2006. Disponível em: <www.camara.gov.br/proposicoes>.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2003.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo e execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

PIOVESAN, Flávia; VIEIRA, Renato Stanziola. Federalização de crimes contra os direitos humanos: o que temer? Boletim IBCCRIM. São Paulo, maio / 2005, nº 150.

RENAULT, Sérgio Rabello Tamm; BOTTINI, Pierpaolo. Primeiro Passo. In: RENAULT, Sérgio Rabello Tamm; BOTTINI, Pierpaolo (Org.). Reforma do Judiciário. São Paulo: Saraiva, 2005.

TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro; ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. (Org.). Reforma do Judiciário analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005.


Notas

[1] RENAULT, Sérgio Rabello Tamm; BOTTINI, Pierpaolo. Primeiro Passo. In: RENAULT, Sérgio Rabello Tamm; BOTTINI, Pierpaolo (Org.). Reforma do Judiciário. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 5.

[2] ARAS, Vladimir. Direitos Humanos: federalização de crimes só é válida em último caso. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2005-mai-17/federalizacao_crimes_valida_ultimo> . Acesso em: 25 de fevereiro de 2013.

[3] ARAS, Vladimir. Direitos Humanos: federalização de crimes só é válida em último caso. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2005-mai-17/federalizacao_crimes_valida_ultimo> . Acesso em: 25 de fevereiro de 2013.

[4] PIOVESAN, Flávia. Reforma do Judiciário e Direitos Humanos. In: TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro; ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. (Org.). Reforma do Judiciário analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005, p. 78.

[5] Idem, p. 78.

[6] PIOVESAN, Flávia; VIEIRA, Renato Stanziola. Federalização de crimes contra os direitos humanos: o que temer? Boletim IBCCRIM. São Paulo, maio / 2005, nº 150. p. 123.

[7] ARAS, Vladimir. Direitos Humanos: federalização de crimes só é válida em último caso. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2005-mai-17/federalizacao_crimes_valida_ultimo. Acesso em: 25 de fevereiro de 2013.

[8] PIOVESAN, Flávia. Reforma do Judiciário e Direitos Humanos. In: TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro; ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. (Org.). Reforma do Judiciário analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005, pp. 80/81.

[9] ARAS, Vladimir. Direitos Humanos: federalização de crimes só é válida em último caso. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2005-mai-17/federalizacao_crimes_valida_ultimo> . Acesso em: 25 de fevereiro de 2013.

[10] Idem.

[11] ARAS, Vladimir. Direitos Humanos: federalização de crimes só é válida em último caso. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2005-mai-17/federalizacao_crimes_valida_ultimo> . Acesso em: 25 de fevereiro de 2013.

[12] BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei n. 6647/2006, de 21 de fevereiro de 2006. Disponível em: <www.camara.gov.br/proposicoes>. Acesso em: 9 de abril de 2013.

[13] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo e execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 693.

[14] NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 694.

[15] NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 693.

[16] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2003, p. 630.

[17] MORAES, Alexandre de. op. cit., pp. 630-631.

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Sobre a autora
Marcela Baudel de Castro

Procuradora Federal. Pós-graduada em Ciências Penais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Marcela Baudel. Breves considerações acerca do Incidente de Deslocamento de Competência (IDC). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3590, 30 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24267. Acesso em: 24 nov. 2024.

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