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O que é a Constituição?

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Abordam-se diversos conceitos de constituição, sob visão sociológica, histórica, institucional, jurídica e política, bem como suas funções, elementos e classificação.

INTRODUÇÃO

Conforme já indica o seu título, o presente artigo tem como objetivo lançar algumas luzes sobre o conceito de Constituição. Para tanto, abordar-se-ão tanto as concepções mais clássicas, que se confundem com a própria gênese do constitucionalismo, quanto as mais modernas, em que a Constituição assume diversas outras características que não lhe eram associadas até então.

Também serão discutidas algumas das funções desempenhadas pelas constituições, as diferentes espécies em que são classificadas, bem como os seus elementos textuais e normativos.


1 CONCEITO

Ao iniciar um estudo, a principal preocupação do jurista é identificar precisamente qual é o seu objeto. Quanto ao tema ora abordado, pode-se dizer que cada um dos constitucionalistas tem o seu próprio conceito.

Após intensas pesquisas, Manoel Gonçalves Ferreira Filho[1] atribui a Bollingbroke (A dissertation upon parties) o pioneirismo na utilização do termo Constituição em seu sentido atual.

José Afonso da Silva esclarece que “Constituição é a lei fundamental de organização do Estado, ao estruturar e delimitar os seus poderes políticos”[2].

Guilherme Peña de Moraes define:

“Constituição é um sistema de normas jurídicas, produzidas no exercício do poder constituinte, dirigidas precipuamente ao estabelecimento da forma de Estado, da forma de governo, do modo de aquisição e exercício do poder, da instituição e organização de seus órgãos, dos limites de sua atuação dos direitos fundamentais e respectivas garantias e remédios constitucionais e da ordem econômica e social”[3].

Por sua vez, Gisela Maria Bester entende que Constituição é o “documento político-jurídico por excelência de um Estado, que nos regimes democráticos é redigido, aprovado e publicado por uma Assembléia Constituinte eleita pelo povo”[4].

Dentre as diversas obras do direito estrangeiro, não se pode prescindir do magistério do professor José Joaquim Gomes Canotilho, que ensina, com o poder de síntese que lhe é peculiar, que a Constituição “é a obra fundacional do Estado”.

Desta breve pesquisa pode-se concluir que a Constituição ora é entendida como o documento que estabelece os principais aspectos da estrutura do Estado – a forma de Estado e de governo, o modo de exercício (e de limitação) do poder político – ora como um enunciado de direitos fundamentais. Em outros momentos, acrescenta-se que é ela que define os principais postulados de ordem econômica e social.

Por último, modernamente (e considerando em especial a nossa Constituição de 1988) pode-se dizer que ela é uma soma de todas estas características. Entretanto, a história do constitucionalismo demonstra que nem sempre foi assim.

Para compreender como pode um único fenômeno (social) ser definido com palavras tão diversas é necessário analisar alguns pontos fundamentais.

Inicialmente, deve-se acentuar que é a Constituição que estabelece a transição do Estado Absolutista para o Estado de Direito. De fato, se é possível afirmar que as características fundamentais dos regimes absolutistas eram a hereditariedade, a vitaliciedade e (principalmente) a irresponsabilidade do Chefe de Estado, não é menos verdadeiro que a Constituição é o instituto que visa limitar o exercício do poder estatal. Desta sorte, ao se definir Estado de Direito a referência (implícita ou explícita) é a da existência de uma Constituição que regulamente o poder político.

Esta foi a definição classicamente assinalada na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. A partir de então, passou-se a dizer que as normas materialmente constitucionais (ou seja, aquelas que se referiam a matérias tipicamente constitucionais) eram aquelas que tratavam dos limites do poder político e das garantias dos direitos individuais. Como exemplo, podem-se destacar as normas jurídicas que prescrevem a divisão territorial e funcional do exercício do poder político e aquelas que declaram (na acepção jusnaturalistas) ou que criam (segundo os juspositivistas) os direitos fundamentais.

Em contraposição às normas materialmente constitucionais, surge a denominação de normas “formalmente constitucionais”, ou seja, aquelas que constam de um instrumento fundamental, elaborado ou reformado por processo diferenciado, através do qual são veiculadas as normas de maior hierarquia. É importante observar que, a partir desta definição, todas as normas que se encontrem escritas no texto constitucional são formalmente constitucionais. Dentre estas, há as que são também materialmente constitucionais e as que são “apenas” formalmente constitucionais.

Assim ligada à figura do Estado, a Constituição se tornou importante foco das discussões políticas, sociológicas e, obviamente, jurídicas. Dentre os mais importantes debates, destaca-se aquele conduzido por Ferdinand Lassale, por Carl Schimitt e por Hans Kelsen. A cada um destes atribui-se uma diferente forma de conceber a natureza da Constituição.

Ferdinand Lassale constrói a concepção sociológica da Constituição. Em sua obra, afirma que a Constituição é a soma dos fatores reais do poder, assim entendidas as forças de índole política, econômica e religiosa que condicionam o ordenamento social. A partir desta definição, Lassale estabelece a dicotomia entre a Constituição formal (o documento escrito) e a Constituição real (a soma dos fatores reais de poder). Afirma o autor que, se contrariar a Constituição real, a Constituição escrita se torna “mera folha de papel”.

Para bem compreender a teoria de Lassale, é importante lembrar o momento histórico em que foi elaborada e publicada sua obra, qual seja, pouco tempo antes da eclosão da Revolução Francesa. Lassale elabora uma obra científica que defende, basicamente, que os fatores reais de poder devem estar representados na Constituição, sob pena de se autorizar a insurgência daquelas contra esta.

A concepção política da Constituição é elaborada por Carl Schimitt. Em sua obra, afirma que ela é a decisão política fundamental sobre a forma de ser de um Estado, vontade esta expressada pelo titular do poder constituinte.

Com base na dicotomia entre normas materialmente e formalmente constitucionais, Schimitt estabelece distinção entre a Constituição e as leis constitucionais, afirmando que estas, diferentemente daquela, são modificáveis.

Atribui-se a Hans Kelsen[5] a elaboração da concepção jurídica da Constituição. A construção lógica-jurídica deste autor se orienta pela tese de que toda norma jurídica busca seu fundamento de validade em uma outra norma que lhe é hierarquicamente superior.

Kelsen chega a utilizar a analogia com a figura de uma pirâmide para esclarecer o modelo de seu sistema jurídico[6]. Nesta simbologia, as normas de menor hierarquia ocupariam a base da “pirâmide normativa” e as de maior hierarquia se localizariam nos degraus superiores. Assim, o autor define a Constituição (positiva) como o documento jurídico que se situa no vértice de todo o ordenamento jurídico. Desta forma, todas – e absolutamente todas – as normas jurídicas buscam seu fundamento de validade, em última instância, na Constituição positiva.

Por via de conseqüência, em virtude de sua superioridade hierárquica, a Constituição se configura no parâmetro para a aferição da validade de todas as outras normas jurídicas, que são inválidas sempre que não estiverem em relação de conformidade com ela. Neste sentido, pode-se dizer que a Constituição estabelece limites às normas infraconstitucionais.

Além disso, a concepção jurídica define a Constituição, por assim dizer, como a “regra matriz” de todo o ordenamento jurídico. Isto porque é ela o pressuposto jurídico do processo de criação, modificação ou extinção do Direito Positivo. Como se percebe, a tese kelseniana permite que se considerem como normas materialmente constitucionais aquelas que tratam do processo legislativo – algo que era totalmente impensável para os primeiros constitucionalistas.

A respeito da tese de Kelsen, é importante fazer duas ressalvas.

A primeira consiste na advertência de que a Constituição positiva não é a norma hipotética fundamental (Grundnorm). Conforme se depreende da obra de Kelsen, a norma fundamental é um pressuposto lógico-jurídico. Segundo Norberto Bobbio, seu conteúdo se resume a dois comandos, quais sejam, “faça o poder constituinte originário uma Constituição” e “obedeçam a tudo o que está na Constituição”. Diferentemente, a Constituição positiva é um documento jurídico elaborado pelo poder constituinte originário.

A derradeira ressalva é, na verdade, a crítica comumente associada à concepção jurídica. Conforme se deduz da tese kelseniana, a Constituição positiva é um conjunto de normas básicas postas, de conteúdo eminentemente técnico. Assim, a Carta Magna não tem qualquer correspondência necessária com as aspirações sociais ou mesmo com o fato de ter sido estabelecida por uma vontade política superior em um determinado momento histórico.

Anos depois, Konrad Hesse (A força normativa da Constituição) opõe algumas ressalvas ao raciocínio que poderia derivar da teoria de Lassale. Assinala o autor que é constante a tensão entre a Constituição real (complexo de fatores reais de poder) e a Constituição jurídica (normas jurídicas que ocupam o mais alto grau hierárquico). Como uma de suas principais conclusões, pontifica que as duas entidades se limitam reciprocamente e que a prevalência absoluta de qualquer delas pode levar a situações absurdas: se a jurídica não tiver qualquer correlação com a real, identifica-se a flagrante ilegitimidade do poder constituído; se a real sempre superar a jurídica, pode-se afirmar que esta não é dotada de supremacia – já que sempre se dobra diante das forças políticas que deveria controlar.

A par destas três concepções principais, podem-se identificar várias outras, construídas a partir da supervalorização de alguma das características da Constituição.

É assim que se fala que a concepção jusnaturalista define a Constituição como um complexo de princípios de Direito Natural, principalmente os direitos fundamentais da pessoa humana. De outro passo, os juspositivistas entendem que ela é um conjunto de normas de direito positivo, sem apreciaçãio de nenhum elemento axiológico.

Em uma perspectiva historicista, a Constituição é o efeito de um processo histórico, com consideração de todas as relações econômicas, políticas e sociais.

Na doutrina marxista, ela é a expressão da supra-estrutura ideológica, condicionada pela infra-estrutura econômica em certo Estado.

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Por  outro lado, na ótica institucionalista a Constituição é a forma de manifestação de idéias duradouras existentes em determinada sociedade. De forma semelhante, a concepção estruturalista assinala que a Constituição é resultado das estruturas sociais, equilibradora das relações políticas e da sua transformação.

Aproximando-se do campo sociológico, a doutrina culturalista afirma que a Constituição é um fato social, intimamente ligado à filosofia dos valores.

Por derradeiro, a concepção dirigente define-a como um programa de atuação dos poderes públicos a ser implementado no futuro.

Diante desta diversidade de conceituações, pode-se afirmar que a Constituição é um pouco de cada uma destas coisas, mas não apenas uma delas. Fenômeno complexo, multifacetado, impede que o jurista adote uma única tese para compreendê-la em sua integralidade. Assim, pode-se dizer que cada uma destas concepções está correta em parte e que a impropriedade de todas elas é a pretensão de serem (cada uma delas) a única verdadeira.


2 FUNÇÕES DA CONSTITUIÇÃO

Pode-se dizer que a cada uma das concepções destacada no item anterior corresponde uma função da Constituição. Entretanto, de modo um pouco mais didático, devem ser destacadas três.

Diz-se que a Constituição tem função de unificação quando se coloca em relevo a sua posição de fundamento de validade de todas as outras normas jurídicas. Aqui, importa notar que é ela quem atribui congruência ao sistema jurídico, reunindo as diversas fontes de produção do direito, para que elas apareçam como expressão de um mesmo pensamento, partes de um ordenamento único. Esta função tem como expressão a máxima de que o processo de produção do direito se inicia na Constituição.

Além disso, pode-se dizer que a Constituição também tem a função de garantia, assegurando a estabilidade das relações na sociedade e preservando o desenvolvimento da vida estatal nas formas e modos considerados mais idôneos para a realização do princípio organizador do ordenamento jurídico. Esta função guarda íntima relação com a rigidez constitucional: as normas mais importantes não devem ser mudadas tão facilmente e, exatamente por isso, são colocadas na Constituição.

Por último, a Constituição também tem como função manter o respeito ao fim essencial que serve para identificar um tipo de Estado frente às mudanças das instituições individuais ou orientações particulares. Nesta hipótese, fala-se na função de identificação.


3 ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO

Tratando especificamente da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pode-se analisar a sua estrutura em dois aspectos, quais sejam, o de seus elementos textuais e normativos.

Quanto à estrutura textual, identifica-se na Constituição um preâmbulo, mensagem do poder constituinte originário e que antecede os dispositivos constitucionais propriamente ditos. Além disso, ela tem um corpo permanente (normas que têm a vocação de perenidade) e um corpo transitório. Entre nós, este último é denominado Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e é composto de regras cuja eficácia é limitada no tempo. São normas destinadas principalmente a estabelecer a transição da ordem constitucional anterior para a nova.

Ao analisar a organização dos seus dispositivos, verifica-se que a Constituição os agrupa em alguns títulos, que são posteriormente desdobrados em capítulos, seções e subseções. Dentro destes grupos é que se localizam os artigos: estes, os dispositivos constitucionais propriamente ditos. Os artigos contêm sempre um enunciado, denominado caput e, por diversas vezes, subdividem-se em parágrafos (numerados após o símbolo gráfico “§”), incisos (sinalizados por algarismos romanos) e alíneas (indicadas por letras do alfabeto).

É importante notar que os incisos têm maior interligação temática com o caput dos artigos e que os parágrafos têm maior autonomia.

Quanto à estrutura normativa ainda é de se observar que a Lei Complementar 95 determina que qualquer dispositivo que for acrescentado a texto de norma em vigor (aí incluída a Constituição) deverá ser numerado a partir do dispositivo imediatamente antecedente, fazendo-se inserir uma letra logo em seguida. Para esclarecer o dispositivo da Lei, exemplifique-se que um novo artigo inserido logo após o artigo 95 seria denominado 95-A. Caso fossem dois novos dispositivos inseridos logo após o artigo 95, tratar-se-iam de 95-A e 95-B.

Superadas estas questões, trate-se da estrutura normativa da Constituição. Segundo o professor José Afonso da Silva[7], em classificação que é seguida por grande parte da doutrina brasileira, os dispositivos constitucionais podem ser agrupados dentre algumas espécies, conforme a sua própria natureza.

A primeira espécie seria a dos elementos orgânicos, aqueles que definem a própria estrutura do Estado. São exemplos destes os artigos compreendidos nos títulos III e IV da Constituição de 1988.

Há também os elementos limitativos, que estabelecem um espaço de não-intervenção do Estado, ou seja, limites à sua atuação. São as normas que tratam dos direitos fundamentais. Como exemplo, podem-se indicar os vários incisos do artigo 5º.

Além destes, podem ser identificados os elementos sócio-ideológicos, que expressam o compromisso do Estado com determinados princípios ideológicos. Exemplificativamente, podem-se citar os dispositivos da ordem social.

Os dispositivos constitucionais que prevêem instrumentos jurídicos para a solução dos conflitos inter-institucionais, de defesa do Estado e das instituições democráticas são denominados - elementos de estabilização constitucional. É o caso dos estados de sítio e de emergência.

Por derradeiro, pode-se falar nos elementos formais de aplicabilidade, que visam possibilitar a aplicação dos próprios dispositivos constitucionais. Dentre outros, pode ser citada a regra constante do parágrafo 1º. do artigo 5º.

Nota-se que a cada um dos elementos normativos incumbe uma função específica no sistema constitucional.


4 CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES

Superadas as questões da conceituação, das funções e dos elementos das Constituições, analisem-se algumas das classificações que mais freqüentemente se lhes aplicam. Inicialmente, importa mencionar que não há classificações essencialmente corretas ou erradas, boas ou ruins: há, isto sim, classificações mais ou menos úteis. Desta sorte, as próximas linhas contemplarão as especiações mais mencionadas no cotidiano acadêmico e profissional.

Quanto ao conteúdo das Constituições, o professor José Joaquim Gomes Canotilho[8] ensina haver as reais, as materiais e as formais. As primeiras expressam as forças políticas predominantes em um determinado momento histórico (fatores reais de poder). As segundas são aquelas que se resumem a trazer materialmente constitucionais. Segundo a denominação clássica, incluem-se entre estas as normas que tratam da estrutura do Estado e da forma de exercício do poder e de acordo com Hans Kelsen, todas aquelas que “regulam a produção de normas jurídicas gerais”[9]. Já as Constituições formais são aquelas que agrupam várias normas, independentemente da circunstância de tratarem de matéria tipicamente constitucional.

Enfocando a forma das Constituições, pode-se dizer que há as escritas, em que as regras e os princípios constitucionais estão codificados em um texto único e as não escritas, em que estas normas estão em textos esparsos, na jurisprudência e nos costumes. A este respeito, importa fazer uma observação. Segundo vários doutrinadores, a classificação quanto à forma das constituições apenas levaria em consideração a circunstância de os seus dispositivos constarem ou não de um texto escrito. Entretanto, esta definição parece não ser a melhor, já que a própria Constituição Inglesa (apontada por todos os doutrinadores como exemplo de Constituição não-escrita) é composta por vários textos  escritos, tais como a Magna Carta e o Petition of rights.

Ainda sobre este aspecto, importa observar que prevalecem as Constituições escritas na atualidade. Tal fato parece se dever a três fatores principais. O primeiro, uma crença na superioridade da lei escrita sobre o costume. O segundo, a imagem simbólica de “renovação de Contrato Social”, que representa a quebra do regime até então estabelecido (idéia advinda das Revoluções). Por último, a idéia forjada no século XVIII, de que a Constituição é um instrumento de educação política.

Abordando agora o modo de elaboração das Constituições, podem-se classificá-las em dogmáticas, que são elaboradas por órgão constituinte (que insere no texto constitucional os valores então predominantes) e em históricas, ou costumeiras, que  são produto da evolução histórica. Nesse sentido, observa-se uma íntima relação entre a classificação em função do modo de elaboração e a forma das Constituições: as não-escritas são históricas e as escritas são dogmáticas.

Quanto à sua origem, fala-se em Constituições populares (democráticas, promulgadas ou votadas) e outorgadas. Aquelas são as elaboradas por órgão constituinte integrado por representantes eleitos pelo povo e estas, elaboradas sem a sua participação.

Enfocando a sua extensão (quantidade de dispositivos), as Constituições podem ser sintéticas, quando dispõem apenas sobre aspectos fundamentais de organização do Estado ou analíticas (prolixas), que tratam de vários outros aspectos, que poderiam até mesmo ser objeto de legislação infraconstitucional.

Quanto à sua dogmática as Constituições são classificadas em ortodoxas (simples) e em ecléticas (complexas ou compromissórias). As primeiras são as que foram influenciadas por uma só ideologia e as segundas, por várias ideologias. Nestas se estabelece um compromisso entre as diversas forças políticas.

Prosseguindo, pode-se diferenciar as Constituições em função de sua estabilidade. Esta é uma das classificações mais empregadas na prática e, por isso, uma das mais importantes. Nesse ponto, denominam-se rígidas aquelas constituições que determinam um procedimento especial (mais exigente) para a aprovação de emendas constitucionais. Diferentemente, são flexíveis aquelas que não exigem procedimento especial para sua modificação. Desta sorte, o parlamento é identificado como manifestação permanente do poder constituinte originário e a Constituição é alterada da mesma forma que o são as normas infraconstitucionais. Como terceira espécie, surgem as constituições semi-rígidas (semi-flexíveis). Nestas, algumas normas constitucionais exigem um procedimento especial de aprovação e outras, não. Como um dos raros exemplos pode ser citada a Constituição Brasileira de 1824.

Além destas três espécies, há autores que colacionam as constituições “imutáveis”, que têm apenas valor histórico. Dentre estas, mencionam o Código de Hamurábi e a Lei das XII Tábuas. É importante observar que, a rigor, estes dois exemplos sequer podem ser considerados Constituições segundo o conceito clássico, ora empregado.

Por último, há autores que identificam as constituições “super-rígidas”, que contêm uma parte que jamais pode ser alterada. Não obstante a utilidade prática desta espécie, parece haver aqui uma confusão entre a classificação conforme a estabilidade das constituições e a limitação do poder constituinte derivado.

Quanto ao seu modelo, pode-se falar em constituições-garantia, constituições balanço e constituições dirigentes.

As primeiras são as do modelo clássico, que se restringem a limitar o exercício do poder e a garantir alguns direitos individuais.

As segundas são típicas do modelo soviético. Ali cabia à Constituição registrar e descrever a ordem política, econômica e social, refletindo a luta de classes. Como esses fatores evoluem, a Constituição deveria representar um “balanço” das condições existentes: a cada novo estágio no rumo da construção do comunismo, uma nova Constituição seria promulgada.

Já as Constituições dirigentes são aquelas que, além de delimitar o exercício do poder e de garantir direitos individuais, estabelecem um programa que orienta as atividades do governo. Esta classificação chegou até o Brasil pelas obras do professor José Joaquim Gomes Canotilho[10]. Manoel Gonçalves Ferreira Filho[11] tece uma severa crítica a esta espécie: estabelecendo metas, a Constituição pode se tornar anti-democrática. Isto porque as metas são estabelecidas em um dado momento histórico, por um determinado consenso. No entanto, este consenso pode não se manter ao longo das gerações futuras: “é lícito a uma geração determinar os rumos da outra?”.

Por último, podem-se classificar as constituições em função da sua concordância com a realidade. Nesse sentido, aquelas que controlam efetivamente o exercício do poder político – ou aquelas em que “o processo do poder se adapta às exigências da Constituição” – são denominadas normativas. As constituições nominais são as que não controlam efetivamente o exercício do poder político e sua natureza se resume a uma “finalidade educativa”. Há também as constituições semânticas, em que apenas se formalizam o modo de exercício do poder político existente.

Como se percebe, cada uma destas classificações se refere a um diferente critério. Conseqüentemente, cabe ao jurista utilizar aquelas que julgar mais adequadas ao estudo a empreender.

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Sobre o autor
Alexandre Magno Borges Pereira Santos

Mestre em Direito Público, Pós-graduado em Direito Processual Civil, Procurador Federal (AGU)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Alexandre Magno Borges Pereira. O que é a Constituição?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3678, 27 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24418. Acesso em: 26 abr. 2024.

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