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Sujeitos do Direito Internacional: Santa Sé e Vaticano

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11/05/2013 às 14:24
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6. Considerações finais

Com arrimo no exposto, é possível concluir:

a) O Direito Internacional depois de 1945 foi alargado, percebendo-se o aumento de temas e objetos de estudo. O rol de sujeitos é revisto, ou seja, a personalidade internacional é ampliada.

b) Modernamente, percebe-se que a delimitação de um sujeito tem sido feita de acordo com as noções de titular de direitos e de destinatário das normas internacionais.

c) É importante compreender os institutos da personalidade internacional e da capacidade internacional. A personalidade pode ser compreendida como uma forma de pré-habilitação para ser considerado sujeito com capacidade de manter relações jurídicas ou de ser titular de direitos no plano externo.

d) Como não há fonte escrita definidora de quem ostenta a condição de sujeito, foram desenvolvidas três correntes: a clássica (ou estadualista), a individualista e a eclética (ou heteropersonalista). Esta última é a mais aceita e prima pela existência de mais de um sujeito, aceitando a co-existência de personalidade dos Estados, dos indivíduos e das organizações internacionais, permitindo a inserção de outros.

e) Em relação à Santa Sé e ao Vaticano há posicionamentos dissonantes na doutrina. O binômio – ou até mesmo trinômio para alguns (Santa Sé, Igreja Católica e Vaticano) – não é pacífico. Parte-se da premissa de que são dois entes distintos, ambos com personalidades jurídicas próprias. A aquisição de suas personalidades jurídicas é fenômeno sui generis.

f) A Santa Sé personifica a Igreja Católica. A sede da Igreja Católica localiza-se dentro da cidade do Vaticano. O Estado da Cidade do Vaticano, criado pelos Tratados de Latrão de 1929, está totalmente cercado pelo território italiano, o que se denomina enclave.

g) Destacam-se duas funções do Papa: uma como Chefe da Igreja Católica, ou seja, da Santa Sé, e outra como Chefe de Estado, do “Estado da Cidade do Vaticano”.

h) O Estado do Vaticano é instrumento da Igreja Católica, estando, dessa maneira, a serviço da Santa Sé.

i) Como qualquer outro Estado, o do Vaticano possui Lei Fundamental, território próprio e governo soberano. Mas, a despeito de tais semelhanças, ele possui peculiaridades que o galgam ao posto de Estado anômalo.

j) O Estado instrumental em questão é teocrático (elemento teleológico), suas finalidades são essencialmente religiosas e não possui nacionais.

k) Quanto ao reconhecimento da personalidade jurídica internacional, em relação à Santa Sé, individualmente considerada, não se encontra muita resistência para considerá-la sujeito do Direito Internacional.

l) Já quanto ao Estado do Vaticano, pairam oscilações doutrinárias. Todavia, de todo o exposto, é possível concluir que a Santa Sé é sujeito e o Estado, embora instrumental, com elemento constitutivo faltante ou remodelado, pode também ser encaixado como sujeito do Direito Internacional, na condição de Estado anômalo.


Bibliografia

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina, 2000.

GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

MACHADO, Diego Pereira. Direitos Humanos. Salvador: Juspodivm, 2013 (prelo).

_____. Direito Internacional e Comunitário para concurso de Juiz do Trabalho. 2 ed. São Paulo: Edipro, 2012.

MACHADO, Jónatas E. M. Direito Internacional: do paradigma clássico ao pós-11 de setembro. 3 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2006.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público. 10 ed. Coimbra: Almedina, 2010.

NEVES, Gustavo Bregalda. Direito Internacional. São Paulo: Saraiva. 2009.

PEREIRA, André Gonçalvez; QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Internacional Público. 3 ed. Coimbra: Almedina, 1993.

PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado: incluindo noções de direitos humanos e direito comunitário. 2 ed. Salvador: Podivm, 2010.

REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

SOARES, Guido. Curso de Direito Internacional Público. V. 1. São Paulo: Atlas, 2002.


Notas

[1] Para maiores detalhes, vide: Jornal: rede de sexo e corrupção do Vaticano levaram à renúncia do Papa. Disponível em: http://noticias.terra.com.br/mundo/europa/renuncia-do-papa/jornal-rede-de-sexo-e-corrupcao-do-vaticano-levaram-a-renuncia-do-papa,0efaa05121dfc310VgnCLD2000000 dc6eb0aRCRD.html. Acesso em 09/05/2013.

[2] Conforme Annuario Pontificio, publicado anualmente pela Libreria Editrice Vaticana, p. 23, edição do ano de 2009.

[3] Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948: instituída pela Resolução 217-A/III da Assembleia-Geral da ONU. À época eram 58 os Estados-membros da ONU, sendo que 56 foram os Estados votantes para a aprovação da Declaração; desses 56, 48 emitiram votos favoráveis e 8 se abstiveram (União Soviética, Bielorússia, Checoslováquia, Polônia, Arábia Saudita, Ucrânia, África do Sul e Iugoslávia); não tendo ocorrido voto contrário.

[4] Sobre a ascensão dos indivíduos internacionalmente, especialmente sua relação com o Direito Internacional dos Direitos Humanos: MACHADO, Diego Pereira. Direitos Humanos. Salvador: Juspodivm, 2013 (prelo).

[5] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 1369.

[6] MACHADO, Jónatas E. M. Direito Internacional: do paradigma clássico ao pós-11 de setembro. 3 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 96.

[7] MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público. 10 ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 182 et seq.

[8] PEREIRA, André Gonçalvez; QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Internacional Público. 3 ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 299. Ainda os autores, na mesma obra: “(...) a personalidade jurídica internacional pode não coincidir com a de Direito interno” (p. 300).

[9] GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 353.

[10] Certa parte da doutrina difere atores de sujeitos. Ator internacional possui conotação ampla e se refere a qualquer entidade que esteja buscando espaço ou possua condições de participar ativamente do cenário internacional. Já o sujeito, por sua vez, seria aquele que ostenta a titularidade de direitos e obrigações. SOARES, Guido. Curso de Direito Internacional Público. V. 1. São Paulo: Atlas, 2002, p. 141.

[11] A Cruz Vermelha nasceu em 1859, no norte da Itália, criada por Henri Dumant (autor de Lembrança do Solferino). A entidade teve sua instituição formal em 1963, estando hoje sediada em Genebra. É um ente independente, com atuação neutra e sem fins lucrativos que integra o Movimento Internacional da Cruz Vermelha. Seus principais órgãos são: Assembleia (instância suprema), Conselho da Assembleia (de caráter subsidiário) e Diretoria (corpo executivo). A sua atuação é imprescindível para a defesa internacional dos direitos humanos, pois suas atividades são operacionalizadas por organização autônoma de atuação imparcial e humanitária, com estatuto próprio e com a finalidade principal de proteger e prestar assistência às vítimas da guerra e da violência armada. É um dos principais atores das ações internacionais humanitárias, e também guardiã do Direito Internacional Humanitário.

[12] Há quem inclua as empresas e outros entre os novos sujeitos, classificando-os como fragmentários, conforme doutrina do professor Paulo Henrique. PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado: incluindo noções de direitos humanos e direito comunitário. 2 ed. Salvador: Podivm, 2010, p. 148.

[13] A Paz de Westefalia foi celebrada em 1648 com o objetivo de findar a violenta e duradoura Guerra dos Trinta Anos, que envolvia facções religiosas e caracterizava-se como um conflito, nitidamente, de cunho político-religioso. Assim sucedeu com a celebração do Tratado de Paz de Vestefália, entre Fernando III e Luis XIV, nomeado como Tratado de Paz entre o Sacro Imperador Romano e o Rei da França e os seus respectivos aliados. Com a celebração do Tratado westfaliano uma nova sistemática é instaurada, uma nova lógica emerge como modeladora da sociedade então consolidada. Para muitos doutrinadores, é a partir desse momento que se pode falar em sociedade internacional e em Estado.

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[14] As organizações internacionais conquistaram o posto de sujeitos do Direito Internacional mais recentemente em comparação aos Estados. Surgiram, efetivamente, no século XIX, mas ganharam notoriedade no século XX. Elas não dispõem de todas as competências atribuídas aos Estados, haja vista que suas atividades e sua estrutura estão assentadas no tratado constitutivo, conhecido como “Carta” (ex.: Carta da ONU) ou “Constituição” (ex.: Consituição da OIT). Fala-se em uma Teoria Geral das Organizações Internacionais, o que condiz com suas importâncias e autonomias, pois são produtoras e consumidoras de normas internacionais. São elas as principais disseminadoras do trato multilateral dos temas globais. Acerca da personalidade jurídica internacional, de suma importância é conhecer o que a jurisprudência tem a expressar, pois esta foi decisiva para seu reconhecimento. Referimo-nos ao emblemático parecer no Caso Bernadotte, emitido pela Corte Internacional de Justiça, em 1949, e que marcou o nascedouro da sua personalidade internacional.

[15] Quanto a essa polêmica, é importante citar a opinião do professor Francisco Rezek, o qual afirma que não “têm personalidade jurídica de direito internacional os indivíduos”. A posição desse emérito professor deve ser respeitada, mas, modernamente, não pode ser negada a personalidade internacional dos indivíduos, pois, mesmo que sua capacidade de atuação seja limitada, eles contraem obrigações e são titulares de direitos em âmbito externo, são os principais destinatários das normas de direitos humanos e apresentam denúncias que geram processo de responsabilização contra Estados, sem descurar do fato de que podem ser responsabilizados penalmente por instâncias como o Tribunal Penal Internacional. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 152.

[16] Constituição Republicana do Estado da Cidade do Vaticano: art. 1º, § 1º - “O Sumo Pontífice, soberano do Estado da Cidade do Vaticano, tem a plenitude dos poderes legislativo, executivo e judicial”; art. 2º - “A representação do Estado nas relações diplomáticas e a conclusão dos tratados é reservada ao Sumo Pontífice, que a exerce por meio da Secretaria de Estado”; e art. 19 – “A faculdade de conceder anistia, indulgência, perdão e graça está reservada ao Sumo Pontífice”.

[17] Outros exemplos desse tipo de regime: o Irã, que é controlado pelos aiatolás, líderes religiosos islâmicos, desde a Revolução Islâmica de 1979; e Israel, que é, oficialmente, Estado judeu. 

[18] A Lei das Garantias tratou-se de documento normativo promulgado pelo governo italiano, no ano de 1871, após a anexação de Roma à Itália, oportunidade em que se reconheceu ao Papa importantes garantias, como dignidade, inviolabilidade e prerrogativas pessoais de um soberano, permitindo o livre exercício da autoridade na Santa Sé. Com a Lei das Garantias, a Itália sedimentou o entendimento de que ele não estaria subordinado a qualquer Poder.

[19] Além de teocrático, com base em sua minúscula dimensão territorial, pode também ser classificado como um microestado, com pequeno território, mas, neste caso, em particular, com grande prestígio internacional.

[20] MACHADO, Diego Pereira. Direito Internacional e Comunitário para concurso de Juiz do Trabalho. 2 ed. São Paulo: Edipro, 2012, pp. 50-53.

[21] Sobre o assunto, ler atentamente: REZEK, F. Direito Internacional Público, cit., pp. 242 et seq.

[22] Posições como a seguinte são favoráveis à existência de vínculo de nacionalidade: “O Vaticano tem a nacionalidade própria, que alguns doutrinadores denominam de funcional, e outros falam em jus domicili combinado com o jus laborais. São nacionais: Os cardeais residentes no Vaticano ou em Roma; e os que residirem de um modo permanente no Vaticano. A perda das funções que exigem a residência na cidade do Vaticano implica a perda da nacionalidade”. NEVES, Gustavo Bregalda. Direito Internacional. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 63.

[23] MACHADO, J. E. M. Direito Internacional..., cit., p. 282.

[24] Ver art. 16 da Convenção de 1961: “1. A precedência dos Chefes de Missão, dentro de cada classe, se estabelecerá de acordo com a data e hora em que tenham assumido suas funções, nos termos do artigo 13. 2. As modificações nas credenciais de um Chefe de Missão, desde que não impliquem mudança de classe, não alteram a sua ordem de precedência. 3. O presente artigo não afeta a prática que exista ou venha a existir no Estado acreditado com respeito à precedência do representante da Santa Sé” (sem grifo no original).

[25] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 369.

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Sobre o autor
Diego Pereira Machado

Especialista em Direito Processual Penal e Civil (UPF-RS). Mestre em Direito (Unitoledo-SP). Doutorando em Direito (Coimbra-Portugal). Professor e palestrante exclusivo da Rede de Ensino LFG, nas disciplinas de Direito Internacional, Direito Comunitário e Direitos Humanos, para cursos preparatórios para concursos públicos e programas de pós-graduação. Professor da TV Justiça e do Portal Atualidades do Direito. Participante do Cambridge Law Studio (Cambridge-Inglaterra). Autor de livros e inúmeros artigos. Procurador Federal – AGU. Membro-associado da ONG Transparência Brasil. Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Internacional (SBDI) Seccional Mato Grosso.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Diego Pereira. Sujeitos do Direito Internacional: Santa Sé e Vaticano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3601, 11 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24424. Acesso em: 25 nov. 2024.

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