Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. A expansão do Direito Internacional; 3. Personalidade e capacidade; 4. Definição dos sujeitos; 5. Santa Sé e Vaticano; 5.1. Entes distintos; 5.2. Aquisição da personalidade jurídica; 5.3. A Santa Sé e sua relação com o Estado da Cidade do Vaticano; 5.4. O Estado da Cidade do Vaticano; 5.5. Santa e Vaticano: sujeitos do Direito Internacional; 6. Considerações finais; Bibliografia.
1. Considerações iniciais
A despeito de toda a torcida pela escolha de um Papa brasileiro, ainda assim há que se exaltar a importância de termos um novo Papa – argentino – originário de um país da América Latina. Isso demonstra a inclinação da Igreja Católica, com sede principal na Itália, pela necessidade de sua própria remodelação estrutural, processo este que deve (espera-se) varrer com toda forma de comportamento execrável, desde pedofilia até corrupção, passando por tráfico de influência[1].
Independentemente da religião ou da filosofia adotada pelo leitor, é inegável reconhecer que a Igreja Católica propaga dogmas que são seguidos por milhões de pessoas, e o Estado, o do Vaticano, mesmo que considerado um microestado, tem capacidade de influenciar significativamente nos rumos de vários assuntos de interesse mundial. Nessa linha, não se pode descurar da figura do Papa que, como principal representante das duas entidades (Igreja Católica e Vaticano), desempenha papel de relevo interna e externamente, tanto que muitas de suas falas quando transmitidas, por mais simplórias que aparentem ser, espraiam-se pelos mais diversos recantos do Planeta com uma facilidade incomum.
O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, Papa Francisco, é o novo Pontífice. Ou, de acordo com a lista oficial dos títulos do Papa, do Anuário Pontifício de 2009[2], ele é o novo Bispo de Roma (Episcopus Romanus), Vigário de Jesus Cristo (Vicarius Iesu Christi), Sucessor do Príncipe dos Apóstolos (Successor principis apostolorum), Sumo Pontífice da Igreja Universal (Summus Pontifex Ecclesiae Universalis), Primaz da Itália (Primatus Italiae), Arcebispo Metropolitano da Província Romana (Archiepiscopus metropolitanus provinciae Romanae), Soberano do Estado da Cidade do Vaticano (Superanus sui iuris civitatis Vaticanae), Servo dos Servos de Deus (Servus Servorum Dei).
Jorge Mario Bergoglio é sucessor do Papa Bento XVI, que abdicou ao papado em 28 de fevereiro de 2013. Trata-se do primeiro papa nascido no continente americano, o primeiro pontífice não europeu em mais de 1200 anos e o único jesuíta da história. Além de, aparentemente, representar a nova cara pretendida pela Igreja Católica, a nomeação do Papa Francisco também materializa uma guinada geopolítica, pois os olhos do mundo tendem a se direcionar mais para a América Latina.
Mas o presente artigo não pretende vislumbrar aspectos pessoais do Papa argentino e muito menos expor minuciosamente sobre as relevâncias fáticas ou jurídicas de seu cargo. Na verdade, almeja-se desenvolver estudo sobre as figuras da Santa Sé e do Vaticano, vislumbrando-as da perspectiva do Direito das Gentes. Nessa conjectura, mostra-se de suma relevância analisar a posição da Santa Sé e do Vaticano frente à sociedade internacional, especialmente se os dois possuem personalidade jurídica internacional.
A aceitação (ou recusa) da condição de sujeitos do Direito Internacional da Santa Sé e do Vaticano ainda se mostra um tema dos mais oscilantes na doutrina internacionalista, particularmente em relação ao segundo. E tal situação perdura mesmo que se esteja frente a um Direito das Gentes cada vez mais expansionista, que está vivenciando nítido processo de ampliação de suas fontes e de alargamento do rol de seus sujeitos.
2. A expansão do Direito Internacional
Desde o término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o Direito Internacional vem passando por profundas mudanças. Com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), pela Carta de São Francisco em 1945, e com a adoção pela Assembleia-Geral, da ONU, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948[3], o Estado perdeu ainda mais espaço no cenário internacional e os indivíduos passaram a ter mais voz externa, o que fez aumentar o rol de sujeitos[4].
O Direito Internacional assume, gradativamente, roupagem compatível com a conjuntura que se formou depois de 1945. A globalização é um dos fatores determinantes para essa nova postura.
O Direito das Gentes foi alargado, percebendo-se o aumento de temas e objetos de estudo. Há uma complementação dos assuntos clássicos pelos temas da agenda global, merecendo destaque o Direito Internacional do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável. Além da expansão do objeto, há também uma maior normatividade, com o surgimento de novas fontes, o que demonstra a democratização do processo normativo.
Ademais, o rol de sujeitos é revisto, ou seja, a personalidade internacional é ampliada, novos entes ganham capacidade para atuarem ativa e passivamente, afinal, a “globalização das comunicações e informações e a expansão mundial de unidades organizativas internacionais (...) deslocam o papel obsidiante do actor estatal (...)”[5].
O Direito Internacional é hoje “um genus generalissimum que compreende domínios tão diversos como o direito internacional econômico, o direito internacional da comunicação, o direito internacional do espaço exterior, o direito internacional do ambiente, o direito internacional dos direitos humanos, o direito internacional criminal, o direito internacional desportivo e o direito internacional do turismo”[6].
A feição ampliativa da personalidade internacional conduz à adjetivação do Direito Internacional como uma disciplina reflexiva, que permite aos indivíduos e às organizações internacionais a regulação internacional dos seus próprios interesses, porque não só os Estados soberanos dominam o ambiente externo, cedendo espaço a outras personalidades.
Balizado o entendimento de que o Direito das Gentes expande-se cada vez mais, em sentido lato, i.e., em relação aos sujeitos e às fontes, calha, então, enfrentarmos os conceitos de personalidade e de capacidade para definirmos quem, afinal, são os sujeitos internacionais e se Santa Sé e Vaticano podem ser encaixados nessa classe.
3. Personalidade e capacidade
A matéria que passa a ser tratada constitui uma das mais relevantes desse ramo do Direito e é na qual mais se faz sentir as mudanças do Direito das Gentes. A delimitação de um sujeito com personalidade jurídica internacional tem sido feita de acordo com as noções de titular de direitos e de destinatário das normas internacionais[7].
Ab initio, é importante compreender os institutos da personalidade jurídica internacional e da capacidade internacional, que são distintos[8] e imprescindíveis para a identificação dos sujeitos. Esclarece-se que a capacidade para atuar internacionalmente, celebrando tratados e relacionando-se com os demais, depende do prévio reconhecimento da personalidade.
Desse modo, a personalidade jurídica internacional pode ser compreendida como uma forma de aptidão ou pré-habilitação para ser considerado sujeito com capacidade de estabelecer relações jurídicas ou de ser titular de direitos no plano externo. A vivência dos entes com esse tipo de personalidade se dá dentro de uma ordem jurídica regulada pelo Direito Internacional. Por essa razão, eles são os principais destinatários das normas e princípios internacionais, cujas condutas são inteiramente reguladas por tal disciplina.
A personalidade “é a susceptibilidade para ser destinatário de normas e princípios de Direito Internacional, dos quais diretamente decorre a oportunidade para a titularidade de direitos (situações jurídicas ativas) ou para se ficar adstrito a deveres (situações jurídicas passivas)” e a capacidade “afere-se pelo conjunto dos direitos e dos deveres que podem estar inscritos na esfera jurídico-internacional da entidade em causa, também se diferenciando entre uma dimensão de titularidade e uma dimensão de exercício dos mesmos”[9].
4. Definição dos sujeitos
Emergem divergências na doutrina quanto ao rol de sujeitos do Direito Internacional, bem como quanto às suas naturezas. Tal situação justifica-se pela inexistência de fonte escrita específica definidora de quem ostenta tal posto. Algumas correntes tentam explicar e dar balizamentos para a definição desses sujeitos.
Fato é que, a despeito de se filiar a uma ou outra corrente, muitos atores[10], sejam pessoas físicas ou jurídicas, desenvolvem atividades extrafronteiras e suas manifestações e deliberações trazem impactos que, corriqueiramente, materializam poderes que sequer Estados soberanos conseguem ombrear. A própria Cruz Vermelha[11], uma organização não governamental humanitária, demonstra uma forma de atuação, influência e credibilidade que inúmeros países nem ao menos conseguem igualar. Ela aparenta ter muitos atributos pertencentes a tradicionais sujeitos internacionais, todavia, mesmo assim, há muitos argumentos contrários à sua condição de sujeito internacional. Veja-se o quão árdua é a missão de definir os entes que possuem personalidade internacional e que, por consequência, têm capacidade[12].
Para compreender (e talvez aceitar) essa conjuntura moderna, sempre cambiante, é preciso reconhecer que a sociedade internacional flutua em uma ordem jurídica cada vez mais policêntrica. Sendo assim, com mais frequência os tradicionais manipuladores da convivência mundana perdem espaço para novas origens decisórias. É conhecido o quadro atual em que muitas multinacionais têm mais poder de manobra e capacidade de influência na economia global que certos Estados.
Com tais premissas, resta, destarte, escorreito afirmar que não há fórmula fechada ou um tratado que, categoricamente, defina quem são os sujeitos, cabendo à doutrina e à jurisprudência assim proceder.
Frente a essa exposição, cabe destacar que há três correntes sobre a temática.
Classicamente, o Estado sempre foi considerado o sujeito único, ostentador de personalidade internacional originária, o que lhe garantia plena capacidade para dominar o cenário internacional. Esse status teve seu estopim com a instauração da lógica westfaliana[13] e perdurou até o fim da Segunda Guerra. Não que os Estados deixaram de ser sujeitos depois de 1945, mas não são mais os únicos. Sendo assim, a tese de que somente eles são sujeitos não mais subsiste. A própria expansão do Direito das Gentes não condiz com essa corrente, que pode ser denominada de teoria clássica ou estadualista (originada na Alemanha); ela está ultrapassada.
A teoria clássica foi abandonada devido a vários fatores. Pode ser novamente referida a expansão do Direito Internacional, conjuntamente com a redefinição do conceito de soberania, o que está conectado com a própria flexibilização da supremacia constitucional, pois as fontes externas e os agentes não nacionais cada vez mais influem no cenário externo e nos territórios nacionais. Outros agentes começaram a povoar os espaços não mais ocupados pelos Estados.
Radicalmente o oposto da corrente estadualista apresenta-se a teoria individualista (originada da França). Esta prega que o sujeito somente pode ser o indivíduo, excluindo-se Estados e qualquer outra organização. Sua importância interna transcende limites fronteiriços, a ponto de galgar o posto de único com personalidade jurídica internacional. Mais um entendimento que, com maxima venia, deve ser refutado, haja vista que ignora todos os papéis fundamentais desempenhados pelos Estados.
Além da clássica e da individualista, como terceiro posicionamento, há a tese eclética ou heteropersonalista. Ela prima pela existência de mais de um sujeito do Direito das Gentes, aceitando a co-existência de personalidade internacional dos Estados, dos indivíduos e das organizações internacionais[14], permitindo, inclusive, a inserção de outros dentro desse grupo.
Em síntese: a teoria clássica concebe somente o Estado como sujeito; a individualista concede personalidade internacional somente aos indivíduos; e a eclética, de caráter ampliativo e de tendência expansiva, classifica como sujeitos os Estados, as organizações internacionais e os indivíduos.
Hodiernamente, a mais adotada é a terceira, a eclética ou heteropersonalista. Mesmo que se reconheça a existência de algumas dissonâncias, já é majoritário o entendimento de que são sujeitos do Direito Internacional os Estados, as organizações internacionais e os indivíduos[15]. Contudo, outros entes que muitas vezes não se encaixam em um desses padrões (Estado, organização internacional ou indivíduo) também assumiram e passam a assumir a condição de novos sujeitos. A possibilidade de majoração do rol de sujeitos é uma indeclinável característica do Direito das Gentes da atualidade.
5. Santa Sé e Vaticano
Quanto à Santa Sé e ao Vaticano há que se ter atenção, em razão de haver posicionamentos dissonantes na doutrina, em certos momentos explicitamente contraditórios, o que não raras vezes gera confusões conceituais. O binômio – ou até mesmo trinômio para alguns (Santa Sé, Igreja Católica e Vaticano) – não encontra enquadramento doutrinário pacífico.
5.1. Entes distintos
Antes de qualquer exposição, recomenda-se partir de uma premissa importante para futuras conclusões: estamos aqui estudando dois entes distintos, a Santa Sé e o Estado da Cidade do Vaticano, ambos com personalidades jurídicas próprias; a primeira tem natureza religiosa e o segundo tem natureza política.
5.2. Aquisição da personalidade jurídica
A aquisição da personalidade jurídica em relação à Santa Sé e ao Estado do Vaticano é fenômeno sui generis no campo do Direito das Gentes. Isso remonta à Questão Romana, que se resumiu em uma disputa territorial envolvendo o governo italiano e o papado. Findada em 1929, tal disputa culminou na criação da cidade do Vaticano, por meio da formalização dos Tratados de Latrão, assinados pelo Cardeal Pietro Gasparini e pelo Primeiro-ministro Benito Mussolini.
Vejam-se que três informações prévias já foram lançadas, que são de suma importância para o desenrolar, quiçá exitoso, do presente estudo: primeiro que iremos analisar dois entes distintos, a Santa Sé e o Vaticano; segundo que as discussões sobre suas personalidades é fenômeno sui generis no Direito Internacional; e terceiro, já se tem a informação, conforme supra, de que eles têm personalidade, caberá, a posteriori, decifrar se é personalidade internacional.
5.3. A Santa Sé e sua relação com o Estado da Cidade do Vaticano
Santa Sé ou Sé Apostólica deriva do latim Sancta Sedes. É ela quem personifica a Igreja Católica, por isso que é tida como de natureza religiosa. Trata-se da representação máxima da Igreja Católica Apostólica Romana, dela emanando todas as decisões sobre a religião cristã católica.
A sede da Igreja Católica localiza-se dentro da cidade do Vaticano, que, por conseguinte, está encravada na cidade de Roma, capital da Itália. O Estado da Cidade do Vaticano, criado pelos Tratados de Latrão de 1929, possui um território de apenas 0,44 km2, totalmente cercado pelo território italiano, o que se denomina enclave.
Ainda que sejam distintos, é de se reconhecer que um está em função do outro. É possível entender essa situação por meio do estudo das competências exercidas pelo Papa, tão citado nas considerações iniciais do nosso artigo.
Dentre tantas atividades desempenhadas pelo Sumo Pontífice, duas merecem destaque: ele exerce duas funções, uma como Chefe da Igreja Católica, ou seja, da Santa Sé, e outra como Chefe de Estado[16]. Quanto a esta última cabe um questionamento cuja resposta já foi indicada acima: mas Chefe de qual Estado? Do “Estado da Cidade do Vaticano”, eis sua denominação completa e formal. Além da criação da cidade-estado em 1929, os Tratados de Latrão também foram responsáveis pelo reconhecimento, em definitivo, ao Sumo Pontífice das duas chefias ora referidas.
O Estado do Vaticano trata-se, na verdade, de um instrumento da Igreja Católica, estando, dessa maneira, a serviço da Santa Sé. Dessa maneira, não haveria outra opção material e juridicamente viável a não ser atribuir ao Chefe da Igreja a chefia também do Estado. Constata-se, com isso, que o Vaticano ostenta delineamentos atípicos, que o distinguem da quase totalidade dos Estados tradicionalmente componentes da sociedade internacional. É um típico exemplo de Estado teocrático, haja vista que seu sistema de governo (ações políticas e jurídicas) é submetido às normas de uma religião[17].
5.4. O Estado da Cidade do Vaticano
O Pontífice, como chefe do Estado do Vaticano, não está subordinado, interna ou internacionalmente, a outro país ou Poder republicano, em razão da Lei das Garantias[18]. Para assegurar sua independência e organizar a divisão de poderes dentro do Estado há, sublinhe-se, uma Magna Carta em vigor, a Constituição Republicana do Estado da Cidade do Vaticano, datada de 26 de novembro de 2000, em vigor a partir de 22 de fevereiro de 2001, quando do pontificado de João Paulo II.
A atual Constituição substituiu sua precedente, de 1929. Com a nova Lei Fundamental foram eliminadas todas as precedentes normas que se opunham a ela. Dentre suas várias inovações, a atual Constituição, v.g., assegurou uma melhor distinção entre o Poder Legislativo, Executivo e Judiciário do Vaticano, bem como uma ligação mais estreita entre a administração do Vaticano e a Secretaria de Estado.
Além de Lei Fundamental, o Estado do Vaticano, como os demais Estados, possui também território próprio (0,44 km2)[19] e governo soberano (Cúria da Igreja Católica). Este governo tem autonomia para o trato dos assuntos internos e independência quanto à definição da política externa.
A despeito de tais semelhanças com os demais Estados, o Vaticano possui peculiaridades que o galgam ao posto de Estado anômalo, dotado de traços atípicos, sendo que um dos quais já foi citado, a sua condição de instrumento da Igreja Católica.
Mas, afinal, o que mais o torna um Estado diferenciado, anômalo? Como Estado teocrático, ele tem um elemento teleológico, o que não é comum. Ademais, cabe também referir que alguns dos seus elementos constitutivos não condizem com o modelo padrão dos outros Estados. A começar com suas finalidades, que não materializam os objetivos tradicionais, haja vista que seus fins são essencialmente religiosos; não é à toa que ele é tido como de caráter instrumental[20], a serviço da Santa Sé. E mais, entende-se que não possui povo, não possui nacionais, ou seja, é sem dimensão pessoal[21].
Como dito inicialmente, aqui está se estudando tema dos mais oscilantes nos livros de Direito Internacional, tanto que há alguns autores que especificamente quanto aos nacionais, contrariamente, entendem haver sim dimensão pessoal[22]. Com a devida vênia, não coadunamos com tal compreensão, aliamo-nos aos ensinamentos do Professor Francisco Rezek, que frisa não haver nacionais, tanto que seus integrantes acabam por preservar os laços de origem – se da Polônia, polonês permanece, se da Suíça, mantém a condição de suíço –, apenas exercendo determinadas funções. O fato de haver habitantes (estimativa de 830, em 2011) não autoriza a conclusão de que há um vínculo político-jurídico permanente, que seria a nacionalidade. Para sedimentar nossa posição, segue transcrição ipsis litteris: “Não existe um povo ou uma nacionalidade vaticana, verificando-se que a cidadania do Vaticano tem um caráter funcional e temporário”[23].
5.5. Santa e Vaticano: sujeitos do Direito Internacional
Feitas as devidas distinções e caracterizações, resta o questionamento final: quem, afinal, é sujeito do Direito Internacional? Os dois, apenas um, ou nenhum?
Quanto à Santa Sé, individualmente considerada, a condição de sujeito do Direito Internacional não encontra muita resistência, pois a doutrina, de forma majoritária, sempre assim a classificou. Ela, inclusive, atua internacionalmente, celebrando tratados internacionais (direito de convenção), exercendo direito de legação, enviando os seus representantes para outros países (legação ativa), bem como recebendo (legação passiva). A sua nunciatura apostólica (equiparável às embaixadas) é chefiada pelo núncio apostólico ou papal, que goza de todas as imunidades diplomáticas previstas na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961[24].
Já quanto ao Estado do Vaticano ainda pairam oscilações doutrinárias. Há escritores que, muitas vezes, evitam um fechamento de raciocínio, e mais, ora confundem os dois entes, ora os aplicam como sinônimos. Essa tendência, infelizmente, figura em alguns certames públicos para a seleção de material humano para a Administração Público brasileira. Contudo, tentar-se-á aqui, quiçá de forma clara, definir uma posição.
De todo o acima arrazoado infere-se que: a Santa Sé é sujeito e o Estado, embora instrumental, com elemento constitutivo faltante ou remodelado, pode também ser encaixado como sujeito do Direito Internacional, na condição de Estado anômalo. Essa posição tem outros tantos adeptos, como o seguinte: “As relações entre a Santa Sé e o Vaticano têm natureza absolutamente sui generis. Foi precisamente no Tratado de Latrão que os dois sujeitos de Direito Internacional – a Santa Sé e a Itália – com suas estipulações recíprocas, deram origem a um novo sujeito: o Estado da Cidade do Vaticano (...) não mais se discute que a Cidade do Vaticano (que alberga a Igreja Católica Romana, personificada na Santa Sé, também chamada de Sé Apostólica), figura entre os sujeitos de Direito Internacional na sua condição de Estado”[25].