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O princípio da culpabilidade como faceta do Estado Democrático de Direito

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12/07/2013 às 16:20
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2 O PRINCÍPIO Da culpabilidade na jurisprudência

Como é sabido, a jurisprudência diz respeito ao conjunto de decisões tomadas pelos órgãos do Poder Judiciário, constituindo-se, tal como a lei e a doutrina, em fonte do Direito.

Dito isso, faz-se necessário esclarecer que foram selecionados para análise/observância três julgados, inscritos em informativos do Supremo Tribunal Federal, inclusive.

O primeiro julgado selecionado diz respeito ao Informativo nº 683, do STF:

INFORMATIVO Nº 683

TÍTULOAP 470/MG - 127

PROCESSOAP - 470ARTIGOOs Ministros Cármen Lúcia e Gilmar Mendes acompanharam integralmente o voto do relator. A primeira registrou ser inaceitável declaração da defesa de que teria havido “caixa 2”, porquanto essa figura, além de criminosa, consistiria em agressão à sociedade brasileira. O segundo observou que a teoria do domínio do fato não seria algo novo. Lembrou que, para parcela expressiva da doutrina nacional, o legislador de 1984 não optara explicitamente por nenhuma das posições dogmáticas relativas ao conceito de autoria e pela distinção entre autoria e participação. No entanto, ao introduzir o dolo na ação típica final, como se poderia depreender da definição de erro de tipo, ao se aceitar o erro de proibição e ao abandonar o rigorismo da teoria monística em relação ao concurso de pessoas, teria reconhecido que o agente responderia na medida de sua culpabilidade. Inferiu, deste modo, que o legislador acolhera as mais relevantes teses finalistas, o que levaria à conclusão de que abraçara também a teoria do domínio do fato. Portanto, a solução do caso não reclamaria grandes debates ou construções teóricas, pois, à luz do princípio da legalidade, a resposta estaria no art. 29 do CP. Em obiter dictum, alinhou-se à tese no sentido da validade ou eficácia de lei, ao manifestar-se a respeito de possível contaminação do resultado da atividade legislativa, aventada pela doutrina, em casos de eventuais desvios. Nesse tocante, o relator consignou que essa ilicitude não se comunicaria, necessariamente, para o produto legislativo, ainda que supostamente decorresse de motivação espúria. O Min. Marco Aurélio, por seu turno, acompanhou o voto do relator, dele divergindo apenas quanto a Geiza Dias, visto que a condenou pela prática do art. 333, caput, do CP. Aduziu que não se poderia atribuir a ela a autoria intelectual do crime. No entanto, seria indubitável sua participação material, dado que seria pessoa de confiança de Marcos Valério e quem transmitiria à agência bancária instruções acerca dos vultosos pagamentos a serem efetuados. No que diz respeito a Anderson Adauto, aludiu que este teria instruído parlamentar sobre como conseguir e a quem procurar para obter verbas, o que seria simples cogitação, a não configurar crime. AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 9 a 11.10.2012. (AP-470) – Grifo nosso

Da leitura do informativo suprasselecionado, depreende-se o princípio da culpabilidade como medida da pena. Como exposto no tópico anterior, o princípio da culpabilidade é também limite da atuação do Estado-juiz, posto que o impede de agir arbitrariamente, impondo-lhe o dever de, na dosimetria da pena, levar em consideração a culpabilidade do agente.

O segundo precedente escolhido corresponde ao informativo nº 676, do STF:

INFORMATIVO Nº 676

TÍTULOPrincípio da insignificância e concurso de pessoas

PROCESSOHC - 112103ARTIGOA 2ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que pleiteada a aplicação do princípio da insignificância em favor de condenado pela prática do delito de furto qualificado mediante concurso de pessoas (CP, art. 155, § 4º, IV). A defesa alegava a irrelevância da lesão patrimonial sofrida pela vítima, que seria da ordem de R$ 80,00. Entendeu-se que, conquanto o bem fosse de pequeno valor, o paciente teria cometido o crime em concurso de agentes, portanto sua culpabilidade e a periculosidade do fato seriam maiores. Destacou-se que o paciente seria acusado de diversos delitos contra o patrimônio e contra a pessoa, além de já ter condenação por tráfico de entorpecentes. Vencido o Min. Gilmar Mendes, que concedia a ordem. Sublinhava que, a despeito de haver participação de outra pessoa no furto, o montante seria pouco expressivo, bem como não teria havido violência ou qualquer outro meio para que se efetuasse a subtração. HC 112103/MG, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21.8.2012. (HC-112103) – Grifo nosso

O princípio da culpabilidade, com efeito, além de ser medida da pena, é também fundamento. No precedente acima, tem-se que o advogado de defesa, levantando o princípio da insignificância, queria afastar a tipicidade do crime de furto, não obtendo êxito justamente porque a conduta praticada (em concurso de pessoas) revelou uma culpabilidade maior que o argumento trazido - pouca ofensividade em razão do pequeno valor do bem furtado. O juízo de valor – culpabilidade -, no caso “in concretu”, fez-se motivo para denegação da ordem de HC requerida.

Por fim, destaca-se o Informativo nº 669, do STF, no qual o princípio da culpabilidade é revelado na exigência de o órgão ministerial ter de, na denúncia (peça inicial), descrever o fato pormenorizadamente, tal como a conduta do (s) agente (s):

INFORMATIVO Nº 669

TÍTULO

Denúncia - Delito societário - Inépcia - Aparente inocorrência (Transcrições)

PROCESSO

MS - 30822

ARTIGO

Denúncia - Delito societário - Inépcia - Aparente inocorrência (Transcrições) HC 112166 MC/SP* RELATOR: Min. Celso de Mello DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão, que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, restou consubstanciada em acórdão assim ementado: “PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’ SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. DENÚNCIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS LEGAIS. CRIME DE AUTORIA COLETIVA. EXCEPCIONAL CONDIÇÃO QUE PRESCINDE DA DESCRIÇÃO PORMENORIZADA DA PARTICIPAÇÃO DE CADA AGENTE. 1.  [...] Na realidade, incide, sobre o Ministério Público, o gravíssimo ônus de formular denúncias que sejam formalmente corretas, processualmente aptas e juridicamente idôneas, tal como esta Suprema Corte - apoiando-se em clássico magistério doutrinário (JOÃO MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR, “O Processo Criminal Brasileiro”, vol. II/183, item n. 305, 4ª ed., 1959, Freitas Bastos; JOSÉ FREDERICO MARQUES, “O Processo Penal na Atualidade”, “in” “Processo Penal e Constituição Federal”, p. 13/20, 1993, APAMAGIS/Ed. Acadêmica, v.g.) - tem advertido: “(...) PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO - OBRIGAÇÃO DE O MINISTÉRIO PÚBLICO FORMULAR DENÚNCIA JURIDICAMENTE APTA. - O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático - impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado ‘reato societario’, a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa. - O ordenamento positivo brasileiro - cujos fundamentos repousam, dentre outros expressivos vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, no postulado essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do ‘due process of law’ (com todos os consectários que dele resultam) - repudia as imputações criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não individualizam nem especificam, de maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denunciado.  [...] Sendo assim, e sem prejuízo de ulterior reapreciação da matéria, quando do julgamento final do presente “writ” constitucional, indefiro o pedido de medida liminar, ante a inocorrência de seus pressupostos legitimadores. Publique-se. Brasília, 05 de março de 2012. Ministro CELSO DE MELLO Relator *decisão publicada no DJe de 8.3.2012 **nomes suprimidos pelo Informativo INOVAÇÕES LEGISLATIVAS 4 a 8 de junho de 2012 Lei nº 12.662, de 5.6.2012 - Assegura validade nacional à Declaração de Nascido Vivo - DNV, regula sua expedição, altera a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e dá outras providências. Publicada no DOU de 6.6.2012, Seção 1, p. 3. Decreto nº 7.746, de 5.6.2012 - Regulamenta o art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, para estabelecer critérios, práticas e diretrizes para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável nas contratações realizadas pela administração pública federal, e institui a Comissão Interministerial de Sustentabilidade na Administração Pública – CISAP. Publicado no DOU de 6.6.2012, Seção 1, p. 9. Decreto nº 7.747, de 5.6.2012 - Institui a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas – PNGATI, e dá outras providências. Publicado no DOU de 6.6.2012, Seção 1, p. 9. – Grifo nosso

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As acusações devem, indubitavelmente, ante o sistema da responsabilidade subjetiva, ser individualizadas, não se aceitando denúncias genéricas, posto que violadoras do princípio da presunção de inocência e inviabilizadoras da ampla defesa, possível tão só quando a culpa está descrita detalhadamente.


CONSIDERações FINais

O princípio da culpabilidade, como visto acima, pode ser conceituado de formas diversas a depender da teoria adotada – teoria psicológica, teoria psicológica normativa e teoria normativa pura -, assumindo, ainda, funções várias (de fundamento ou limite da pena ou ainda de forma que impede a responsabilidade objetiva), sendo, porém, de sua essência, o repudio ao autoritário sistema da responsabilidade objetiva, que condena sem considerar as circunstâncias que envolvem o fato, a culpabilidade que lhe move.

Objetivando assegurar a justiça, impedindo condenações injustas por consequência, o princípio da culpabilidade vem reafirmar o Estado Democrático de Direito, fundado na garantia dos direitos fundamentais, isso porque, seja traçando a culpabilidade como fundamento ou limite da pena, controla as ações autoritárias do Estado e assegura os direitos fundamentais do indivíduo/réu/condenado, principalmente o princípio da presunção de inocência.

Com efeito, o culpado assim é considerado apenas depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, de modo que a culpa não é a condenação prévia da sociedade, mas a reprovação traçada após a análise do caso concreto, sob a égide do devido processo legal.


REFERÊNCIAS

BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2000.

CARVALHO, Márcia Dometila Lima de. Fundamentação Constitucional do Direito Penal. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1992.

GRECO, Rogério. Direito Penal: Lições. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2000.

INFORMATIVO nº 669 do STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo669.htm. Acessado em: 10 de maio de 2013, às 16 h 30 min.

INFORMATIVO nº 676 do STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo676.htm. Acessado em: 10 de maio de 2013, ás 15 h 30 min.

INFORMATIVO nº 683 do STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo683.htm. Acessado em: 10 de maio de 2013, às 15 h 00 min.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípios Políticos do Direito Penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal (parte geral). 16. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

PALAZZO, Francesco C. Valores Constitucionais e Direito Penal. Tradução de Gérson Pereira dos Santos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1989.

TELES, Ney Moura. Direito Penal. Vol. 1. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001. 

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 

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Sobre o autor
Luciano de Almeida Maracajá

Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará (2002); Professor de Direito Penal na Universidade Estadual da Paraíba e Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Paraíba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARACAJÁ, Luciano Almeida. O princípio da culpabilidade como faceta do Estado Democrático de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3663, 12 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24939. Acesso em: 22 dez. 2024.

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