4. O Advento da Lei nº 12.740/12 numa concepção analítica
Para uma perfeita compreensão dos fundamentos que nos levarão à conclusão desse estudo, apresenta-se de vital importância a análise dos pontos alterados e/ou acrescidos ao ordenamento pátrio, com o advento da novel Lei nº 12.740/12.
4.1. Substituição da expressão “Contato”por“Exposição”
O Art. 193 da CLT previa o cabimento do direito ao adicional de periculosidade quando a atividade ensejasse “contato permanente” com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado.
Com a superveniência da Lei nº 12.740/12, o legislador entendeu por trocar a expressão “contato” por “exposição”. Com efeito, a atual redação do aludido preceito consolidado é a seguinte:
Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: (Redação dada pela Lei nº 12.740, de 2012)
I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)
II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)
§ 1º - O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
§ 2º - O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
§ 3º Serão descontados ou compensados do adicional outros da mesma natureza eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo. (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)”
O novel texto condiciona a classificação de atividades ou operações perigosas à constatação de risco acentuado decorrente de exposição permanente a inflamáveis, explosivos, energia elétrica, ou roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.
O sentido do vocábulo “contato”, ao nosso sentir, é sensivelmente mais restrito do que o de “exposição”. Enquanto aquele guarda relação com toque ou tateio dos elementos periculosos, o último amplia o cabimento do direito para os casos em que haja o “contato a distância” ou possibilidade de consequências de impactos por acidentes desencadeados pelos agentes ditos periculosos (“contato indireto”).
Vale frisar, contudo, que a NRn.º 16 do Ministério do Trabalho e Emprego já considerava a exposição aos explosivos e inflamáveis, assim como o Decreto n.º 93.412/86, que regulamentou a Lei n.º 7.369/85, ao disciplinarem analiticamente as hipóteses de direito ao pagamento do adicional de periculosidade, estabeleceram as áreas de risco dentro das quais, relativamente às atividades ou operações com aqueles agentes químicos e físicos, mesmo os trabalhadores que realizavam atividades distintas faziam jus ao recebimento do adicional em comento.
A modificação legislativa promovida no caput do Art. 193 da CLT surge em nosso ordenamento jurídico como aparente forma de regular que o risco qualificador de operação ou atividade periculosa não se atém àquele verificado nas atividades em si, mas também relacionadas a estes agentes, certo de que, por exemplo, a proximidade do local da realização de atividades igualmente pode ter o condão de gerar o cabimento do adicional ora em análise.
4.2. A revogação da Lei n.º 7.369/85 e a trazida do elemento “eletricidade” para a CLT.
A Lei n.º 12.740/2012, dentre outras consequências jurídicas, determinou, em seuArt. 3º, a revogaçãoda Lei n.º 7.369/85.
Todavia, não sem antes trazer para o bojo da Consolidação das Leis do Trabalho, o elemento “eletricidade” como ensejador, em casos determinados, do cabimento do direito ao adicional de periculosidade.
Numa leitura mais apressada que inicialmente fizemos do novel texto legal, entendemos, prima facie, que o objetivo do legislador teria sido o de condensar na CLT as hipóteses ensejadoras do pagamento do adicional em comento, bem como de acrescer ao ordenamento jurídico mais um suporte fático de cabimento de tal pagamento, qual seja, a exposição a riscos que pudessem acarretar violência física na esfera de segurança patrimonial.
Nossas atenções, naquela oportunidade, portanto, passaram ao largo da questão da base de cálculo do adicional de periculosidade, doravante, para os empregados que o recebiam ou viriam a recebê-lo em razão da exposição permanente a riscos com energia elétrica.
Talvez essa nossa desatenção inicial tenha derivado do aspecto de que, a bem da verdade, nunca enxergamos uma diferença entre a ratione legis do legislador celetista, em relação àquele que participou da edição da Lei n.º 7.369/85, quanto à base de cálculo do adicional periculositório. Com efeito, jamais entendemos que o fato desta última lei consignar a expressão “salário que perceber” teria o condão de indicar a vontade legisferante como sendo a de estabelecer a remuneração como base.
Ora, ao nosso ver, se o legislador quisesse assim preconizar teria indicado a remuneração como base, ou mesmo diria que o adicional seria calculado sobre a totalidade das parcelas de natureza salarial etc.
Com a devida vênia de entendimentos diversos, até hoje não concebíamos confortavelmente esta exegese oriunda da mera ausência de consignação expressa, na Lei n.º 7.369/85, no sentido de que deveriam ser excluídos da base de cálculo as gratificações, prêmios ou outras participações no lucros do empregador, como anteriormente já havia previsto a CLT para os trabalhadores que viessem a perceber o adicional por força de contato com inflamáveis e explosivos.
Em suma, o fato da posterior Lei n.º 7.369/85 ter feito alusão ao “salário que perceber”, sem constar a ressalva às gratificações e demais parcelas anteriormente dispostas pelo Art. 193 da CLT, jamais poderia ser entendido, sob nossa ótica, como fundamento para hermenêutica de que quis estabelecer a remuneração como base de cálculo para o adicional de periculosidade.
Até porque tal interpretação, que somente veio a ser jurisprudencialmente estabelecida pelo TST por volta do ano 2002, confronta-se, ao nosso ver, com preceitos contidos em nossa Carta Magna, a exemplo do próprio princípio da legalidade (Art. 5º, II, CRFB/88), ao passo que preconiza tratamento diferenciado para trabalhadores que, até ulterior evidência, encontram-se sob mesma condição laboral de risco. Afinal, não se tem notícia de estudos técnicos que tenham servido de base para edição da Lei n.º 7.369/85, neste aspecto, que houvesse indicado que os trabalhadores expostos a riscos de choques elétricos estariam em condição mais desfavorável ou de maior vulnerabilidade do que os expostos a inflamáveis e explosivos.
E, ainda que houvesse tal base técnica assim asseverando, o critério, em nossa concepção, jamais poderia ser o de aumentar a base de cálculo, mas sim o percentual do próprio adicional, como aliás já adotava e persiste adotando a CLT para o caso do adicional de insalubridade, cuja definição do percentual varia de acordo com o maior ou menor grau de nocividade dos agentes insalutíferos ao organismo humano. Em suma, se o risco por exposição a energia elétrica fosse mais acentuado do que o perigo de exposição a inflamáveis e explosivos, estes deveriam ensejar um percentual menor para o adicional.
Retornando à questão da base de cálculo com o advento da Lei n.º 12.740/12, o fato é que, posteriormente, numa análise mais cuidadosa, terminamos por inevitavelmente constatar que o ordenamento pátrio não deixou mais qualquer espaço para o entendimento diferenciado estabelecido pela Súmula 191 do TST.
Este aspecto, aliás, parece-nos claramente reforçar o entendimento que exaramos nos parágrafos imediatamente anteriores deste estudo, tanto que o legislador, para não deixar pairar qualquer dúvida a respeito, condensou as hipóteses de cabimento do adicional na CLT, manteve a base de cálculo prevista em seuArt. 193, §1º, e ainda ab-rogou (revogação total) expressamente a Lei n.º 7.369/85.
Em conformidade com o revogado art. 1º da Lei n.º 7.369/85, o adicional de periculosidade devido aos eletricitários incidia sobre o salário que percebesse, vale dizer, no entendimento do TST, sobre a totalidade das verbas salariais, incluindo outros adicionais.
De início, uma conclusão cabal é que os empregados que exercem suas funções com exposição à energia elétrica passarão a perceber adicional de periculosidade em menor valor, pois este título incidirá apenas sobre o salário básico, deixando de incluir na base de cálculo a totalidade das parcelas salariais, como outros adicionais, gratificações, prêmios etc., haja vista aplicar-se, doravante, a regra estatuída no § 1º do art. 193 da CLT.
Grife-se, aqui, que a modificação da Súmula n.º 191 pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho, data máxima vênia, é medida que se impõe. Aliás, como o enunciado em questão objetivava apenas diferenciar a base de cálculo entre os eletricitários e as demais categorias que recebessem o adicional sub examine, a hipótese, ao nosso sentir, recomenda ocancelamento da súmula, porquanto desnecessária a alteração para um texto que disponha aquilo que expressamente a lei já estabeleceu.
Ou, caso queira o TST prestar um serviço de utilidade pública, neste aspecto, que altere o texto da súmula para, doravante, esclarecer que, ressalvados os casos de pactuação individual ou coletiva dispondo de modo diverso, com o advento da Lei n.º 12.740/12 o adicional de periculosidade, mesmo para os eletricitários, tem como base de cálculo o salário básico do trabalhador.
Já temos notícia de que esse cenário legal vem ocasionando debates entre trabalhadores e empregadores, com questionamentos de toda ordem. Dentre os principais, estariam:
a) O empregado que já percebia o adicional de periculosidade calculado sobre a totalidade das parcelas de natureza salarial teriam direito adquirido a esta base de cálculo?
b) Como uma espécie do gênero do questionamento acima, o empregado que já percebia o adicional sobre todas as verbas salariais, em razão de decisão judicial transitada em julgado, teria esta base de cálculo consolidada como direito imutável?
c) As categorias que recebiam o adicional sobre a totalidade das parcelas salariais, em razão de norma coletiva assim dispondo, teriam essa base assegurada?
Permissa vênia de entendimento diverso, entendemos pela possibilidade de adoção de um mesmo posicionamento para os questionamentos contidos nas duas primeiras alíneas, dado que, especialmente em relação ao adicional de periculosidade (assim como ocorre no tocante ao adicional de insalubridade, porém com menor ênfase), este se constitui em “salário-condição”, ainda que pago em razão de decisão judicial que assim impôs. É o que se infere da dicção do Art. 194 da CLT, in verbis:
Art. 194 - O direito do empregado ao adicional de insalubridade ou de periculosidade cessará com a eliminação do risco à sua saúde ou integridade física, nos termos desta Seção e das normas expedidas pelo Ministério do Trabalho.
Noutras palavras, o direito a seu pagamento, administrativa ou judicialmente reconhecido, é renovado mensalmente em sendo configuradas as hipóteses ensejadoras, podendo ser suprimido a qualquer tempo, caso haja a eliminação do risco, seja por alteração/melhoria/adequação do local de trabalho ou mesmo em razão da transferência do trabalhador para setor cujas condições não se traduzam em atividades ou operações perigosas, não se podendo suscitar violações a direito adquirido, ou, menos ainda,à previsão constitucional de irredutibilidade salarial.
Há que se grifar que o intuito do legislador celetista, como não poderia deixar de ser, jamais foi o de assegurar o pagamento do adicional (de periculosidade ou insalubridade), mas sim, num primeiro momento, o de eliminar quaisquer condições nocivas ou perigosas à saúde e integridade física do trabalhador. Somente quando não possível a eliminação integral do risco ou nocividade é que estabelece o pagamento de uma espécie de indenização, seja para tentar equilibrar a relação, compensando o empregado, seja para estimular e cobrar do empregador a adoção de todas as medidas possíveis para eliminação dos agentes periculosos ou insalutíferos. Para perfeita visualização, transcrevemos a CLT, no particular:
Art. 191 - A eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorrerá: (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
I - com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
II - com a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador, que diminuam a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
Parágrafo único - Caberá às Delegacias Regionais do Trabalho, comprovada a insalubridade, notificar as empresas, estipulando prazos para sua eliminação ou neutralização, na forma deste artigo. (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
Desfechando nossas impressões sobre as ilações constitucionais, nessa esteira, no rol de direitos sociais elencados no Art. 7º de nossa Carta Política, não se estabelece um patamar mínimo de quantificação do adicional de periculosidade ou de sua base de cálculo, ao revés do ocorre com o percentual de horas extras, o acréscimo salarial das férias e o montante do 13º salário.
Em suma, o que sustentamos é que, do ponto de vista técnico-jurídico, nem mesmo a preexistência de trânsito em julgado de decisão, estabelecendo a base de cálculo do adicional de periculosidade como sendo a totalidade das parcelas de natureza salarial para dado trabalhador, tem o condão de lhe gerar direito adquirido a tal base de incidência. Até porque, como visto, nem mesmo o principal, isto é, o adicional em si, pode se afigurar em direito adquirido, podendo ser suprimido a qualquer hora, se cessadas as condições outrora ensejadoras do pagamento do adicional, que dirá sua base de cálculo.
Quanto à última alínea, ou seja, em relação aos questionamentos advindos de previsões contidas em normas coletivas, entendemos importante tecer algumas outras considerações a respeito.
Até pouco tempo, o entendimento sumular e sedimentado pelo C. TST, em seu enunciado 277, era no sentido de que as normas coletivas somente teriam aplicabilidade dentro de seu período de vigência, ou seja, o posicionamento era terminantemente contrário à ultratividade das normas coletivas. Assim, cessada a vigência, somente novo instrumento coletivo poderia voltar a assegurar os direitos estabelecidos no anterior e não decorrentes, automaticamente, de disposição legal.
Numa inusitada e inesperada reversão, o TST, a partir de setembro/2012, alterou a súmula em questão para dispor entendimento diametralmente oposto:
Súmula nº 277 do TST. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE (redação alterada na s na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificados ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.
De plano, especialmente considerando que a hipótese era de existência de enunciado anterior preconizando entendimento em sentido totalmente diverso, reputamos que não há sequer como se tergiversar sobre eventual aplicação retroativa da exegese sumular em questão.
Noutras palavras, as normas coletivas que já vigiam quando da alteração do texto sumular, em setembro/2012, foram pactuadas pelas partes sob a ótica de limitação ao seu prazo de vigência, o que era expressamente referendado pela redação anterior da mesma súmula. Assim, não vemos como se entender que normas coletivas firmadas anteriormente à alteração sumular já pudessem se considerar incorporadas aos contratos de trabalho dos trabalhadores beneficiários do instrumento pactuado. No máximo, apenas se renovadas ou pactuadas posteriormente ao novel texto sumular é que poderiam ser compreendidas como incorporadas.
Outro aspecto é que entendemos, data máxima vênia, que o atual texto sumular é de duvidosa e questionável legalidade e constitucionalidade.
Com efeito, na esfera infraconstitucional, o primeiro Diploma a ser frisado é a própria CLT, que assim estabelece:
Art. 613 - As Convenções e os Acordos deverão conter obrigatoriamente: (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
I - Designação dos Sindicatos convenentes ou dos Sindicatos e empresas acordantes; (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
II - Prazo de vigência; (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
(...)
VI - Disposições sobre o processo de sua prorrogação e de revisão total ou parcial de seus dispositivos; (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
Art. 614 - Omissis
(...)
§ 3º Não será permitido estipular duração de Convenção ou Acordo superior a 2 (dois) anos. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
Os supratranscritos preceitos encontram-se induvidosamente contrariados pela atual redação da Súmula 277 do TST.
Frise-se que os benefícios pactuados em normas coletivas se apresentam num cenário de natureza jurídica diversa do contrato individual de trabalho. Com efeito, apesar de, neste último, prever a CLT a impossibilidade de alteração do pactuado de forma unilateral e/ou em prejuízo do empregado (Art. 468, CLT), bem como que devem integrar a remuneração as parcelas salariais pagas com habitualidade, ainda que por liberalidade (Art. 457, CLT), aqui nos encontramos num campo de um pacto individual firmado entre empregador e empregado para reger aquela relação em particular, donde, regra geral, o contrato é firmado por prazo indeterminado. De sorte que, para as condições pactuadas, a vigência de tais cláusulas deve observar igual perspectiva temporal, ou seja, acompanhar e serem praticadas ao longo de toda a duração do liame empregatício.
Trata-se de situação diversa das normas coletivas. Primeiro, porque, a princípio, o que intentam as categorias obreiras por meio destas é ampliar os benefícios já existentes ou mesmo obter outros ainda não previstos/assegurados em lei. Segundo, porque, aqui, as normas pactuadas se aplicam a toda categoria, de forma coletiva. Terceiro, em razão de que, justamente diante de tais peculiaridades é que veio a lei a dispor um prazo máximo de duração, bem como a vinculação das normas à vigência do instrumento coletivo, de modo a permitir uma revisão ampla dos benefícios discutidos, após um período de concessão destes ao longo de conjunturas diversas que podem ser vivenciadas ou suportadas pelo empregador, durante sua existência.
Pensar diferentemente, permissa vênia, assim como o fez inesperadamente o C. TST ao alterar o texto sumular, implicará o engessamento das tratativas negociais, certo de que o empregador, sabendo agora que se conceder dado benefício não mais poderá revê-lo quando exaurido o prazo de vigência da norma coletiva(já que sindicato obreiro algum subscreverá norma que retroceda em benefícios anteriormente concedidos), será muito mais conservador e comedido – para dizer o menos – para eventuais concessões de avanços nessa seara.
Ainda no campo da duvidosa legalidade que aqui consignamos, é preciso se relembrar as disposições civis sobre os contratos em geral, que estabelecem o respeito irrestrito às manifestações de vontade das partes. Dentre elas, traz o Código Civil:
Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé.
Art. 135. Ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva.
Por fim, a Constituição da República em seu Art. 7º, inciso XXVI, estabelece a prevalência das normas coletivas, nos termos pactuados, aí se incluindo o prazo de vigência estabelecido entre as partes, o qual, por força de disposição expressa da CLT (acima transcrita), não pode ultrapassar de 2 anos.
Logo, com a devida vênia, nem concordamos com a ultratividade (muito menos incorporação ao contrato de trabalho) preconizada pela atual redação da Súmula 277 do TST, mas, de todo modo, parece-nos inquestionável que tal entendimento, ainda que mantido, não pode ser aplicado de forma retroativa, a normas coletivas que já haviam sido firmadas quando da alteração do texto sumular.
Daí, ainda exsurge a necessidade de implementar análise apartada da questão, no que diz respeito ao período entre setembro/2012, data da alteração sumular, e 08/12/2012, dia em que foi publicada a Lei n.º 12.740/12.
É que, mesmo se considerando as normas coletivas firmadas pelas partes, sob o entendimento de incorporação ao contrato de trabalho, assim pactuaram sob a premissa de que, para os eletricitários, a base de cálculo do adicional de periculosidade já seria a totalidade das parcelas de natureza salarial, já que este era o entendimento sustentado pela Súmula 191 do TST, desde 2003 e até então (isto é, a quase 10 anos).
Com a superveniência da dita lei, surgiu no ordenamento pátrio preceito legal sepultando a exegese anterior no sentido de que a Lei n.º 7.369/85 asseguraria esta maior base de cálculo.Noutras palavras, o empregador pactuante entendia que estava a ratificar, por norma coletiva, uma disposição legal cuja interpretação o TST já assegurava ao trabalhador, cenário distinto do panorama atual.
Deste modo, ao nosso sentir, é certo que, para as normas coletivas firmadas anteriormente à publicação da Lei n.º 12.740/12, igualmente entendemos não haver como se compelir o empregador a ter esta específica pactuação coletiva (referente à base de cálculo do adicional de periculosidade) incorporada aos contratos individuais de trabalho de seus empregados, já que seu ato volitivo partiu de premissa jurídica diversa, num cenário em que o C. TST mantinha entendimento sumular que estaria ele, empregador, apenas a ratificar em norma coletiva (e, repita-se, quando até pouco tempo, o entendimento expresso era de limitação das normas coletivas ao prazo de vigência do instrumento).
Como corolário lógico das digressões acima, concluímos que somente as normas coletivas firmadas após o advento da Lei n.º 12.740/12 (e, portanto, também posteriores à alteração da Súmula 277 do TST), ressalvadas as ponderações de legalidade e constitucionalidade já aludidas, é que poderiam ter o seu conteúdo visto como incorporado aos contratos individuais de emprego vigentes.
Finalmente, também é nosso entendimento que, como dito na parte final do parágrafo anterior, as normas coletivas, mesmo pelo entendimento sumular atual, somente se incorporariam aos contratos de trabalho vigentes à época de seu firmamento, não se aplicando automaticamente, de modo algum, aos contratos individuais que vierem a ser celebrados após o momento da assinatura do instrumento coletivo, ainda que no curso da vigência deste, dentre outros fundamentos, pelo princípio sob que “o tempo rege o ato”.
4.3. Um derradeiro aspecto relevante: sobrevive o Decreto n.º 93.412/86?
Um último aspecto da Lei n.º 12.740/12 diz respeito a uma fundada dúvida sobre se o Decreto n.º 93.412/12 persiste válido e vigente no ordenamento pátrio!
É que, como sabido, o referido decreto surgiu no mundo jurídico para regulamentar especificamente a Lei n.º 7.369/85. Daí, com a revogação desta, inevitável se discutir se houve igualmente a revogação da tabela do Regulamento aprovado pelo Decreto n.º 93.412/86, que especifica as hipóteses de direito ao pagamento do adicional de periculosidade aos trabalhadores no setor de energia elétrica.
Isso porque, como regra geral, não sendo os decretos fontes autônomas de direitos, mas sim tendo como função precípua regulamentar disposições legais existentes, a revogação destas implicaria a mesma sorte para os decretos correlatos.
Mas um primeiro aspecto que deve ser pontuado é que o risco de exposição à energia elétrica persiste como agente caracterizador de operação ou atividade perigosa, em decorrência da inserção desta hipótese no inciso I do Art. 193 da CLT.
Já por força de tal constatação, entendemos que a regulamentação esculpida no Decreto n.º 93.412/86 é compatível com o supracitado dispositivo celetizado, cabendo ser aplicado este decreto regulamentador àquele preceito legal.
Ao buscar analisar a jurisprudência, tivemos a grata surpresa de encontrar aresto de nosso saudoso conterrâneo alagoano, Ministro Humberto Gomes de Barros, do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria:
EMENTA: ADMINISTRATIVO – INTERTEMPORAL – LEI NOVA – REGULAMENTO – RECEPÇÃO.A revogação expressa de uma lei nova, nem sempre acarreta a derrogação do regulamento. Se os dispositivos do regulamento são compatíveis com os novos preceitos, o regulamento é recebido pelo diploma superveniente.
VOTO
Transcrevo, a propósito, a feliz observação lançada no Parecer do Ministério Público Federal (fls. 281⁄2), nestes termos:
‘O Decreto n. º 2.722⁄84 (fls. 101), aprovou “o Regulamento que especifica e define as condições para o aproveitamento de áreas e locais considerados de interesse turístico, de que trata o artigo Io da Lei Estadual n. ° 7.389, de 12 de novembro de 198.”. A Lei n. ° 12.243⁄98 (fls. 97⁄100), em seu artigo 5o, revogou expressamente a Lei n.° 7.389⁄80, entretanto, reproduziu o artigo 1o desta lei, e acrescentou-lhe, apenas, a alínea “j”, considerando, também, como Zona de Proteção Ambiental 'os habitats de espécies ameaçados de extinção’.
Ora, cumpre esclarecer que quando a lei superveniente trata da matéria disciplinada pelo diploma legal revogado, sem inovações relevantes, preserva-se o decreto, norma administrativa, que fora editado com a finalidade de operar sua regulamentação. Nesse passo, não merece reparo o posicionamento do Tribunal a quo.
Entendimento aliás, que deflui das lições do sempre lembrado administrativista Hely Lopes Meirelles:
'Decreto regulamentar ou de execução: é o que visa explicar a lei e facilitar sua execução, aclarando seus mandamentos e orientando sua aplicação. Tal decreto comumente aprova, em texto à parte, o regulamento a que se refere. Questiona-se se esse decreto continuaem vigor quando a lei regulamentada é revogada e substituída por outra. Entendemos que sim, desde que a nova lei contenha a mesma matéria regulamentada.’.
Em verdade, a Lei nova recepcionou o anterior regulamento.
Nego provimento ao recurso.
(RMS 14219 / PR – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2002/000322-0 – Relator Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS – Primeira Turma – Data do Julgamento 16/04/2020 – DJ 24/06/2002, p. 187 – RSTJ vol. 157, p. 80)
Assim sendo, reputamos, ao menos até ulterior aprofundamento, que as hipóteses detalhadas previstas no Decreto n.º 93.412/86 se mantêm válidas e vigentes em nosso ordenamento, mesmo após o advento da Lei n.º 12.740/12, passando a regulamentar o direito ao pagamento do adicional de periculosidade em razão da previsão, no inciso I do Art. 193 da CLT (fine), da exposição permanente ao risco acentuado à energia elétrica, o que, entretanto, não obsta que o Ministério do Trabalho e Emprego, no uso de suas atribuições, aprove novo anexo à Norma Regulamentadora n.º 16 para tratar da matéria.
4.4. Outros aspectos da Lei n.º 12.740/12, relativos à novel hipótese ensejadora do adicional de periculosidade.
Por razões didáticas, deixaremos para analisar as particularidades da inserção, na CLT, das atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial com exposição a roubos ou outras espécies de violência física, como nova hipótese legal ensejadora do direito ao adicional de periculosidade, em estudo apartado futuro.
5. Conclusão
Ante os fundamentos esposados neste estudo, chegamos pelo menos às seguintes conclusões sobre o presente tema:
a) A alteração do caput do Art. 193 da CLT, que trocou a expressão anterior – ”contato” – pela atual – “exposição”, aparenta-nos como propósito legislativo de explicitar que o risco qualificador de operação ou atividade perigosa, sob o ponto de vista empregatício, não é apenas aquele verificado na execução detarefas relacionadas diretamente, mas também indiretamente, com os agentes periculosos, podendo-se concluir que a proximidade do local de trabalho, por exemplo, com setores tidos como periculosos, pode igualmente gerar o risco ensejador do pagamento do correspondente adicional;
b) Apesar de que, ao nosso ver, a Lei n.º 7.369/85 jamais teve o condão de assegurar a “remuneração” como base de cálculo para o adicional de periculosidade, mesmo que para os eletricitários, com o advento da Lei n.º 12.740/12 cessou qualquer dúvida – se havia – a este respeito e sepultou-se irrestritamente a exegese jurisprudencial contida na Súmula 191 do TST;
c) Não há direito adquirido sequer ao adicional de periculosidade em si, muito menos a uma base de cálculo deste adicional, como sendo a totalidade das verbas de natureza salarial, por se traduzir em “salário-condição”, nos termos dos Arts. 191 e 194 da CLT, igualmente não se aplicando à hipótese o princípio constitucional de irredutibilidade salarial;
d) As normas coletivas não poderão assegurar o direito do empregado a ver calculado seu adicional de periculosidade sobre a totalidade das parcelas de natureza salarial, salvo se pactuadas posteriormente ao advento da Lei n.º 12.740/12 e à alteração da Súmula 277 do TST, porém ainda com grandes ressalvas à legalidade e constitucionalidade deste entendimento sumular, e ressaltando a impossibilidade de aplicação automática desta norma coletiva a contratos de trabalho firmados após sua assinatura, mesmo que ainda na vigência do instrumento coletivo;
e) A ab-rogação da Lei n.º 7.369/85 não acarretou a revogação do respectivo Regulamento contido no Decreto n.º 93.412/86, haja vista o risco de exposição à energia elétrica persistir como agente caracterizador de operação ou atividade perigosa, em decorrência da inserção desta hipótese ao inciso I do Art. 193 da CLT, e, portanto, aquela regulamentação ser compatível com o novel texto consolidado, não havendo óbice, entretanto, a que o Ministério do Trabalho e Emprego aprove novo anexo à Norma Regulamentadora n.º 16 para tratar da matéria, em consonância com o disposto no caput do Art. 193 da CLT.