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Contrato de demanda de energia não é fato gerador do ICMS

06/08/2013 às 14:39

Resumo:


  • Hugo de Brito Machado destaca a dificuldade de definir conceitos no Direito, ressaltando que muitas divergências jurídicas se originam nas definições conceituais e que o entendimento comum sobre estes conceitos muitas vezes elimina as divergências.

  • Ricardo Lobo Torres aborda a incidência do ICMS sobre o fornecimento de energia elétrica e a demanda de potência, argumentando que o direito tributário deve buscar conceitos em outras áreas, como as ciências elétricas, para fundamentar suas teses.

  • O Supremo Tribunal de Justiça entende que não há incidência do ICMS sobre o valor contratado para garantir a demanda de reserva de potência, e qualquer discussão sobre o tema deve considerar os conceitos técnicos de potência, energia e corrente elétrica, conforme as ciências elétricas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O professor Ricardo Lobo Torres partiu da premissa falsa segundo a qual consumo e demanda de potência são elementos do mesmo ser, para concluir que a reserva de demanda de potência é fato gerador do ICMS. O STJ deliberou bem quando declarou a não incidência do ICMS sobre o fato.

Hugo de Brito Machado[i] alerta que “não devemos nos iludir com a possibilidade de definições. Definir é algo geralmente muito difícil. Praticamente impossível. Por isto mesmo, tudo que vamos dizer sobre o Direito há de ser entendido como simples enunciados provisórios, sujeitos a contestações”.

E diz mais, o Mestre Cearense, “sem nenhum exagero, podemos afirmar que as divergências a respeito de teses jurídicas estão situadas, em sua maioria, nos conceitos utilizados e não nas teses propriamente ditas. Uma vez acertadas os contendores a respeito dos conceitos utilizados, desaparece a divergência”.

É nesse contexto de coisas que ousamos enfrentar o tema da Incidência ou não do ICMS sobre o fornecimento de Energia Elétrica e sobre a Demanda de Potência.

Ricardo Lobo Torres[ii] enfrentou o tema e apresentou novos e significativos aspectos do problema, o que, de certa forma, nos incitou a explorar a matéria. Entretanto, o professor carioca, embora, aparentemente, encete seu trabalho seguindo a lição de Hugo de Brito Machado, vez que, afirma que “o direito tributário é um direito de sobreposição, que não elabora diretamente os conceitos sobre os quais deve recair o imposto e que vai buscá-los nas relações social e econômica, já juridicizado pelo ramos do direito que regulam as relações intersubjetivas: direito civil[iii], direito comercial, direito do trabalho e, inclusive, os novos direitos surgidos do desenvolvimento tecnológico: direito de comunicação, direito da informática, direito da eletricidade etc”.

Ressalta-se, ainda, que o direito da eletricidade ou direito da energia elétrica já possui autonomia científica e que este forjou o conceito legal de demanda de potência, constituído sobre o conceito proveniente da eletrotécnica e do mundo pré-jurídico.

Entretanto, o Mestre Fluminense derrapa exatamente quando se aventura na definição de demanda de potência e consumo, chegando ao absurdo de afirmar que estes são componentes do fornecimento de energia. E que sem consumo e sem demanda de potência inexiste fornecimento de energia e conseqüentemente, inexiste, “operação relativa à energia elétrica” (art. 155, parágrafo 3º da CF, que constitui o fato gerador do tributo (ICMS).

E é partindo da pseuda premissa que o fornecimento de energia é formado pela demanda de potência e pelo consumo, que o autor chega à conclusão de que a demanda contratada é fato gerador do ICMS.

São premissas falsas, também, utilizadas pelo Professor fluminense, no seu silogismo: primeiro, que a tarifa binômia compõe-se da demanda de potência e do consumo efetivo; e a segunda, a que a tarifa monômia compõe-se do consumo mais a demanda de potência, embora esta não venha explicitada. Entretanto, não exploraremos esse viés, por entendermos que este aspecto não contribui para a resolução do problema, ora, enfrentado. Diremos apenas que a tarifa nomômia cobra apenas o consumo reativo e a binômia cobra o consumo reativo e o indutivo e que não existe relação entre estas e a demanda contratada de reserva.

Não pretendemos aqui explanar toda a saga do problema até por que entendemos que a matéria já se encontra pacificada, como seja, é entendimento do Supremo Tribunal Justiça que não há incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente a garantir a demanda reserva de potência. O que pretendemos acrescentar na discussão é o fato de que tanto o entendimento esposado por Ricardo Lobo Torres, assim como o entendimento do STJ, se fundam em conceitos e definições que não correspondem à realidade fática, pois não são utilizados pelas ciências elétricas.

Nesse contexto de coisas, antes de tudo, é oportuno salientar, de logo, a Lição de Hobbes, quando afirma que a linguagem escrita somente serve a ciência quando conceitua de forma correta os objetos, fatos e fenômenos que expressa.

E, conforme salientado por Ricardo Torres, o direito tributário é um direito de subreposição e, portanto, deve se servir dos conceitos e das definições de outros ramos da ciência, in casu, as ciências elétricas. Assim sendo, não podemos discutir a incidência ou não do ICMS sobre a demanda de reserva de potência, sem antes conceituarmos o que seja potência, o que seja energia elétrica, corrente elétrica. Nesse aspecto, seremos breves e concisos, vez que o assunto é para os doutos nas ciências elétricas. E mais, queremos ressaltar que nosso público alvo, aqui, são os juristas, pelo que tentaremos uma linguagem que lhes sejam acessíveis, pelo que, de já, admitirmos a possibilidade de não sermos tão claro aos olhos dos eletricitários.

Pois bem, nesse contexto, podemos afirmar que corrente elétrica é o movimento ordenado de elétrons. Corrente continua, movimento ordenado de elétrons no mesmo sentido. Corrente Alternada, movimento ordenado de elétrons que alterna seus sentidos numa determinada unidade de tempo.

A potência, no contexto, do problema ora enfrentando, especifica a capacidade da geradora de energia de fornecer elétrons ao consumidor, num determinado espaço de tempo, num determinado potencial elétrico – tensão – e numa determinada freqüência, como seja, quanto maior o número de elétrons fornecidos maior a potência, isso se considerando fixa a resistência dos condutores, meios de transporte de dos elétrons, rede elétrica.

Nesse compasso, a demanda efetiva corresponde à quantidade exata de elétrons utilizados pelo consumidor e demanda de reserva contratada, corresponde à quantidade de elétrons que, eventualmente, pode vir a necessitar o consumidor, necessidade essa que a fornecedora de energia se compromete a suprir.

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Ressalte-se, que na potência consumida existira o efetivo movimento de elétrons, que se servira da rede elétrica para transitar da geradora ao consumidor. No caso da potência de reserva o transporte estará disponível, a rede elétrica, mas, efetivamente não existira o movimento dos elétrons desde a geradora até o consumidor.

Para sermos claros, embora, não técnicos, vamos considerar, hipoteticamente, que cada elétron em circulação ordenada gere uma potência efetiva de 1Watt. E que seja esse elétron a mercadoria em movimento,[iv] para efeito de incidência do ICMS. E se consideramos, ainda, que uma determinada indústria tenha uma demanda de potência máxima de 100 Watts, será necessário que a geradora de energia transporte, por suas redes de energia, até a empresa consumidora um total de 100 elétrons, por hora, para que possa suprir a necessidade do consumidor e essa será potência de reserva a ser contratada pela empresa 100 Watts.

Entretanto, como as empresas geralmente não trabalham com capacidade máxima, se essa mesma empresa estiver trabalhando, apenas, com 80% de sua capacidade máxima irá consumir tão somente 80 elétrons, por hora, pelo que não haverá o movimento, transporte, dos outros 20 elétrons reservados, via de conseqüência, não há fato gerador do ICMS, no tocante aos 20 elétrons não movimentados, vez que, não houve movimento da mercadoria, embora, o meio de transporte, rede elétrica, esteja à disposição e com capacidade para efetiva transportar os elétrons reservados.

Grosso modo, poderíamos comparar o contrato de reserva de demanda de energia, com compromisso de compra e venda, mediante condição, qual seja a efetiva necessidade do consumidor. Nesse caso a vendedora – concessionária de energia – se compromete a fornecer a consumidora uma determinada quantidade de energia elétrica, quando essa efetivamente venha a necessitar, sendo que necessidade pode ocorrer a qualquer tempo e o suprimento desta deverá estar disponível 24 (vinte quatro) horas por dia, durante toda a vigência do contrato.   

Assim sendo, concluímos que o Professor Ricardo Lobo Torres partiu de premissa falsa, qual seja, que consumo e demanda de potência são elementos do mesmo ser, para concluir que a reserva de demanda de potência é fato gerador do ICMS.  O STJ deliberou bem quando declarou a não incidência do ICMS sobre o fato, embora sob fundamento jurídico de que o contrato futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria, quando defendemos que, de fato, não existe movimento da mercadoria, movimento de elétrons, na reserva de potência.


Notas

[i]in Introdução ao estudo do direito. pag. 19/21  2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.

[ii] In Revista de Estudos Tributários – Porta Alegre: v 10, n 68, Jul/ago. 2008.

[iii] Ricardo Mariz de Oliveira - in Revista de Estudos Tributários. Edição Especial-2008 –O Direito Tributário é um direito de sobreposição. Ele encontra as relações humanas regidas pelo direito privado, fundamentalmente pelo Direito Civil e dá o trato tributário.

[iv]Hugo de Brito Machado salienta que, na verdade, só por ficção se pode admitir a incidência do ICMS sobre fornecimento de energia elétrica, pois não se trata de mercadoria.  

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Sobre o autor
Antônio Borges Neto

Advogado em Açailândia (MA). Especialista em Direito Tributário, do Trabalho e Processo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES NETO, Antônio. Contrato de demanda de energia não é fato gerador do ICMS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3688, 6 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25116. Acesso em: 22 dez. 2024.

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