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A livre distribuição à luz da Lei nº 10.358/2001

01/02/2002 às 01:00
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Recentemente, foi publicada a Lei 10.358, de 27 de dezembro de 2001, que, entre outras mudanças, alterou o art. 253, do Código de Processo Civil, ora transcrito na parte em que interessa:

"art. 253. Distribuir-se-ão por dependência as causas de qualquer natureza:

I – omissis;

II – quando, tendo havido desistência, o pedido for reiterado, mesmo que em litisconsórcio com outros autores".

A alteração teve origem no anteprojeto de lei nº 14, elaborado pelos processualistas Athos Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, em cujas notas explicativas fica nítido o seu intuito:

"É alterado o ‘caput’ do art. 253, a fim de que a distribuição seja feita por dependência não apenas nos casos de conexão ou continência com outro feito já ajuizado, como ainda nos casos de ´ações repetidas´, que versem idêntica questão de direito. Evitar-se-ão, assim, as ofensas ao princípio do juiz natural, atualmente ‘facilitadas’ nos foros das grandes cidades: o advogado, ao invés de propor a causa sob litisconsórcio ativo, prepara uma serie de ações similares e as propõe simultaneamente, obtendo distribuição para diversas varas. A seguir, desiste das ações que tramitam nos juízos onde não obteve liminar, e para os autores dessas demandas postula litisconsórcio sucessivo, ou assistência litisconsorcial, no juízo onde a liminar haja sido deferida.

A alteração desse artigo do CPC foi inclusive sugerida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por ofício datado de 19.05.1994, e encaminhado ao Conselho da Justiça Federal ( of. 270/94- PRESI), com esse objetivo: obstar as ‘distribuições conduzidas’" – grifos no original.

A mudança, sem dúvida, é salutar, pois deixa expresso que o primeiro juízo a quem a causa foi distribuída ficará sempre prevento para o seu julgamento, independentemente de haver proferido sentença homologatória da desistência, evitando, com isso, fraudes à livre distribuição que vinha ocorrendo em todas as grandes comarcas. Antes, o posicionamento tradicional era no sentido de que não existiria conexão de causa finda com outra recém-proposta como fonte alteradora das regras de competência. Logo, uma vez homologada, por sentença, a desistência, a nova petição, mesmo sendo idêntica à primitiva (mesmas partes, mesmo objeto, mesma causa de pedir, mesmo advogado), seria distribuída livremente, sem que o juízo da causa originária ficasse prevento para dela conhecer, o que permitia que a parte ajuizasse inúmeras ações sucessivamente, pedindo, em seguida, a desistência do feito, até que o processo fosse distribuído ao juízo de sua preferência.

Antes mesmo da alteração legislativa, os Tribunais pátrios, seja no exercício de seu poder regulamentar, seja no julgamento de casos concretos, vinha adotando a tese de que, ao verificar que a parte ajuizou ações sucessivas com o intuito de iludir a distribuição, o juiz (seja o distribuidor, seja o da causa), visando reprimir esse ato atentatório à dignidade da justiça, teria o poder-dever de reconhecer a prevenção em relação àquele juízo a quem primeiro foi distribuída a ação, mesmo que já existisse sentença homologatória de desistência.

A Instrução Normativa nº 22. DE 21 DE AGOSTO DE 2000, (Diário da Justiça de 23/8/2000, Seção II, pág. 001), da Corregedoria Geral do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, já determinava que a distribuição de ação idêntica (Código de Processo Civil, art. 301, § 2º) a outra extinta por desistência seja feita ao juiz que conheceu da primeira, ainda que, na hipótese de vários interessados, nem todos tenham figurado na primitiva relação de autores.

As decisões também são abundantes no mesmo sentido, mesmo quando não havia norma dispondo sobre a matéria.

Na 2ª Região, cita-se o CC 96.02.26371-7/RJ, 4ª Turma, rel. Célia Georgakopoulos, em 20/11/1996, DJ: 22/05/1997, onde está ementado que "Tendo havido desistência em mandado de segurança, ficou preventa a respectiva vara para a distribuição de outro "writ" idêntico. Não se trata de conexão para evitar decisões contrárias, mas sim de se precaver contra a violação do princípio do juiz natural. Em igual sentido: CC 95.02.23703-0/RJ, 3ª Turma, rel. Juiz Celso Passos, em 21/11/1995, DJ 22/10/1996, p. 80054.

Na 3ª Região, exemplifica-se o CC 3123/SP, 1ª Seção, rel. Juiz Oliveira Lima, em 06/09/2000, DJU 20/10/2000, p. 265, cuja ementa prescreve que "A distribuição a juízo diverso de outra medida cautelar, idêntica a anterior que foi extinta por desistência, fere o princípio do juiz natural. Precedente desta corte. Não obstante a extinção do primeiro, a prevenção por conexão está a determinar a distribuição do segundo feito ao mesmo juízo do pedido anterior. Em idêntico sentido: CC 94.03.061144-8/SP, 2ª Seção, rel, Juíza Eva Regina, em 2/06/1998, DJ:12/08/1998, p. 512; CC 03025205-1/SP, 2ª Turma, rel. Juiz Oliveira Lima, DOE:15/06/1992, p.135.

Por fim, na 4ª Região, há o precedente do CC 97.04.24501-7/RS, 1ª Seção, rel. Jardim de Camargo, em 03/09/1997, DJ 05/11/1997, p. 93731, onde se decidiu que "Existindo identidade de processos, sendo que na primeira ação houve exame da inicial e indeferimento de liminar, encontrando-se arquivada devido a pedido de desistência, a segunda ação deve ser distribuída por prevenção"[1].

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Observe-se que, apenas o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, ainda não havia adotado o posicionamento agora imposto por lei.

Sem receio de equívoco, foi importante a alteração legislativa, ainda que apenas para efeitos simbólicos, já que os Tribunais Regionais Federais, quase todos, já vinham adotando a regra, mesmo sem norma expressa dispondo sobre a matéria.

Contudo, a redação da lei não é a melhor. Ainda é possível a existência de burlas à livre distribuição, inclusive utilizando a própria alteração legislativa. Confira-se.

Um sujeito X ingressa com uma ação onde seria possível o litisconsórcio ativo facultativo; a ação é distribuída precisamente ao juízo que ele desejava; objetivando burlar a livre distribuição, o sujeito pediria a desistência da ação e, em seguida, ingressaria com uma nova ação com inúmeros litisconsortes ativos; por força da nova redação do art. 253, do CPC, esta nova ação deveria ser distribuída por dependência ao juízo a quem foi distribuída a primeira ação; desse modo, os novos litisconsortes estariam "escolhendo" o juiz para a sua causa, o que configura burla ao juízo natural e à livre distribuição. Como se observa, a lei merece ser aplicada com bastante cautela para que não seja utilizada exatamente para proporcionar a burlar à livre distribuição, que ela própria almeja banir.

Outro ponto omisso (ou falho) na nova redação diz respeito às ações extintas por outra causa diversa da desistência. Imagine-se a seguinte situação: a parte ajuíza várias ações, todas sem procuração e/ou sem pagamento das custas; se uma é distribuída ao juiz de sua ‘preferência’, o advogado não precisaria nem pleitear a desistência das demais, que serão extintas por falta de pressuposto processual, qual seja, a regularidade da representação ou terão suas distribuições cancelada por ausência de pagamento das custas.

A nova redação do art. 253, do CPC, não deixa expresso que, nesses casos, a distribuição também deve ser feita por dependência.

Redação melhor seria a oferecida pelo art. 43, §§ 2º e 3º, do anteprojeto da Lei Orgânica da Justiça Federal, elaborado pela AJUFE:

"§2º. No caso de desistência de ação, ou de extinção do processo sem julgamento do mérito por qualquer causa, em havendo a propositura de nova ação com o mesmo objeto, estará prevento o juiz que primeiro conheceu do pedido" – grifamos.

"§3º. Ao propor nova ação, a parte deverá informar na inicial o ajuizamento de ação anterior, sob pena de condenação por litigância de má-fé".

Para finalizar, creio que existe, implicitamente, no sistema jurídico, uma norma decorrente do juiz natural determinando que, sempre que houver tentativa de burla à livre distribuição, o juiz tem o dever de impedir essa fraude.

Portanto, a nova redação dada ao art. 253, do CPC, dada pela Lei 10.358, de 27 de dezembro de 2001, cujos objetivos são nobilíssimos, deve ser sempre interpretada teleologicamente (ora alargando o seu sentido, ora restringindo-o), visando sempre reprimir qualquer tentativa de burla à livre distribuição.

Desse modo, em síntese ao que foi exposto, conclui-se:

a) a distribuição de ação idêntica a outra ação, mesmo já extinta por desistência ou por qualquer outra causa extintiva (p. ex. ausência de procuração ou cancelamento da distribuição por não pagamento das custas), deve ser feita ao juiz a quem foi distribuída a primeira, caso fique evidenciado o intuito de burla à livre distribuição;

b) no caso de propositura de nova ação idêntica a outra já extinta por desistência, em que, na nova ação, houve a inclusão de outros litisconsortes ativos facultativos estranhos ao feito originário, estes deverão ser excluídos da lide, procedendo, quanto a eles, o desmembramento do feito, devendo a nova ação composta pelos litisconsortes excluídos ser livremente distribuída.


Notas

1.Em sentido contrário, citam-se, entre outros os seguintes acórdãos do TRF da 1ª Região, proferidos antes da promulgação da já referida Instrução Normativa nº 22/2000: CC 98.02.24600-0/RJ, 2ª Turma, Rel. Juiz Espírito Santo, em 09/12/1998, DJ 09/09/1999; AMS 01306417/MG, 4ª Turma, rel. Juiz Eustáquio Silveira, em 26/10/1994, DJ: 07/11/1994 PAGINA: 63214; AC 01309769/MG, 3ª Turma, rel. Juiz Tourinho Neto, em 08/11/1993, DJ: 25/11/1993 PAGINA: 50897.

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Sobre o autor
George Marmelstein Lima

Juiz Federal em Fortaleza (CE). Professor de Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, George Marmelstein. A livre distribuição à luz da Lei nº 10.358/2001. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2594. Acesso em: 22 dez. 2024.

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